COMPRA E VENDA
COISA DEFEITUOSA
CADUCIDADE
Sumário

I- A venda de um imóvel, destinado a longa duração, pelo seu construtor, está sujeita ao regime do art.º 1225.º do Código Civil.
II- O comprador que pretenda exercer os direitos nele consagrados contra o vendedor/construtor terá que denunciar os defeitos no prazo de um ano, a contar do seu conhecimento, dentro dos cinco anos subsequentes à entrega do prédio e, no caso de não serem eliminados, propor a acção correspondente no ano seguinte à denúncia.
III- A inobservância de algum destes prazos conduz à extinção do direito do comprador, por caducidade.

Texto Integral


Processo 491/08.1TJVNF.P1
Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão
3º Juízo Cível

Relatora: Judite Pires
1ª Adjunta: Des. Teresa Santos
2ª Adjunta: Des. Maria Amália Santos

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO
1. B..... e mulher C....., residentes na Rua …., nº.., freguesia de …., Vila Nova de Famalicão, propuseram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra “D....., Ldª.”, com sede no lugar de …., freguesia de …., concelho de Vila Nova de Famalicão, alegando, em síntese, que:
São donos e legítimos proprietários de um prédio urbano, composto por um edifício de cave, rés-do-chão e andar, com quintal, com a área coberta de 92m2 e descoberta de 138m2, sito na Rua …., freguesia de …., concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n° 01235/230899 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 4111, o qual adquiriram à Ré por escritura de compra e venda celebrada no 10º Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão em 26/7/2002, lavrada de fls. 10 a fls. 11 verso, do Livro de Escrituras 270-B.
Desde há mais de 10, 15, 20 anos, por si e antepossuidores, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, na convicção de não prejudicarem ninguém e de estarem a exercer um direito próprio, têm usufruído do prédio, procedendo a obras, pagando contribuições e impostos, como legítimos possuidores que são.
Foi a Ré que construiu o prédio que vendeu aos Autores e de que estes são actualmente proprietários.
Alegam os Autores que, ao longo dos tempos, têm vindo a verificar a existência de: a) Várias infiltrações de água; b) Fissuras nos tectos e paredes; c) Desnível do chão exterior à habitação; d) Diversas deficiências ao nível do fogão de sala.
Têm verificado, todos os invernos, o aparecimento de humidade inicialmente na parte superior das paredes, cortes de ligação tecto/parede. Estas manifestações de humidades resultam em manchas de várias dimensões visíveis pela mudança de cor do revestimento.
Constatam-se também infiltrações de águas em vários compartimentos da habitação.
O aparecimento destas anomalias é provocado pelo escorrimento de águas pelas paredes, a qual arrasta consigo a sujidade e outras substâncias que alteram o seu aspecto original.
Esta infiltração está relacionada, principalmente, com defeitos, degradações e fissuras na habitação dos Autores.
As águas da chuva em zonas de deficiente remate ou de deficiente capeamento também se infiltram.
Têm os Autores vindo a solicitar à Ré a reparação dos vícios e defeitos do prédio, a qual nunca os eliminou, pelo que aqueles, regularmente, se vêem obrigados a pintar o interior da sua habitação.
Os autores solicitaram um orçamento a “E....., , para reparação do interior da sua habitação.
Para eliminar os diversos defeitos existentes na sua habitação, terão os Autores que despender a quantia de € 14.750,00 (Catorze Mil Setecentos e Cinquenta Euros), designadamente para: a) Reparação e pintura de todo o interior da habitação; b) Reparação de infiltrações de água e fissuras dos tectos e paredes; c) Nivelar chão exterior e substituição de mosaicos e tijoleiras da cozinha e salão; d) Reparação do fogão de sala e escadas; e) Pintura de portões e muros exteriores.
Concluem pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de €14.750,00, para reparação e eliminação dos danos, defeitos, vícios e anomalias existentes no prédio, bem como juros sobre a referida quantia, desde a citação até efectivo pagamento, à taxa legal.
Contestando, a Ré invocou a excepção da caducidade da denúncia dos defeitos e impugnou a existência da maior parte deles, bem como a extensão dos danos.
Concluiu pela procedência da excepção e sempre pela improcedência da acção.
Os Autores responderam, sustentando não se verificar a alegada caducidade.
Proferido despacho saneador – que relegou para final o conhecimento daquela excepção -, foram dispensadas a fixação e organização dos factos assentes e a elaboração da base instrutória, tendo as partes sido notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 512º, nº1, do Código de Processo Civil.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida decisão sobre a matéria de facto, nos termos de fls. 189 a 192, sem que tenha havido qualquer reclamação.
Por fim, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e condenou a Ré a pagar à Autora “uma indemnização correspondente à quantia necessária à reparação dos defeitos supra referidos, no montante de € 14.500,00”.
2. Inconformada com tal decisão, dela interpôs a Ré recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
“A. Apelante não se conforma com a douta Sentença recorrida que a condenou a pagar aos Apelados a quantia de € 14.500,00, a título de indemnização correspondente à quantia necessária à reparação de defeitos da obra.
B. O Tribunal da Primeira Instância deveria ter julgado procedente a invocada excepção de caducidade da acção, pois no dia 13/05/2004 os Apelados denunciaram a existência de defeitos que a Apelante reparou e no dia 22/01/2007 denunciaram a existência de anomalias que a Apelante não reconhece, mas a acção só veio a ser instaurada a 11/02/2008, ou seja, decorrido mais de um ano após a denúncia.
