EXPROPRIAÇÃO
ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
RESERVA AGRÍCOLA NACIONAL
( RAN )
SOLO PARA OUTROS FINS
APTIDÃO EDIFICATIVA
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

1. Por força do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº 6/2011, em DR, 1ª série, de 17.5.2001, “Os terrenos integrados, seja em Reserva Agrícola Nacional (RAN), seja em Reserva Ecológica Nacional (REN), por força do regime legal a que estão sujeitos, não podem ser classificados como «solo apto para construção», nos termos do artigo 25º, nº 1, alínea a) e 2 do Código das Expropriações, aprovado pelo artigo 1º da Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, ainda que preencham os requisitos previstos naquele nº 2”;
2. O acórdão proferido na revista ampliada não é vinculativo para os tribunais judiciais, mas tal jurisprudência uniformizada estabelece um precedente judicial persuasivo, que contribui para a unidade da ordem jurídica, pelo que sendo tendencialmente vinculativo para a interpretação a levar a cabo pelos tribunais sobre a questão decidida deve ser seguido, ainda por cima quando ele é bem recente e assentou, na sua fundamentação, em análise e ponderação de imenso labor jurisprudencial do tribunal constitucional.
3. O facto de um terreno, integrado na zona RAN, não apresentar aptidão agrícola não significa, sem mais, que tem ou possa ter aptidão edificativa, porquanto um solo para outros fins não se esgota num aproveitamento agrícola ou florestal, podendo ter outros aproveitamentos como estaleiro, parque de máquinas, depósito de materiais a céu aberto, colocação de cartazes publicitários, etc.
4. A circunstância de a Entidade Regional da Reserva Agrícola, em data anterior à da publicação da DUP, ter dado parecer prévio positivo à construção de uma estação de tratamento de resíduos sólidos, ao abrigo das excepções consignadas no art. 22º, nº 1, do regime da RAN (DL 73/2009, de 31.3), não implica, de per si, que a parcela em causa deixou de estar afecta à RAN; nem aquele parecer importa que se tenha alterado a natureza da área em causa, ou seja, que a parcela expropriada tenha deixado de ser automaticamente um prédio rústico/agrícola, como era antes de tal parecer, passando agora a ser necessariamente um solo urbano/apto para construção.
5. A eventual aplicação do art. 26º, nº 12, do CE - cálculo do valor do solo apto para construção - a parcela expropriada, inserida em zona RAN, pressupõe, necessariamente, a aptidão edificativa desse terreno expropriado, aferida por qualquer um dos elementos objectivos definidos no art. 25º, nº 2, do mesmo código;
6. Inexistindo depreciação da parte não expropriada do prédio não há lugar a indemnização autónoma acrescida relativamente a tal parcela sobrante.
7. No cálculo do valor do solo apto para outros fins, nos termos do art. 27º, nº 3, do CE, pode e deve levar-se em conta, para além do rendimento possível do terreno expropriado, circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo, tais como a sua localização privilegiada relativamente às mais importantes vias e proximidade de infra-estruturas urbanísticas básicas principais.

Texto Integral

I – Relatório

1. E (…), SA, na qualidade de entidade expropriante, apresentou os presentes autos de expropriação litigiosa por utilidade pública, em que é expropriada M (…), SA, no âmbito do qual foi proferido o acórdão arbitral que fixou a justa indemnização no montante de 70.822,24 € (correspondente à soma de 46.302,24 € - relativamente ao valor do terreno da parcela expropriada – e 24.520 € - ao valor das benfeitorias).

A expropriada interpôs recurso do acórdão arbitral, alegando que o terreno deveria ter sido classificada como “solo para construção”. Que a parcela em causa se encontra integrada não só em espaço agrícola mas também em “espaço industrial potencialmente a restruturar”. Que a parcela expropriada não detém qualquer capacidade de utilização agrícola, pois que se encontra totalmente impermeabilizada. Que a expropriante pretende a sua desanexação para nela instalar a infra-estrutura que determina o presente processo expropriativo, que mereceu parecer favorável da Entidade Regional da Reserva Agrícola Nacional do Centro, pelo que nessa medida, à data da DUP, a referida parcela já não integrava a RAN. Que a parte sobrante do prédio se encontra integrada em “espaço industrial potencialmente a reestruturar”, nela existindo diversas construções industriais e de apoio social. Mais referiu que a parte sobrante do seu prédio verá o seu valor afectado negativamente por força da utilização da parcela expropriada para o fim a que se destina, não só pela diminuição da área, mas também pelo facto de passar a confinar com uma estação de resíduos, o qual importará uma desvalorização nunca inferior a 10% do seu valor.

Concluiu pela procedência do recurso interposto, fixando-se a indemnização a atribuir no montante global mínimo de 238.223,83 € ou outro superior que se venha a apurar.

