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CRIME DE ABUSO SEXUAL DE PESSOA INCAPAZ DE RESISTÊNCIA
ACTO SEXUAL DE RELEVO
PESSOA INCAPAZ
Sumário
I – O crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, previsto no art.º 165º do C. Penal, tutela a liberdade e autodeterminação de pessoas inconscientes ou incapazes de formularem a sua vontade para a prática de actos com relevo sexual. II – Acto sexual de relevo é, para o tipo legal, toda a acção que seja susceptível de condicionar a liberdade e autonomia sexual de outra pessoa a partir de actos relativamente aos quais a pessoa visada não consentiu (pessoa inconsciente) ou não tinha capacidade para consentir (pessoa incapaz). III – A pessoa só será incapaz de se opor a actos sexuais de relevo que lhe forem pessoalmente dirigidos por outrem, quando apresentar uma quase total diminuição das suas capacidades para avaliar o sentido e alcance de tais actos.
Texto Integral
Recurso n.º 2361/09.7TAVLG.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro
Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
1. No PCC n.º 2361/09.7TAVLG do 3.º Juízo do Tribunal de Valongo, em que são:
por acórdão de 2011/Dez./07, a fls. 277-296 o arguido foi absolvido da prática, como autor material, de um crime de abuso sexual de incapaz da previsão do artigo 165.º, n.º 1 do Código Penal.
2. A assistente interpôs recurso a fls. 300-308, pedindo que seja “decretada uma pena de prisão, suspensa na sua execução, cumprindo as normas legais fixadas nos n.º1 1 dos artigos 165.º e n.º 2 do 71.º do C.P.; assim, não se entendendo, deve o arguido ser condenado, face à alteração não substancial dos factos, pelo crime de violação na forma tentada, nos termos dos preceitos legais fixados nos artigos 22.º, 23.º, 73.º e 164.º, n.º 1 do C.P.”, concluindo do seguinte modo:
1.ª) A Recorrente não aceita o julgamento da pronúncia totalmente improcedente, absolvendo o C.... do crime de abuso sexual por cuja prática vinha pronunciado;
2.ª) Porquanto, nos parece uma decisão que consubstancia erro notório na apreciação da prova;
3.ª) O artigo 165.º, n.º 1 do Código Penal fixa que “Quem praticar acto sexual de relevo com pessoa inconsciente ou incapaz, por outro motivo, de opor resistência, aproveitando-se do seu estado ou incapacidade, é punido com pena de prisão de 6 meses a 8 anos.”;
4.ª) No caso em apreço, temos que, o arguido praticou actos sexuais de relevo com a Assistente, ora Recorrente, B...., em pelo menos 3 situações, relembre-se os factos dados como provados em 11-a) a II-f); III-a) a II-f) e 1V-b);
5.ª) A menor B...., à data dos factos tinha 15 anos de idade, e não 16 como erradamente se conclui no acórdão;
6:ª) A prática dos factos ocorreu no verão de 2009: entre Junho e Setembro, e a menor completou 16 anos em 18 de Agosto;
7.ª) A menor B.... apresenta uma “deficiência mental moderada, com QI entre 35-40 e 50-55” facto provado em 1 c);
8.ª) O que, de per si, e contrariamente àquilo que o acórdão conclui, a inibe de dispor da sua vontade e faculdades mentais livremente e, por consequência natural, da sua sexualidade;
9.ª) O exercício da liberdade sexual pressupõe e depende, antes de tudo, da plena capacidade de autodeterminação sexual. E esta capacidade de autodeterminação sexual está invariavelmente dependente da capacidade mental;
10.ª) Sendo como assim é, tendo a menor, ora Recorrente, a capacidade mental reduzida, não compreendemos como se pode concluir que «não estamos perante pessoa incapaz de formular a sua vontade em matéria de sexualidade, ou de a exteriorizar.»
