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PRIMEIRO INTERROGATÓRIO JUDICIAL
PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
CO-ARGUIDO
Sumário
O arguido tem legitimidade para arguir a nulidade do seu interrogatório na fase de instrução em que foi violada a regra da publicidade.
Texto Integral
Pr21/11.8PEPRT-H.P1
Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
I – B...... veiointerpor recurso do douto despacho do 1º Juízo-A do Tribunal de Instrução Criminal do Porto que indeferiu a arguição de nulidade do seu interrogatório, na fase de instrução, por não ter sido autorizado que ao mesmo assistissem os co-arguidos C...... e D.......
São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
«1. O interrogatório de 11 de Fevereiro era um ato processual público.
2. Porém, sem qualquer fundamentação, reservando-se a decisão, inclusive, para data futura, não foi permitida a assistência de dois cidadãos identificados, que queriam estar presentes a essa diligência.
3. Tal facto torna o ato praticado nulo, nulidade invocável por todos os sujeitos processuais interessados no cumprimento da lei, face às razões subjacentes à publicidade processual.
4. Isto considerando o disposto no artigo 86º nº 1 e nº 6, alínea a) do CPP, que foi violado.
5. Deve, pois, declarar-se verificada a nulidade ocorrida, com as consequências legais (artigo 122º do CPP)»
Da resposta à motivação do recurso apresentada pelo Ministério Público constam as seguintes conclusões:
«1. Nos termos do art. 86.º nº 1, do CPP, o processo penal é público, sob pena de nulidade.
2. Por isso, e na sequência da Lei n.º 48/2007, de 29/08, a fase de instrução é pública, o que implica que também os arguidos no mesmo processo, ainda que não tenham requerido a instrução, têm o direito de assistir, como se fossem público em geral, aos atos de instrução, nomeadamente ao interrogatório de outro arguido.
3. Todavia, o exercício desse direito é pessoal e não universal, ou seja, só compete aos arguidos ou terceiros interessados em assistir ao ato, e não a outro arguido, que não tem o direito de exigir a presença ou assistência de terceiros na diligência.
4. Não tendo sido requerida a assistência ao interrogatório judicial de arguido por parte de outras pessoas, designadamente arguidos e seus defensores ou mandatários, não viola a publicidade do processo o despacho que indeferiu a assistência requerida por quem não demonstrou nem alegou interesse em assistir ao referido ato.
5. O interessado em assistir ao ato não é o recorrente, como é óbvio, mas outros sujeitos processuais ou terceiros, que não o requereram, nem suscitaram tal nulidade sanável, como frisa P. Pinto Albuquerque – CPP, ant, p. 244, anotação 18-.
6. Termos em que, não tendo sido acometida a norma do art. 86.º n.º 1 e 6, do CPP, por a publicidade do processo não ter sido recusada a sujeito processual ou público em geral, nem tendo sido atempadamente suscitada a nulidade dependente de arguição pelo interessado na assistência ao ato, deve o recurso ser rejeitado por manifesta improcedência – art. 420.º n.º 1, al. a), do CPP.»
O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, reiterando a posição assumida pelo Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância.
O arguido e recorrente respondeu a tal parecer, reiterando a posição assumida na motivação do recurso e arguindo a inconstitucionalidade «de qualquer norma que possa ser trazida à liça, interpretada no sentido de que não tem legitimidade para arguir a nulidade de qualquer acto processual, de natureza pública, consubstanciada no impedir a presença de quem a ela quis estar presente, sem despacho, qualquer arguido do mesmo processo, por tal comportamento, ainda que assumido directamente sem ter sido feito constar dos autos, obstar ao controle da actividade jurisdicional por quem o pretende fazer, violando, pois, tal dimensão normativa o artigo 32º nº 1 da CRP.»
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.
II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, a de saber se deve, ou não, ser declarada a nulidade do interrogatório, em fase de instrução, do arguido e recorrente, por não ter sido autorizado que ao mesmo assistissem os co-arguidos C...... e D.......
III 1. – É o seguinte o teor do douto despacho recorrido:
«Conforme resulta dos autos, concretamente, da acta de fls.29240 e ss., respeitante ao interrogatório do arguido B......, por si requerido e deferido nos termos do disposto no art. 292°, do C.P.P., que no inicio da diligência, foi pedida e concedia a palavra ao seu Ilustre Mandatário, para suscitar a “nulidade”, relativamente ao facto de não estarem presentes no referido interrogatório, os arguidos ali identificados, que entretanto se tinham apresentado em juízo.