Respondeu a expropriante, pugnando pela improcedência do recurso interposto, porquanto a parcela em causa não tem, nem tinha à data da DUP qualquer potencial edificativo e, como tal, não pode ser avaliada como “solo apto para construção”. Mais referiu que a expropriada pese embora tenha sublinhado que o prédio em causa se encontra integrado não só em espaço agrícola mas também em espaço industrial potencialmente a reestruturar, esquece, porém, que essa integração respeita ao prédio no seu todo, abrangendo outras realidades que aqui não estão em causa, abstraindo da classificação concreta da parcela expropriada, pois que o solo do terreno expropriado se situa, na sua totalidade, em espaço agrícola de grau I, em zona de Reserva Agrícola Nacional, de acordo com o PDM da Figueira da Foz (publicado no DR, I Série-B, nº 139, de 18.6.1994). Mais acrescentou que se a parcela em causa se encontra impermeabilizada, não significa isso que seja possível, sem mais, erguer ou nela edificar qualquer construção, em plena Reserva Agrícola Nacional, pois que não desapareceram os pressupostos que estiveram subjacentes àquela classificação. Que o acto expropriativo não visa a edificação de construções urbanas, mas antes se destina ao armazenamento temporário de resíduos urbanos e equiparados, enquanto aguardam encaminhamento para o centro de triagem e/ou aterro, não trazendo tal situação qualquer potencialidade edificativa à parcela em causa. Ademais os solos integrados na RAN são áreas “non aedificandi”, como determinado no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ 6/2011, de 7.4. A parte sobrante continua a dispor de acesso directo à via pública e pode continuar a ser explorada nos termos em que actualmente o é, sendo que a diminuição da área do prédio já é tida em conta na indemnização do prejuízo que resulta para a expropriada da desafectação da parcela.

Procedeu-se à avaliação, tendo os Senhores Peritos apresentado os respectivos laudos periciais (a fls. 145 a 162), objecto de reclamação por parte da expropriante e da expropriada, esclarecimentos que foram prestados (a fls. 205 a 210).

A entidade expropriante apresentou as suas alegações e, em síntese, sustenta a improcedência do recurso, mantendo-se a classificação da parcela expropriada como “solo apto para outros fins”, alterando-se, no entanto, a indemnização, na medida em que a área da parcela é de 9,444m2 e não 9646,30m2, devendo a indemnização ser fixada no valor de 45.331,20 €.

A expropriada alegou também pedindo, em síntese, a fixação da justa indemnização no valor de 174.547,10 €, acrescido da valorização das benfeitorias cuja indemnização se revele cumulável com tal avaliação.

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Foi proferida sentença que julgou improcedente o recurso interposto pela expropriada, e, em consequência, fixou o montante indemnizatório a pagar pela entidade expropriante em 70.822,24 €, actualizável de acordo com a evolução do índice de preços do consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo INE relativamente ao local da situação do prédio, desde a data da declaração de utilidade pública até à data do trânsito em julgado da decisão, nos termos do artigo 24º, nº 1 do CE.  

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2. A expropriada interpôs recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

(…)

3. A expropriante contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

II - Factos Provados

1) Por despacho proferido pela Secretária de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, publicado no Diário da República, IIª Série, de 27 de Maio de 2011, foi declarada a utilidade pública, com carácter urgente, com vista à construção da estação de transferência de resíduos sólidos urbanos da Figueira da Foz, integrada no sistema multimunicipal de tratamento e valorização de resíduos sólidos urbanos no Litoral Centro, da parcela n.º1, com a área total de 9646,30m2, a desanexar do prédio inscrito na matriz predial sob os artigos 1316, 609, 610 e 611 da freguesia de Santana, concelho da Figueira da Foz, descrito na Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob o n.º520/19990617 – cfr. fls. 17;

2) Mostra-se inscrito na matriz predial rústica na freguesia de Santana, concelho de Figueira da Foz, sob o artigo 1316, um prédio sito no lugar da Foja, freguesia de Santana, concelho da Figueira da Foz, composto por terra de cultura, com área total de 6,076600 (ha) - cfr. 12;

3) Tal prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob o n.º520/19990617, constando o direito de propriedade inscrito em nome da sociedade M (…), SA (ap. n.º46 de 1999/06/17) – cfr. fls. 9.

4) A parcela expropriada tem a área de 9646,30m2.

5) O prédio referido em 3) é um prédio com natureza mista, composto pelos artigos supra referidos (609, 610 e 611 - com natureza urbana - e 1316 - com natureza rústica).

6) O prédio em causa confronta do norte com a antiga estrada nacional 111, do sul com (…).

7) A parcela a destacar para a construção da referida estação de transferência de resíduos sólidos urbanos da Figueira da Foz, passará a ter as seguintes confrontações: do norte com a antiga estrada nacional 111, do sul (…), do nascente com a parte restante do prédio e do poente com a Quinta da Foja e (…).

8) A parte destacada insere-se na parte rústica do prédio em causa.

9) A parcela expropriada tem uma configuração aproximadamente rectangular, desenvolvendo-se no seu comprimento no sentido nascente/poente, com cerca de 110 metros de extensão e com uma largura média de 85 metros no sentido norte/sul.

10) Tem uma orografia plana apresentando um ligeiro declive à estrema do lado sul numa área de pouca extensão, encontrando-se na sua totalidade nivelada e com o solo revestido com pavimento em betuminoso, tout-venant e agregado britado de pequenas dimensões, com vestígios de paredes de zonas de selecção e depósito de inertes, fruto da sua anterior utilização como parte integrante do estaleiro de obra de regularização do rio Mondego.

11) Na área sobrante do prédio, a norte, existem algumas construções que em tempos terão sido utilizados como armazéns, garagem e oficina de apoio ao estaleiro, bem como zona de técnicas e administrativas.

12) Nas proximidades existem:

_ A cerca de 50/60 metros, os antigos imóveis onde em tempos esteve instalada a delegação da Direcção Regional da Agricultura da Beira Litoral;

_ A cerca de 200 metros, a nordeste, um conjunto de 3 edifícios antigos, que constituem uma área social e um assento de lavoura de uma propriedade agrícola;

_ A cerca de 300 metros, um conjunto habitacional, denominado de Vila Mota, na sua grande parte devoluto e em estado de degradação.

