I) - Os pressupostos da acção de impugnação pauliana, tal como resultam dos artºs 610º e 612º do Código Civil, são: a existência de um crédito; a anterioridade desse crédito em relação ao acto impugnado, ou sendo posterior, que o acto tenha sido praticado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do credor; que o acto seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, ocorra má fé tanto do alienante como do adquirente; que do acto resulte a impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do crédito ou o agravamento dessa impossibilidade.
II) - Nos actos gratuitos não se exige a má-fé, porque são, por natureza, prejudiciais para os credores.
III) - Os actos abrangidos pela impugnação pauliana são todos os actos do devedor que envolvam a diminuição da garantia patrimonial do crédito, entre os quais se destacam os actos de alienação de bens ou de transmissão de direitos, bem como a renúncia a direitos existentes no seu património.
IV) - Em face da regra estabelecida no artº. 611º do Código Civil, que introduz um desvio à regra geral do artº. 342º, nº. 1 do mesmo Código, incumbe ao credor provar apenas a existência do seu crédito e a sua anterioridade em relação ao acto impugnado, cabendo ao devedor e/ou ao terceiro adquirente a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de valor igual ou superior ao da dívida.
V) - A data a que deve atender-se, para aferir da gratuidade ou onerosidade do acto, é a do acto impugnado.
VI) - Quando cônjuges que eram casados no regime da comunhão de adquiridos procederam à construção de uma casa em terreno próprio da mulher, é aplicável a este bem o regime previsto no artº 1726° do Código Civil.
VII) - Verificando-se que a prestação dos bens comuns do casal é superior à prestação dos bens próprios do outro cônjuge, na contribuição para a aquisição/construção da casa, deve esta ser considerada como bem comum – ou seja, o imóvel deve revestir a natureza da prestação de maior valor nos termos do nº. 1 do artº. 1726º do Código Civil, devendo o proprietário do terreno ser compensado, ao abrigo do disposto no nº. 2 do mesmo preceito legal, pela deslocação que foi feita do seu património próprio para o património comum do casal.
I. RELATÓRIO
M intentou a presente acção de impugnação pauliana, sob a forma de processo ordinário, contra:
1º - S,
2ª - R,
pedindo que seja decretada a ineficácia em relação ao autor do acto de partilha do bem referido no artº. 12º da petição inicial, devendo ser ordenada a restituição do referido bem ao património do obrigado de modo a que a Autora se possa pagar à custa desse prédio.
Alega, em síntese, que no processo nº. 357/1998, que correu termos no Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, o 1º Réu foi condenado, por sentença datada de 17/02/2006, a pagar à A. a quantia de € 54 917,65 e, em 14/04/2008, foi ainda condenado, em liquidação de sentença, a pagar a quantia de € 18 049,25, quantias essas acrescidas de juros de mora calculados à taxa legal desde as respectivas decisões até integral pagamento, sendo que, na data da propositura da acção, o R. devia à A. a importância de € 64 569,30, após ser descontada a quantia de € 8 397,60 que o R. já havia pago por força da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória nº. 357-A/1998.
Mais alega que em 7/03/2006, depois de ter tido conhecimento da condenação do Réu S, a Ré R instaurou contra o ora Réu, com quem era casada, acção de divórcio litigioso, que correu termos no Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez sob o nº. 168/06.2TBAVV, que aquele não contestou.
Acrescenta que os factos alegados na acção de divórcio eram falsos, uma vez que o R. nunca abandonou o lar, a sua esposa e o seu filho, com quem continuou a viver em casa do sogro, sendo que os RR. tiveram, entretanto, outro filho e em 2005 iniciaram, em conjunto, a construção de uma moradia, tendo para o efeito, em Junho de 2005, solicitado e obtido um empréstimo do BCP para custear aquela construção.
Apesar disso, na tentativa de conciliação daquela acção de divórcio, realizada em 29/06/2006, os RR. convolaram o divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento e acordaram, entre outras coisas, que:
- não existem bens comuns a partilhar;
- o R. renunciava à edificação, em grosso, que estava a ser construída no prédio denominado “Monte de Polos”, sito no lugar da Igreja, em Jolda Madalena, uma vez que reconhecia que a mesma estava a ser construída com dinheiro pertencente à Autora;
- o R. pagará de alimentos devidos ao menor a quantia mensal de € 150, a ser actualizada em função da taxa de inflação, no mínimo de 3%, a começar em Janeiro de 2007.
Refere, ainda, que o R. renunciou ao único bem que lhe era conhecido e onerou o seu salário com a referida pensão de alimentos a favor do seu então único filho, tendo o acordo para partilha dos bens comuns e fixação dos alimentos ao filho visado impedir a concretização de uma posterior penhora da moradia e diminuir a parte penhorável do salário do Réu.
Caso a intenção do R. se venha a concretizar, ficará a A. impossibilitada de, através da penhora dos referidos bens, vir a obter o pagamento da indemnização a que aquele foi condenado.
Cada um dos RR. apresentou contestação, impugnando os fundamentos da acção e alegando, em síntese, que:
- se separaram no início de 2005, tendo depois disso feito várias tentativas de reconciliação, das quais resultou a gravidez da Ré e o nascimento do segundo filho do casal em Novembro de 2006;
- em Março de 2006, depois do insucesso daquelas tentativas de reconciliação, a Ré acabou por instaurar a acção de divórcio, que foi decretado em 29/06/2006;
- o acordo alcançado entre ambos quanto à edificação que estava a ser construída em “Monte de Polos” teve origem no facto do terreno ter sido doado à Ré pelos seus pais, por escritura celebrada em 10/10/2002, e de o R. ter firmado com aqueles um acordo de cavalheiros no sentido de que renunciaria àquela edificação e que a Ré pagaria ao Banco mutuante as amortizações decorrentes do empréstimo com o qual estava a ser construída a dita moradia;
- desde que se separaram definitivamente, uns dias antes da instauração da acção de divórcio, os RR. têm vidas separadas e autónomas;
- após o divórcio, com base nos acordos nele celebrados e na escritura pública de assunção de dívida outorgada em 17/11/2006, a Ré assumiu em exclusivo o pagamento da dívida ao Banco mutuante, tendo este, em consequência disso, emitido uma declaração a desonerar o R. do pagamento das amortizações do empréstimo;
- a casa de habitação construída não é um bem comum dos RR., sendo que o R. nunca teve mais do que uma mera expectativa de ser dono da respectiva meação, caso viesse a contribuir para o pagamento da amortização do empréstimo que a financiou;
- o mencionado prédio rústico e a benfeitoria pertencem única e exclusivamente à Ré, pois para além do terreno lhe ter sido doado pelos pais, a casa de habitação foi construída com dinheiro desta, sendo ela quem pagou e continua a pagar as prestações ao Banco;
- a renúncia do R. à benfeitoria não foi um negócio gratuito, mas sim oneroso, porquanto a Ré, após o divórcio, assumiu a dívida ao Banco credor.
Concluem, pugnando ambos pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
A A. replicou e a Ré R apresentou tréplica, mantendo ambas, no essencial, as posições defendidas nos anteriores articulados por elas apresentados.
Realizou-se a audiência preliminar, na qual foi proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto assente e organização da base instrutória, que não foram objecto de reclamações.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.
Após, foi proferida sentença que julgou a presente acção procedente e, em consequência, decidiu declarar - e condenar os RR. a reconhecer - a ineficácia em relação à A. do acto referido no artº. 12º da petição inicial, de renúncia do R. à edificação que estava a ser levada a cabo no prédio “Monte de Polos”, sito no lugar da Igreja, em Jolda Madalena, restituindo-se o respectivo direito ao património do Réu.
Inconformado com tal decisão, o R dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
1ª - O R. discorda da decisão do tribunal “a quo” por ter julgado provados os factos constantes nos pontos 23) e 24) e não provados os factos constantes das alíneas c), d), e) h), i), j), k) e o).
2ª - O tribunal “a quo” refere que as testemunhas indicadas pelos RR (com excepção da testemunha P) confirmaram, no essencial, os factos vertidos nas als. c), d), e), h), i), j), k) e o).
3ª - Porém, não atribuiu credibilidade aos depoimentos das testemunhas porque ou são amigas de há muitos anos dos RR. ou são familiares e existem elementos nos autos que, conjugados entre si, suscitaram dúvida razoável sobre a sua veracidade.
4ª - Os factos em apreço têm a ver com a vida privada de um jovem casal em plena ruptura conjugal e todos sabemos que estes factos são restritos às pessoas mais íntimas.
5ª - A decisão do tribunal é absolutamente estranha e “sui generis”, uma vez que, ao contrário daquilo que é habitual, a suspeição da M.ma Juiz “a quo” não teve origem nas dúvidas decorrentes do confronto das versões dos depoimentos das testemunhas da A. com as testemunhas dos RR. (a A. nomeou 4 testemunhas, abdicou de 3 e ouviu 1 que nem sequer conhecia os RR.).
6ª - O tribunal “a quo” enumera os elementos existentes nos autos que, conjugados entre si, suscitaram dúvida razoável sobre a veracidade dos depoimentos das testemunhas.
7ª - Em 1º lugar afirma que não é crível que um casal a viver uma crise matrimonial, da qual poderia resultar um divórcio e que motivou a sua separação, contraia um empréstimo de valor elevado para levar a efeito a construção de uma casa.
8ª - Não conseguimos descortinar onde é que a M.ma Juiz “a quo” foi buscar a convicção para afirmar que o casal estava a viver uma crise matrimonial, se ela própria julgou como não provados os factos constantes das alíneas c), d) e ) dos factos não provados.
9ª - Consta da alínea Q) dos factos assentes que «a construção da habitação começou por ser um projecto comum dos RR. surgido pouco depois do casamento», que teve lugar a 18/08/2000.
10ª - Depois foi necessário percorrer diversas etapas até ao momento da concessão do empréstimo (01/07/2005), nomeadamente a doação do prédio à Ré, a desafectação da área de reserva, a desanexação da parcela urbanizável da parcela rústica, o projecto da casa, o licenciamento e a análise das condições de mercado.
11ª - O processo de divórcio litigioso foi instaurado pela Ré no dia 07/03/2006 e no dia 29/06/2006, data designada para a tentativa de conciliação, foi convertido em divórcio por mútuo consentimento.
12ª - O divórcio dos RR. ocorre um ano depois da data da concessão do empréstimo.
13ª - Em 3º lugar, afirma a M.ma Juiz “a quo” que as prestações do crédito hipotecário continuaram, depois do divórcio, a ser debitadas numa conta bancária de que o R. era o 1º titular durante quase mais 2 anos (31/03/2008) e o R. continuou a suportar os seguros de vida e de protecção da casa associados áquele empréstimo, o que não faz sentido já que o R. declarou renunciar ao direito à edificação e a Ré assumiu em Novembro de 2006 o pagamento daquele crédito.
14ª - O que a M.ma Juiz “a quo” não disse - mas devia ter dito - é que todos os pagamentos anteriores ao divórcio também tinham sido debitados nessa mesma conta.
15ª - No dia 01/07/2005, os RR. assinaram a escritura pública do contrato de mútuo com hipoteca e o documento complementar elaborado nos termos do nº 2 do artº. 164 do Código do Notariado (que faz parte integrante da escritura).
16ª - Das cláusulas 1 e 6 do citado documento complementar decorre que o banco concede aos mutuários um empréstimo global de 143.500,00 € por crédito na conta nº 175168033 e os pagamentos a efectuar pelos mutuários serão efectuados por débito na conta de depósitos à ordem mencionada anteriormente.
17ª - No dia 29/06/2006 foi decretado o divórcio dos RR. e acordado que o R. renunciava à edificação, em grosso, uma vez que a mesma está a ser levada a efeito com dinheiro pertencente à Ré.