11.ª) E o arguido conhecia essa inibição mental e desse facto se aproveitou, como, mais uma vez, ficou provado, em V-a) e c);
12.ª) Resulta da experiência comum e da jurisprudência fixada, que o agente – no caso sub judice o arguido C.... – sempre actua fazendo uso da relação de proximidade que tem com a vítima, no caso a menor B....;
13.ª) E assim é, mais uma vez, no caso em apreço. Como conclui o próprio acórdão, leia-se em factos provados no ponto V - c) onde se diz: “o arguido actuou (...) aproveitando — se do ascendente que exercia sobre a menor B.... pelo facto de ser avô da melhor amiga daquela, aproximando-se da B.... com o intuito de da mesma tirar partido, aparentando dar atenção a esta.”;
14.ª) O objectivo deste tipo legal de crime é proteger a imaturidade do desenvolvimento do menor e a sua incapacidade de consentimento. Sendo completa e totalmente irrelevante se a vítima anuiu nesse comportamento ilícito, como sugere o acórdão na sua fundamentação;
15.ª) Facto é que o arguido perpetrou um uso delinquente da sexualidade da menor B...., ora Recorrente, mais uma vez refira-se os factos provados em II— d), e) e f); III — e), d), e), e f); e IV — b);
16.ª) A norma penal por que vem acusado o Recorrido – artigo 165.º, n.º 1 do CP - visa reforçar a tutela de pessoas particularmente indefesas - uma menor que apresenta uma “deficiência mental moderada, com QI entre 35-40 e 50-55” - no caso a menor B...., ora Recorrente, tem de ver a sua autodeterminação sexual protegida;
17.ª) Para tanto deve o arguido C.... ser condenado pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência p. e p. pela norma consagrada no n.º 1 do artigo 165.º, do Código Penal;
18.ª) O tribunal “a quo” viola os preceitos normativos dos artigos 165.º, n.º 1, 71.º, n.º 2, al. a), b), c) e e) do C. P. ao absolver o arguido, ora Recorrido;
19.ª) O tribunal “a quo” ao absolver o arguido ignora a prática de atos de execução que o arguido perpetra contra a menor, B....;
20.ª) Pelo que, deveria proceder a uma alteração não substancial dos factos, e punir o arguido pela tentativa de violação p. e p. 164.º, n.º 1, alínea a), 22.º e 73.º “ex vi” 23° do Código Penal.
3. O Ministério Público respondeu em 2012/Jan./16 a fls. 311-324, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo do seguinte modo:
1.) O que está sob recurso é o douto Acórdão de 7 de Dezembro de 2011, proferido nos autos de Processo Comum Colectivo n° 236 1/09.7TAVLG, do 3° Juízo do Tribunal Judicial de Valongo.
2.) O recurso vem movido pela assistente B...., que se insurge pela absolvição do arguido C.... do crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, do artigo 165°, n°1, do Código Penal, por que se encontrava pronunciado.
3.) Sucede que nenhuma das razões invocadas pela recorrente é a nosso ver procedente, não se vislumbrando, por outro lado, fundamentos para invalidar o douto acórdão recorrido, no todo ou em algum dos seus segmentos.
4.) Assim, não se vislumbra que tenham sido violados quaisquer preceitos legais, e isso seja no tocante à fixação dos factos ou às determinações do direito.
5.) De resto, a recorrente desconsiderou totalmente a fundamentação elaborada pelo tribunal recorrido.
6.) Aliás, o douto acórdão ora em recurso apresenta-se, designadamente no que concerne à factualidade dada como provada, devida e correctamente motivado.
7.) Por isso, nenhum reparo pode merecer a apreciação da matéria de facto feita pelo tribunal recorrido, porquanto formou a sua convicção segundo critérios lógicos, objectivos e em obediência às regras de experiência comum, o que tudo bem motivou e objectivou, segundo o princípio consagrado no artigo 127°, do Código de Processo Penal.
8.) Não existe suporte probatório, para além de toda a dúvida razoável, para se dar como assente que algum dos factos imputados ao arguido tivesse ocorrido quando a assistente tinha apenas quinze anos de idade.
9.) Por outro lado, face à factualidade considerada provada e não provada, forçoso é concluir que a anomalia mental da assistente não constitui, em concreto e em definitivo, incapacidade para formar e exprimir a sua vontade no sentido de resistência ao acto sexual, pelo que não pode considerar-se verificado o tipo legal previsto e punido no artigo 165°, n°1, do Código Penal.
10.) Também é manifesto que não se verificam os requisitos do artigo 164°, do Código Penal, para se considerar preenchido este tipo legal, na forma tentada ou na forma consumada.
11.) Desta sorte, operou o douto acórdão proferido uma sábia subsunção jurídica e aplicação do direito.
12.) Aliás o douto acórdão recorrido não padece de qualquer dos vícios previstos no artigo 4 10°, n°2, do Código de Processo Penal.
4. Recebidos os autos nesta Relação onde foram registados em 2012/Fev./20, foram os mesmos com vista ao Ministério Público, tendo sido emitido parecer, que sufragou a resposta anterior do mesmo Ministério Público.
5. Colheram-se os vistos legais e depois de diversas vicissitudes, como a mudança de adjunto, nada obsta agora que se conheça do mérito do recurso.