13) A parcela expropriada possui acesso rodoviário pavimentado em betuminoso (EN 111) que assegura, naquele troço, a ligação Quinhendros/Montemor-o-Velho e Ereira, Verride, Maiorca e o acesso à Figueira da Foz pela A14.

14) Beneficia ainda de distribuição de energia eléctrica e telefónica.

15) As redes de água e telefónica encontram-se a cerca de 150 metros da parcela expropriada - cfr. fls. 30, ponto 2.11.

16) À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam não existiam árvores na parcela expropriada, nem dispunha de água - cfr. fls. 31, pontos 2.19 e 2.21.

17) À referida data também não se encontrava em utilização enquanto exploração agrícola, nem existiam indícios de tal utilização recente - cfr. fls. 32, pontos 2.23 e 2.24.

18) Decorre do relatório de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, além do mais que aqui se dá por integralmente reproduzido, o seguinte: “a parcela encontra-se vedada a norte, sul e poente com vedação de rede metálica enquadrada em pilaretes de betão. Está totalmente revestida predominantemente a semi-penetração betuminosa (…). A parcela expropriada dispõe de vedação em rede metálica enquadrada por pilaretes de betão com a altura de cerca de 1,50metros, a secção de 14 cmx14cm, com um espaçamento médio de 3,60 metros, a norte numa extensão de cerca de 110 metros, a sul na mesma extensão e a poente em cerca de 82 metros. Dispõe de um portão de correr em rede metálica enquadrada por estrutura igualmente metálica com a largura de cerca de 10 metros e altura de cerca de 1,80 metros no lado norte sensivelmente a meio, com acesso pela estrada nacional 111.

Encontra-se entre pilares de betão com altura de cerca de 2,30 m e com a secção de 35cmx35cm”, benfeitorias estas avaliadas em 24.520,00€ 1Valor adiantado no laudo de arbitragem a fls. 58/59 e não contestado por nenhum dos demais Srs. Peritos intervenientes - cfr. fls. 160, ponto 22.  - fls. 24 a 26.

19) O prédio no qual se integra a parcela expropriada dispõe de um acesso a partir da Estrada Nacional 111, na zona central do prédio, com cerca de 20 metros de largura e actualmente vedado com rede metálica e de um outro acesso na ponta nascente do prédio, aberto e sem portão, com um perfil transversal de cerca de 6 metros revestido a semi-penetração betuminosa - cfr. fls. 28, ponto 1.1.

20) A parcela expropriada dispunha à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam de duas entradas: uma a partir da Estrada Nacional 111, constituída por um portão de correr em rede metálica enquadrada por estrutura igualmente metálica com a largura de cerca de 10 metros e altura de cerca de 1,80 metros (entre pilares de betão com altura de cerca de 2,30m e com secção de 35cmx35cm e outra a partir da parte sobrante do prédio, constituído por um acesso de veículo, aberto, com um perfil transversal de cerca de 5 metros revestido a semi-penetração betuminoso - cfr. fls. 29, ponto 2.6.

21) Actualmente, a parcela expropriada possui uma única entrada pela EN 111 - cfr. fls. 158, ponto 6.

22) De acordo com a carta de ordenamento do regulamento do PDM do concelho da Figueira da Foz, publicado no DR, n.º139, 1.º Série B, de 18 de Junho de 1994, a área de terreno da parcela expropriada insere-se em espaço agrícola de grau 1, em zona de reserva agrícola nacional de acordo com a respectiva carta de condicionantes.

23) No dia 7 de Julho de 2010, a Entidade Regional da Reserva Agrícola Nacional do Centro, reuniu em sessão ordinária, com vista à apreciação do processo n.º607/ER-RAN.C/2010, requerido pela E (…), SA, relativamente à instalação da referida estação de transferência de resíduos sólidos urbanos, resultando da referida acta (sob n.º618), além do mais, o seguinte: “os prédios descritos, integram-se na carta da Reserva Agrícola do Plano Director Municipal do concelho da Figueira da Foz. (…) Após apreciação do processo, a Entidade Regional deliberou, por unanimidade, emitir parecer FAVORÁVEL ao requerido, nos termos da alínea l) do n.º1 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º73/2009, de 31 de Março, dado que se considera que a área em questão já se encontra impermeabilizada, e sem qualquer possibilidade de utilização agrícola futura” - cfr. fls. 184/185.

24) A parte sobrante da parcela expropriada continua a puder ser explorada nos termos em que o é actualmente - cfr. fls. 156, ponto 6.

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Factos Não Provados

1) A parte sobrante do prédio de onde foi desanexada verá o seu valor afectado negativamente pela perda de um dos acessos directos à via pública e pelo facto de passar a confinar com a referida Estação de Resíduos 2A resposta as estes factos fica-se à ausência de prova do prejuízo, pois pese embora não se ignore que a parcela em causa ficou privada de um dos acessos, certo é que nenhuma prova foi feita que essa mesma privação importou um qualquer prejuízo, indemnizável, para a expropriada. Note-se que todos os Srs. Peritos se pronunciaram no sentido que a parte sobrante pode continuar a ser explorada nos termos em que o é actualmente (veja-se fls. 59 e 156, ponto 6). De modo que, salvo melhor saber, entende-se que a simples privação de um acesso a um prédio não significa, por si só, a sua desvalorização.