18ª - Por escritura pública de assunções de dívidas celebrada a 17/11/2006, ficou estabelecido que a Ré assumia a dívida ao Banco e o R. prescindia da sua parte quer no valor das prestações pagas, quer no valor das benfeitorias.
19ª - O R. pediu ao banco mutuante a sua exoneração enquanto devedor.
20ª - No dia 31/06/2007 a Ré autorizou o mutuante a debitar na conta nº 219030754 as despesas da fiança e é com base nesta autorização que o pagamento das amortizações vai ser transferido após o mês de Março de 2008 da conta nº 175168033 para a conta nº 219030754.
21ª - A 03/10/2007, o banco mutuante, após a análise do risco, exigiu ainda ao R. Samuel a assinatura do contrato de fiança, passando a ser fiador do contrato de mútuo em questão.
22ª - A 14/11/2007 o banco mutuante emite declaração que exonera o R. Samuel das obrigações decorrentes do empréstimo.
23ª - Apesar de todas estas diligências, o banco mutuante continuou a processar até ao mês de Março de 2008 o pagamento das amortizações (seguros e encargos) através da conta à ordem nº 175168033.
24ª - Só em Novembro de 2008 é que o banco mutuante passa a processar as amortizações na conta da Ré nº 219030754, nela debitando, de uma só vez, o valor equivalente a 8.
25ª - Por isso, a convicção do tribunal é completamente disparatada e sem qualquer suporte fáctico e demonstra que a M.ma Juiz “a quo” ficou muito aquém de perceber o “modus operandi” do contrato de mútuo em questão e que não esteve à altura das funções que desempenha.
26ª - Em 3º lugar, refere a M.ma Juiz “a quo” que «… embora a Ré tenha assumido o pagamento daquele empréstimo, o R. constituiu-se fiador do mesmo empréstimo, apesar de desonerado pelo banco das obrigações dele decorrentes em Novembro de 2007».
27ª - As duas últimas afirmações são também um completo disparate e revelam que a M.ma Juiz “a quo” não logrou apreciar correctamente o teor dos documentos constantes do processo, nem soube dispô-los e coordená-los por ordem cronológica.
28ª - A constituição da fiança deu-se a 03/10/2007 (cfr. fls. 391) por exigência do banco mutuante e a declaração de exoneração das obrigações decorrentes do empréstimo que o banco mutuante envia ao R. é emitida a 14/11/2007.
29ª - Em 4º lugar, refere a M.ma Juiz “a quo” que «… apesar de menos relevante, a Ré engravidou do R. em 2006.
30ª - Quanto a esta matéria, remete-se para tudo aquilo que supra foi dito a propósito da M.ma Juiz “a quo” ter entendido não atribuir credibilidade às testemunhas dos RR..
31ª - Pelo exposto, os fundamentos invocados pela M.ma Juiz “a quo” não têm idoneidade para neutralizar a prova testemunhal apresentada pelos RR..
32ª - Em consequência, impunha-se que a matéria de facto constante das c), d), e), h), i), j), k) e o) tivesse sido julgada provada e que fosse alterada a redacção dos pontos 24) e 25) dos factos julgados provados.
33ª - Por último, não se encontram reunidos no caso concreto os requisitos legais previstos no artº. 610º, alíneas a) e b) do Cód. Civil para a procedência desta acção.
Termina entendendo que o presente recurso deve ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida.
A Ré R também interpôs recurso da referida sentença, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
1* Os factos constantes da Base Instrutória números 5, 6, 11, 12, 13, 14, 17, 19, 20, 21 e 22, constantes das alíneas d), e), k), l), m), p), q), r), s) e t) deviam ter sido dado como provados pela Mma “Juíza a quo”. É que, os factos constantes da Base Instrutória sob os nºs 5, 6, 11, 12, 13, 14, 17, 19, 20, 21 são pessoais, alguns do foro íntimo dos cônjuges, conhecidos apenas por pessoas com as quais se relacionavam e privavam ou seja amigos ou família. No Tribunal foi afirmado que a certa altura relação do Réu S tornou-se pública, o que coincidiu com a separação definitiva, pela reincidência na violação dos deveres conjugais: fidelidade e cooperação. A Ré tudo tentou para manter o seu casamento. Nada de anormal uma criança nascer de uma relação ocasional, tanto que ainda relação ainda conjugal, no seio de uma família conservadora e havia esperança de mudança de atitude do réu, para poderem restabelecer a relação, o que não foi conseguido, dado o réu continuar a violar reiteradamente os deveres conjugais. Pelo exposto Tribunal devia ter relevado os depoimentos das testemunhas F 07:20/47:31 e A 20150520105703 0011/42:56 1259888n 2871824 que se reproduz.
2* O ponto 22) dado como provado devia ter sido concretizado e fundamentado, pois até à data do divórcio, apenas foram disponibilizadas pelo Banco Mutuante o valor total de 125.500,00 (38.1; 38.2; 38.3; 38.4), pois o divórcio ocorreu em 29.06.2006. Apesar das quantias disponibilizadas pelo Banco terem sido creditadas numa conta convencionada na abertura do crédito com o nº ... (escritura e Documento Complementar – artº 64 Código Notariado de fls. 78 a 86 do I Volume) os juros foram pagos exclusivamente pela Ré R, porque não tinha outra alternativa, senão depositá-los na conta supra identificada, para cumprir o convencionado com o banco, já que exoneração do crédito do Réu S ocorreu em 14/11/2007, conforme consta da declaração do Banco Mutuante a fls. 94. Data esta que o Tribunal deveria ter dado como provado em 20) dos factos provados.
3* Ré R solicitou ao banco mutuante que retirasse o Réu da conta 219030754 em 8/03/2006, antes do divórcio, conforme doc. de fls. 393 do II volume e fls. 883 e as despesas do empréstimo passassem a ser debitadas nesta conta. Mas sem a Sentença do divórcio e sem a exoneração do Réu S, o banco continuou a exigir que os juros fossem depositados pela Ré na conta convencionada .... A amortização do capital apenas foi exigido pelo Banco após a disponibilização da última tranche da quantia total de 143.500 euros, em 4 de junho de 2007 – 22) 38.6 da matéria de facto dada como provada.
4 * Trata-se de um empréstimo para habitação própria e permanente tendo sido hipotecado o prédio na totalidade. Por hipótese a Ré R não tivesse assegurado o pagamento dos juros, logo após o divórcio e a amortização de capital (a partir em junho de 2007), antes da exoneração do Réu S cuja declaração data de 14.11.2007, certamente o banco teria executado a hipoteca para reaver o capital mutuado, vendendo para o efeito o prédio, nada restando aos RR.
5* A Mma. Juiz deu como provado em 25) que a Ré Rosa procedeu ao pagamento das prestações bancárias e amortizações a partir de 1.04.2008.
No modesto entender da recorrente deveria ter sido considerado o facto dado como provado em 22) que o Banco disponibilizou as últimas quantias em 23/10/2006 e em 4/06/2007 (pontos 38.5 e 38.6 da resposta em 22) e só a partir desta última data é que começou a exigir a amortização do capital (depoimento da testemunha P 00:18.42/01:36:00), bem como considerar que a exoneração do Réu S apenas ocorreu em 14.11.2007. O Banco só o libertou da conta convencionada nº ... na qualidade de proponente, nesta data.
Neste sentido o depoimento do gerente bancário P Tempo: 20150903100316_1259888 2871824 24:43/1:36:00.
6* A ré R deu ordem ao Banco (fls. 393 do 2º volume e fls. 883 dos autos) para tirarem da conta nº ... o Réu S. Só após a exoneração do Réu S (14/11/2007) é que o Banco permitiu que a R ficasse responsável pelo crédito, na qualidade de proponente do crédito. Mas foi partir de 4 de junho de 2007 que o Banco passou a exigir a amortização do capital. Até essa data o Banco só exigiu juros, que obrigatoriamente tinham que ser depositados na conta convencionada 175168033 e não na conta 219030754, por o Banco credor não ter autorizado. Pelos elementos nos autos e prova testemunhal devia ter sido a resposta do Tribunal em 23) dos factos provados. Depoimento da testemunha P Tempo: 20150903100316_1259888 2871824 00:10.26/01.36.00 que se reproduz.
7* O casal dissolvido apenas tinha uma benfeitoria, pois o terreno onde foi construída a edificação era um bem próprio da Ré R, conforme resposta em 14) e 17) dos factos provados. Não havia ativo mas sim um elevado passivo, conforme o constante em 18) dos factos provados. Trata-se de
um empréstimo bancário, com juros, encargos e imposição de amortização de capital. Até à data do divórcio os RR tinham apenas passivo, decorrente do contrato de mútuo com hipoteca (garantia real). O bem ficou “refém” do Banco até efetivo e integral pagamento, conforme extrato de transações fls. 130, 131 e ss, plano de pagamento e escritura de mútuo com hipoteca – resposta em 10) dos factos provados e documento complementar artº 64 do código de notariado, constante de fls. 78 a 86 dos autos.
8* Trata-se de capital alheio e não próprio. O montante em 18) dos factos provados não integrou o património comum do casal porque era capital alheio e à data do divórcio a construção da edificação estava em grosso, tanto que a última quantia disponibilizada pelo banco foi em 4/06/2007 - um ano após o divórcio. Após efetivo e integral reembolso ao Banco, a recorrente terá pago o dobro ou quadruplo da quantia mutuada. Caso a hipoteca tivesse sido executada, o prédio teria sido vendido para pagar a quantia mutuada, encargos e juros (conforme a escritura de mútuo). Por isso a Renúncia não foi um ato gratuito, porque não havia bens a partilhar, pois só após a entrega da última quantia em junho de 2007, que coincidiu com a exoneração do Réu S pelo Banco Mutuante em 14.11.2007, é que o credor mutuante começou a exigir a amortização do capital, tendo sido pago apenas pela Ré, R.
9* Apesar dos juros terem sido creditados numa conta convencionada na abertura do crédito (escritura de fls. 78 a 86 do I Volume) com o número 175168033, esses valores foram pagos pela Ré R. Foi a partir da data da exoneração do crédito do Réu S, que ocorreu em 14/11/2007 e que coincide com a disponibilização da última tranche em junho de 2007, é que o Banco mutuante passou a exigir a amortização do capital. Neste sentido o depoimento de P, tempo: 20150903100316_1259888 2871824.
10* Trata-se de um empréstimo para habitação própria e permanente e foi exigida a constituição de hipoteca do prédio a favor do Banco mutuante. Por hipótese a Ré R não tivesse assegurado o pagamento das prestações, logo após o divórcio, da forma referida supra, certamente o banco teria executado a hipoteca para reaver o montante mutuado, o que poderá ainda acontecer. Dado o elevado valor da dívida ao Banco, a suposta meação do Réu (que não se aceita) nunca seria por este recebida, para além de ser injusto pois a amortização do capital foi após junho de 2007, muito após o divórcio, pago apenas pela Ré R.
11* Só a partir de 4 de junho de 2007 (última tranche disponibilizada), é que o Banco passou a exigir a amortização do capital. Até à data do divórcio o Banco só exigiu juros - resposta em 23) dos factos provados e depoimento da testemunha P, tempo 00:32/1:36:00/ 00:10.26/01:36:00”. O capital só foi amortizado a partir de 25/07/2007. Só a partir de 25/07/2007 é que foi amortização de capital e juros.
12* O facto de o Réu S ter ficado como fiador deveu-se a uma das imposições do Banco. É o Banco quem unilateralmente decide da exoneração, a pedido de um dos primitivos proponentes. A assunção por um deles do pagamento de um crédito hipotecário só exonera o outro ex-cônjuge de responsabilidade perante o credor, se o Banco expressamente o libertar dessa obrigação. O banco liberta ou admite a substituição, bem como a pessoa que fica como fiador. Como refere a testemunha P, gerente do Banco: “O Banco é livre de aceitar na sua análise de risco” 24:43/1:36:00 ”… ou o Banco diz que não ou quer que as pessoas… uma outra garantia alternativa, outros fiadores ou outro imóvel, outra aplicação, outra qualquer garantia… não havendo essas outras alternativas o banco pode chegar a acordo, são os mesmos intervenientes, muda a qualidade de interveniente” e assim foi decidido pela Entidade Mutuante.