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O objecto do recurso passa pela existência de um erro notório na apreciação da prova (a) e pela prática do crime de crime de abuso sexual de incapaz da previsão do artigo 165.º, n.º 1 do Código Penal.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. O acórdão recorrido
“Provaram-se os seguintes factos: I- a. A assistente B.... nasceu no dia 18 de Agosto de 1993, e foi confiada administrativamente a D.... em Junho de 1996. b. Posteriormente, a mesma menor foi a 02 de Fevereiro de 2004 judicialmente confiada à mesma D.... no âmbito do processo nº 1329/03.1TMPRT, da 2ª secção do 1º juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto, acabando por ser por esta adoptada no âmbito do processo nº 72/05.1TMPRT, da 3ª secção do 3º juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto. c. A mesma B.... apresenta uma “Deficiência Mental Moderada, com QI entre 35-40 e 50-55”. d. A B.... durante vários anos foi colega de escola de uma neta do arguido, sua vizinha, tal como este, desde a infância dirigindo-se frequentemente a casa do arguido C...., sita na sua …., nº …, …, Valongo, para brincar com a nesta deste. II- a. Em data não concretamente apurada, mas situada no Verão de 2009, a B.... encontrava-se na residência do arguido para aí brincar com a neta deste. b. O arguido apercebeu-se da B.... a dirigir-se para um barracão situado no exterior da sua residência, a fim de aí recolher utensílios culinários, e seguiu-a. c. Quando a B.... acedeu ao interior da aludida construção, o arguido também entrou no mesmo espaço. d. Nesse momento, o arguido agarrou a B.... pela zona do pescoço e membros superiores, abraçou-a e despiu-se completamente, retirando também a roupa à B...., designadamente os calções, as cuecas e a camisola. e. De imediato, aproveitando-se da inexperiência da B...., por nunca ter tido qualquer relacionamento sexual anterior, o arguido agarrou-a e encostou-a à parede do barracão, friccionando o seu pénis no corpo da mesma, e começou de imediato a beijá-la repetidamente na boca, face a seios, enquanto lhe acariciava todo o corpo, com especial incidência nos seios, nádegas e vagina. f. Simultaneamente, o arguido friccionava o pénis na zona vaginal da B...., tentando introduzi-lo na vagina desta, o que não conseguiu devido ao facto de a menor ter esboçado uma reacção, e pelo facto de o arguido se sentir progressivamente mais nervoso com a sua incapacidade para penetrar a B...., acabando por largar a menor. III- a. Numa outra ocasião, cuja data em concreto não foi também possível apurar, mas ocorrida alguns dias após a já relatada, e ainda no Verão de 2009, a B.... dirigiu-se a casa do arguido procurando a neta deste, de nome E...., dirigindo-se de imediato ao quarto desta. b. Porém, a E.... não se encontrava em casa, e no seu quarto estava o arguido. c. Então, o arguido C.... agarrou e puxou para si a B..... d. De imediato, o arguido despiu-se por completo, e tirou também a roupa que a B.... envergava, e deitou-se sobre a cama da própria neta. e. Acto contínuo, o arguido colocou a B.... sobre si próprio, friccionou o seu pénis no corpo da menor, e tentou introduzi-lo na vagina desta, enquanto a beijava na face, na boca e nos seios, e solicitava à menor que acariciasse o seu pénis, ao que a B.... não acedeu. f. O arguido não logrou concretizar a penetração da menor porque a B.... fez menção de pretender terminar a situação, após o que a B...., sem reacção do arguido, vestiu-se e abandonou o local. IV- a. Por fim, no dia 14 de Setembro de 2009, após a hora de almoço, a E.... convidou a B.... para a acompanhar ao “Continente” desta cidade, sendo as duas seguidas pelo arguido. b. Naquele estabelecimento, junto à zona das caixas de pagamento, o arguido começou a acariciar as nádegas da B...., de forma a retirar prazer de tal facto. c. Face à rejeição desta, o arguido ainda referiu que não existia qualquer problema, pois ninguém percebia os seus actos. V- a. O arguido conhecia a B.... e os seus problemas de atraso de desenvolvimento. b. A B.... foi submetida a exame médico-legal, no qual se concluiu que “aparentemente, a jovem terá sido vítima de abuso sexual em pelo menos 3 episódios”. c. O arguido actuou deliberada, livre e conscientemente, aproveitando-se do ascendente que exercia sobre a menor B.... pelo facto de ser avô da melhor amiga daquela, aproximando-se da B.... com o intuito de da mesma tirar partido, aparentando dar atenção a esta. d. O arguido actuou com o intuito de satisfazer os seus instintos libidinosos.
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VI- O arguido não tem antecedentes criminais.
O arguido inscreve-se numa matriz familiar regida por padrões de convencionabilidade, norteadores por uma estruturação funcionalmente normativa.
Sendo o mais velho de uma fratria de 8 irmãos, os pais, lavradores rendeiros, integraram o arguido no mundo do trabalho concluída que foi a instrução primária.
Iniciando o seu percurso profissional na indústria, passou por muitas experiências profissionais, tendo estabilizado na profissão de vidraceiro, que exerceu continuamente, por conta de outrem, até aos 65 anos de idade, altura em que se reformou.
Todavia, manteve-se laboralmente activo até há cerca de 3 anos (altura em que ficou viúvo e passou a assumir sozinho a gestão doméstica), colaborando em tarefas diversas, nomeadamente na distribuição de carnes, colocação de vidros e outras reparações.