Acresce que nenhuma prova foi feita quanto à desvalorização da parte sobrante pelo facto de passar a confrontar com a Estação de Resíduos. E se é certo que os Srs. Peritos indicados pelo Tribunal e pela entidade expropriada admitiram essa possibilidade, em momento algum referiram que isso possa vir efectivamente a acontecer.

2) A parcela expropriada tem a área de 9,444m2 3Todos os Srs. Peritos foram unânimes em referir que a parcela expropriada tem a área de 9646,30m2.

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III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 684º, nº 3 e 685º-A do CPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Classificação da parcela expropriada.

- Eventual desvalorização da parte sobrante e suas consequências.

- Determinação do valor da indemnização a atribuir à expropriada.

2. Da matéria factual apurada resulta que a parcela expropriada se insere na parte rústica do prédio de onde foi destacada e está integrada, de acordo com o PDM da Figueira da Foz, em espaço agrícola, em zona da RAN (factos provados 8. e 22.).

Ora, por força do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº 6/2011, em DR, 1ª série, de 17.5.2001, “Os terrenos integrados, seja em Reserva Agrícola Nacional (RAN), seja em Reserva Ecológica Nacional (REN), por força do regime legal a que estão sujeitos, não podem ser classificados como «solo apto para construção», nos termos do artigo 25º, nº 1, alínea a) e 2 do Código das Expropriações, aprovado pelo artigo 1º da Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, ainda que preencham os requisitos previstos naquele nº 2”.

O acórdão proferido na revista ampliada não é vinculativo para os tribunais judiciais, pelo que estes podem afastar-se, na apreciação de uma questão concreta, da jurisprudência uniformizada, mas, nessa hipótese, é sempre admissível recurso da decisão proferida contra a orientação jurisprudencial (art.º 678º, nº 2, c), do CPC), sendo assim o Supremo, necessariamente, chamado a reponderar a jurisprudência uniformizada sempre que a Relação tenha proferido uma decisão com orientação divergente.

Sendo, pois, verdade que a jurisprudência uniformizada não é obrigatória, ela estabelece, contudo, um precedente judicial persuasivo (cfr. Castro Mendes, Recursos, Ed. de 1980 da AAFDL, pág. 114), contribuindo tal decisão para “a unidade da ordem jurídica, face à autoridade que normalmente anda ligada às decisões dos supremos tribunais, designadamente quando eles se reúnem em pleno ou em plenário de secções para solucionar divergências jurisprudenciais” (vide Amâncio Ferreira, Manual Recursos em Processo Civil, 9ª Ed., pág. 304).

Ora, sendo este o modelo em que se desenha a uniformização de jurisprudência, teremos que concluir que, pese embora a anterior divergência jurisprudencial sobre a questão, tendo sido proferido AUJ no sentido supra apontado, ele é tendencialmente vinculativo para a interpretação a levar a cabo pelos tribunais sobre tal questão.

Não vemos, por isso, razões para nos desviarmos do rumo traçado por tal AUJ, até porque ele é bem recente e assentou, na sua fundamentação, em análise e ponderação de imenso labor jurisprudencial do tribunal constitucional. 

Face à jurisprudência fixada a parcela em causa deverá ser classificada como solo apto para outros fins, salvo alguma ponderação concreta em sentido diferente - como solo apto para construção.

Objecta a recorrente que assim deveria ser entendido, com base em três razões.

Em primeiro lugar, porque atento o estado da referida parcela à data da DUP era de todo impossível dar-lhe qualquer aplicação agrícola, já que a sua superfície se encontrava totalmente impermeabilizada/ pavimentada. Diga-se, aliás, que naturalmente tal pavimentação terá sido levada a cabo pela ora recorrente para facilitar/implementar o uso e ocupação do prédio na sua actividade própria ligada à construção civil.

Como já foi observado pela decisão recorrida, é entendimento que não colhe. Na verdade, o facto de um terreno não apresentar aptidão agrícola não significa, sem mais, que tem ou possa ter aptidão edificativa. Como salienta P. Elias da Costa (Guia das Expropriações, 2ª Ed., pág. 313) pode tal terreno não ser dedicado a determinadas culturas, porquanto um solo para outros fins não se esgota num aproveitamento agrícola ou florestal. Podendo ter outros aproveitamentos como estaleiro, parque de máquinas, depósito de materiais a céu aberto, colocação de cartazes publicitários, etc.

Não é, assim, pela circunstância da parcela de terreno em causa se encontrar impermeabilizada/pavimentada que se poderá concluir que a mesma deverá ser classificada como solo apto para construção. A isso opõe-se expressamente o regime jurídico da RAN. A entender-se de outra maneira, estaria, até, encontrada uma forma de contornar a lei – bastava que alguém pavimentasse uma parcela de terreno agrícola ou florestal, betuminasse um prédio rústico, para a seguir ir defender que agora passava a ser um terreno apto para construção !!

Em segundo lugar, porque entende que a partir do momento em que a parcela em causa se destina a construção de um imóvel pela expropriante cessam os obstáculos impostos pela RAN.

Também não podemos acompanhar tal argumentação.

De acordo com o DL 73/2009, de 31.3, os solos da RAN estão afectos à agricultura, sendo interditas as acções que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas (arts. 2º, 4º, 20º e 21º de tal diploma). Mas a lei admite excepções a tais proibições, no seu art. 22º, que reza assim:

                                      Utilização de áreas da RAN para outros fins

1 — As utilizações não agrícolas de áreas integradas na RAN só podem verificar-se quando não exista alternativa viável fora das terras ou solos da RAN, no que respeita às componentes técnica, económica, ambiental e cultural, devendo localizar-se nas terras e solos classificadas como de menor aptidão, e quando estejam em causa:

a) Obras com finalidade agrícola, quando integradas na gestão das explorações ligadas à actividade agrícola, nomeadamente, obras de edificação, obras hidráulicas, vias de acesso, aterros e escavações, e edificações para armazenamento ou comercialização;

b) Construção ou ampliação de habitação para residência própria e permanente de agricultores em exploração agrícola;

c) Construção ou ampliação de habitação para residência própria e permanente dos proprietários e respectivos agregados familiares, com os limites de área e tipologia estabelecidos no regime da habitação a custos controlados em função da dimensão do agregado, quando se encontrem em situação de comprovada insuficiência económica e não sejam proprietários de qualquer outro edifício ou fracção para fins habitacionais, desde que daí não resultem inconvenientes para os interesses tutelados pelo presente decreto-lei;

d) Instalações ou equipamentos para produção de energia a partir de fontes de energia renováveis;

e) Prospecção geológica e hidrogeológica e exploração de recursos geológicos, e respectivos anexos de apoio à exploração, respeitada a legislação específica, nomeadamente no tocante aos planos de recuperação exigíveis;

f) Estabelecimentos industriais ou comerciais complementares à actividade agrícola, tal como identificados no regime de exercício da actividade industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 209/2008, de 29 de Outubro;

g) Estabelecimentos de turismo em espaço rural, turismo de habitação e turismo de natureza, complementares à actividade agrícola;

h) Instalações de recreio e lazer complementares à actividade agrícola e ao espaço rural;

i) Instalações desportivas especializadas destinadas à prática de golfe declarados de interesse para o turismo pelo Turismo de Portugal, I. P., desde que não impliquem alterações irreversíveis na topografia do solo e não inviabilizem a sua eventual reutilização pela actividade agrícola;

j) Obras e intervenções indispensáveis à salvaguarda do património cultural, designadamente de natureza arqueológica, recuperação paisagística ou medidas de minimização determinados pelas autoridades competentes na área do ambiente;

l) Obras de construção, requalificação ou beneficiação de infra-estruturas públicas rodoviárias, ferroviárias, aeroportuárias, de logística, de saneamento, de transporte e distribuição de energia eléctrica, de abastecimento de gás e de telecomunicações, bem como outras construções ou empreendimentos públicos ou de serviço público;

m) Obras indispensáveis para a protecção civil;

n) Obras de reconstrução e ampliação de construções já existentes, desde que estas já se destinassem e continuem a destinar -se a habitação própria;

o) Obras de captação de águas ou de implantação de infra-estruturas hidráulicas. (o negrito é nosso).

E foi justamente ao abrigo destas excepções que a Entidade Regional da Reserva Agrícola do Centro, em 7.7.2010, data anterior à da publicação da DUP, emitiu parecer prévio favorável à construção da referida estação de tratamento de resíduos sólidos, ao abrigo da l) do nº 1 do referido artigo (vide facto provado 23.).

Todavia tal parecer prévio (art. 23º do apontado diploma) não implicou, de per si, que a parcela em causa deixou de estar afecta à RAN. É que para além da necessária tramitação subsequente para os interessados apresentarem o pedido de concessão, aprovação, licença, autorização administrativa a que o parecer respeita, como decorre do nº 6 do mesmo art. 23º, que os autos não evidenciam ter sido obtida, os terrenos da RAN só são desintegrados/reintegrados da mesma nas circunstâncias que decorrem do art. 18º do mesmo apêndice legal, o que não se mostra verificado no caso concreto.   

Nem aquele parecer importou que se tenha alterado a natureza da área em causa, ou seja, que a parcela expropriada tenha deixado de ser automaticamente um prédio rústico/agrícola, como era antes de tal parecer, passando agora a ser necessariamente um solo urbano/apto para construção.

Queda, assim, infundado o entendimento da recorrente que a parcela expropriada deixou de integrar a área da RAN, ou perdeu a sua natureza agrícola/rústica, a partir do momento em que foi emitido tal parecer favorável à construção da aludida estação de resíduos sólidos, em Julho de 2010.

Deste modo, é arrojado defender que a recorrente/expropriada tinha uma qualquer expectativa de poder vir a valorizar o solo para finalidades edificativas, pois não pode construir, nem desafectar o solo da RAN.

Em terceiro lugar, questiona a não aplicação do art. 26º, nº 12, do CE, que dispõe que “Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300m do limite da parcela expropriada”. A decisão recorrida afastou a aplicação de tal normativo, por a expropriada não ter demonstrado que adquiriu o prédio antes da mesma ser integrada em RAN, porquanto o direito de propriedade sobre o referido prédio se mostra inscrito a favor da expropriada desde o ano de 1999, enquanto que a parcela expropriada se mostra inserida em espaço agrícola de grau 1, em zona de reserva agrícola nacional de acordo com a respectiva carta de condicionantes desde 1994, conforme regulamento do PDM do concelho da Figueira da Foz, publicado no DR, nº139, 1ª Série - B, de 18.6.1994 (facto provado 22.).