13* A Mma Juíza considerou a Renúncia do Réu S um ato gratuito. O casamento foi celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos. O prédio rústico “Monte dos Poulos” onde foi edificada a casa, foi doado apenas à Ré R, logo um bem próprio da recorrente 17) dos factos provados. Á data do divórcio os réus apenas tinham pago a quantia – de 2.367,53 euros a título de juros - resposta em 23) dos factos dados como provados. A Ré R ficou como proponente responsável pelo pagamento da quantia integral de 143.500,00 euros, conforme consta em 19) dos factos provados. Após a exoneração do Réu S 20) dos factos provados, a Ré R e do recebimento da última tranche disponibilizada pelo banco (em junho de 2007), por ser essa a regra do banco, iniciou a amortização do capital, continuando a pagar juros. Logo o Réu S não podia ter contrapartida, porque não existiam bens a partilhar. Apenas existia uma dívida/passivo ao Banco e que à data do divórcio já era superior ao valor do empréstimo e do bem em causa, que foi assumida integralmente pela Ré R.
14* Os documentos enviados pelo Banco em 26.11.2011 a pedido da Autora referem-se à conta convencionada na escritura do empréstimo a fls. 78 a 86 dos autos, com o número 175168033 (documento complementar art. 64 Código Notariado), reproduzidos a fls. 745 a 796 e 593 a 614, 667 a 718 dos autos, por onde obrigatoriamente tiveram que passar o valor das quantias devidas a título de juros, pelo menos até à exoneração do Réu S em 14.11.2007 e entrega da restante quantia disponibilizada pelo banco, que só aconteceu em junho de 2007. A partir de junho de 2007 e do intervalo concedido, o banco também passou a exigir a amortização do capital.
15* Foram violadas as disposições dos artigos 610, 1689, 1721 do CC e alíneas c) e d) nº 1 do artigo 615 CPC. Pelo que a douta Sentença deve ser revogada.
Termina entendendo que o presente recurso deve ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida.
A Autora contra-alegou, suscitando a questão da rejeição do recurso interposto pelo R. S, na parte relativa à impugnação da matéria de facto, por o recorrente não ter cumprido o ónus estabelecido no artº. 640º, nº. 1, al. b) e nº. 2, al. a) do NCPC, e pugnando pela improcedência dos recursos, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
Os recursos foram admitidos por despacho de fls. 1161.
Tendo a Autora/recorrida, nas suas contra-alegações, suscitado a questão da rejeição do recurso do R. S quanto à impugnação da matéria de facto, por determinação da relatora nesta Relação, foi cumprido o disposto no artº. 654º, nº. 2 “ex vi” do artº. 655º, nº. 2 ambos do NCPC, e em obediência à regra do contraditório.
Notificado o recorrente nos termos e para os efeitos das supra citadas disposições legais, veio este responder argumentando que, nas suas alegações, cumpriu o preceituado no artº. 640º do NCPC, tendo feito a indicação concreta dos factos impugnados e dos meios de prova existentes no processo que põem em causa a motivação da Mª Juiz “a quo” sobre a factualidade que considera ter sido incorrectamente julgada provada e não provada. Acrescenta, ainda, que quanto aos concretos meios probatórios que impõem decisão diversa, discrimina a vasta prova documental e procede à transcrição do depoimento da testemunha P, com indicação precisa das passagens da gravação em que funda o seu recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aplicável “in casu” por a decisão sob censura ter sido proferida depois de 1/09/2013 (artº. 7º, nº. 1 da Lei nº. 41/2013 de 26/6).
Nos presentes autos, o objecto dos recursos interpostos por ambos os Réus, delimitados pelo teor das respectivas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:
A) – Recurso do R:
I) – Impugnação da matéria de facto;
II) – Saber se se verificam os requisitos da impugnação pauliana.
B) – Recurso da Ré R:
- Impugnação da matéria de facto e da solução jurídica adoptada na sentença recorrida.
Na sentença recorrida foram considerados provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos [transcrição]:
1) No processo 357/1998, que corre termos neste Tribunal (al. A) dos Factos Assentes):
1.1 Por sentença, datada de 17 de Fevereiro de 2006 foi o R. S condenado a pagar à Autora a quantia de € 54.917,65;
1.2 No dia 14/04/2008, o R. foi ainda condenado em liquidação de sentença, a pagar a quantia de € 18.049,25;
1.3 A estas quantias acrescem juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde as respectivas decisões até integral pagamento;
2) À quantia referida em 1.1 deverá ser descontada a quantia de € 8.397,60, que o R. já havia pago por força da providência cautelar de arbitramento provisória que correu seus termos neste Tribunal sob o nº 357-A/1998 (al. B) dos Factos Assentes);
3) Ou seja, nesta data, o R. deve à A. a quantia de € 64,569,30 acrescida de juros vencidos desde as respectivas sentenças e vincendos até efectivo e integral pagamento (al. C) dos Factos Assentes);
4) A sentença referida em 1.1 foi notificada ao R. no dia 20/02/06, presumindo-se que este teve conhecimento da mesma 3 dias depois (al. D) dos Factos Assentes);
5) Em 3 de Março de 2006, o R. interpôs recurso de tal decisão (al. E) dos Factos Assentes);
6) No dia 7 de Março de 2006 R, ora R., interpôs contra o R. uma acção de divórcio litigioso no Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez e correu seus termos sob o nº 168/06.2TBAVV (al. F) dos Factos Assentes);
7) Nesta acção a esposa do R. alegou resumidamente (al. G) dos Factos Assentes):
7.1. Estar separada de facto do marido desde 2004/princípios de 2005;
7.2. Que o R. havia abandonado o seu lar desde esta altura;
7.3. Que o R. tinha ido viver para casa dos seus pais;
7.4. Que o R. não contribuía para a alimentação do seu filho;
8) O R. não contestou essa acção (al. H) dos Factos Assentes);
9) Os RR. após o divórcio dos mesmos tiveram outro filho, o qual nasceu em Novembro de 2006 (al. I) dos Factos Assentes);
10) Consta da escritura denominada Mútuo com Hipoteca (cfr. Ref. 187437) nomeadamente o seguinte (al. J) dos Factos Assentes):
“No dia 1 de Julho de 2005 na vila e Cartório Notarial de Ponte da Barca, perante mim, Lic. A, notário do referido Cartório compareceram como outorgantes:
PRIMEIRO: S nif. ... e esposa R nif ... (...)
SEGUNDO: Á (...) que intervém como procurador, em representação do Banco Comercial Português, S.A. (...)
Declararam os outorgantes nas referidas qualidades:
Que o Banco concede aos primeiros outorgantes um empréstimo no montante de cento e quarenta e três mil e quinhentos euros, para efeitos de construção na parte urbana do imóvel abaixo hipotecado que se destina a habitação permanente (...).
Os primeiros outorgantes aceitam o empréstimo e confessam-se desde já devedores de todas as quantias que do Banco receberam a título desde empréstimo e até ao montante do mesmo, e obrigam-se a aplicá-las na realização das obras de construção nos termos da sua proposta, assim como também se confessam devedores das quantias que lhes forem debitadas por conta desta operação, de acordo com o presente contrato (...).
Que, para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada, e bem assim dos respectivos juros à taxa anual efectiva de três vírgula oitenta e três, acrescidos de uma sobretaxa (...), a primeira outorgante constitui a favor daquele Banco, HIPOTECA sobre o seguinte imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o número zero zero zero dezasseis, onde está registada a sua aquisição a favor da mutuária pela inscrição G-três, inscrito na respectiva matriz urbana provisoriamente sob o artigo P-344, e na matriz rústica sob o artigo 422, bem como sobre todas as construções e benfeitorias edificadas ou a edificar (...).”
11) A construção da moradia referida em 10) iniciou-se em 2005 (al. L) dos Factos Assentes);
12) No dia 29 de Junho de 2006, data da tentativa de conciliação, o R. e a sua esposa convolaram o divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento e acordaram, entre outras coisas em que (al. M) dos Factos Assentes):
12.1. Não existem bens comuns a partilhar;
12.2. O Requerido renunciava à edificação, em grosso, que está a ser construído no prédio denominado "monte de Polos", sito no lugar da Igreja, em Jolda Madalena, uma vez que reconhecia que a edificação está a ser construída com dinheiro pertencente à Autora;
12.3. O Requerido pagará de alimentos devidos ao menor, a quantia mensal de 150,00 € (cento e cinquenta euros), quantia esta a ser actualizada em função da taxa de inflação, no mínimo de 3%, a começar em Janeiro de 2007;
13) O acidente de viação de que versa o Proc. n.º 357/1998 do Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez ocorreu no dia 30 de Setembro de 1995 (al. N) dos Factos Assentes);
14) O R. Samuel casou com a R. Rosa Maria em 19-08-2000, sem convenção antenupcial (al. O) dos Factos Assentes);
15) O acórdão da Relação de Guimarães, que confirmou a sentença recorrida, transitou em julgado no dia 6 de Novembro de 2006 (al. P) dos Factos Assentes);
16) A construção de habitação própria começou por ser um projecto comum dos RR. surgido pouco depois do casamento (al. Q) dos Factos Assentes);
17) Por escritura pública de doação celebrada em 10 de Outubro de 2002 no Cartório Notarial de Arcos de Valdevez, de fls. 80 a 81 do livro de notas para escrituras diversas os pais da R. doaram à mesma uma parcela do prédio rústico denominado “Monte dos Poulos”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Jolda (Madalena) sob o art.º. 422.º (al. R) dos Factos Assentes);
18) Os 143.500,00 € foram disponibilizados pelo banco (al. S) dos Factos Assentes);
19) Por escritura pública denominada “assunções de dívidas”, constante da Ref. 187437, consta nomeadamente o seguinte (al. T) dos Factos Assentes):
“No dia dezassete de Novembro de dois mil e seis, perante mim, licenciado Artur…, notário com cartório na vila de Ponte da Barca, compareceram como outorgantes:
PRIMEIRO: Samuel… (…)
SEGUNDO: João… (…), Rosa… (…).
Declararam os primeiros e segundo outorgantes nas referidas qualidades:
- Que o primeiro outorgante e a representada do segundo outorgante, foram casados entre si, em primeiras núpcias de ambos e sob o regime da comunhão de adquiridos.
- Que por sentença proferida em dez de Julho de dois mil e seis, pelo Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, transitada em julgado, foi decretado o divórcio litigioso entre eles.
- Que por escritura de um de Julho de dois mil e cinco exarada a folhas quarenta e nove e seguintes do livro de notas para escrituras diversas número cento e sessenta e dois E, o primeiro outorgante e a representada do segundo outorgante, ainda no estado de casados, solicitaram ao Banco Comercial Português S.A., um empréstimo no montante de cento e quarenta e três mil e quinhentos euros, para efeitos de construção na parte urbana do seguinte imóvel, pertencente à partilhante Rosa…: Prédio misto, composto a parte urbana, por uma parcela de terreno para construção urbana e a parte rústica composta por mato de carvalhos e mato, sito no lugar da igreja, da mencionada freguesia de Jolda (Madalena), descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o número…, onde está registada a sua aquisição a favor da partilhante mulher pela inscrição G-três, inscrito sob os artigos… rústico e… urbana com o valor patrimonial total de €12 723, 30 e o atribuído de cento e quarenta e três mil e quinhentos euros.