Casou com 24 anos, após cumprir o serviço militar obrigatório, estabelecendo-se em Valongo, onde reside há 37 anos.
Teve 4 filhos, 3 dos quais encontram-se autonomizados, coabitando o arguido com uma filha portadora de deficiência intelectual e padecendo de obesidade mórbida, e com uma neta de 19 anos de idade.
A organização do quotidiano do arguido sempre foi centrada nas valências de trabalho e família nuclear, não cultivando o convívio com a família alargada.
Na rede vicinal não tem relações de proximidade, existindo registo de tensão e conflitualidade de largo tempo com os residentes nos espaços contíguos.
Quando da doença da esposa, o casal usufruiu da solidariedade dos vizinhos, ainda que o arguido suscitasse animosidade.
Nas relações mais formais, fora do espaço geográfico próximo da residência, o arguido expressa trato cordial, de respeito pelos seus compromissos, sendo o seu comportamento referenciado como adaptativo e conforme ao esperado, face á idade e aos papéis que assume.
À data dos factos em causa nestes autos, o arguido residia na habitação que sempre constituiu a casa de morada de família, com precárias condições de habitabilidade e higiene.
O agregado familiar em que o arguido se insere basta-se financeiramente através das receitas provenientes da pensão social atribuída à filha do arguido e da reforma deste, num total de € 900,00/mês.
O arguido actualmente levada a cabo todas as tarefas de cuidado da habitação, confecção de alimentos e tratamento de roupas.
O isolamento relacional do arguido acentuou-se após a sua viuvez e a evolução da doença da filha, preservando um espectro de amizades reduzido.
*** Factos Não Provados
Não resultou provado, com relevo para a decisão a proferir, que:
a) qualquer dos factos descritos na matéria de facto tenha ocorrido antes do dia 18 de Agosto de 2009;
b) a B…. nunca tenha tido qualquer relacionamento sentimental anterior aos factos referidos na matéria de facto provada;
c) o arguido se tenha aproveitado da deficiência mental da B….;
d) no momento referido no ponto II- da matéria de facto provada, o arguido tenha trancado pelo interior a porta do barracão existente no exterior da residência do arguido;
e) na situação referida no ponto II- da matéria de facto provada, a B…. tenha ameaçado gritar caso o arguido tentasse continuar; e que a B…. tenha dito ao arguido que «devia ter vergonha do que fazia»;
f) na situação referida no ponto III- da matéria de facto provada, a B…. tenha pretendido sair do local; e que tenha pedido ao arguido que a deixasse;
g) na situação referida no ponto III- da matéria de facto provada, o arguido não tenha logrado a penetração da B…. por ter ficado perturbado com a sua incapacidade em concretizar a acção;
h) na situação referida no ponto IV- da matéria de facto provada, o arguido tenha perturbado profundamente a B….;
i) a B…., em Agosto/Setembro de 2009 não tivesse qualquer capacidade de discernimento ao nível do comportamento sexual; que o arguido o soubesse; que o arguido tenha resolvido aproximar-se da B…. com vista a aproveitar-se da incapacidade de discernimento desta; e que o tenha conseguido;
j) em qualquer das situações descritas na matéria de facto, a B…. tenha sistematicamente repetido que não queria o que o arguido estava a fazer; e que a B…. tenha dito que queria ausentar-se dos locais onde o arguido a mantinha;
k) o arguido tenha colocado em causa a autodeterminação sexual da B….; que o arguido tenha actuado sabendo que acusava à B…. um mau estar físico e psicológico de inquietação constante;
l) o arguido tenha actuado consciente que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*** Motivação
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se nos seguintes elementos.
Escusado seria recordá-lo, para demonstração do crime de abuso sexual por cuja prática vem o arguido pronunciado, em tese, pela própria natureza da sua execução dificilmente concorrerão testemunhos de pessoas que presenciaram os factos.
Assim, a prova do abuso passa sempre pelo peso da credibilidade da versão da alegada vítima face à versão do suposto agressor, podendo (e devendo) ser utilizados como pesos da balança elementos objectivos como os exames médico-legais.
Nos autos, e como facilmente se constata da análise dos meios de prova, nenhuma testemunha presenciou o alegado abuso, e não foi recolhido qualquer elemento objectivo que permita conferir especial credibilidade à versão da assistente [o único exame médico-legal levado a cabo traduziu-se num exame psiquiátrico de que a assistente foi alvo – cfr fls 89 a 94].
No que respeita aos meios de prova indicados na pronúncia, assim, apenas dispomos da versão relatada pela B...., em confronto com a negação frontal dos factos por parte do arguido – situação em que sempre se exige especial ponderação dos elementos disponíveis que indiciariamente permitam a recuperação do facto histórico, face à presunção de inocência de que beneficia o suposto agressor.