Salvo o devido respeito por melhor posição, e sem aqui se questionar do carácter público ou não da diligência em causa, o certo é que, tais arguidos não se encontravam notificados, nem foram convocados para estarem presentes neste para a respectiva diligência. Mais atendendo às características excepcionais das entradas neste TIC, ainda que alguém tenha processos a correr neste Tribunal, enquanto arguidos ou Assistentes, a sua entrada na Portaria, é condicionada, à existência de uma convocatória, tal como para testemunhas (que não sejam a apresentar), que serve para na Secção correspondente ao respectivo juízo, proceder-se à sua identificação, daí que, em rigor, nem lhes devia ter sido facultada a entrada.
Ainda assim, de modo algum poderá considerar-se, tal situação de uma “nulidade”, susceptível de apreciação, nos termos prescritos nos arts. 118° e ss., todos do C.P.P., ou de qualquer outro comando jurídico.
Do prescrito no n° 1 do art. 118°, extrai-se que, a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal, só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal, é irregular (nº2).
Se atentarmos no prescrito nos dispositivos legais dos arts. 1190 e 1200, ambos do C. P. P., podemos concluir que ali se não encontra contemplada a situação aqui em apreço.
Assim, desde logo se encontra afastada a possibilidade de o requerido ser apreciado como nulidade, em qualquer das suas modalidades (sanáveis ou insanáveis).
Podia questionar-se, a sua apreciação com recurso ao prescrito no art. 123° do mesmo diploma legal, acontece que, como bem refere o Sr. Procurador, neste campo, a lei, para a respectiva apreciação, exige que a mesma seja arguida pelo interessado, que não é o caso, daí que, nada temos a apreciar.
Notifique enviando junto cópias de fls.29288 e 29289.
D.N.»
III 2. - Da ata cuja cópia está junta a fls. 8 a 13 destas autos consta o seguinte:
«De seguida foi pedida a palavra pelo Ilustre Mandatário do arguido B......, que no uso da mesma referiu: Apresentaram-se em juízo os arguidos C...... e D...... que, tendo tido conhecimento da diligência, queriam estar presentes à mesma. Tal foi-lhes vedado. Porquanto a diligência que irá ocorrer é de carácter público, sob pena de nulidade, vem invocar a mesma face ao ocorrido»
Não consta dessa ata, ou de qualquer outro auto junto, que tenha sido proferido despacho judicial sobre esta questão (para além do douto despacho recorrido).
IV – Cumpre decidir.
Estatui o artigo 86º, nº 1, do Código de Processo Penal que o processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as exceções previstas na lei.
A publicidade do processo implica, nos termos definidos pela lei, a assistência pelo público em geral, à realização dos atos processuais (nº 6, a), do mesmo artigo 86º).
Depois da revisão desta Código operada pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, esta regra de publicidade passou a abranger, na sua plenitude, a fase de instrução, passando a aplicar-se a estas apenas as restrições gerais (as que resultam, designadamente, do nº 1, in fine, e nº 2 do artigo 87º do mesmo Código).
Entre o “público em geral” conta-se, obviamente e por maioria de razão, um co-arguido ou qualquer outro sujeito processual.
Assim, não oferece dúvidas o direito de assistência de um co-arguido ao interrogatório de outro co-arguido na fase de instrução.
Não é o facto de esse co-arguido não ter sido convocado para tal ato que pode impedir o exercício desse direito, tal como não podem impedir o exercício desse direito eventuais práticas (justificadas por razões de segurança) de restrição de acesso a um tribunal de instrução criminal.
Poderá esse direito ser restringido nos termos dos nºs 1, in fine, e 2 do referido artigo 87º do Código de Processo Penal, por despacho fundamentado, baseado em factos ou circunstâncias concretas que façam presumir que a publicidade causaria grave dano à dignidade das pessoas, à moral pública ou ao normal decurso do ato. Por outro lado, não implica restrição ou exclusão de publicidade a proibição, pelo juiz, de assistência de quem, pelo seu comportamento, puser em causa a dignidade ou a disciplina do ato (nº 6 do referido artigo 87º). E pode, ainda, ser um arguido ser interrogado na ausência de outros co-arguidos, nos termos do artigo 343º, nº 4, do mesmo Código (artigo diretamente aplicável à audiência de julgamento e aplicável por analogia a um interrogatório na fase de instrução).
Não se verifica, porém, qualquer destas situações, não existindo sequer um qualquer despacho fundamentado que a invoque.
O ilustre mandatário do arguido e recorrente afirmou, no início da diligência em questão, que a ela foram impedidos de assistir dois co-arguidos que estavam presentes no tribunal e a ela pretendiam assistir. Do douto despacho recorrido, assim como da resposta do Ministério Público à motivação do recurso, não resulta que este facto não corresponda à verdade. Resulta apenas que o arguido e recorrente não tem legitimidade para requerer que esses co-arguidos assistam à diligência, nem para invocar a nulidade resultante desse facto.
É óbvio que tendo sido esses co-arguidos impedidos de comparecer à diligência (sem despacho judicial nesse sentido), não poderia constar da ata respetiva algum requerimento da parte deles. Mas é certo que eles poderiam vir arguir a nulidade decorrente desse facto. Apoia-se o douto despacho recorrido (secundado pelo Ministério Público) precisamente no facto de não terem sido esses co-arguidos (impedidos de comparecer ao interrogatório), mas o arguido e recorrente, a invocar a nulidade em causa.
Resulta das disposições combinadas dos artigos 86º, nº 1, 118º, nº 1, 119º, a contrario, e 120º, nº 1, do Código de Processo Penal que estaremos perante uma nulidade sanável, ou seja, que só pode ser arguida pelos interessados.
Interessados nessa arguição serão, de acordo com o douto despacho recorrido (secundado pelo Ministério Público), apenas os co-arguidos em questão (cujo direito de assistência ao interrogatório do arguido e recorrente terá sido violado), e não o próprio arguido ora recorrente.
A este respeito, haverá que analisar os fundamentos do princípio da publicidade do processo penal e, para tal, podemos servir-nos da lição de Figueiredo Dias na clássica obra Direito Processual Penal, primeiro volume (Coimbra Editora, reimpressão de 1981, págs. 222 e 223):
«Considerando (…) que o processo penal desempenha uma função comunitária, que é assunto da comunidade jurídica, bem se compreende a sua publicidade como forma óptima de dissipar quaisquer desconfianças que se possam suscitar sobre a independência e imparcialidade com que é exercida a justiça penal e são tomadas as decisões.
«Ideia tão importante esta, adentro de uma concepção “democrática” do processo, que justifica a asserção de Feuerbach de que o público seria, ele mesmo, um comparticipante do processo penal. Esta asserção não poderá considerar-se tecnicamente exacta, por o público não ter uma intervenção constitutiva na declaração do direito do caso nem dever substituir-se aos juízes (e aos jurados, onde os haja) como lídimos representantes da comunidade jurídica constituída em Estado. Mas ela sugere, pelo menos, muito adequadamente, o interesse que cada cidadão tem em uma correcta e impoluta administração da justiça penal, ao mesmo tempo que – e isto é muito importante – reforça o sentimento de co-responsabilidade, tanto dos cidadãos como dos órgãos estaduais, naquela administração. Tanto o interesse da comunidade (enquanto tal e consubstanciada no tribunal) como o interesse do próprio arguido convergem, pois, no sentido de ser dada publicidade à audiência; esta constitui para todos uma verdadeira garantia. (…)».
Desta ideia pode concluir-se que interessados na publicidade do processo não serão apenas as pessoas que pretendam assistir a determinada diligência. A publicidade do processo não visa, apenas ou fundamentalmente, satisfazer interesses pessoais, mas interesses da comunidade. E não visa apenas satisfazer a curiosidade ou o direito de informação das pessoas que queiram assistir a determinada diligência, mas também interesses dos sujeitos processuais. Se assim não fosse, a publicidade do processo não seria, como afirma Figueiredo Dias, «uma verdadeira garantia». O escrutínio público do exercício da justiça penal é uma forma de garantir a imparcialidade e independência desse exercício e que este se verifica com observância dos princípios e normas legais, incluindo os que dizem respeito aos direitos de defesa do arguido.
Nesta perspetiva, não pode dizer-se que um qualquer arguido não é interessado na observância das regras processuais relativas à publicidade. O arguido e recorrente tem legitimidade para arguir a nulidade do interrogatório em apreço, em que foi violada a regra de publicidade a que tal diligência estava sujeita.
Deverá, pois, ser concedido provimento ao recurso.
Não há lugar a custas (artigo 513º, nº 1, a contrario, do Código de Processo Penal).
V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso, declarando nulo o interrogatório, em fase de instrução, do arguido e recorrente B….., realizado em 11 de Fevereiro de 2013.
Notifique
Porto, 10/04/2013
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Maria Godinho Vaz Pato
Eduarda Maria de Pinto e Lobo