- Que por virtude daquele divórcio, e por acordo entre os ex-cônjuges, foi acordado o seguinte: O segundo outorgante, em nome da sua representada assume a referida divida ao Banco credor, respectivos juros e outros encargos que, nesta data, ascendem a quantia de cento e trinta mil e quinhentos euros, transmitindo para ela a totalidade daquela divida.
- Declarou o primeiro outorgante: Que aceita esta assunção de dívida que prescinde da sua parte, quer nos valores das prestações já pagas ao Banco credor, quer no valor das benfeitorias construídas no prédio hipotecado que, passam, assim, a ser propriedade exclusiva da representada do segundo outorgante.
- Declarou ainda o primeiro outorgante: Que assume todas e quaisquer outras dívidas de que ambos possam ainda ser responsáveis.
- Declarou o segundo outorgante em nome da sua representada: Que aceita esta assunção de dívida.
Adverti os outorgantes de que este acto deve ser ratificado pelo Banco credor (…).”
20) Consta do documento 6 (cfr. Ref. 187437), datado de 14-11-2007, nomeadamente o seguinte: “O Banco Comercial Português, S.A., Sociedade Aberta, com sede na Pr. D. João I, nº 28, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o número único de matrícula e de identificação fiscal 501525882 e com o novo capital social de 3.611.329.567 Euros, declara que, com excepção do objecto da hipoteca que garante o empréstimo a seguir referido, exonera Samuel Dinis Dias Alves das obrigações decorrentes do empréstimo que o Banco Comercial Português concedeu, no Regime Geral, em 01 de Julho de 2005, a Samuel… e Rosa…, no valor de 143,500.00 Euros (cento e quarenta e três mil e quinhentos euros) para efeitos de construção no prédio misto, composto na parte urbana por terreno para construção urbana e na parte rústica por mata de carvalhos e mato, sito no lugar de Igreja, Freguesia de Jolda (Madalena), Concelho de Arcos de Valdevez, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o número…” (al. U) dos Factos Assentes);
21) Os RR., após o casamento, inicialmente fixaram a sua residência conjugal numa habitação pertencente aos pais da R. (art.º 3.º da Base Instrutória);
22) A quantia referida em 18) foi disponibilizada da seguinte forma (art.º 18.º da Base Instrutória):
38.1. 15.000,00 € (quinze mil euros) no dia 1 de Julho de 2005;
38.2. 20.000,00 € (vinte mil euros) no dia 19 de Agosto de 2005;
38.3. 41.500,00 € (quarenta e um mil e quinhentos euros) no dia 7 de Novembro de 2005;
38.4. 49.000,00 € (quarenta e nove mil euros) no dia 26 de Julho de 2006;
38.5. 5.000,00 € (cinco mil euros) no dia 23 de Outubro de 2006;
38.6. 13.000,00 € (treze mil euros) no dia 4 de Junho de 2007;
23) Até a data do divórcio, os RR. pagaram ao banco mutuante 2.367,53€ (dois mil trezentos sessenta e sete euros e cinquenta e três cêntimos) (art.º 19.º da Base Instrutória);
24) Após a data do divórcio e até 31/03/2008, as prestações bancárias e amortizações do capital foram debitadas em conta bancária titulada pelo R. (como 1.º titular) e pela R. (art.º 22.º da Base Instrutória);
25) A R. Rosa tem procedido ao pagamento das prestações bancárias e amortizações do capital vencidas a partir de 01/04/2008 (art.º 22.º da Base Instrutória);
26) Depois do divórcio e da assunção de dívida, o R. comportou-se perante a Câmara Municipal de Arcos de Valdevez, no processo de licenciamento da respectiva construção, como proprietário do bem referido em 10) (art.º 25.º da Base Instrutória).
Por outro lado, na sentença recorrida foram considerados não provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos [transcrição]:
a) Apesar do referido em 7), o R. Samuel nunca abandonou o seu lar, a sua esposa ou o seu filho, com quem continuou a viver na casa do sogro (art.º 1.º da Base Instrutória);
b) Alguns meses mais tarde, após 29-06-2006, o R. abandonou o seu emprego e passou a trabalhar para o seu cunhado, embora de forma não oficial (art.º 2.º da Base Instrutória);
c) Divergências entre o casal levaram ou a que se separassem de facto em princípios de 2005, tendo ela se mantido na mesma habitação e ele mudou-se para a casa dos pais (art.º 4.º da Base Instrutória);
d) Desde princípios de 2005 até à data de propositura da acção de divórcio (07/03/2006), sobretudo devido a pressões da iniciativa dos pais de ambos, o casal efectuou três ou quatro tentativas de reconciliação, não muito duradouras, nelas mantendo contactos físicos íntimos (art.º 5.º da Base Instrutória);
e) Durante as citadas tentativas de reconciliação o contestante voltou a habitar naquela que foi a casa de morada da família (pertencente aos sogros) (art.º 6.º da Base Instrutória);
f) Logo os pais da R. começaram a preparar a desanexação da citada parcela destinada à implantação da construção e a tratar da sua desafectação, custeando as respectivas despesas, uma vez que a mesma se encontrava em área de reserva agrícola (art.º 7.º da Base Instrutória);
g) Posteriormente, foi necessário mandatar um técnico para elaborar o projecto de construção e encarregá-lo de promover a sua aprovação e licenciamento na Câmara Municipal (art.º 8.º da Base Instrutória);
h) O R. ainda procurou junto do BCP que o empréstimo fosse apenas concedido à ex-mulher, contudo não logrou alcançar esse desiderato (art.º 9.º da Base Instrutória);
i) Conhecedor da importância que a construção daquela habitação representava para a Rosa…, o R. firmou com a R. e com os pais desta um acordo de cavalheiros com o propósito de solucionar a situação caso o divórcio se viesse a concretizar, pelo qual foi assumido, sob compromisso de honra que (art.º 10.º da Base Instrutória);
1-A R. pagaria ao banco mutuante todas as amortizações decorrentes do empréstimo, como tudo indica que tem vindo a acontecer; e
2-O R. renunciaria à construção que decorria no prédio doado à Ré com o dinheiro proveniente do empréstimo;
j) Os RR. separaram-se definitivamente dias antes da instauração da acção de divórcio (art.º 11.º da Base Instrutória);
k) A partir daí, o R. transferiu todos os seus haveres pessoais para a casa dos seus pais, onde passou a pernoitar (art.º 12.º da Base Instrutória);
l) Ao passo que a R. continuou a habitar a casa de morada de família (pertencente aos pais dela) até meados de 2006, altura em que foi habitar a casa que estava a ser construída na propriedade que lhe havia sido doada pelos pais (art.º 13.º da Base Instrutória);
m) Desde essa altura, os RR. não pernoitam na mesma habitação e não fazem as refeições juntos (art.º 14.º da Base Instrutória);
n) O R. emigrou para o Canadá no início do mês de Fevereiro de 2007 e regressou em finais de Agosto do mesmo ano (art.º 15.º da Base Instrutória);
o) Posteriormente, foi trabalhar para Carlos…, numa obras que este executava no Algarve, onde permaneceu até Junho de 2009 (art.º 16.º da Base Instrutória);
p) Actualmente, os RR. cruzam-se, por vezes, aquando da entrega dos filhos nos períodos de visita e praticamente não dialogam entre si (art.º 17.º da Base Instrutória);
q) Até a data do divórcio, a R. apenas pagou ao banco mutuamente 2.367,53€ (dois mil trezentos sessenta e sete euros e cinquenta e três cêntimos) (art.º 19.º da Base Instrutória);
r) Em finais de dois mil e quatro princípios de dois mil e cinco o R. Samuel… tinha outro relacionamento amoroso com outra mulher que não a R. Rosa… (art.º 20.º da Base Instrutória);
s) Tendo o R. e a sua amante assumido publicamente o relacionamento o qual também foi conhecido pela R. (art.º 21.º da Base Instrutória);
t) Após a data do divórcio a R. Rosa tem pago as prestações bancárias e amortizado o capital (art.º 22.º da Base Instrutória);
u) À data do divórcio a casa estava quase concluída (art.º 23.º da Base Instrutória);
v) O qual nessa altura tinha valor inferior ao terreno doado (art.º 24.º da Base Instrutória);
w) O R. continuou depois do divórcio e da assunção de dívida a comportar-se perante terceiros e entidades públicas como marido da R. e como proprietário do bem referido em 10) (art.º 25.º da Base Instrutória).
Uma vez que ambos os RR. impugnam a decisão sobre a matéria de facto e a solução jurídica adoptada na sentença recorrida, serão os respectivos recursos apreciados conjuntamente.
I) – Impugnação da matéria de facto:
Vem o R. Samuel, ora recorrente, impugnar a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que:
a) - seja alterada a redacção dos pontos 24 e 25 dos factos provados, passando a ser a seguinte:
24) - Desde a data da escritura pública do contrato de mútuo (1/07/2005) e até 31/03/2008, as prestações bancárias e amortizações do capital foram debitadas na conta bancária nº. 175168033, titulada por ambos os RR.; a partir dessa data, na sequência do banco mutuante ter exonerado o R. enquanto devedor do empréstimo, passaram a ser debitadas na conta nº. 219030754, titulada apenas pela Ré Rosa;
25) - A Ré Rosa tem procedido ao pagamento das prestações bancárias e amortizações desde, pelo menos, a data do divórcio, na sequência do compromisso que assumiu no acordo celebrado no divórcio (cfr. alínea M) dos factos assentes e ponto 12 dos factos provados) e na escritura de assunção de dívida (cfr. alínea T) dos factos assentes e ponto 19 dos factos provados);
b) - as alíneas c), d), e), h), i), j), k) e o) dos factos não provados sejam dadas como provadas;
por entender que o Tribunal “a quo” fez uma incorrecta apreciação e valoração da prova testemunhal produzida na audiência de julgamento, designadamente do depoimento da testemunha P (gerente da agência do Millennium BCP de Arcos de Valdevez) e das testemunhas dos RR. M (tia do Réu), J (amigo do Réu), A e F (ambas amigas da Ré desde a infância), não tendo atribuído credibilidade aos depoimentos destas últimas quatro testemunhas por suspeitar da sua parcialidade em virtude de serem familiares e amigos dos RR., conjugada com a vasta documentação junta aos autos, o que suscitou ao Tribunal dúvida razoável sobre a sua veracidade.
A Ré Rosa…, também aqui recorrente, por sua vez, pretende ver alterada a decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:
a) – os factos constantes dos quesitos 5º, 6º, 11º a 14º, 17º e 19º a 22º da Base Instrutória (vertidos nas alíneas d), e), j), k), l), m), p), q), r), s) e t) dos factos não provados) deviam ter sido dados como provados;
b) – no ponto 20 dos factos provados devia ter sido dada como provada a data da exoneração do R. Samuel do crédito para construção de habitação aposta na declaração do Banco mutuante, isto é, 14/11/2007;
c) - o ponto 22 dos factos provados “devia ter sido concretizado e fundamentado”, não se vislumbrando qual a pretensão da recorrente, pois esta não refere expressamente e com clareza que “concretizações” deveriam ter sido feitas;
por entender que o Tribunal “a quo” não valorou correctamente os depoimentos das testemunhas P, A e F e os inúmeros documentos juntos aos autos.
Por outro lado, parece resultar das conclusões do recurso que a Ré Rosa… também pretende impugnar os pontos 23 e 25 dos factos provados. No entanto, mesmo fazendo um grande esforço para, com muito boa vontade, se tentar perceber qual a pretensão da recorrente quanto a esta matéria, não se vislumbra, quer do texto das alegações, quer das conclusões (que definem o objecto do recurso), qual a matéria que é efectivamente impugnada e que decisão a mesma entende deveria ter sido proferida sobre aqueles concretos pontos de facto.