Mas, ainda que, à luz do princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º do Código de Processo Penal), não seja de afastar a possibilidade de reconhecer a versão da assistente como a que corresponde ao de facto sucedido, a racionalidade pressuposta e exigida por toda decisão judicial sempre implicará a análise crítica da versão dos factos apresentada pela B.... [ao modo do clássico método cartesiano, aproveitando-se a oportunidade para aqui recordar um dos seus preceitos fundamentais – «nunca admitir alguma coisa como verdadeira, sem a conhecer evidentemente como tal; isto é, evitar cuidadosamente a precipitação (...)» – René Descartes, “ Discurso do Método”, Edições 70, tradução de Artur Morão, 1993], sem esquecer que compete à acusação a prova de todos os elementos do crime, independentemente da posição que o arguido no processo assuma.
Isto, é claro, tendo sempre presente que a verdade que se procura no processo nunca será a verdade ontológica, indesmentida e indesmentível, mas apenas «(...) a convicção de que certa alegação singular de facto é justificavelmente aceitável como pressuposto da decisão, por ter sido obtida por meios processualmente válidos. A verdade processual não é absoluta ou ontológica, mas uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida. A lei processual não impõe a busca da verdade absoluta, e, por isso também, as autoridades judiciárias, mormente o juiz, não dispõem de um poder ilimitado de produção de prova. O thema probandi vai sendo delimitado em cada fase processual e limitados são também os meios de prova admissíveis no processo, os métodos para a sua obtenção e o momento e forma da sua produção: a verdade obtida com tais limitações nos métodos e meios há-de ser por isso também apenas uma verdade histórico-prática, uma determinação humanamente objectiva de uma realidade humana» (Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” II, 2ª. edição, Verbo, págs. 114, citado pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 03 de Outubro de 2002, disponível em www.dgsi.stj.pt/).
Passemos então à análise dos elementos que os autos fornecem.
Os documentos que constam de fls 71 e 72 (certidão de nascimento da B....) e 128 a 134 (certidão do processo de confiança judicial nº 1329/03.1TMPRT, da 2º secção do 1º juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto, onde narrativamente se certifica que posteriormente foi apenso ao processo de adopção nº 72/05.1TMPRT, da 3ª secção do 3º juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto), em conjugação com o depoimento da testemunha D...., sem qualquer dúvida fundaram a inclusão dos pontos I-a. e I-b. na matéria de facto provada.
A deficiência cognitiva de que a B.... padece foi determinada na perícia psiquiátrica cujo relatório consta de fls 89 a 94, fundando a inclusão dos pontos I-c. e V-b. na matéria de facto provada.
O relacionamento próximo que a B.... mantinha com a neta do arguido (a testemunha E....) foi confirmado em audiência de julgamento pelo arguido e pela assistente, nas declarações que prestaram, e pelas testemunhas D.... (mãe adoptiva da B....) e E.... (neta do arguido), o que obviamente fundou a inclusão do ponto I-d. na matéria de facto provada.
O conhecimento pelo arguido do atraso intelectual que a B.... apresenta foi confirmado por aquele nas declarações que prestou em audiência de julgamento – o que fundou a inclusão do ponto V-a. na matéria de facto provada.
A testemunha F...., vizinha do arguido há dezenas de anos, em audiência de julgamento relatou (de forma absolutamente convincente) certas conversas que de sua casa se apercebeu terem sido mantidas entre o arguido e a B.... (concretamente a B.... a pedir ao arguido que não a apalpasse; e o arguido a pedir um beijo à B...., respondendo esta que «os beijos estão caros», e insurgindo-se pelo facto de o arguido apenas pretender aproximar-se de si quando estavam os dois em casa, mostrando distanciamento quando os dois se encontravam noutro local).
Esta testemunha, estranhando a conversa, transmitiu-a à mãe adoptiva da B.... (o que foi por esta, D...., confirmado em audiência de julgamento), que por sua vez confrontou a B.... com esses factos, e só a partir daí esta relatou os contactos mais íntimos que havia mantido com o arguido, o que redundou na formulação da queixa que deu origem aos presentes autos.
Entende-se claro que a causa próxima do início do procedimento judicial (repete-se - a B.... apenas relatou o sucedido quando confrontada pela mãe com conversas que indiciavam a existência de um relacionamento mais íntimo com o arguido, sendo certo que numa dessas conversas a B.... insurgia-se pelo facto de o arguido apenas em privado pretender aproximar-se de si) é manifestamente relevante.
Isto em dois planos.
Em primeiro lugar, afigura-se ser totalmente de afastar qualquer violência da parte do arguido para com a B.... (quer porque inexiste no processo elemento objectivo que permita ponderar ter ocorrido qualquer acto de violência; quer porque não se concebe que, a ter existido violência ou contracção violenta da vontade da B.... como meio para a obtenção do primeiro contacto de natureza sexual, a B.... acedesse a manter um segundo contacto da mesma natureza, ou que mostrasse desagrado por o arguido não se aproximar de si em público; quer ainda porque, como em audiência de julgamento referiu a neta do arguido, a testemunha E...., a proximidade entre a casa do avô e as casas dos vários vizinhos seguramente permitiria lançar o alerta se a assistente apenas gritasse) – o que fundou a inclusão dos pontos e-, f- e j- na matéria de facto não provada.