Entendemos, porém, que o pressuposto em que a decisão recorrida assentou para afastar à partida tal comando legal se mostra menos acertado. Efectivamente, o direito de propriedade sobre o identificado prédio encontra-se inscrito a favor da ora expropriada desde Junho de 1999 (facto provado 3.) enquanto a parcela de terreno expropriada se insere em espaço agrícola, em zona RAN, desde 1994, contudo compulsada a respectiva certidão de registo predial constatamos que a causa da aquisição foi a usucapião. Como é sabido a usucapião assenta numa posse de boa ou má fé que ao fim de, respectivamente 15 ou 20 anos, conduz à aquisição, no caso do direito de propriedade (vide art. 1296º do CC). Como os seus efeitos são retroactivos (cfr. art. 1288º do CC), quer isto dizer que a expropriada adquiriu a propriedade de tal terreno pelo menos há 15 ou 20 anos antes de tal registo, e por isso antes de 1994. Assim, á partida, não existe o impedimento, detectado na decisão recorrida, de aplicação daquele art. 26º, nº 12.

Tal preceito, como se vê, do seu teor, não prevê na sua letra situação igual à do nosso caso, pois reporta-se unicamente a solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos em plano municipal de ordenamento do território, o que não acontece no nosso caso, visto que o PDM da F. Foz não integra a parcela expropriada em tal tipo de destinação de solos. O que parece afastar, desde logo, a aplicabilidade do mesmo preceito ao caso em apreço.    

Importa, porém, ter em conta, para a resolução do nosso caso, que tal normativo e outros adjacentes, sobre a mesma situação, têm sido objecto de várias decisões do T. Constitucional.

No Ac. nº 275/2004, DR – II série, de 8.6, considerou-se que eram inconstitucionais as normas contidas no art. 23º, nº1, e 26º, nº 1, do CE, quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de solo apto para construção e, consequentemente, de como tal indemnizar o solo, integrado na RAN, expropriado para implantação de vias de comunicação. Neste acórdão, todavia, não se abordou directamente a aplicação do referido nº 12.

Já no Ac. nº 469/2007, DR, 2ª série, de 30.10, considerou-se inconstitucional as normas contidas nos arts. 23º, nº 1, 25º, nº 2 e 3, 26º, nº 12, e 27º do CE, na interpretação segundo a qual o valor da indemnização devida pela expropriação, para construção de um terminal ferroviário, de um terreno que objectivamente preenche os requisitos elencados no nº 2 do art. 25º para a qualificação como solo apto para a construção mas que foi integrado na RAN por instrumento de gestão territorial em data posterior à sua aquisição pelos expropriados, deve ser calculado de acordo com os critérios definidos no art. 27º para solos aptos para outros fins, e não de acordo com o critério definido no nº 12 do art. 26º. Este acórdão já está muito perto do nosso caso. Deve sublinhar-se, contudo, que o mesmo considerou ser de aplicar o referido nº 12 aos terrenos inseridos na RAN, por analogia (ver fundamentação) em relação ao tipo de destinação de solos previsto expressamente no indicado nº 12, e que é exigível que o terreno a expropriar preencha objectivamente os requisitos previstos no nº 2 do apontado art. 25º para a qualificação como solo apto para construção.

Por sua vez no Ac. nº 37/2011, DR, 2ª série, de 28.3.2011, considerou-se inconstitucional o art. 25º, nº 2, a), do CE, quando interpretada no sentido de classificar como solo apto para construção um solo abrangido em PDM por área florestal estruturante, com total desconsideração desta vinculação administrativa. Quer dizer, como resulta da respectiva fundamentação, que tal acórdão explicitou que não pode calcular-se a indemnização de um terreno que reúna os requisitos legais do art. 25º como solo apto para construção, sem mais, se afinal tal terreno se inserir em solo abrangido em PDM por área florestal, devendo por isso considerar-se a aplicação do mencionado nº 12, por analogia.    

Já no Ac. nº 196/2011, DR, 2ª série, de 9.6.2011, julgou-se inconstitucional a norma do art. 26º, nº 12, do CE, quando interpretada no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objectivos definidos no art. 25º, nº 2. Ou seja, neste acórdão decidiu-se expressa e directamente que não pode ser aplicada a previsão do referido art. 26º, nº 12, a um terreno integrado na RAN, mesmo a um terreno que reúna os elementos objectivos definidos no art. 25º, nº 2, como solo apto para construção.  

Neste momento não interessa tomar posição sobre qual a orientação constitucional a seguir, se é de aplicar a previsão do art. 26º, nº 12, ainda que por analogia, a terrenos inseridos na RAN, ou se tal interpretação é inconstitucional. O que interessa agora particularizar, pois vai ser a chave para solucionar o nosso caso, é que os referidos acórdãos entendem que para equacionar a possibilidade de aplicação do apontado nº 12 é necessário que a parcela expropriada reúna os requisitos legais previstos no art. 25º, nº 2, do CE, para ser classificado como solo apto para construção.  

Ora, neste aspecto há que mencionar o Ac. 192/2008, DR, 2ª série, de 26.1.2009, que enfrentou directamente a questão, tendo declarado inconstitucional o art. 26º, nº 12, quando interpretada no sentido de que, para a sua aplicação, a aptidão edificativa do terreno expropriado não tem de aferir-se pelos elementos objectivos definidos no art. 25, nº 2.

Deste modo, o que os antecitados acórdãos nos dizem, particularmente o último citado, é que a eventual aplicação do indicado nº 12 pressupõe, necessariamente, a aptidão edificativa do terreno expropriado aferida por qualquer um dos elementos objectivos definidos no art. 25º, nº 2, do CE, que é, para nós, a melhor e a correcta interpretação de tal nº 12.

Esses elementos objectivos, estão definidos em 4 alíneas, do citado art. 25º, nº 2. As alíneas c) e d) estão totalmente afastadas. Na a), considera-se solo apto para construção o que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir. Na b), o que dispõe de parte das infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano existente.

Descendo, agora, ao caso concreto, e compulsada a matéria de facto provada -  que a recorrente não impugnou, a coberto do art. 685º-B, nº 1, do CPC – vemos que a parcela expropriada possui acesso rodoviário pavimentado e beneficia ainda de rede de energia eléctrica (factos 13. e 14.). Mas não dispõe de rede de abastecimento de água nem de rede de saneamento. Está, por isso, excluída a previsão da apontada a). O mesmo acontece com a previsão da b), pois, embora a dita parcela disponha de parte das referidas infra-estruturas, não se provou que se integra em núcleo urbano existente (aliás no relatório dos peritos, a fls. 150, diz-se mesmo que a parcela não se integra em núcleo urbano).

Desta sorte, fica excluída a eventual aplicação do mencionado art. 26º, nº 12.    

De maneira que, e em conclusão, a potencialidade edificativa defendida pela recorrente não passa de uma mera possibilidade abstracta, sem sustentação nos planos municipais de ordenamento do território e sem arrimo legal, pelo que não tem a apelante expectativa razoável de ver a parcela expropriada desafectada da RAN e da sua natureza agrícola/rústica para ser destinada à construção ou edificação. É, assim, de considerar não ter o terreno em causa aptidão edificativa, por isso que é de classificar a parcela expropriada como solo apto para outros fins, como se considerou na decisão sob recurso.

Improcede, pois, esta parte do recurso.

3. No que concerne à indemnização peticionada a título de desvalorização da parte sobrante é de notar, outra vez, que a recorrente não impugnou a matéria de facto apurada, a coberto do art. 685º-B, nº 1, do CPC.  

Como assim, importa considerar o facto provado 24., ou seja que a parte sobrante da parcela expropriada continua a puder ser explorada nos termos em que o é actualmente.

E, ao mesmo tempo, relembrar que não se provou (facto não provado 1.) que a parte sobrante do prédio, de onde foi desanexada a área da parcela expropriada, tenha sido afectada com a expropriação, concretamente que tenha perdido valor por ficar privada de um dos acessos.

Consequentemente não havendo depreciação (art. 29º, nº 2, do CE) não há lugar a qualquer indemnização acrescida relativamente à parcela sobrante.

Não procede, assim, esta parte do recurso.

4. Vejamos agora a questão da fixação da indemnização.

A decisão recorrida aderiu, sem grandes desenvolvimentos, ao valor encontrado, unanimemente, pela arbitragem de 46.302,24 € para a parcela expropriada, calculado como solo apto para outros fins, por o considerar justo e adequado à situação concreta.

Assim como, atribuiu à expropriada o valor de 24.520 €, pelas identificadas benfeitorias, cujo montante foi considerado como adequado por todos os peritos.

Quanto a estas nem recorrente nem recorrida põem em causa a sua existência e valor, pelo que o mesmo permanece intocado, e como tal deve ser atribuído.

Como já acima dissemos a parcela expropriada foi classificada como solo apto para outros fins, pelo que assim tem de ser calculada, nos termos do art. 27º do CE. Sendo inaplicável, por inoperacional, o critério fixado no nº 1 e 2 de tal preceito, queda aplicável o seu nº 3, que dispõe que “Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no nº 1, por falta de elementos, o valor do solo apto para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo”.       

Na referida arbitragem fixou-se aquele apontado valor com base na “natureza e o estado da área de terreno da parcela, a maior parte impermeabilizada, sem possibilidade de utilização agrícola e por isso inviabilizada a sua capacidade agrícola ou florestal, actual ou futura. Face …à sua localização, aptidão e à proximidade das infraestruturas urbanísticas básicas principais e ainda ao seu aproveitamento económico normal e possível…o terreno da parcela tem um valor acrescido em relação ao seu valor calculado apenas com base no seu rendimento fundiário.

…podem estes solos ser valorizados com base no seu valor locativo, ou seja, no seu possível arrendamento, não como estaleiro, mas como depósito para armazenamento ou parqueamento a céu aberto, de materiais diversos. Na perspectiva deste aproveitamento económico…podem justificar-se comparativamente, valores de rendimento anuais, variáveis...Que, em termos líquidos se traduzem em valores compreendidos entre 0,70 e 0,45 €/m2/ano. Pelo que os árbitros, ponderadamente, entendem atribuir um valor de rendimento, médio, anual, de 0,575 €/m2. A taxa de capitalização, normalmente, utilizada e adequada ao risco e á volatilidade de actividade deste tipo de investimento é de 12%, que os árbitros adoptam. Obtêm-se, assim, para valor unitário do solo da parcela – Vus – o valor de 4,80 €/m2. Vus=0,575€/m2/ano:12%=4,80 €/m2.

(…)

…Valor do terreno da parcela:

9,646,30 m2 x 4,80 €/m2------------------------------------46.302,24 €”.

Por sua vez na peritagem a perita indicada pela expropriante achou um valor de 30.559,48 €, para solo apto para outros fins, considerando a exploração, dominante na zona envolvente, de cultivo de sequeiro de milho e grão, que será a produção mais favorável a desenvolver futuramente se o terreno for restaurado para utilização integralmente agrícola.

Já os restantes 4 peritos (os indicados pelo tribunal e o indicado pela expropriada, encontraram um valor de 60.289,40 €, para solo apto para outros fins, dado que “a área em questão já se encontra impermeabilizada, e sem qualquer possibilidade de utilização agrícola futura, pelo que a avaliação estribada nessa utilização não será aplicável. Neste enquadramento, a avaliação… deverá…atender a um valor do rendimento da parcela, tendo por base o seu valor locativo, atenta a sua possível utilização como estaleiro ou até mesmo de local destinado à comercialização de produtos da região, face à sua localização privilegiada relativamente às mais importantes vias. Assim sendo, e admitindo um valor de rendimento médio anual da ordem dos 0,50 €/m2, correspondente a um valor mensal de cerca de 400 €, capitalizado a uma taxa de 8%, a qual se admite a mais adequada ao risco da actividade deste tipo de investimento, obter-se-ia:

0,50 €/ m2 / ano : 8% = 6,25 €/m2

O que conduziria a um valor para o solo de:

9,646,30 x 6,25 €/m2 = 60.289,40 €“.  

Ponderando os elementos expostos, entendemos ser de seguir o relatório pericial maioritário, essencialmente pelas seguintes razões:

- dada a actual morfologia física do terreno, que se mostra pavimentado, não se afigura possível cultivar ali milho ou grão, salvo se houvesse prévia restauração agrícola do terreno, o que parece muito improvável.

- o mesmo terreno mostra-se apto para servir como estaleiro ou como local destinado à comercialização de produtos da região, face à sua localização privilegiada relativamente às mais importantes vias e proximidade de infra-estruturas urbanísticas básicas principais, factores bastante relevantes, como nota P. Elias da Costa, ob. cit., pág. 313/314.

- o valor mensal de rendimento de 400 €, capitalizado a uma taxa de 8%, dado o risco da actividade deste tipo de investimento, parece adequada, conforme referido pelos 4 peritos maioritários, laudo maioritário (nele se incluindo os três nomeados pelo Tribunal, e constantes da lista oficial) que, como é jurisprudência unânime, deve privilegiar-se pela sua reconhecida idoneidade, competência e acrescida imparcialidade.

Desta maneira, nos termos do citado art. 27º, nº 3, do CE, designadamente tendo em atenção o rendimento possível do terreno expropriado no estado existente à data da declaração de utilidade pública, as condições de acesso, e as indicadas circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo, consideramos ser de fixar a indemnização para a parcela expropriada em 60.289,40 €, a que adiciona o valor das benfeitorias de 24.520 €, tudo perfazendo o total de 84.809,40 €.  

5. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) Por força do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº 6/2011, em DR, 1ª série, de 17.5.2001, “Os terrenos integrados, seja em Reserva Agrícola Nacional (RAN), seja em Reserva Ecológica Nacional (REN), por força do regime legal a que estão sujeitos, não podem ser classificados como «solo apto para construção», nos termos do artigo 25º, nº 1, alínea a) e 2 do Código das Expropriações, aprovado pelo artigo 1º da Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, ainda que preencham os requisitos previstos naquele nº 2”;

ii) O acórdão proferido na revista ampliada não é vinculativo para os tribunais judiciais, mas tal jurisprudência uniformizada estabelece um precedente judicial persuasivo, que contribui para a unidade da ordem jurídica, pelo que sendo tendencialmente vinculativo para a interpretação a levar a cabo pelos tribunais sobre a questão decidida deve ser seguido, ainda por cima quando ele é bem recente e assentou, na sua fundamentação, em análise e ponderação de imenso labor jurisprudencial do tribunal constitucional;

iii) O facto de um terreno, integrado na zona RAN, não apresentar aptidão agrícola não significa, sem mais, que tem ou possa ter aptidão edificativa, porquanto um solo para outros fins não se esgota num aproveitamento agrícola ou florestal, podendo ter outros aproveitamentos como estaleiro, parque de máquinas, depósito de materiais a céu aberto, colocação de cartazes publicitários, etc.;

iv) A circunstância de a Entidade Regional da Reserva Agrícola, em data anterior à da publicação da DUP, ter dado parecer prévio positivo à construção de uma estação de tratamento de resíduos sólidos, ao abrigo das excepções consignadas no art. 22º, nº 1, do regime da RAN (DL 73/2009, de 31.3), não implica, de per si, que a parcela em causa deixou de estar afecta à RAN; nem aquele parecer importa que se tenha alterado a natureza da área em causa, ou seja, que a parcela expropriada tenha deixado de ser automaticamente um prédio rústico/agrícola, como era antes de tal parecer, passando agora a ser necessariamente um solo urbano/apto para construção;

v) A eventual aplicação do art. 26º, nº 12, do CE - cálculo do valor do solo apto para construção - a parcela expropriada, inserida em zona RAN, pressupõe, necessariamente, a aptidão edificativa desse terreno expropriado, aferida por qualquer um dos elementos objectivos definidos no art. 25º, nº 2, do mesmo código;

vi) Inexistindo depreciação da parte não expropriada do prédio não há lugar a indemnização autónoma acrescida relativamente a tal parcela sobrante;

vii) No cálculo do valor do solo apto para outros fins, nos termos do art. 27º, nº 3, do CE, pode e deve levar-se em conta, para além do rendimento possível do terreno expropriado, circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo, tais como a sua localização privilegiada relativamente às mais importantes vias e proximidade de infra-estruturas urbanísticas básicas principais.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente, parcialmente, o recurso da apelante, e em consequência fixa-se a indemnização em 84.809,40 €, no demais se mantendo a decisão recorrida.

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Custas por recorrente/recorrida, na proporção do vencimento/decaimento.

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Moreira do Carmo ( Relator )

Alberto Ruço

Fernando Monteiro