Ora, no que diz respeito a esta matéria, na “motivação de facto” que integra a sentença recorrida, escreveu-se o seguinte [transcrição parcial]:
«(…)
No que tange aos factos controvertidos, o tribunal formou a sua convicção para os julgar provados ou não provados na análise crítica dos depoimentos das testemunhas inquiridas e dos documentos juntos aos autos, tudo devidamente examinado em julgamento, à luz das regras da experiência comum e critérios de normalidade.
(…)
No que respeita ao facto inserto em 22), o tribunal teve em conta os documentos de fls. 130-131, conjugados com o depoimento da testemunha P, gerente da agência de Arcos de Valdevez do BCP.
Esta testemunha reconheceu os referidos documentos como sendo uma impressão do ecrã do aplicativo em uso no BCP e afirmou que os mesmos retratam todos os movimentos reais do empréstimo no valor de € 143.500 concedido aos RR.
Afirmou ainda que, antes de vir depor em tribunal, consultou o histórico dos RR. no BCP e verificou que dele consta que o documento de fls. 74 é a escritura associada ao referido empréstimo e que o mesmo empréstimo foi disponibilizado nos termos referido em 22), como consta dos documentos de fls. 130-131.
Quanto aos factos insertos em 23) a 25), o tribunal assentou a sua convicção nos extractos bancários juntos aos autos.
Assim, considerando que a escritura de mútuo com hipoteca foi celebrada entre o BCP e os RR. em 01/07/2005, o tribunal, no que concerne ao facto descrito em 23), analisou os extractos bancários dos meses de Julho de 2005 a Junho de 2006 das contas tituladas pelo A. e pela R. e verificou que na conta n.º 175168033 (em que figura como 1.º titular o R., mas que também foi titulada pela R. até 12/01/2009 - cfr. informações bancária de fls. 842 e de fls. 873) foram debitados os montantes de € 37,50, de € 59,38, de € 109,38, de € 109,38, de € 187,19, de € 239,06, de € 239,06, de € 270,94, de € 286,88 e de € 286,88 respectivamente nos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2005 e de Janeiro, Abril, Maio e Julho de 2006 (cfr. fls. 637-647, 543 e 431-433) e os montantes de € 270,94 e de € 270,94 no mês de Março de 2006 (cfr. fls. 544-548), no total de € 2.367,53, referentes a um empréstimo hipotecário, que só pode ser aquele que consta da escritura de mútuo atrás aludida.
Considerando que os RR. eram, nas datas referidas casados no regime de comunhão de adquiridos (como resulta do assento de nascimento de fls. 931) e que a conta bancária onde tais montantes foram debitados era titulada por ambos, o tribunal considerou que o pagamento daqueles montantes foi efectuado por ambos (ou com dinheiro de ambos).
Da análise dos extractos bancário da conta n.º 175168033 (em que figura como 1.º titular o R., mas que também foi titulada pela R. até 12/01/2009) juntos a fls. 432 a 443 (referentes aos meses de Junho a Novembro de 2006), a fls. 444 a 456 (referentes aos meses de Março de 2007 a Março de 2008) e a fls. 466 a 468 (referentes aos meses de Dezembro de 2006 a Fevereiro de 2007) resulta que as prestações e amortizações do referido empréstimo hipotecário no período de 29/06/2006 a 31/03/2008 foram debitadas na identificada conta bancária, razão pela qual se julgou provado o facto contido em 24).
Dos extractos bancários de fls. 704 a 718 e de fls. 782 e ss. da conta bancária n.º 219030754 de que é titular a R. (e que também foi titulado pelo R. até 08/03/2006) resulta que em Novembro de 2008 foram debitadas nesta conta várias prestações bancárias e amortizações de capital (pelo menos 8) de um empréstimo hipotecário e que, partir desta data, passou a ser debitada mensalmente na mesma conta a prestação e a amortização de um empréstimo hipotecário.
Considerando que, a partir de 31/03/2008, deixaram de ser debitadas na conta titulada pelo R. referida em 24) as prestações e amortizações do empréstimo hipotecário a que alude a escritura referida em 10), o tribunal concluiu que as prestações e amortizações desse empréstimo vencidas desde Abril até Novembro de 2008 foram debitadas na conta bancária da R. acima referida e que a partir desta data as prestações e amortizações do empréstimo hipotecário a que alude a escritura referida em 10) passaram a ser debitadas mensalmente nesta conta da R.
Uma vez que esta conta bancária não é titulada pelo R. desde Março de 2006 (e que partir de Julho passou também a ser titulado, como referiu a testemunha P, pelo filho menor do dissolvido casal), o tribunal concluiu que é a R. que tem procedido ao pagamento das referidas prestações e amortizações nos termos que se julgaram provados em 25).
Finalmente, no que tange ao facto vertido em 25), o tribunal louvou-se nos documentos de fls. 963-968 constante da certidão extraída do procedimento cautelar n.º 650/14.8T8VCT-C que correm termos pela Instância Central, Secção Cível - J3, de Viana do Castelo.
Assim, o tribunal considerou não provados os factos constantes das als. a), b), f), g), l), m), n), p), s), t) e v) porque os mesmos não foram confirmados por qualquer testemunha, nem dos autos consta qualquer elemento probatório que os sustente.
As testemunhas indicadas pelos RR. (com excepção da testemunha P) confirmaram, no essencial, os factos vertidos nas als. c), d), e), h), i), j), k) e o), embora a testemunha M tenha referido que não teve conhecimento directo do que relatou, sabendo apenas o que foi dito pela sua irmã, mãe do R.
Contudo, o tribunal não atribuiu, na parte em apreço, credibilidade aos referidos depoimentos porque, além da proximidade relacional das identificadas testemunhas com os RR. (as testemunhas ou são amigas de há muitos anos do RR. ou são familiares) que cria desde logo a suspeição da sua parcialidade, existem elementos nos autos que, conjugados entre si, suscitaram a dúvida razoável sobre a sua veracidade.
Os RR. alegaram - e as referidas testemunhas confirmaram - que se separaram em princípio de 2005 e que depois disso fizeram várias tentativas de conciliação, que não foram bem sucedidas, acabando por se separar definitivamente dias antes da propositura pela R. da acção de divórcio.
Contudo, esta versão dos acontecimentos não se nos afigura verosímil, face às regras normais da experiência. Com efeito, não é crível que um casal a viver uma crise matrimonial, da qual poderia resultar um divórcio e que motivou até a sua separação, contraia, como fizeram os RR., um empréstimo de valor elevado para levar a efeito a construção de uma casa. Em circunstâncias semelhantes, o normal seria não contrair o empréstimo e não iniciar a construção de qualquer casa até a crise ser ultrapassada ou, caso não o fosse, ser decretado o divórcio.
Por outro lado, as prestações do crédito hipotecário com o qual estava a ser financiada a construção daquela casa continuaram, depois do divórcio dos RR., a ser debitadas numa conta bancária de que o R. era 1.º titular durante quase mais 2 anos (até 31/03/2008) e o R. continuou a suportar os seguros de vida e de protecção de casa associados àqueles empréstimos, como resulta dos extractos bancários de fls. 432 a 474., o que não faz sentido já que o R. declarou renunciar ao direito à edificação de tal casa e a R. assumiu em Novembro de 2006 o pagamento daquele crédito.
Finalmente, embora a R. tenha assumido o pagamento daquele empréstimo, o R. constituiu-se fiador do mesmo empréstimo, apesar de desonerado pelo banco das obrigações dele decorrentes em Novembro de 2007.
Finalmente, apesar de menos relevante, a R. engravidou do R. em 2006 (como o revela o facto de a criança ter nascido em Novembro de 2006 - cfr. assento de nascimento junto a fls. 917), depois de o casal alegadamente se ter separado, facto que os RR. explicaram com os contactos íntimos que mantiveram entre si nas tentativas de reconciliação. Esta gravidez, pese embora possa ter sucedido pelas razões apontadas pelos RR., no contexto descrito, levanta igualmente a dúvida sobre a veracidade da versão contada pelos mesmos.
Assim, embora insuficientes para se considerar provada a versão da A., os fundamentos acabados de expor neutralizaram a prova testemunhal apresentada pelos RR. e, por isso, o tribunal não considerou provados os factos constantes das alíneas em apreço.
No que respeita ao facto inserto na al. q), a avaliação de fls. 362-388 levada a efeito pelo banco que concedeu aos RR. o empréstimo hipotecário atribui o valor de € 43.317 ao terreno sobre o qual estava ser levada a cabo a construção e à habitação, arrumos/garagem e terraços os valores de € 145.600, € 17.600 e € 6.300 respectivamente, o que para nós é suficiente para considerar não provado o facto inserto na q).
Finalmente, quanto aos factos insertos nas als. r), u) e w) ficou apenas provado, pelas razões que já se referiram, o que consta dos pontos 23), 24, 25) e 26) e dos factos provados.»
O artº. 640º do NCPC estabelece os ónus que impendem sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto, sendo a cominação para a inobservância do que aí se impõe a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
Assim, de acordo com o supra citado dispositivo legal, deverá o recorrente enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do nº. 1), requisito essencial já que delimita o poder de cognição do Tribunal “ad quem”, se a decisão incluir factos de que se não possa conhecer ex officio e se estiverem em causa direitos livremente disponíveis. Deve ainda o recorrente indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do nº. 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor de forma clara a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do nº. 1).
Decorre do que atrás se deixou dito que, no caso em apreço, o recorrente Samuel… satisfez minimamente os ónus que aquele dispositivo legal impõe, quer os enunciados nas três alíneas do nº. 1, quer o da alínea a) do nº. 2, apenas em relação ao depoimento da testemunha P por ele mencionada e na qual fundamenta a sua pretensão, tendo inclusive procedido à transcrição de um pequeno excerto daquele depoimento, conjugando-o com os documentos que enuncia nas suas alegações, e estando gravados, no caso concreto, os depoimentos prestados em audiência de julgamento, como decorre das respectivas actas juntas aos autos, para além de constarem do processo os documentos em que o Tribunal “ a quo” se baseou para formar a sua convicção e os que são enunciados pelo recorrente para sustentar a sua pretensão, nada obsta à reapreciação da decisão da matéria de facto relativamente aos factos dados como provados e não provados colocados em crise por aquele recorrente.
Todavia, acresce referir que o recorrente Samuel não cumpriu os ónus impostos pelo artº. 640º, nº. 1, al. b) e nº. 2, al. a) do NCPC, relativamente às testemunhas M, J, A e F, também mencionadas nas suas alegações, tendo-se limitado a fazer uma referência genérica e vaga a estas testemunhas, omitindo completamente quer nas conclusões do recurso, quer no texto das alegações, qual a parte dos seus depoimentos (que se encontram gravados) em que sustenta a sua pretensão, não fazendo qualquer menção às passagens da gravação que, em seu entender, levariam a uma decisão diversa quanto aos factos por ele assinalados. No que se refere a estas testemunhas, o recorrente Samuel insurge-se essencialmente contra a apreciação que foi feita pelo Tribunal “a quo” dos respectivos depoimentos e ainda contra o facto do Tribunal recorrer, na elaboração do seu raciocínio, às regras da experiência comum, sendo certo que não é a motivação de facto que deve ser objecto de impugnação (como se nos afigura ter acontecido nesta parte), mas sim a matéria de facto dada como provada e/ou não provada.
Acresce referir que este recorrente insurge-se também contra a valoração feita pelo Tribunal recorrido relativamente a alguns documentos que enuncia nas suas alegações, fazendo para tanto uma síntese cronológica dos factos atinentes a ambos os RR., na qual inclui factualidade que não foi alegada pelas partes nos articulados e, por isso, não foi incluída nos factos assentes nem na base instrutória, constituindo factos novos que não foram apreciados na decisão recorrida, não podendo ser conhecidos agora em sede de recurso, uma vez que os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas (cfr. acórdão da RL de 14/02/2013, proc. nº. 9778/11.5TBOER-A, acessível em www.dgsi.pt).