Por outro lado, e salvo sempre melhor opinião, esta circunstância confere grande credibilidade ao declarado pela B...., na medida em que fornece uma explicação absolutamente plausível para o relato dos factos apenas surgir nesse momento – confrontada com um conjunto de conversas que indiciam um relacionamento mais íntimo com um homem que poderia ser seu avô (e que era avô de uma sua amiga), a B.... sentiu que tinha sido descoberta e relatou o que havia sucedido, repetindo em audiência de julgamento o que havia dito à sua mãe adoptiva (como confirmou esta, a testemunha D...., em audiência de julgamento).
Se a este elemento acrescentarmos a forma absolutamente coerente e credível como a B.... prestou declarações em audiência de julgamento, facilmente se conclui que o arguido mente ao negar os factos – o que fundou a inclusão dos pontos II-a. a II-f., III-a. a III-f. e IV-a. a IV-c. [aqui em conjugação com o depoimento da testemunha E...., que relatou as circunstâncias em que foi acompanhada pela B.... na compra de material escolar, pago pelo seu avô, que esteve com as duas no interior do estabelecimento onde a compra foi feita] na matéria de facto provada e do ponto g- na matéria de facto não provada.
De nenhum dos meios de prova produzidos em audiência de julgamento é possível retirar, com rigor mínimo, que os contactos de natureza sexual que o arguido manteve com a B.... ocorreram antes de esta perfazer 16 anos (ou seja, antes de 18 de Agosto de 2009) – isto porque a B...., nas declarações que prestou em audiência de julgamento, limitou-se a afirmar que os factos ocorreram no Verão de 2009, e a testemunha F.... relatou que a conversa por si ouvida, e que despoletou este caso, teve lugar a 13 de Setembro de 2009.
Logo, atenta a presunção de inocência de que o arguido beneficia, a dúvida insanável sobre este facto apenas poderia resultar em seu favor – o que fundou a inclusão do ponto a- na matéria de facto não provada.
Também quanto à existência de uma porta no barracão exterior à cozinha, as afirmações contraditórias contidas nas declarações do arguido e da assistente não permitem afirmar com segurança mínima se aquela dependência, no Verão de 2009, possuía ou não porta (sendo certo que a neta do arguido, a testemunha E...., afirmou que não existia qualquer porta), dúvida insanável que, igualmente por respeito à presunção de inocência de que o arguido beneficia, foi resolvida a favor deste – fundando a inclusão do d- na matéria de facto não provada.
A B.... em audiência de julgamento prestou o seu depoimento com desenvoltura, sem mostrar constrangimento superior ao que será de esperar quanto se fala da própria sexualidade, referindo-se às circunstâncias retratadas na pronúncia, em público e no âmbito de procedimento judicial.
Aliás, no exame pericial a que foi sujeita (levado a cabo a 29 de Setembro de 2010 – cfr fls 87), expressamente se registou que a B.... possui «(…) capacidade para apreciar a natureza do evento (abuso sexual)».
À mesma realidade se referiu em audiência de julgamento a testemunha G.... (socióloga que dirige uma instituição de apoio social frequentada pela assistente desde Agosto de 2009), ao declarar que a B.... tem consciência da sua própria sexualidade, simultaneamente revelando curiosidade e reserva sobre o assunto (o que, dir-se-á, constitui comportamento absolutamente normal para uma adolescente, ainda que com limitações cognitivas), curiosidade e reserva que a mesma G.... detectou desde o primeiro momento em que contactou com a B.... (Agosto de 2009).
Mais.
Os acontecimentos em que o arguido foi interveniente aparentemente não determinaram «afectação» (cfr fls 93), pelo menos permanente, da forma como a assistente perspectiva a sua sexualidade – é o que se retira, quer da 5ª conclusão do relatório pericial elaborado nos autos (cfr fls 93), quer do depoimento prestado em audiência de julgamento pela testemunha G.....
Tanto assim é que, apesar dos contactos de natureza sexual que a B.... manteve com o arguido no verão de 2009, na data em que a vizinha F.... ouviu a conversa transmitida à mãe da assistente a B.... aparentemente mantinha o seu normal quotidiano, apenas se queixando ao arguido da indiferença deste em público.
E nunca poderemos saber até que ponto o confronto a que natural e inevitavelmente (atento o manifesto melindre da situação) foi submetida pela sua mãe, com repercussões amplificadas pela subsequente instauração de procedimento judicial, constituiu em si factor perturbador do relacionamento da assistente com a própria sexualidade.