C. Por outro lado, ficou suficientemente demonstrado que os Apelados não denunciaram os defeitos tempestivamente, pois foi dado como provado que estes, “ao longo dos tempos”, verificaram a existência dos defeitos descritos no Pontos 6 dos Factos Provados; têm “vindo a solicitar” à Apelante a reparação dos vícios e defeitos do prédio; e “Ao longo dos tempos”, a Apelante nunca eliminou os defeitos (Cfr. Pontos 12 e 13 dos Factos Provados).
D. Acresce que, resulta das regras da experiência comum que os defeitos descritos no Ponto 6, alíneas c) e d) dos Factos Provados se verificam desde a data da entrega do imóvel (finais de Julho de 2002) e são do conhecimento dos Apelados desde a mesma altura, por aparentes, pelo que caducou o direito de acção, mas, de todo o modo, a Apelante logrou provar que os Apelados verificaram o prédio antes da outorga da escritura e aceitaram-no (Cfr. Pontos 2, 18 e 19 dos Factos Provados).
E. Por sua vez, sendo defeitos de construção, também resulta das regras da experiência comum, que as infiltrações, resultando em manifestações de humidade (Cfr. Pontos 6, alíneas a) e b), 7, 8, 9 e 10), e os vícios descritos no Ponto 11 dos Factos Provados, se verificam nos primeiros Invernos após a construção.
F. Aliás, são os próprios Apelados que alegam que “têm verificado, todos os Invernos, o aparecimento de humidade inicialmente na parte superior das paredes, cortes de ligação tecto/parede.” e que, “regularmente, se vêem obrigados a pintar o interior da sua habitação, para a manter com um aspecto visual normal e minimamente agradável.” (Cfr. artigos 7º e 15º da Petição Inicial).
G. No modesto entendimento da Apelante, o Tribunal ‘a quo’ nunca a poderia ter condenado a pagar aos Apelados a quantia de € 14.500,00, dado que, resulta dos autos e do próprio pedido formulado na alínea a) da Petição Inicial, que os defeitos verificados são susceptíveis de reparação, ainda não foram eliminados e a reparação não é urgente, pois já se verificam ao longo dos tempos.
H. Acontece que, os Apelados peticionaram a condenação da Apelante no pagamento da quantia de € 14.750,00 para reparação e eliminação dos danos, defeitos, vícios e anomalias existentes no prédio, mas não pediram a condenação da Apelante na eliminação dos defeitos.
I. Ora, sendo o direito de exigir a eliminação dos defeitos o primeiro de uma ordem hierárquica de tutela decrescente dos interesses do dono da obra, de natureza sucessiva e não arbitrária, o Tribunal da Primeira Instância não deveria ter preterido este iter procedimental.
J. A Jurisprudência maioritária e a melhor Doutrina têm entendido que só após a condenação do empreiteiro na eliminação do defeito ou na realização de obra nova, e perante a recusa deste, pode o dono da obra encarregar um terceiro de proceder à realização das operações de supressão ou eliminação dos defeitos da obra, tratando-se de um direito potestativo de exercício judicial.
K. Sem prescindir, afigura-se excessiva a indemnização que o Tribunal da Primeira Instância fixou, segundo as regras da equidade e com base no orçamento junto a fls. 19 dos autos, no valor de € 14.500,00.
L. O Tribunal Recorrido laborou em erro ao considerar que esse orçamento “contempla a reparação dos defeitos denunciados”, dado que o dito orçamento contempla a reparação de defeitos que não foram sequer alegados nesta demanda: substituição de mosaicos e tijoleiras de cozinha e salão, reparação de escadas e pintura de portões e muros exteriores (Cfr. Ponto 16 dos Factos Provados); bem como contempla o nivelar do chão exterior e a reparação do fogão de sala, os quais são defeitos de construção, tendo caducado o direito dos Apelados à respectiva eliminação nos termos alegados na Alínea D) supra.
M. Em suma, a douta Sentença recorrida violou as normas legais ínsitas nos artigos 328º, 329º, 342º, 1220º, 1221º, 1222º, 1223º, 1224º e 1225º, todos do Código Civil.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogada a douta Sentença recorrida, substituindo-a por outra que absolva a Apelante do pedido (…)”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[1], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[2].
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente:
- Se se verifica a excepção de caducidade invocada pela Ré/Apelante;
- Não se verificando tal caducidade:
Se devia antes o tribunal condenar a Ré a eliminar os defeitos; não procedendo esta:
Se é excessiva a quantia fixada na sentença a título de indemnização para ser efectuada a reparação das anomalias que apresenta o prédio dos Autores.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foram os seguintes os factos julgados provados pela primeira instância:
1-Os Autores são donos e legítimos proprietários de um prédio urbano, composto por um edifício de cave, rés-do-chão e andar, com quintal, com a área coberta de 92m2 e descoberta de 138m2, sito na Rua …., freguesia de …., concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n° 01235/230899 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 4111.
2-Autores que adquiriram à Ré o identificado prédio por escritura de compra e venda celebra no 1º Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão em 26/7/2002, lavrada de fls. 10 a fls. 11 verso, do Livro de Escrituras 270-B.
3-Desde há mais de 10, 15, 20 anos, por si e antepossuidores, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, na convicção de não prejudicar ninguém e de estar a exercer um direito próprio, têm os Autores gozado as utilidades, frutos e rendimentos do prédio, procedendo a obras, pagando contribuições e impostos, tudo como legítimos possuidores que são.