Assim, em face do acima exposto, não serão levados em consideração, neste recurso da matéria de facto, os depoimentos das quatro testemunhas supra mencionadas.
Por outro lado, entendemos que a recorrente Rosa…, em relação ao ponto 20 dos factos provados e à matéria vertida nas alíneas d), e), j), k), l), m), p), q), r), s) e t) dos factos não provados, cumpriu minimamente os ónus enunciados no citado artº. 640º, nº. 1 e nº. 2, al. b) do NCPC, tendo inclusive procedido à transcrição de alguns excertos dos depoimentos das testemunhas A, F e P por ela mencionadas e nos quais fundamenta a sua pretensão, para além de ter feito referência aos documentos que, conjugados com aqueles depoimentos, em seu entender, levariam a uma decisão diversa da recorrida, estando este Tribunal habilitado, face à gravação da prova produzida em audiência e aos documentos juntos ao processo, com os instrumentos indispensáveis para efectuar a reapreciação da decisão da matéria de facto relativamente àqueles factos dados como provados e não provados.
No entanto, importa salientar que, em grande parte das suas alegações, a recorrente Rosa… começa por impugnar a fundamentação de facto e de direito constante da sentença recorrida, rebatendo-a ponto por ponto, quase na sua totalidade, metendo pelo meio a impugnação dos concretos pontos de facto acima referidos que considera incorrectamente julgados, sendo certo, como já foi mencionado, que não é a motivação de facto (ou de direito) que deve ser objecto de impugnação, mas sim a matéria de facto dada como provada e/ou não provada.
Contudo, em relação aos pontos 22, 23 e 25 dos factos provados, consideramos que a recorrente não cumpriu cabalmente o ónus estabelecido no artº. 640º, nº. 1, al. c) do NCPC pelas razões atrás mencionadas, ou seja, aquela não refere expressamente e com clareza, nas suas alegações e respectivas conclusões, que “concretizações” deveriam ter sido feitas no aludido ponto 22 e, relativamente aos pontos 23 e 25, qual a matéria que é efectivamente impugnada e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre cada um daqueles factos impugnados, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos.
Por esta razão, não será apreciada a impugnação da matéria de facto atinente aos mencionados pontos 22 e 23 dos factos provados que se mantêm, por isso, inalterados, sendo a impugnação do ponto 25 dos factos provados apreciada no âmbito do recurso do Réu Samuel.
Com efeito, após ouvida a gravação da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento – e em particular os depoimentos das testemunhas P (gerente da agência do M de Arcos de Valdevez), A e F (ambas amigas da Ré desde a infância), todas elas mencionadas nas alegações de recurso, relativamente aos factos provados e não provados acima referidos e colocados em crise pelos recorrentes – sopesando-a com a factualidade assente nos pontos 6 a 12 e 17 a 19 dos factos provados, com a vasta documentação junta aos autos, com especial relevo para os seguintes documentos:
- escritura de mútuo com hipoteca de fls. 74 a 86 celebrada pelos RR. em 1/07/2005, associada ao empréstimo para construção de habitação que ambos contraíram junto do Banco…;
- declaração emitida pelo BCP em 14/11/2007 constante de fls. 94 que exonera o R. Samuel das obrigações decorrentes daquele empréstimo;
- documentos bancários de fls. 130 e 131 (extractos que retratam todos os movimentos reais do empréstimo para construção de habitação concedido aos Réus com o nº. 864887903);
- os extractos bancários juntos a fls. 431 a 456, 466 a 468, 543 a 547 e 637 a 647 da conta nº. 175168033, cujo 1º titular é o R. Samuel, tendo também sido titulada pela Ré Rosa até 12/01/2009 (conforme informações bancárias prestadas a fls. 842 e 873 a 888), na qual foi creditado o empréstimo para construção de habitação concedido aos RR. no valor de € 143 500,00 e onde estão debitadas as prestações para amortização do mesmo, relativas aos meses de Julho de 2005 a Março de 2008;
- os extractos bancários juntos a fls. 704 a 718 da conta nº. 219030754, de que é titular a Ré, tendo também sido titulada pelo R. Samuel até 8/03/2006 (conforme informações bancárias prestadas a fls. 842 e 873 a 888), dos quais resulta que em Novembro de 2008 foram debitadas nesta conta, de uma só vez, oito prestações para amortização do aludido empréstimo hipotecário, referentes aos meses de Abril a Novembro de 2008 e que, partir desta data, foram debitadas mensalmente, na mesma conta, as prestações desse empréstimo relativas aos meses de Dezembro de 2008 a Janeiro de 2010;
e com as regras da experiência comum, concluímos ser de atender parcialmente à pretensão do recorrente Samuel no sentido de ser alterada a redacção do ponto 24 dos factos provados (embora com uma redacção ligeiramente diferente da pretendida por aquele), não assistindo razão a ambos os recorrentes, salvo o devido respeito, quanto à restante matéria de facto que pretendem ver alterada – ou seja, pontos 20 e 25 dos factos provados e alíneas c), d), e), h), i), j), k), l), m), o), p), q), r), s) e t) dos factos não provados – relativamente à qual constatamos que o Tribunal “a quo” fez uma correcta apreciação e análise crítica de todos os elementos de prova mencionados na “motivação de facto”, confrontando-os correctamente com as regras da experiência comum, tal como consta clara e detalhadamente explanado na “motivação de facto” da sentença recorrida que acima transcrevemos (apenas a parte que releva para apreciação dos concretos pontos de facto impugnados) e que merece a nossa concordância.
Vejamos então.
O ponto 24 dos factos provados que o recorrente Samuel pretende ver alterado tem a seguinte redacção:
“Após a data do divórcio e até 31/03/2008, as prestações bancárias e amortizações do capital foram debitadas em conta bancária titulada pelo R. (como 1.º titular) e pela Ré”.
Ora, analisando os extractos bancários juntos a fls. 431 a 456, 466 a 468, 543 a 547 e 637 a 647 relativos à conta nº. 175168033 (cujo 1º titular é o R. Samuel, tendo também sido titulada pela Ré Rosa até 12/01/2009) e os extractos bancários juntos a fls. 704 a 718 referentes à conta nº. 219030754 (titulada apenas pela Ré), bem como as informações bancárias constantes de fls. 842 e 873 a 888, verificamos que na primeira conta foram debitadas, desde Julho de 2005 (tendo em 1/07/2005 sido celebrada a escritura pública de mútuo com hipoteca) até 31/03/2008, as prestações para amortização do empréstimo bancário para construção de habitação concedido aos RR., e a partir de Abril de 2008 tais prestações passaram a ser debitadas na segunda conta de que é titular a Ré – o que, aliás, foi confirmado pela testemunha P, gerente da agência do M de Arcos de Valdevez onde tais contas se encontram sediadas, cujo depoimento foi prestado de forma isenta, segura, consistente e circunstanciada, tendo esclarecido com clareza o conteúdo de todos os documentos bancários com que foi confrontado na audiência de julgamento e fornecido todas as indicações necessárias sobre os elementos que seria necessário procurar nos extractos e outros documentos bancários que se encontram juntos aos autos, relacionados com as contas dos RR. e as prestações nelas debitadas para amortização do dito empréstimo hipotecário para construção de habitação que lhes foi concedido.
Conforme se alcança destes elementos probatórios, o recorrente Samuel pagou, através de uma conta bancária de que é titular, todas as prestações do empréstimo desde o seu início (em Julho de 2005) até 31/03/2008. Ou seja, pagou o empréstimo não só durante a constância do seu casamento com a recorrente Rosa, como também após o divórcio (em 29/06/2006), depois da assunção da dívida pela recorrente (que ocorreu em 17/11/2006) e até depois de ter sido exonerado, em 14/11/2007, do seu pagamento pela instituição bancária.
Assim, da conjugação de todos os documentos bancários supra referidos com o depoimento da testemunha P, entendemos que deve o ponto 24 dos factos provados ser alterado, passando a ter a seguinte redacção:
24) - Desde a data da escritura pública do contrato de mútuo (1/07/2005) e até 31/03/2008, as prestações bancárias e amortizações do empréstimo a que alude a escritura referida em 10) foram debitadas na conta bancária nº. 175168033 titulada pelo Réu Samuel, a qual também foi titulada pela Ré Rosa até 12/01/2009; a partir de 1/04/2008, tais prestações passaram a ser debitadas na conta nº. 219030754, titulada apenas pela Ré Rosa.
Relativamente ao ponto 25 dos factos provados, entendemos que o mesmo se deve manter inalterado, por estar em conformidade com os elementos probatórios supra referidos e tendo, ainda, em atenção o raciocínio lógico expendido na “motivação de facto” a este respeito, que a seguir transcrevemos:
«Considerando que, a partir de 31/03/2008, deixaram de ser debitadas na conta titulada pelo R. referida em 24) as prestações e amortizações do empréstimo hipotecário a que alude a escritura referida em 10), o tribunal concluiu que as prestações e amortizações desse empréstimo vencidas desde Abril até Novembro de 2008 foram debitadas na conta bancária da R. acima referida e que a partir desta data as prestações e amortizações do empréstimo hipotecário a que alude a escritura referida em 10) passaram a ser debitadas mensalmente nesta conta da R.
Uma vez que esta conta bancária não é titulada pelo R. desde Março de 2006 (e que partir de Julho passou também a ser titulado, como referiu a testemunha P, pelo filho menor do dissolvido casal), o tribunal concluiu que é a R. que tem procedido ao pagamento das referidas prestações e amortizações nos termos que se julgaram provados em 25).»
Não se vislumbrando nenhuma razão para se alterar a matéria constante do ponto 20 dos factos provados (contrariamente ao pretendido pela Ré Rosa) e a vertida nas alíneas dos factos não provados supra mencionadas (como pretendem ambos os recorrentes), importa tecer alguns considerandos, em sede de fundamentação, relativamente àqueles concretos pontos de facto impugnados e a alguns dos elementos de prova referidos pelo Tribunal “a quo” e enunciados pelos recorrentes, conjugando-os com as regras da experiência comum, por forma a reforçar a convicção formada por aquele Tribunal e afastar a pretensão dos recorrentes quanto à alteração daquela matéria de facto.
Defende a Ré/recorrente que no ponto 20 dos factos provados devia ter sido dada como provada a data de 14/11/2007 como sendo a da exoneração do R. Samuel das obrigações decorrentes do empréstimo que o BCP concedeu aos RR. para construção de uma habitação. No entanto, tal data já está expressamente indicada no ponto 20 como sendo aquela que consta aposta no documento 6 que constitui a declaração de exoneração do R. Samuel emitida pelo Banco mutuante, não fazendo, por isso, qualquer sentido a pretensão da recorrente.
Quanto à matéria de facto não provada impugnada pelos recorrentes, para além do que consta da “fundamentação de facto” a este respeito, que merece a nossa concordância dada a clareza e o detalhe com que o Tribunal recorrido elaborou o seu raciocínio, importa referir o seguinte:
A recorrente Rosa insurge-se contra o facto do Tribunal “a quo” não ter atribuído credibilidade aos depoimentos das testemunhas A e F, dada a longa amizade delas com a recorrente que criou no tribunal a suspeição da sua parcialidade.
Ora, ouvidos os depoimentos destas duas testemunhas, não podemos deixar de concordar com a apreciação que o Tribunal “a quo” fez dos mesmos, sendo evidente a sua vontade de ajudar os Réus.
Senão, vejamos.