Face a estes elementos, manifesto é concluir que, por um lado, a deficiência cognitiva que a assistente apresenta não a torna incapaz, quer de formular uma vontade relativamente à sua sexualidade, quer de a manifestar; por outro, a conduta do arguido não trouxe perturbações profundas à B...., designadamente quanto à sua auto-determinação no plano sexual – o que naturalmente impôs a inclusão dos pontos c-, h-, i- e k- na matéria de facto não provada.
A B.... em audiência de julgamento declarou que antes do Verão de 2009 não tinha tido qualquer relacionamento sentimental (escusado seria dizê-lo, relacionamento sentimental não constitui sinónimo de relacionamento sexual).
Mas a forma como pelo menos contemporizou com o comportamento do arguido, em conjugação com a natural curiosidade (própria quer da idade que tinha, quer da que tem) que a B.... revela sobre o mundo da sexualidade e o que o rodeia, permite fundadamente duvidar se assim terá sido – dúvida que, por respeito ao princípio de inocência, mais uma vez foi resolvido a favor do arguido, fundando a inclusão do ponto b- na matéria de facto não provada.
A matéria vertida nos pontos V-c. e V-d. da matéria de facto provada, salvo sempre melhor opinião, resulta necessária da simples consideração dos restantes factos demonstrados.
Por último, e adiantando razões, considera-se que a conduta do arguido, face ao nosso ordenamento jurídico, não é punível como crime.
O arguido, em audiência de julgamento, negou a prática de todos os actos de cariz sexual que a acusação lhe imputava.
Podemos razoavelmente afirmar, nestas circunstâncias, que o arguido, ao actuar da forma como actuou, tinha consciência da ilicitude da sua conduta?
Com rigor mínimo entende-se que não – o que, mais uma vez por apelo ao princípio de presunção de inocência, determinou a inclusão do ponto I- na matéria de facto não provada.
Quanto aos antecedentes criminais e situação sócio-económica do arguido (factos vertidos no ponto VI- da matéria de facto provada), considerou-se o teor do certificado do registo criminal e do relatório social que constam de fls 265 e ss.”
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2. Os fundamentos do recurso a) Erro notório na apreciação da prova
Como decorre do artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, mais precisamente do seu proémio “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum…”, sendo uma dessas circunstâncias quando exista “erro notório na apreciação da prova” (c).
Para o efeito tem-se entendido, praticamente de modo uniforme por parte da jurisprudência, que tal vício verifica-se quando se dá como provada uma série de factos que violam as regras da experiência comum e juízos lógicos ou então que são contraditados por documentação com prova plena, sem que tenha sido invocada a falsidade desta (Ac. STJ de 2005/Fev./09 (Processo n.º 04P4721), www.dgsi.pt, 1999/Out./13, CJ (S) III/184; 1999/Jun./16, BMJ 488/262; 1999/Mar./24; BMJ 485/281; 1999/Jan./27, BMJ 483/140; 1998/Dez./12, BMJ 482/68; 1998/Nov./12, BMJ 481/325; 1998/Jun./04, BMJ 478/183; 1998/Abr./22, BMJ 476/272; 1998/Abr./16, 476/273; 1998/Abr./15, BMJ 476/238; 1998/Abr./16, BMJ 476/253; 1998/Jan./27, BMJ 473/178). Assim como se apontou naquele primeiro aresto, “O “erro notório na apreciação da prova” – naquela sua primeira modalidade – constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio”. Mais se acrescentou que “A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verifïcável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da experiência comum”. Por isso é que no citado Ac. do STJ de 1999/Out./13, se decidiu que “O vício do erro notório na apreciação da prova só pode verificar-se relativamente aos factos tidos como provados ou não provados e não às interpretações ou conclusões de direito com base nesses factos”.
Ora a recorrente não chega a dissentir em nenhum momento dos factos provados mas apenas da leitura que o acórdão recorrido faz dos mesmos. Mas disso não resulta que tenha havido qualquer erro notório na apreciação da prova, pelo que não existe o apontado vício.
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b) O crime de abuso sexual de pessoa incapaz
O Código Penal pune no seu artigo 165.º, n.º 1 “Quem praticar acto sexual de relevo com pessoa inconsciente ou incapaz, por outro motivo de opor resistência, aproveitando-se do seu estado ou incapacidade”.
Mediante este ilícito criminal pretende-se tutelar a liberdade e a autodeterminação sexual, porquanto versa-se sobre pessoas inconscientes ou incapazes de formularem a sua vontade para a prática de actos com relevo sexual. Por sua vez, acto sexual de relevo e partindo do indicado bem jurídico, será toda aquela acção que afecte a liberdade e autodeterminação sexual e que, por isso mesmo, seja susceptível de condicionar a liberdade e autonomia sexual de outra pessoa a partir de actos relativamente aos quais a pessoa visada não consentiu (pessoa inconsciente) ou então não tinha qualquer capacidade para consentir (pessoa incapaz).