4-Considerando-se os Autores e sendo por todos reconhecidos, como os únicos e exclusivos proprietários desse imóvel, exercendo sobre ele e na sua totalidade todos os actos típicos do exercício pleno e exclusivo do direito de propriedade.
5-A Ré construiu e vendeu o prédio do qual os Autores são actualmente proprietários.
6-Os Autores, ao longo dos tempos, têm vindo a verificar a existência de:
a) Infiltrações de água no tecto do alpendre exterior da entrada principal, nas guarnições em madeira da caixa de estore de uma instalação sanitária e no pavimento e guarnições em madeira junto às portadas que deitam para varandas em dois dos quartos para dormir.
b) Fissuras nas paredes interiores da sala, num dos quartos, hall de distribuição e na ligação de duas das paredes existentes na cave, fissuras em paredes exteriores no alçado tardoz, fissuras na união entre tectos e paredes (sancas) de um dos quartos e na cave.
c) Assentamento do pavimento exterior dos lados direito e tardoz do edifício de habitação.
d) Pedra em granito da soleira do fogão de sala partida.
7-Verifica-se humidade em guarnições interiores em madeira das portadas e janelas, na parte inferior da laje do tecto do alpendre exterior.
8-Estas manifestações de humidade resultam em manchas de várias dimensões visíveis pela mudança de cor do revestimento nos apainelados interiores de madeira dos vãos e no revestimento do pavimento dos compartimentos referidos em 6.a).
9-Constatam-se também problemas de infiltração de águas nos compartimentos referidos em 6.a).
10-Esta infiltração está relacionada com defeitos na habitação dos Autores.
11-As águas da chuva em zonas de deficiente remate ou de deficiente capeamento também se infiltram.
12-Têm os Autores vindo a solicitar à Ré a reparação dos vícios e defeitos do prédio.
13-Ao longo dos tempos, a Ré nunca resolveu o problema dos Autores, eliminando os defeitos.
14-Tendo os autores solicitado um orçamento a “E.....,” para reparação do interior da sua habitação.
15-O referido construtor forneceu um orçamento de € 14.750,00 (Catorze Mil Setecentos e Cinquenta Euros).
16-Designadamente para:
a) Reparação e pintura de todo o interior da habitação;
b) Reparação de infiltrações de água e fissuras dos tectos e paredes;
c) Nivelar chão exterior e substituição de mosaicos e tijoleiras da cozinha e salão;
d) Reparação do fogão de sala e escadas;
e) Pintura de portões e muros exteriores.
17-Valor esse -€ 14.750,00 -que reclamam da Ré.
18-O prédio foi entregue pela Ré aos Autores em finais de Julho de 2002.
19-Antes da celebração dessa escritura, os Autores verificaram o imóvel em causa e aceitaram-no.
20-Quando, em 13/05/2004, os Autores reclamaram a existência de defeitos, a Ré prontificou-se a executar as obras de reparação.
21-Posteriormente, em 22.01.2007, os Autores voltaram a denunciar à Ré a existência de anomalias, as quais a Ré não reconhece.
22-Do preço de € 68.600,00 foi pago à Ré, no acto de outorga da escritura, a quantia de € 48.950,00, devendo a restante parte do referido preço, no montante de € 19.650,00, ser paga em oito prestações de € 2.456,25 cada, com vencimento respectivamente em 05/11/2002, 05/02/2003, 05/05/2003, 05/08/2003, 05/11/2003, 04/02/2004, 05/05/2004 e 05/08/2004.
23-Acontece que, para pagamento da última prestação que se vencia no dia 05/08/2004, o Autor marido emitiu e entregou à Ré o cheque n°9420175612, sacado sobre o Banco Internacional de Crédito, no valor de € 2.456,00.
24-Na posse do discriminado cheque, a Ré apresentou-o a pagamento mas o mesmo veio devolvido pelos serviços de compensação do Banco de Portugal pelo motivo de “conta encerrada”, conforme menção aposta no verso do mesmo.
25-Todavia, apesar das várias interpelações encetadas pela Ré junto dos Autores no sentido destes pagarem o valor titulado pelo referido cheque, nem na data do seu vencimento, nem posteriormente os Autores procederam ao respectivo pagamento.
26-A Ré intentou acção executiva para pagamento de quantia certa, a qual foi entregue, em 24/09/2007.
27-Esta acção, sob o processo n°2864/07.8TJVNF, corre os seus termos pelo 2° Juízo de Competência Cível deste Tribunal, para a qual os aqui Autores já foram citados, tendo sido realizada a diligência de penhora em 19/02/2008.

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. 1. Responsabilidade da Ré
1.1. Caracterização da relação negocial
Segundo o artigo 1207º do Código Civil, “empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.
Ou seja, “o contrato de empreitada é uma das modalidades do contrato de prestação de serviços que tem, como elemento tipificador, a realização de uma obra”[3], podendo ainda definir-se como “o contrato pelo qual alguém se obriga a realizar certa obra, ainda que seja o empreiteiro a fornecer os meios materiais para o efeito normalmente instrumentais quanto à sua realização planeada pelo dono”[4].
Como detalhadamente explica o Acórdão do STJ, de 18/9/2003[5], “na tipicidade legal definida nuclearmente no artigo 1207º do Código Civil a empreitada é um contrato obrigacional quoad effectum - conquanto lhe possam andar associados efeitos reais - pelo qual uma das partes, designada “empreiteiro” se obriga a realizar uma obra em relação a outra parte, denominada “dono da obra”, mediante um preço, que constitui obrigação desta.
A obra que constitui elemento constitutivo prototípico da empreitada, e objecto desta, tanto pode consistir na realização de uma coisa (corpórea) nova, como na modificação de uma coisa existente, e, mesmo na fabricação de qualquer outro produto, mediante prestação de trabalho ou de serviços.
Todavia, o trabalho exigível na empreitada não é devido enquanto tal, mas apenas como meio de realização da obra ou da produção do resultado que constitui o objecto nuclear da prestação obrigacional. Por isso se compreende que esse trabalho não tenha de ser prestado pelo próprio empreiteiro a título pessoal - salvo tratando-se de obra caracterizada à partida infungivelmente pela personalidade do obrigado -, intervindo ele em regra no contrato na veste de agente económico autónomo, inconfundível com a de um trabalhador subordinado, numa posição de independência de ordens e instruções da contraparte inassimilável à posição de mandatário.
Assumindo a obrigação de realizar a obra, mas não tendo de a executar por si pessoalmente - tal como na complexa construção de edifícios - deve então o empreiteiro recrutar a mão de obra, assegurar o concurso de técnicos das especialidades e a disponibilidade das matérias-primas, máquinas e instrumentos necessários à boa consecução do empreendimento”.
Por sua vez, tal como é definido pelo artigo 874º do Código Civil, “compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa ou direito, mediante um preço”.
O contrato de compra e venda, independentemente da sua natureza civil ou comercial, é, assim, um contrato translativo ou de efeito real imediato (produz sempre a transferência da propriedade de uma coisa ou de um direito), bilateral ou sinalagmático (pressupõe a existência de, pelo menos, dois contraentes, que reciprocamente se vinculam, sendo ambos sujeitos de direitos e obrigações), oneroso (pressupõe atribuições patrimoniais de ambos os contraentes), em regra comutativo (as duas prestações patrimoniais são certas e tendencialmente equivalentes).
No caso vertente, tal como também se defende na sentença recorrida, deve ser qualificado de contrato de compra e venda a relação negocial estabelecida entre os litigantes.
São, com efeito, os Autores donos do prédio urbano identificado nos autos, que adquiriram por escritura pública, celebrada em 26.07.2002, à Ré, que, além de o ter vendido àqueles, construiu o imóvel objecto do referido negócio.
1.2. (In) Cumprimento do contrato
Segundo o nº 1 do artigo 406º do Código Civil, que consagra o princípio pacta sunt servanda, traduzido no reconhecimento da força vinculativa dos contratos, tal como foram concluídos, em relação aos contratantes “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contratantes ou nos casos admitidos na lei”.
E de acordo com o artigo 762º do Código Civil, “o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado”.
O cumprimento deve, pois, ter por objecto a coisa ou o facto sobre os quais versa a obrigação.
Vale dizer: no caso específico do contrato de compra e venda, o vendedor cumpre a sua obrigação quando entrega a coisa objecto do contrato, a qual deve ter as características e as qualidades acordadas entre as partes.
A realização da prestação nem sempre implica que o cumprimento haja sido efectuado de forma correcta e nos termos devidos.
No domínio dos contratos nominados como o contrato de compra e venda, podem ocorrer, durante a sua execução, vicissitudes várias que determinem a imperfeição do seu cumprimento.
Como salienta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.03.2010[6], “será preciso (…) distinguir, o cumprimento defeituoso da obrigação (ou falta qualitativa de cumprimento da obrigação) da venda de coisa defeituosa. Naquele, o vendedor não realizou a prestação a que, por força do contrato, estava adstrito. Nesta a coisa objecto da transacção sofre dos vícios ou carece das qualidades referenciadas no art. 913º, quer a coisa entregue corresponda, ou não, à prestação a que o vendedor se encontrava vinculado”.
Com efeito, no âmbito da inexecução do contrato, além da mora e do incumprimento definitivo, destaca-se também a execução defeituosa do contrato, ou cumprimento defeituoso do contrato, na designação acolhida pelo artigo 799º, nº1 do Código Civil. Ou seja: o devedor executa materialmente a prestação, mas em desconformidade com o convencionado com a outra parte – “a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objecto da obrigação a que ele estava adstrito”[7].
Poder-se-á, assim, considerar que ocorre cumprimento defeituoso da obrigação quando a prestação efectuada não tem requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo obrigacional tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correcção e da boa fé, podendo o defeito ser quantitativo ou qualitativo[8].
O mesmo é dizer, “no cumprimento defeituoso, o devedor cumpre a obrigação que lhe estava imposta, mas não como lhe estava imposta, isto é, cumpre mas de forma defeituosa, com vícios ou deficiências”[9].
Pode-se, deste modo, concluir que “há venda de coisa defeituosa sempre que a coisa vendida sofrer vícios ou carecer de qualidades abrangidas no art. 913 do CC, quer a coisa entregue corresponda ou não à prestação a que o vendedor se encontra vinculado.
O defeito material tanto pode ser inerente à própria coisa, como a uma desconformidade ao contrato ou ainda à sua execução, por isso, sempre que o bem vendido não tem a qualidade, explicita ou implicitamente assegurada, a prestação é defeituosa”[10].
Na compra e venda, para além da equiparação, em termos de tratamento jurídico, do vício ao defeito e à falta de qualidade da coisa transaccionada, privilegia a lei a idoneidade e aptidão do bem para o fim a que se destina.
Como esclarece João Calvão da Silva[11], “…a lei posterga a definição conceitual e privilegia a idoneidade do bem para a função a que se destina, ciente de que o importante é a aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera.
Daí a noção funcional: vício que desvaloriza a coisa ou impede a realização do fim a que se destina; falta de qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina.
Nesta medida, diz-se defeituosa a coisa imprópria para o uso concreto a que é destinada contratualmente - função negocial concreta programada pelas partes - ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina (art. 913º, nº2)”, acrescentando ainda o mesmo Autor: «a “venda de coisa defeituosa” respeita à falta de conformidade ou qualidade do bem adquirido para o fim (específico e/ou normal) a que é destinado. E na premissa de que parte o Código Civil para considerar a coisa defeituosa, só é directamente contemplado o interesse do comprador/consumidor no préstimo ou qualidade da coisa, na sua aptidão ou idoneidade para o uso ou função a que é destinada, com vista à salvaguarda da equivalência entre a prestação e a contraprestação subjacente ao cumprimento perfeito ou conforme do contrato».
De acordo com o nº1 do artigo 913º do Código Civil, há venda de coisa defeituosa quando “a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim”, fornecendo o nº2 do mesmo normativo os critérios supletivos para a determinação do fim relevante.
Um prédio urbano destinado à habitação, que, como no caso aqui em discussão, apresente, designadamente, fissuras nas paredes exteriores e interiores, e na união entre tectos e paredes, infiltrações de água, com registo de humidades em várias partes do mesmo surgimento de diversas manchas, para além de frustrar o pleno fim a que se destina e de revelar acrescida vulnerabilidade às intempéries, fica também, et pour cause, desvalorizado na sua afectação normal.
Ou seja, tal como refere o acórdão da Relação de Coimbra de 01.02.2011[12], “numa compra e venda duma fracção habitacional (…) faz parte do “resultado prometido” que a mesma não apresente infiltrações, humidade, inundações; que, é verdadeiramente ocioso referi-lo, constituem “deficiências” que reduzem o seu valor, o mesmo é dizer, constituem vícios/defeitos, de gravidade suficiente a afectar o uso e/ou a coisa (fracção habitacional)”.
No caso aqui em debate, as deficiências de que padece o imóvel construído e transaccionado pela Ré, ora apelante, justamente assinaladas na sentença impugnada, designadamente nos pontos 6º a 11º da mesma, reduzem claramente o valor da coisa objecto do contrato de compra e venda, revestindo-se de gravidade suficiente para afectar o seu uso normal.
Resulta do artigo 913º do Código Civil que se o imóvel objecto da venda sofrer de vício que o desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinado, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, é reconhecido ao comprador o direito à anulação do contrato - artigo 905º do Código Civil -, ou à redução do preço - artigo 911º -, e ainda a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos - artigos 908º e 909º do mesmo diploma legal.
Porém, os vícios referidos no artigo 913º, nº 1 não constituem fundamento autónomo de anulação do contrato: como decorre do disposto naquele normativo e no artigo 905º, devem verificar-se requisitos exigidos pelos artigos 251º ou 254º do Código Civil (erro ou dolo).
Para além do direito à anulação por erro ou dolo, o regime da venda de coisa defeituosa confere ainda ao comprador os direitos à reparação ou substituição da coisa - artigo 914º -, à indemnização em caso de simples erro - artigo 915º -, ao cumprimento coercivo ou à indemnização respectiva - artigo 918º - e à garantia de bom funcionamento -artigo 921º.
Refira-se, no entanto, que os vários meios jurídicos facultados ao comprador de coisa defeituosa pelos artigos 913º e seguintes do Código Civil não podem ser exercidos de forma aleatória ou discricionária; os mesmos acham-se estruturados de forma sequencial e escalonada[13].
Em primeiro lugar, o vendedor está vinculado à eliminação do defeito: se esta não for possível ou se for demasiado onerosa, deverá substituir a coisa viciada;
Frustrando-se qualquer dessas alternativas, assiste ao comprador o direito de exigir a redução do preço e, não se mostrando esta medida satisfatória, poderá o mesmo pedir a resolução do contrato.
Com qualquer dessas pretensões pode cumular-se a indemnização - pelo interesse contratual negativo -, destinada a assegurar o ressarcimento de danos não reparados por aqueles meios jurídicos.
Pode, no entanto, o comprador optar por exercer autonomamente acção de responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo decorrente do cumprimento defeituoso e/ou inexacto, presumidamente imputável ao vendedor[14], sem recorrer aos mecanismos facultados pelos artigos 913º e seguintes do Código Civil[15].
No caso, com fundamento nos defeitos de que padece o prédio vendido pela Ré, reclamaram os Autores, através da acção interposta, não a reparação dos mesmos, mas antes o pagamento da quantia de € 14.750,00, quantia orçamentada pela sociedade “E....., Unipessoal, Ldª” para alegadamente proceder à eliminação dos vícios e anomalias que afectam o imóvel, com o argumento de que “…têm (…) vindo a solicitar à Ré a reparação dos vícios e defeitos do prédio”, e que a “…a Ré nunca resolveu o problema dos autores, eliminando os defeitos”.
Como destaca o já mencionado acórdão da Relação Coimbra de 01.02.2011, “demonstrando-se que a coisa/fracção apresenta “defeitos”, ficam provados todos os factos constitutivos do direito à reparação/eliminação dos defeitos (art. 914.º, n.º 1, do CC). Com efeito, para no âmbito dum contrato de compra e venda se pedir a reparação/eliminação dum defeito, basta provar (art. 342.º, n.º 1, do CC), por um lado, a existência do defeito e, por outro lado, que o mesmo, pela sua gravidade, é de molde a afectar o uso ou a acarretar uma desvalorização da coisa; uma vez que, provado o defeito e a sua gravidade, presume-se – uma vez que é contratual a responsabilidade do vendedor – que o mesmo é imputável ao vendedor (art. 799.º, n.º 1, do CC), isto é, presume-se que o cumprimento defeituoso é imputável ao vendedor”.
O dever de reparação ou de substituição da coisa afectada por vício ou falta de qualidade apenas deixará de onerar o vendedor se este alegar e demonstrar circunstancialismo fáctico passível de enquadramento na previsão do segundo segmento do artigo 914º do Código Civil, que, no caso, a Ré não satisfez.
Responde ela, por conseguinte, pelos defeitos de que padece o imóvel por si vendido, responsabilidade que emerge da relação contratual estabelecida com os compradores no âmbito do contrato de compra e venda com eles celebrados.

2. Tempestividade da denúncia e do exercício de acção
2.1. Eventual caducidade
O recurso a qualquer dos apontados meios reconhecidos aos compradores como reacção contra vícios ou falta de qualidade que afecte e desvalorize a coisa adquirida pressupõe o exercício atempado da denúncia dos defeitos, a menos que o vendedor tenha agido com dolo, pois nesse caso não se justifica a reclamação de vícios ou defeitos que ele próprio conhece.
Estabelece, com efeito, o artigo 916º do Código Civil:
“1. O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou falta de qualidade da coisa, excepto se este houver usado de dolo.
2. A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.
3. Os prazos referidos no número anterior são, respectivamente, de um e de cinco anos, caso a coisa vendida seja um imóvel”.
O artigo 917º do Código Civil determina, por sua vez: “a acção de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no nº2 do artigo 287º”.
Como resulta do conteúdo literal do preceito legal em causa, este foi concebido para a hipótese do comprador optar, como remédio para a solução dos defeitos da coisa que adquiriu, pela anulação do contrato fundado em erro ou dolo.
E compreende-se a necessidade de consagração de um prazo de caducidade da acção pois que a anulabilidade tem de ser invocada, não podendo ser oficiosamente decretada, e exige uma demanda judicial para o efeito.
Apesar de não constarem expressamente do conteúdo literal do artigo 917º do Código Civil, já alguma jurisprudência defendia o entendimento de que o referido normativo abarcava os demais direitos reconhecidos ao adquirente de coisa defeituosa (reparação, substituição, redução, resolução, indemnização) por interpretação extensiva do mesmo, tendo o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 2/97[16] firmado doutrina no sentido de a acção destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel estar sujeita ao prazo de caducidade previsto no preceito legal em causa.
Deste modo, para que o vendedor possa ser responsabilizado pelo cumprimento defeituoso e seja reconhecido o direito ao comprador à eliminação dos defeitos é indispensável que este tempestivamente proceda à sua denúncia, nos termos do artigo 916º do Código Civil, e, não sendo na sequência dela eliminados, interponha a correspondente acção no prazo fixado no artigo 917º do mesmo diploma.
Dito de outro modo: relativamente aos direitos do comprador de coisa defeituosa, o seu reconhecimento pressupõe o funcionamento, de forma articulada, de três prazos:
- O prazo de denúncia dos defeitos, que, tratando-se de imóvel a coisa vendida, é de um ano a contar do conhecimento dos mesmos, quer por força do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 916º, quer, se for o caso, por força do disposto no artigo 1225º, nºs 2 e 4, ambos do Código Civil;
- O prazo de exercício do direito (eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato, indemnização): seis meses a contar da denúncia atempada dos defeitos, nos termos do artigo 917º do Código Civil, ou, na hipótese de ser aplicável ao caso, um ano, nos termos do nº 3 do artigo 1225º, ex vi do nº 4 do mesmo dispositivo;
- O prazo (limite máximo da garantia legal) de cinco anos sobre a data da entrega da coisa vendida, independentemente da data do conhecimento dos defeitos e da sua denúncia, como decorre dos artigos 916º, nº3, parte final e 1225º, nº4 do Código Civil.
Quanto a este último prazo, partiu o legislador da presunção iuris et de iure de que cinco anos constitui espaço temporal suficiente para os vícios de que possa padecer a coisa vendida serem conhecidos, denunciados e exercidos os correlativos direitos.
Pode, pois, concluir-se que apresentando o imóvel, destinado a longa duração, construído pelo próprio vendedor, defeito de construção tem aplicação o regime específico contemplado no artigo 1225º do Código Civil, designadamente com os prazos aí estabelecidos para o exercício do direito correspondente, e não o regime genérico para a venda de coisas defeituosas previsto nos artigos 914º, 916º e 917º do mesmo diploma legal.
De acordo com o primeiro daqueles normativos, o comprador que pretenda exercer contra o vendedor/construtor os direitos que a lei lhe reconhece pelo facto de o imóvel apresentar patologias, terá necessariamente de as denunciar a este nos cinco anos subsequentes à entrega do prédio e no prazo de um ano a contar do seu conhecimento.
Exige-se, para além disso, que a correspondente acção judicial, no caso de não ter ocorrido reparação, seja proposta no decurso do prazo de um ano a contar da data da denúncia.
O nº 2 do artigo 1225º do Código Civil contempla, pois, dois prazos de cumprimento sucessivo: o primeiro, para a denúncia dos defeitos – um ano, a contar do seu conhecimento por parte do comprador; o segundo, para o exercício da acção judicial – igualmente um ano, sobre a data da denúncia, para propor a acção judicial destinada a obter a eliminação dos defeitos.
A inobservância destes prazos, ou de algum deles, conduz à extinção do direito legalmente reconhecido ao comprador, por caducidade, de acordo com o disposto nos artigos 1225º, nºs 1, 2 e 3 (ex vi do seu nº 4) e 298º, nº2 do Código Civil.
Importa, delineada abstractamente a questão, indagar se, no caso concreto, foram respeitados os prazos analisados ou se, pelo contrário, os mesmos, ou algum deles, foi excedido, o que, a ocorrer, desencadearia a caducidade do direito invocada pela Ré, ora apelante.
Para tanto, haverá que atentar no seguinte quadro factual:
- Os Autores são donos do prédio urbano identificado no artigo 1º dos factos provados narrados na sentença recorrida.
- Tal prédio adquiriram-no à Ré, que o construiu, por escritura pública celebrada a 26.07.2002, tendo-lhes sido o mesmo entregue em finais de Julho do mesmo ano.
- Os Autores, ao longo dos tempos, têm vindo a verificar a existência das anomalias descritas nos nºs 6 a 11 dos factos dados por provados na sentença sob recurso,
- E vindo a solicitar à Ré a reparação das mesmas.
- Em 13.05.2004, os Autores reclamaram a existência de defeitos, tendo a Ré se prontificado a executar obras de reparação.
- Posteriormente, em 22.01.2007, os Autores voltaram a denunciar à Ré a existência de anomalias, que esta não reconhece.
- Ao longo dos tempos, a Ré nunca resolveu o problema dos Autores, eliminando os defeitos.
- A presente acção foi proposta no dia 11 de Fevereiro de 2008.
Compete ao comprador do imóvel, no caso aos Autores, a prova da efectivação da denúncia dos defeitos, dada a sua natureza de condição do exercício dos direitos que a lei lhe garante pelo incumprimento imperfeito do contrato, como decorre do nº1 do artigo 342º do Código Civil[17].
Os artigos 342º, nº2 e 343º, nº2 do mesmo diploma oneram, no entanto, o vendedor/construtor com a prova do decurso do prazo da denúncia e dos factos integradores da excepção peremptória da caducidade[18].
Cabia, assim, aos autores a prova de que denunciaram as anomalias de que padece o imóvel que adquiriram à Ré e que por esta foi construído.
Tarefa que desempenharam com sucesso, na medida em que ficou demonstrada que o fizeram, pelo menos, em 13.05.2004 e 22.01.2007, ou seja, no prazo a que se refere o nº1 do artigo 1225º do Código Civil.
Contrariamente ao que sustenta a Ré, não cabia aos Autores a prova do exercício tempestivo da denúncia, mas antes àquela a prova do seu exercício intempestivo, desempenho que não logrou concretizar com sucesso.
Neste enquadramento, teria necessariamente de improceder a invocada excepção da caducidade, estruturada e fundamentada com base no exercício da denúncia para além do prazo de um ano sobre a data do conhecimento pelos compradores dos vícios que afectam o prédio.
É certo que ocorreram duas denúncias, em datas distintas - a primeira em 13.05.2004 e a segunda em 22.01.2007. Todavia, nada nos autos indica que tenham servido ambas para comunicar as mesmas anomalias do prédio.
Efectuada a primeira comunicação/reclamação das patologias que afectavam o imóvel, a Ré reconheceu a sua existência.
Esse reconhecimento, dispensando os Autores de ulterior denúncia dos defeitos cuja verificação a Ré reconheceu, não os desonerava do cumprimento do prazo imposto na segunda parte do nº2 do artigo 1225º do Código Civil.
Desta forma, denunciados os vícios em 13.05.2004, omitindo a Ré a sua eliminação ou reparação, teriam de propor a correspondente acção judicial no prazo de um ano a contar da referida data.
Caso a Ré houvesse providenciado pela reparação, mas frustrada a eliminação dos vícios denunciados, “…verifica-se um segundo incumprimento, sujeito às mesmas regras do primeiro, designadamente no tocante a prazos; no entanto, no decurso desse novo prazo apenas se podem fazer valer os direitos emergentes dos defeitos da tentativa de eliminação e não os defeitos reportados ao incumprimento originário (cfr. Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso em especial na Compra e Venda e Empreitada, Coimbra, pg. 427; acórdãos da Relação de Lisboa, de 2005.01.20, Salazar Casanova, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 9544/2004; da Relação do Porto, de 2008.07.14, Deolinda Varão, de 2008.07.03, Amaral Ferreira, de 2007.10.02, Henrique Araújo, de 2007.02.22, Pinto de Almeida, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0832278, 0833236, 0722346 e 0730350, respectivamente)[19].
Em 22.01.2007 os Autores voltaram a denunciar à Ré anomalias, que esta não reconhece.
Desconhece-se, porque não o esclarecem os autos, se se tratam dos vícios originários, ou antes anomalias resultantes da deficiente eliminação dos primeiros, ou mesmo de diferentes/novas patologias.
De todo o modo, é patente que a Ré não reconheceu os vícios denunciados nesta segunda data, não resultando comprovado, ou sequer alegado, que os Autores tenham denunciado posteriormente outros vícios que afectem o imóvel.
Pelo que o direito de acção contra a Ré teria de ser exercido pelos Autores no ano subsequente à mencionada denúncia, ou seja, até 22.01.2008.
Tendo a acção para esse efeito sido introduzida em juízo em 11.02.2008, havia decorrido mais de um ano sobre a data da denúncia dos defeitos, operando, por conseguinte, a caducidade pelo decurso do prazo estabelecido no nº 2, segunda parte, e nº3 do artigo 1225º do Código Civil.
Sendo certa a conclusão contida na sentença recorrida de que “…os defeitos foram tempestivamente denunciados”[20], já o mesmo acerto se não pode defender em relação à afirmação, proferida na mesma sentença, de que “…o direito de acção, com vista à eliminação dos defeitos e indemnização pelos danos, foi atempadamente exercido”.
É que não resultando demonstrada outra denúncia posterior a 22.01.2007, facilmente se constata que à data da propositura da acção havia decorrido mais de um ano sobre aquela.
O prazo de um ano para a propositura da acção, imposto pelo nº2 do artigo 1225º do Código Civil, inicia-se com a referida denúncia, não ocorrendo suspensão ou interrupção desse prazo de caducidade, hipótese expressamente arredada pelo artigo 328º do mesmo diploma.
Procedem, pois, as conclusões recursivas da recorrente quanto à verificação da invocada caducidade do direito de acção.
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Síntese conclusiva:
- Apresentando um imóvel, destinado a longa duração, construído pelo próprio vendedor, vícios ou anomalias que o desvalorizem na sua afectação normal tem aplicação o regime específico contemplado no artigo 1225º do Código Civil.
- De acordo com tal normativo, o comprador que pretenda exercer contra o vendedor/construtor os direitos que a lei lhe reconhece pelo facto de o imóvel apresentar tais patologias, terá necessariamente de as denunciar a este nos cinco anos subsequentes à entrega do prédio e no prazo de um ano a contar do seu conhecimento.
- Exige-se, para além disso, que a correspondente acção judicial, no caso de não ter ocorrido reparação, seja proposta no decurso do prazo de um ano a contar da data da denúncia.
- A inobservância destes prazos, ou de algum deles, conduz à extinção do direito legalmente reconhecido ao comprador, por caducidade, de acordo com o disposto nos artigos 1225º, nºs 1, 2 e 3 (ex vi do seu nº 4) e 298º, nº2 do Código Civil.
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Nestes termos, acordam as Juízes desta Relação, na procedência da apelação, em revogar a sentença recorrida, julgando procedente a excepção da caducidade invocada pela Ré e, consequentemente, absolvendo esta do pedido contra si formulado pelos Autores.
Custas, em ambas as instâncias, pelos Autores/Apelados.

Porto, 11 de Abril de 2013
Judite Lima de Oliveira Pires
Teresa Santos
Maria Amália Pereira dos Santos Rocha
________________________
[1] Artigos 684º, nº 3 e 685-A, nº 1 do C.P.C., na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
[2] Artigo 664º do mesmo diploma.
[3] Acórdão do STJ, 27/11/2003, www.dgsi.pt.
[4] Acórdão do STJ, 16/10/2003, www.dgsi.pt.
[5] www.dgsi.pt.
[6] Processo nº 4467/06.5TBVLG.P1.S1, www.dgsi.pt.
[7] Antunes Varela, parecer publicado na “Colectânea de Jurisprudência”, Ano XII, 1987, Tomo 4, págs. 22 a 35.
[8] Baptista Machado, “Obra Dispersa”, I, pág. 169.
[9] Armando Braga, “Contrato de Compra e Venda”, pág. 174.
[10] Acórdão desta Relação de 14.11.2006, processo nº 477/05.8TBILV.C1, www.dgsi.pt.
[11] “Compra e Venda de Coisas Defeituosas”, 5ª ed., págs. 44 e 49.
[12] Processo nº 1127/07.3TCSNT.C1, www.dgsi.pt.
[13] Pedro Romano Martinez, “Direito das Obrigações - Parte Especial”, pág. 130.
[14] Artigos 798º, 799º e 801º, nº1 do Código Civil.
[15] Cfr. Calvão da Silva, “Compra e Venda de Coisas Defeituosas”, 2ª ed., pág. 72.
[16] Acórdãos Uniformizadores, Colectânea de Jurisprudência, 1.ª ed., pág. 89.
[17] Cfr. João Cura Mariano, “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, 2ª ed. Revista e aumentada, Almedina, pág. 108.
[18] Neste sentido, cfr. Nomeadamente, Cura Mariano, Ibid, João Calvão da Silva, “Compra e Venda de Coisas Defeituosas – Conformidade e Segurança”, Almedina, 5ª ed., pág. 80, e, entre outros, Acórdãos da Relação do Porto de 6.11.2012 e de 11.12.2012, respectivamente, processos nºs 2071/11.5.TJPRT.P1 e 55/08.0TBETR.P1, ambos em www.dgsi.pt.
[19] Mencionado acórdão da Relação do Porto de 11.12.2012; cfr. Acórdão da mesma Relação de 03.03.2011, processo nº 546/06.7TBPRG.P1, www.dgsi.pt.
[20] Porque a Ré, como lhe é exigível, não satisfez o ónus da prova da intempestividade da denúncia.