Estas testemunhas apresentaram-se como amigas de infância da recorrente Rosa e quando questionadas pelos mandatários dos RR., transmitiram a ideia de que tudo sabiam sobre as aventuras amorosas do recorrente Samuel, a separação do casal e as tentativas de reconciliação, o património do casal e a forma como o tinham conseguido. No entanto, quando inquiridas pelo mandatário da Autora ou interpeladas pela Mª Juiz “a quo”, existiram algumas contradições e incongruências nos seus depoimentos, designadamente quando a Mª Juiz “a quo” as questionava sobre determinadas questões tiveram diferentes reacções - ou se antecipavam a responder, sem deixar terminar a pergunta (dando a ideia que traziam o “trabalho de casa” feito); por vezes havia hesitações nas suas respostas ou então não respondiam, sendo perceptível um profundo silêncio. E quando a Mª Juiz insistia para que respondessem à pergunta feita, tentavam fugir da mesma dando uma resposta “redonda”, o que denota que não estariam à espera que lhes fossem feitas determinadas perguntas, provavelmente porque extravasavam da matéria que “traziam estudada”.
Tais contradições, incongruências, hesitações e silêncios foram por demais evidentes quando estas testemunhas foram questionadas sobre a forma como decorreu o baptizado da segunda filha dos RR., que elas confirmaram ter ocorrido em Agosto de 2014 e no qual estiveram presentes.
O Tribunal tentou insistentemente saber destas testemunhas se os RR. se tinham apresentado como um casal durante o batizado da filha de ambos. E quanto a esta matéria, que não estaria "prevista" ser-lhes perguntada, foi patente a vontade das aludidas testemunhas de ajudar os Réus – por exemplo, dando respostas umas vezes contraditórias (começavam por dizer uma coisa e, depois de alguma insistência da Mª Juiz “a quo”, acabavam por dar uma resposta diferente, mas logo acompanhada de uma justificação), outras vezes respondiam fora do contexto das perguntas que lhes eram feitas, outras vezes hesitavam em dar a resposta ou evitavam responder a perguntas para as quais não estariam “preparadas” e que, na sua perspectiva, poderiam acabar por prejudicar a versão apresentada pelos Réus. Não poderiam, por isso, ser consideradas pelo Tribunal “a quo” como testemunhas convincentes, isentas ou imparciais.
Por outro lado, não podemos olvidar o teor do assento de nascimento da segunda filha dos RR. constante de fls. 917, no qual consta que esta nasceu em 3/11/2006 (portanto, já depois de decretado o divórcio), e que foi o R. que declarou o seu nascimento perante a Conservatória do Registo Civil de Arcos de Valdevez, tendo declarado o estado civil dos progenitores como casados. E ainda o teor da certidão de baptismo dessa mesma filha dos RR. junta a fls. 1003vº e 1004, na qual consta que aquele evento ocorreu em 15/08/2014, tendo os RR. declarado no assento de baptismo que estavam casados um com o outro e que moravam no lugar da Igreja, freguesia de Jolda (Madalena), que corresponde à localidade onde se situa a casa que ambos construíram e que é objecto desta acção pauliana. Com efeito, deveriam os RR., que assinaram tal assento de baptismo, no cumprimento das instruções do seu preenchimento (cfr. nota 4), ter indicado a morada dos dois se fosse diferente.
Nesta conformidade, entendemos que a factualidade vertida nas mencionadas alíneas c), d), e), h), i), j), k), l), m), o), p), q), r), s) e t) deverá manter-se no capítulo dos factos não provados.
Em face do acima exposto e nos termos do disposto no artº. 662º, nº. 1 do NCPC, improcede a impugnação da matéria de facto deduzida pela Ré Rosa Maria e procede parcialmente a impugnação da matéria de facto deduzida pelo Réu Samuel, alterando-se a redacção do ponto 24 dos factos provados nos termos atrás mencionados, mantendo-se, no entanto, inalterada a restante matéria de facto provada e não provada supra descrita.
Os recorrentes consideram que na sentença recorrida houve uma errónea aplicação do direito, alegando, ainda, o R. Samuel que não se mostram preenchidos “in casu” os requisitos previstos no artº. 610º, al. b) e c) do Código Civil para a procedência da presente acção de impugnação pauliana.
O instituto da impugnação pauliana previsto nos artºs 610º e seguintes do Código Civil, traduz-se na faculdade que a lei confere aos credores de atacarem judicialmente determinados actos válidos, ou mesmo nulos (artº. 615º do Código Civil), celebrados pelo devedor em seu prejuízo.
De acordo com o disposto no artº. 610º do Código Civil, cabem no âmbito da impugnação pauliana todos os actos “que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal”.
A impugnação pauliana procura eliminar o prejuízo causado com o acto impugnado, facilitando a impugnação de actos lesivos dos interesses dos credores e levados a cabo pelos respectivos devedores, consistindo num “simples meio conservatório da garantia patrimonial” (Prof. Menezes Cordeiro, Impugnação Pauliana, Parecer publicado na CJ Ano XVII - 1992, Tomo III, pag. 60).
Citando o Prof. Menezes Cordeiro, (in Da Boa Fé no Direito Civil, Vol. I, Almedina, 1985, pág. 496), o "escopo da acção pauliana reside na manutenção da garantia patrimonial dos credores".
Tal manutenção efectiva-se para o credor, nos termos do artº. 616°, nº. 1 do Código Civil, através do "direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei".
A expressão utilizada naquele dispositivo legal – “direito à restituição” - significa tão somente o restabelecimento da garantia patrimonial diminuída, através da exposição desses bens, independentemente da sua situação jurídica, aos meios legais conservatórios e executórios colocados à disposição do credor impugnante. Com a impugnação pauliana não se obtém a restauração do património do devedor, mas sim a reconstituição da garantia patrimonial do crédito do impugnante. Neutralizam-se algumas das consequências do acto impugnado relativamente ao credor impugnante, sem afectar a sua validade, numa demonstração da sua filiação nos quadros da ineficácia stricto sensu. Os bens alienados continuam, assim, a desempenhar no património do terceiro a sua função de garantia do cumprimento das obrigações do alienante, ficando apenas desactivado o efeito indirecto de subtracção à garantia patrimonial próprio dos actos de transmissão de bens (cfr. João Cura Mariano, Impugnação Pauliana, 2ª ed. revista e actualizada, pág. 244).
De acordo com o disposto nos artºs 610º e 612º do Código Civil, são pressupostos da acção de impugnação pauliana:
a) a existência de um crédito;
b) que esse crédito seja anterior à realização do acto impugnado, ou sendo posterior, tenha o acto sido praticado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do credor;
c) que o acto seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, ocorra má fé tanto do alienante como do adquirente;
d) que do acto resulte a impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do crédito ou o agravamento dessa impossibilidade.
Neste sentido veja-se Prof. Menezes Cordeiro, in Impugnação Pauliana, Parecer supra citado; Prof. Mário de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª ed. revista e actualizada, Agosto de 2014, Almedina, pág. 860 a 864 e acórdãos do STJ de 31/05/2005, proc. nº. 05B1180 e da RL de 17/12/2009, proc. nº. 6179/08-2, acessíveis em www.dgsi.pt).
Assim, tratando-se de um acto oneroso, a lei exige que o devedor e o terceiro adquirente tenham agido de má fé (artº. 612°, nº. 1, 1ª parte do Código civil), entendendo-se como tal a consciência que o devedor e o terceiro tenham do prejuízo que o acto em questão causa ao credor (artº. 612º, nº. 2º do Código Civil).
Tratando-se de um acto gratuito, a letra do artº. 612º, nº. 1, 2ª parte do Código Civil é clara no sentido de que, neste caso, é indiferente que os intervenientes no acto tenham agido de boa ou má-fé. A impugnação será sempre procedente. E da norma não resulta que esta situação só se aplica a créditos anteriores. Só os actos gratuitos têm esta consequência, porque não há contrapartidas ou qualquer contraprestação. Daí que se compreenda que este normativo legal não abranja apenas as situações de créditos anteriores, como defende a maioria da doutrina e jurisprudência, pois um acto gratuito acarreta, em geral, diminuição do património, e, consequentemente, prejuízo para os credores, em geral (cfr. Almeida Costa, ob. cit., pág. 863 e 864 e acórdão da RG de 9/04/2015, relator Desemb. Espinheira Baltar, proc. nº. 397/10.4TBCMN, acessível em www.dgsi.pt).
Os actos abrangidos pela impugnação pauliana são “todos os actos do devedor que envolvam a diminuição da garantia patrimonial do crédito, entre os quais se destacam (…) os actos de alienação de bens ou de transmissão de direitos, bem como a renúncia a direitos existentes no seu património” (cfr. Prof. Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, Vol. II, 7ª ed., Almedina, Coimbra, pág. 453).
No que respeita ao ónus de prova dos requisitos da impugnação pauliana supra enunciados há, nos termos do disposto no artº. 611º do Código Civil, um desvio à regra geral estabelecida no artº. 342º, nº. 1 do mesmo Código, pois incumbe ao credor provar apenas a existência do seu crédito e a sua anterioridade em relação ao acto impugnado, cabendo ao devedor e/ou ao terceiro adquirente a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de valor igual ou superior ao da dívida.
A especialidade introduzida pelo citado artº. 611º do Código Civil significa, em termos práticos, que, uma vez provada pelo impugnante a existência e a quantidade do direito de crédito e a sua anterioridade em relação ao acto impugnado, se presume a impossibilidade de realização do direito de crédito em causa ou o seu agravamento, fazendo incidir sobre o devedor o ónus de ilidir tal presunção, demonstrando que dispõe de bens penhoráveis de valor superior ou bastante para satisfação do crédito (cfr. acórdãos do STJ de 15/06/1994, CJ/STJ, Ano II – Tomo II, pág. 142; de 11/05/1995, BMJ nº. 447 – pág. 508; de 8/11/2007, proc. nº. 07B3586; de 26/02/2009, proc. nº. 09B034 e de 8/10/2009, proc. nº. 1360/07.8TVLSB, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Feitas estas considerações gerais sobre o instituto da impugnação pauliana, debrucemo-nos sobre o caso dos autos.
Entendem os recorrentes que a renúncia operada pelo R. Samuel não foi um acto gratuito (como o considerou o Tribunal “a quo”), porque não havia bens a partilhar, tanto mais que o casamento foi celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos e o prédio rústico “Monte dos Polos”, onde foi edificada a casa, foi doado apenas à Ré Rosa Maria Oliveira, sendo por isso um bem próprio dela, para além de que à data do divórcio os RR. apenas tinham pago a quantia de € 2 367,53 a título de juros, tendo a Ré Rosa Maria ficado como proponente responsável pelo pagamento do crédito hipotecário.
Ora, provado se mostra nos autos que a A., em virtude da condenação do R. Samuel no âmbito do processo nº. 257/1998, tem um crédito sobre o mesmo no montante de € 64 569,30, acrescido dos respectivos juros de mora.
Porque aquele crédito emerge de acidente de viação apenas se constituiu com o trânsito em julgado da decisão condenatória, o qual ocorreu em 6/11/2006.
Considerando a data do trânsito em julgado da referida sentença condenatória e a data do acto impugnado (29/06/2006), concluiu-se na sentença sob censura que o crédito da A. é posterior ao acto impugnado.
Provou-se, ainda, que na constância do matrimónio, os RR. iniciaram a construção de uma casa de habitação num prédio que foi doado à Ré pelos seus pais, com o recurso a um empréstimo bancário no valor de € 143 500, que foi disponibilizado nos termos supra referidos em 18) e 22) e que estava a ser pago pelos Réus.
Conforme resulta dos autos, o acto impugnado é uma renúncia do R. Samuel a um direito (de propriedade sobre a referida casa de habitação ou de crédito por benfeitorias) existente no património comum do casal que então formava com a Ré e que, com a partilha decorrente do divórcio, teria necessariamente de integrar a sua meação naquele património (artº. 1689º, nº. 1 do Código Civil), pelo que é susceptível de ser impugnado nos termos dos artºs 610º e seguintes do Código Civil.
Por outro lado, os RR. não lograram provar que o R. Samuel tem outros bens que possam garantir a satisfação do crédito da A., pelo que ter-se-á de concluir que do acto impugnado resultou a impossibilidade de obter o pagamento do crédito da A. (ou, pelo menos, agravou a impossibilidade de obter tal pagamento) e que existe um nexo causal entre o acto impugnado e a situação patrimonial do devedor, traduzida em impossibilidade ou agravamento para a satisfação do crédito.
Coloca-se agora a questão de saber se a renúncia do R. Samuel à edificação que estava a ser construída no prédio que havia sido doado à Ré Rosa Maria pelos seus pais, por reconhecer que tal construção estava a ser feita com dinheiro pertencente à ora Ré, efectuada na tentativa de conciliação realizada em 29/06/2006, no âmbito da acção de divórcio litigioso que a Ré propôs contra aquele, se trata de um acto gratuito ou oneroso.
Como bem se refere na sentença recorrida, a data a que deve atender-se, para aferir da gratuidade ou onerosidade do acto, é a do acto impugnado.
Conforme resultou provado no ponto 12) supra, a renúncia do R. Samuel à referida edificação ocorreu em 29/06/2006 e como se infere da redacção dada ao ponto 12.2, a renúncia do R. à edificação tinha como pressuposto o facto de tal construção estar a ser levada a cabo com dinheiro da Ré.
Todavia, apurou-se que aquela construção estava a ser levada a cabo com um empréstimo bancário no montante de € 143 500 que foi concedido a ambos os RR. em 1/07/2005 (portanto, antes do divórcio) e que foi disponibilizado da forma supra descrita em 18) e 22) dos factos provados.
Sobre esta matéria refere-se na sentença recorrida que «Até à data do divórcio, as prestações referentes ao referido empréstimo bancário (ou melhor, das quantias que foram disponibilizadas até àquela data ao abrigo do referido empréstimo) foram pagas através de uma conta bancária (foram debitadas na conta) titulada pelo R. (e também pela R., que não era contudo a 1.ª titular).
Não se tendo feito a prova de que o dinheiro existente naquela conta era unicamente da R., impõe-se concluir (não obstante o R. ter reconhecido o contrário na tentativa de conciliação) que, estando os RR. casados no regime de comunhão de adquiridos (cfr. assento de casamento de fls. 931, do qual resulta que os RR. casaram sem convenção antenupcial), tal dinheiro não pertencia apenas à R., mas era um bem que integrava o património do casal, no qual o R. participava por metade no activo e no passivo (art.º 1730.º do C.C.).
Pelo exposto, a referida edificação estava ser levada a cabo com dinheiro que integrava o património comum do casal.
O acto de renúncia àquela edificação não teve qualquer contrapartida (porque não foi estipulada qualquer compensação ao património próprio do R.), pelo que se deve considerar um acto gratuito.»
É verdade que a Ré assumiu perante o Banco mutuante o pagamento do empréstimo que este havia concedido aos RR. para levar a efeito a referida construção, mas tal acto é posterior ao acto impugnado, pois ocorreu em 17/11/2006.
Além disso, posteriormente ao divórcio e à assunção da dívida pela Ré, o R. Samuel continuou a efectuar o pagamento de tais prestações durante quase 2 anos (até 31/03/2008), o que reforça a ideia de que o acto de renúncia não teve contrapartidas, ou seja, foi gratuito.
Por outro lado, resulta dos documentos juntos aos autos que, apesar de ter sido exonerado pelo Banco mutuante das obrigações decorrentes do referido empréstimo em 14/11/2007, o R. Samuel foi constituído fiador nesse contrato de mútuo concedido para a construção da casa de habitação a que renunciou.
Mas, como bem refere a sentença recorrida, o que está aqui em causa é o acto de renúncia do R. formulado em 29/06/2006 (e não os actos posteriores que os RR. levaram a cabo na sequência de tal renúncia) e nesta data não foi estipulada qualquer contrapartida (sendo certo que o dinheiro com que estava a ser construída a casa da habitação não era apenas da R., mas sim do património do casal), tendo, por isso, o Tribunal “a quo” concluído (e bem) que o acto de renúncia é gratuito, posição esta que partilhamos.
Assim, como estamos perante um acto gratuito, não se coloca a questão da boa ou má-fé do devedor e do terceiro, como resulta do disposto no artº. 612º, nº. 1, 2ª parte do Código Civil.
Contudo, mesmo que assim não se entendesse, perfilhamos a posição defendida no acórdão desta Relação de 11/05/2010, proferido no processo de arresto apenso aos presentes autos, de que foi relator o Sr. Desembargador Espinheira Baltar (1º Adjunto no presente acórdão), que se pronunciou sobre a natureza do imóvel construído (bem comum do ex-casal ou bem próprio da Recorrente Rosa Maria) e o papel da acção de divórcio neste contexto.
Dada a pertinência dos argumentos utilizados naquele acórdão, com os quais concordamos, passamos a transcrever a parte que releva para o caso em apreço:
«Como resulta da matéria de facto dada como assente, o divórcio concretizado por mútuo acordo, homologado por sentença já transitada em julgado, é simulado, não traduzindo a realidade da vida existente entre os requeridos. Teve como fim último frustrar o pagamento da dívida do requerido à requerente, através da nomeação a penhora da casa que foi construída com dinheiro dum empréstimo com hipoteca, que ambos subscreveram e se comprometeram a pagar. Assim este bem, face à simulação do divórcio, não deixa de ser comum. Não se coloca sequer que seja bem próprio da requerida. Isto, pelo menos, ao nível da construção. Quanto ao terreno em que se incorpora a construção, como lhe foi doado pelos pais, é bem próprio. Porém, face à incorporação da construção no prédio da requerida, este deixou de ter autonomia nos termos do artigo 204 n.° 2 do C.Civil, passando o conjunto a denominar-se prédio urbano.
E como a construção tem um valor patrimonial superior ao solo, como resulta da análise da certidão da caderneta predial junta fls. 313, em que foi avaliado, para efeitos de IMI, em 12.650 €, quando a construção tem o valor correspondente ao empréstimo no montante de 143.500 €.
E, ao abrigo do disposto no artigo 1726 n.° 1 do C.Civil, o prédio urbano em causa é bem comum dos requeridos, porque constituído em parte com dinheiro comum dos requeridos (a construção paga com o valor do capital mutuado) e noutra parte com bem próprio da requerida (o solo), em que a parte mais valiosa é a construção. A requerida apenas terá direito à compensação no momento da dissolução e partilha da comunhão como o refere o artigo 1726 n.° 2 do mesmo diploma.
O contrato celebrado entre a requerida e o requerido a 17 de Novembro de 2006 quanto à assunção da dívida emergente do mútuo com hipoteca, em que a requerida declara que assume a dívida na sua plenitude, só veio a ser aceite pelo banco a 14 de Novembro de 2007. Daí que só a partir dessa data é que o requerido ficou desvinculado em pagar as prestações inerentes ao mútuo. Mas, mesmo assim, o bem hipotecado, constituído por prédio urbano, continuou a garantir o crédito, o que quer dizer que o bem comum continuou onerado para garantir dívidas da requerida.
O certo é que este contrato de assunção de dívidas, ratificado pelo credor, apenas vincula as partes intervenientes no negócio e não terceiros, ficando os credores com as mesmas garantias que tinham aquando da outorga do contrato. Não vai este contrato modificar a natureza jurídica dos bens em causa. Porque este contrato apenas altera subjectivamente, quem irá pagar o montante mutuado. E só se pode reflectir ao nível das relações patrimoniais dos requeridos aquando da dissolução da comunhão.
Assim sendo, o prédio urbano continua a ser um bem comum, como o já qualificamos e garantirá os débitos comuns e, subsidiariamente, os débitos próprios dos requeridos, nos termos do artigo 1696 n.° 1 do C.Civil. Dai que responda pelo crédito da requerente sobre o requerido Samuel (…)».
A jurisprudência tem divergido quanto ao regime aplicável à construção, durante a constância do matrimónio, de uma casa em terreno próprio de um dos cônjuges, quando estes são casados no regime de comunhão de adquiridos. Sufragamos a posição defendida nos acórdãos da RP de 28/05/2013 (proc. nº. 3255/08.9TJVNF-B) e da RE de 25/03/2010, (proc. nº. 454/05.9TBFAR) - e que, de certa forma, é a adoptada no acórdão desta Relação supra transcrito - de que o imóvel deve considerar-se bem comum quando a prestação dos bens comuns é superior à prestação dos bens próprios na contribuição para a aquisição ou construção da casa (ou seja, quando o valor da prestação dos bens comuns é superior ao terreno, o imóvel deve ser considerado um bem comum; quando o valor da prestação dos bens comuns é inferior ao terreno, então o imóvel já não será um bem comum e será um bem próprio do outro cônjuge). Isto é, o imóvel deve revestir a natureza da prestação de maior valor nos termos do nº. 1 do artº. 1726º do Código Civil, devendo o proprietário do terreno ser compensado, ao abrigo do disposto no nº. 2 do mesmo preceito legal, pela deslocação que foi feita do seu património próprio para o património comum do casal.
Perante tal quadro, entendemos que bem andou o Tribunal “a quo” ao concluir que em virtude do mencionado acto de renúncia, a A. ficou impossibilitada de obter a satisfação do seu crédito à custa do património do Réu (composto pela sua meação no património comum no casal, do qual fazia parte a casa de habitação referida ou o respectivo valor), porquanto não lhe são conhecidos outros bens susceptíveis de garantir aquele crédito.
Por tudo o que se deixou exposto, podemos concluir que se verificam os pressupostos da impugnação pauliana, confirmando-se, assim, a decisão recorrida.
Improcedem, pois, os recursos interpostos por ambos os Réus.
I) - Os pressupostos da acção de impugnação pauliana, tal como resultam dos artºs 610º e 612º do Código Civil, são: a existência de um crédito; a anterioridade desse crédito em relação ao acto impugnado, ou sendo posterior, que o acto tenha sido praticado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do credor; que o acto seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, ocorra má fé tanto do alienante como do adquirente; que do acto resulte a impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do crédito ou o agravamento dessa impossibilidade.
II) - Nos actos gratuitos não se exige a má-fé, porque são, por natureza, prejudiciais para os credores.
III) - Os actos abrangidos pela impugnação pauliana são todos os actos do devedor que envolvam a diminuição da garantia patrimonial do crédito, entre os quais se destacam os actos de alienação de bens ou de transmissão de direitos, bem como a renúncia a direitos existentes no seu património.
IV) - Em face da regra estabelecida no artº. 611º do Código Civil, que introduz um desvio à regra geral do artº. 342º, nº. 1 do mesmo Código, incumbe ao credor provar apenas a existência do seu crédito e a sua anterioridade em relação ao acto impugnado, cabendo ao devedor e/ou ao terceiro adquirente a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de valor igual ou superior ao da dívida.
V) - A data a que deve atender-se, para aferir da gratuidade ou onerosidade do acto, é a do acto impugnado.
VI) - Quando cônjuges que eram casados no regime da comunhão de adquiridos procederam à construção de uma casa em terreno próprio da mulher, é aplicável a este bem o regime previsto no artº 1726° do Código Civil.
VII) - Verificando-se que a prestação dos bens comuns do casal é superior à prestação dos bens próprios do outro cônjuge, na contribuição para a aquisição/construção da casa, deve esta
ser considerada como bem comum – ou seja, o imóvel deve revestir a natureza da prestação de maior valor nos termos do nº. 1 do artº. 1726º do Código Civil, devendo o proprietário do terreno ser compensado, ao abrigo do disposto no nº. 2 do mesmo preceito legal, pela deslocação que foi feita do seu património próprio para o património comum do casal.
Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos pelos RR. Samuel Dinis Dias Alves e Rosa Maria Lima de Oliveira e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo de ambos os recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário que lhes foi concedido.