Porém, o Código Penal não nos diz o que é uma pessoa incapaz. No entanto, quando define o inimputável em razão de anomalia psíquica no seu artigo 20.º, considera como tal aquele que “por força de uma anomalia psíquica, for incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação”. Mas, como podemos constatar não existe uma similitude entre a responsabilização penal pelo cometimento de um crime, o que passa pela valoração da integridade da sua conduta com os parâmetros do direito e os quadros legais, e a realização de condutas que não revelam qualquer ilicitude.
A isto acresce, como decorre da designada Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (Resolução da Assembleia da República n.º 56/2009, DR I, N.º 146, de 30 de Julho de 2009) que, ao nível do relacionamento sexual, as pessoas com limitações de capacidade intelectual não estão, à partida e em regra, privadas de se envolverem sexualmente, uma vez que as mesmas têm, como as demais pessoas, o direito à sua plena sexualidade, como decorre do necessário respeito pela sua dignidade, incluindo a liberdade de fazerem as suas escolhas, não sendo discriminadas para o efeito (artigo 3.º). Mas também as mesmas têm direito à protecção contra os abusos, incluindo os baseados no género, assim como à sua integridade pessoal, seja a nível físico, seja a nível psíquico, devendo para o efeito atender-se às específicas vulnerabilidades pelas mesmas apresentadas (16.º, n.º 1 e 17.º CDPD).
No entanto, o legislador parece que ainda não assimilou estes novos quadros de referência em relação às pessoas com limitações de capacidade, continuando a optar por referências menos sugestivas na determinação das vítimas a proteger, tratando-as como “deficientes” – numa tradução apressada de “persons with disabilities”, quando “imparment” significa “deficiência” – ou então como “incapazes”. Certamente por isso, continua a dirigir a tutela penal para os casos de nítida “incapacidade”, quase que equiparando as mesmas às pessoas totalmente destituídas de capacidade, pois só assim se compreende a sua equiparação às “pessoas inconscientes”, que igualmente integram o tipo legal de crime aqui em apreço. Assim, o que releva é que as “pessoas incapazes” sejam totalmente destituídas de razão para se oporem à prática de actos sexuais de relevo, estando para o efeito completamente privadas, em razão da sua anomalia psíquica, de dar o seu consentimento para o efeito. Nesta conformidade e atento o princípio da legalidade (29.º, n.º 1 Constituição; 1.º, n.º 1 do Código Penal) não é admissível qualquer interpretação por analogia, de modo a equiparar as pessoas “incapazes” de oporem resistência, com aquelas outras pessoas que têm limitações de capacidade. Porém, convém também não esquecer que no caso aqui em causa, a vítima apresenta uma “Deficiência Mental Moderada”, com QI entre 35-40 e 50-55” (Ic), o que significa que a mesma não é totalmente incapaz, apontando-se no respectivo exame de perícia médico-legal que “Apesar do défice cognitivo ser relevante a examinada mantém a capacidade para apreciar a natureza do evento (abuso sexual), …”.
Assim, será certamente mais conforme a tutela penal aqui em causa partir do conceito legal de consentimento, o qual se encontra no artigo 38.º do Código Penal, onde se diz que “Além dos casos especialmente previstos na lei, o consentimento exclui a ilicitude do facto quando se referir a interesses jurídicos livremente disponíveis e o facto não ofender os bons costumes” (n.º 1), acrescentando-se que “O consentimento só é eficaz por quem tiver mais de 16 anos e possuir discernimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance no momento em que o presta” (n.º 3). Daqui decorre que perante a actual tipificação do crime de abuso de sexual de pessoa incapaz de resistência o mesmo não contempla os casos em que a pessoa visada apenas tenha uma importante diminuição dessas mesmas capacidades, como certamente seria preferível, de modo a compatibilizar a protecção da sexualidade das pessoas com limitações de capacidade intelectual contra os abusos de que pode ser vítima, com os seus direitos a uma sexualidade plena. Assim, uma pessoa só será incapaz de se opor a actos sexuais de relevo que lhe forem pessoalmente dirigidos por outrem, quando aquela apresentar uma quase total diminuição das suas capacidades para avaliar o sentido e alcance de tais actos.
No que concerne ao apontado crime de violação, na forma tentada, nada existe dos factos provados de que o arguido sabia precisamente a idade da mesma vítima, mas que aquele conhecia a mesma e os seus problemas de atraso de desenvolvimento (V a).
Nesta conformidade, não existe nenhuma censura a fazer ao acórdão recorrido.
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III.- DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto pela assistente B.... e, em consequência, confirma-se o acórdão recorrido.
Mais se condena a assistente nas custas deste recurso fixando-se a taxa de justiça em três (3) Ucs (515.º, n.º 1, al. b) do Código Processo Penal).
Notifique.
Porto, 10 de Abril de 2013
Joaquim Arménio Correia Gomes
Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro