PROVA PERICIAL
FOTOCÓPIA
Sumário

É admissível a prova pericial, relativa à autoria da letra e assinatura aposta num documento, com base na análise de uma fotocópia.

Texto Integral


2ª SECÇÃO CÍVEL – Processo nº 8027/09.0TBVNG-A.P1
Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia – 4º Juízo Cível

SUMÁRIO
(artigo 713º, nº 7, do Código de Processo Civil)
É admissível a prova pericial, relativa à autoria da letra e assinatura aposta num documento, com base na análise de uma fotocópia

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto
I
RELATÓRIO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL intentou acção sumária contra B....... e outra, pedindo a condenação das rés a pagarem-lhe a quantia de 21.480,79 €, acrescida de juros.
Fundamentou o seu pedido, no que à ré B....... concerne e entre outras circunstâncias, no facto de esta ser proprietária de veículo interveniente em acidente, sem seguro válido aquando da ocorrência do mesmo.
Regularmente citada, apresentou aquela ré contestação, na qual nega ser proprietária do veículo em questão.
Saneado e instruído o processo, efectuou-se a audiência de julgamento.
No decurso da mesma e no deferimento do requerido pela ilustre mandatária do autor, por se afigurar relevante para a descoberta da verdade, foi oficiado ao posto da GNR de Arcozelo, solicitando a remessa aos autos da declaração de venda referida no auto de notícia nº 830/06.0GAVNG.
Nessa sequência, veio a ser enviada e junta aos autos a fotocópia desse documento.
Notificada da junção, a ré B.......veio responder nos seguintes termos: “1 – A ré impugna a veracidade da letra e assinatura apostas no documento de fls 175 – declaração de venda -, por não serem da sua autoria; 2. Além disso, o referido documento de fls 175 – declaração de venda – nada prova, pois além de se tratar de simples cópia, não faz prova de propriedade”.
Face ao que o autor veio, ao abrigo do disposto no artigo 545º, nº 2, do CPC, requerer que fosse efectuada “perícia à assinatura aposta no documento de fls 175, na modalidade de exame à escrita, como meio de prova da sua genuinidade”.
Requerimento que mereceu despacho de deferimento, no seguinte teor – “mantém-se a data agendada, destinando-se a mesma à recolha de autógrafos para efeito de realização da requerida prova pericial, que assim se admite, com o objecto proposto e que será levada a cabo pelo Departamento de Zoologia e Antropologia da faculdade de Ciências da Universidade do Porto”.
Inconformada, veio a ré B....... interpor o presente recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente e em separado, com efeito meramente devolutivo.
Conclui a recorrente, nas suas alegações
1 – O documento de fls 175 é uma mera fotocópia.
2 – Não é juridicamente possível nem relevante a realização de exames à escrita tendo por base fotocópias as quais, atenta a facilidade de manipulação, não oferecem credibilidade.
3 – A ré colocou em causa a sua exactidão e impugnou a veracidade da letra e assinatura apostas em tal documento de fls 175.
4 – Tal fotocópia não consubstancia um documento pois não se encontra certificado que tenha sido elaborada pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.
5 – E a mesma não tem qualquer força probatória pois a sua conformidade com o original não foi atestada notarialmente.
6 – E não pode produzir qualquer prova pois que a sua exactidão se acha impugnada pela ré.
7 – A requerida prova pericial só poderia ser feita em documento original o qual não existe nos autos.
8 – O douto despacho recorrido violou normativos legais, designadamente o disposto nos artigos 362º, 368º e 387º do Código Civil.
O autor contra-alegou, pugnando pela manutenção do despacho recorrido.
Foram colhidos os vistos legais.
II
FUNDAMENTAÇÃO
Defende a recorrente a não admissibilidade da perícia à assinatura aposta no documento com fotocópia a fls 175, tendo por base esta fotocópia e não o original, por violar o disposto nos artigos 362º, 368º e 387º do Código Civil. Desse modo, pondo em crise o despacho que a ordenou.
Transcrevem-se os referidos preceitos.
ARTIGO 362º - «Prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto».
ARTIGO 368º - «As reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão».
ARTIGO 387º - «1. As cópias fotográficas de documentos arquivados nas repartições notariais ou noutras repartições públicas têm a força probatória das certidões de teor, se a conformidade delas com o original for atestada pela entidade competente para expedir estas últimas; é aplicável, neste caso, o disposto no artigo 385º. 2. As cópias fotográficas de documentos estranhos aos arquivos mencionados no número anterior têm o valor da pública-forma, se a sua conformidade com o original for atestada por notário; é aplicável, neste caso, o disposto no artigo 386º».
Julgamos que a recorrente parte de um princípio errado. Qual seja o de que, estabelecendo o artigo 368º que as reproduções mecânicas fazem prova plena se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão, caso sejam impugnadas, não terão elas nenhum valor probatório. Bem pelo contrário e como parece resultar do facto de figurarem como meios de prova, caso sejam impugnadas, deverão ser apreciadas livremente pelo tribunal.
Anote-se todavia que tal regime, que apenas visa as reproduções mecânicas de facto ou de coisas, que não de documentos, não é directamente aplicável ao caso ora em apreço. Mas sim o do artigo 387º, que admite as fotocópias de documentos como meio de prova. O qual, não obstante se pronuncie apenas expressamente sobre as cópias com valor probatório pleno, à semelhança do que acontece com as reproduções mecânicas, comporta a conclusão de que as cópias impugnadas devam ser livremente apreciadas. Assim, também aqui a alternativa à prova plena não é a não admissibilidade mas sim a livre apreciação do meio de prova.
No sentido do que supra se sustenta, vem-se pronunciando aliás a generalidade da jurisprudência. Assim, os acórdãos desta Relação do Porto de 23.01.96 (Armindo Costa) - “mesmo eficazmente impugnadas, as fotocópias de documentos podem servir como meio de prova a apreciar então livremente pelo tribunal” - e de 14.05.2001 (Sousa Peixoto) – “a fotocópia de um documento particular é de livre apreciação se a sua conformidade com o original não estiver atestada por notário” -, bem como os acórdãos do STJ de 29.06.78 (Alves Pinto) – “as fotocópias cuja conformidade com o original não esteja atestada por notário possuem o valor de princípio de prova, a apreciar livremente pelo Tribunal” –, de 9.10.78 (Octávio Garcia) – “as fotocópias de documentos desprovidas de certificação notarial só não podem ser apreciadas livremente pelo tribunal, como meio de prova, quando haja exigência legal de documento escrito” – e de 11.01.79 (Costa Soares) – “revestindo as fotocópias a natureza de meros documentos particulares, o tribunal não está impedido de as apreciar e valorar livremente em conjunto com as demais provas produzidas”, todos in dgsi.pt.
Vejamos, no entanto, se a prova pericial que foi ordenada pode contender com essa valoração. O que só nos pode merecer resposta negativa, face ao princípio consagrado no artigo 389º do Código Civil de que «a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal».
Sobre a etiologia desta norma, na altura vertida no artigo 582º do Código de Processo Civil, diz o Professor Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, pág. 183, que “o juiz, colocado, como está, num posto superior de observação, tendo em volta de si todo o material de instrução, todas as provas produzidas, pode e deve exercer sobre elas as suas faculdades de análise crítica; e bem pode suceder que as razões invocadas pelos peritos para justificar o seu laudo não sejam convincentes ou sejam até contrariadas e desmentidas por outras provas constantes dos autos ou adquiridas pelo tribunal”. Bem se anotando no acórdão da Relação de Guimarães de 28.06.2012 (Isabel Rocha), in dgsi.pt, que “ao contrário do que sucede no processo penal, a prova pericial civil não vincula o critério do julgador, que a pode rejeitar, independentemente de sobre ela fazer incidir uma crítica material da mesma natureza, ou seja, os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, e o juízo científico ou parecer, propriamente dito não requer uma crítica material e científica”. O que mais sinteticamente se plasma no acórdão do STJ de 5.12.2006 (Sebastião Póvoas), ibidem - “o relatório pericial junto aos autos tem um valor técnico-opinativo mais não sendo de que um elemento para fundar a livre convicção do julgador”.
Verifica-se, desse modo, que a peritagem, na medida em que não vincula o tribunal, também não contende com o critério de livre apreciação com que o julgador deve valorar a fotocópia cujo exame é requerido. Pelo que, in casu, nenhum obstáculo se surpreende a que ele seja efectuado, assim contribuindo para a apreciação que, conjuntamente com outros meios de prova, venha a ser feita da fotocópia, quer quanto à sua fidedignidade relativamente ao documento original, quer quanto à autenticidade da assinatura que dela consta.
Referir-se-á por último que, como disposto no artigo 374º, nº 2, do Código Civil, sendo impugnada a veracidade da letra e da assinatura, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade. Prova que, por não vinculada, também se rege pelo princípio da livre apreciação. Assim, também daí não resultando nenhum óbice a que o exame seja efectuado e valorado.
III
DISPOSITIVO
Acorda-se em, na improcedência do recurso, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente - artigo 446º do Código de Processo Civil.
Notifique.

Porto, 11 de Abril de 2013
José Manuel Ferreira de Araújo Barros
Judite Lima de Oliveira Pires
Teresa Santos