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ARRENDAMENTO URBANO
DESOCUPAÇÃO
ENTREGA DE CHAVES
EFEITO EXTINTIVO DO CONTRATO
OBRIGAÇÃO DE ENTREGA DA RENDA
MORA
PAGAMENTO DE RENDAS
INDEMNIZAÇÃO MORATÓRIA
IMPUGNAÇÃO
Sumário
I – Em contexto de arrendamento urbano a prova da desocupação do espaço arrendado pelo inquilino e do envio das chaves do mesmo ao senhorio, que as recebe, acarreta efeito extintivo do contrato por via de revogação real (artigos 1079º, início, e 1082º, do Código Civil); II – Com a cessação do arrendamento deixam de se produzir todos os efeitos a que ele era vocacionado; incluindo a obrigação de entrega da renda pelo inquilino, a contar do dia da ocorrência extintiva; III – Estando o inquilino em mora com o pagamento das rendas mas entregando periodicamente quantias ao senhorio, de que este lhe dá quitação e imputa apenas ao crédito de rendas incumpridas, em singelo, não é de acolher a contabilização que este faça, em subsequente acção judicial, realizando as imputações das mesmas quantias, mas agora também, à indemnização moratória; IV – Esta indemnização moratória, concedida pela lei substantiva, não é cumulável com a extinção do arrendamento por via de resolução, exactamente fundada no incumprimento das rendas (artigo 1041º, nºs 1 e 4, do Código Civil); V – Quando na acção judicial o senhorio opte pela alternativa resolutiva e peça, tão-só, os valores das rendas vencidas e não pagas, não deve o tribunal superar os valores de tais rendas, em singelo, que julgue serem devidas.
Texto Integral
Recurso de Apelação Processo nº 4217/09.4TBSTS.P2
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. Apelante - B…, residente na Rua … nº …, em …, Santo Tirso;
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. Apelados - B… e marido, - D…., residentes na Rua … nº .., em …, Santo Tirso.
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SUMÁRIO:
I – Em contexto de arrendamento urbano a prova da desocupação do espaço arrendado pelo inquilino e do envio das chaves do mesmo ao senhorio, que as recebe, acarreta efeito extintivo do contrato por via de revogação real (artigos 1079º, início, e 1082º, do Código Civil); II – Com a cessação do arrendamento deixam de se produzir todos os efeitos a que ele era vocacionado; incluindo a obrigação de entrega da renda pelo inquilino, a contar do dia da ocorrência extintiva; III – Estando o inquilino em mora com o pagamento das rendas mas entregando periodicamente quantias ao senhorio, de que este lhe dá quitação e imputa apenas ao crédito de rendas incumpridas, em singelo, não é de acolher a contabilização que este faça, em subsequente acção judicial, realizando as imputações das mesmas quantias, mas agora também, à indemnização moratória; IV – Esta indemnização moratória, concedida pela lei substantiva, não é cumulável com a extinção do arrendamento por via de resolução, exactamente fundada no incumprimento das rendas (artigo 1041º, nºs 1 e 4, do Código Civil); V – Quando na acção judicial o senhorio opte pela alternativa resolutiva e peça, tão-só, os valores das rendas vencidas e não pagas, não deve o tribunal superar os valores de tais rendas, em singelo, que julgue serem devidas.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
1. A instância da acção. 1.1.B… propôs acção declarativa, em forma sumária,[2] contra C… e marido D…, pedindo (1.) a declaração de resolução do contrato de arrendamento, relativo ao r/c do edifício da Rua … nº …, em …, Santo Tirso, em que é senhorio e a ré esposa inquilina, (2.) a condenação desta a despejar o arrendado e a entregar-lho livre de pessoas e bens e (3.) a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe 5.970,00 € de rendas em dívida, bem como as que se vençam até efectiva entrega do locado.
Alegou, em síntese, que E… firmou com a ré esposa o arrendamento do citado r/c, destinado a comércio, em Jan 2007, para iniciar em Mar 2007, e pela renda de 400,00 €, por mês, a entregar no 1.º dia útil daquele a que respeitasse. A ré só iniciou o pagamento das rendas em Dez 2007, altura em que pagou a relativa a Mar 2007 e metade de Abr 2007; assim fazendo nos meses seguintes (pagando mês e meio referente a meses em atraso) até Mai 2009. Entretanto (o autor) adquiriu o imóvel, em Nov 2007. Ora, os senhorios imputaram os montantes recebidos em indemnização legal devida pelo atraso nas rendas. E assim ficaram em dívida a parte de Ago 2008 (110,00 €), e os meses de Set 2008 adiante (14 meses), num total de 5.970,00 €. É que, em Jan 2008, a senhoria solicitara o aumento legal da renda, referente a Mar 2008, para 410,00 €; e em Out 2008, referente a Jan 2009, para 422,00 €; embora a ré omitisse os acréscimos. Ademais, nem prestou a caução ajustada, de dois meses actualizados. Além disso, ocupa abusivamente espaços não abrangidos no arrendamento. Por fim, o pagamento das rendas atinge também o réu marido, por ser dívida comercial e em proveito comum do casal.
1.2. Os réus contestaram a acção;[2] pediram a sua improcedência; ou, se proceder em parte relativa a rendas, operando a compensação por crédito seu.
Em síntese, disseram que a derrapagem em termos de custos e prazos das obras a que tiveram de proceder para adequar o locado ao exercício do seu comércio é que esteve na origem do retardamento na entrega das rendas; e que chegaram a um acordo com a primitiva senhoria no sentido de amortizarem prestacionalmente as já vencidas, entre Mar 2007 e Nov 2007, à razão de 200,00 € mensais. E foi assim que, a partir de Dez 2007, iniciaram a pagar 600,00 € por mês, 400,00 € para o corrente e 200,00 € para amortização. Só que os recibos foram-se reportando aos meses iniciais (a partir de Mar 2007) e, depois, à “conta do valor em dívida”. Assim correu até Mai 2009, quando com os 600,00 € do mês regularizavam toda a dívida. E, por isso, em Jun 2009, enviaram apenas 400,00 €; mas o senhorio recusou; fundando-se em alegações de mora e de indemnização. Ainda assim, em Jul 2009 enviaram 800,00 €, relativo a Jun e Jul; mas que o senhorio declarou ir imputar “na indemnização pela mora”. Entretanto ainda em Jul 2009 o senhorio comunicou ir cortar água do poço que servia o arrendado; o que fez, nesse mês; suspendendo os réus o pagamento da renda. Pese tudo, prosseguiu a ocupação, com dificuldades e vicissitudes. Até que em 30 Out 2009 desocuparam o locado e enviaram as chaves ao senhorio, que as tem. Em suma, até Jul 2009 estava consensualizada a renda de 400,00 € por cada mês; até porque as interpelações da sua actualização não comportavam a eficácia que era pretendida. Só a conduta abusiva do senhorio determinou o desfecho que veio a ter lugar; gerando um comprometimento insuperável da exploração comercial no locado; e originando perdas quantificáveis em mínimo de 6.000,00 €, os quais constituem crédito a compensar com o que lhes é pedido. Por fim, a senhoria primitiva nunca lhes exigiu uma efectiva prestação de caução.
1.3. O autor respondeu à contestação. Em denso articulado negou o primordial da versão fáctica exceptiva enunciada pelos réus; e terminou a concluir não haver lugar à compensação reclamada.
2. A instância declaratória desenvolveu-se; e com vicissitudes.
2.1. Foi proferido pré-saneador a convidar os réus a substanciarem com factos o crédito indemnizatório por si invocado; foi apresentada contestação aperfeiçoada enunciando perdas de receitas na loja instalada no locado de 3.000,00 € e padecimentos da ré esposa constitutivos de perdas morais avaliadas em outros 3.000,00 €; e foi repetida, pelo autor, a sua densa resposta.
2.2. E foi proferida sentença final; de que apelaram os réus. Por acórdão da Relação do Porto de 9 de Janeiro de 2012 (v fls. 280 a 290) a sentença foi anulada.
3. Foi proferida (outra) sentença final;[3] que foi (ainda) corrigida.[4] Concluiu assim, em decisão final após correcção, esta nova sentença:
« …, decido julgar provada e procedente a presente acção e, em consequência: a) condeno ambos os réus a pagarem solidariamente ao autor as rendas em dívida no valor de € 1.520,00, absolvendo-os do demais peticionado. b) extingo, por inutilidade superveniente da lide, a instância quanto ao pedido de resolução do contrato de arrendamento descrito na alínea a) da matéria de facto assente e condenação da 1ª ré a despejar o arrendado, entregando-o ao autor livre de pessoas e bens. »
4. A instância da apelação. 4.1. O autor inconformou-se, agora; e interpôs recurso de apelação. Elaborou alegação; que findou com estas síntese conclusivas:
a) Provado que foi que os réus nunca pagaram as rendas atempadamente e mais do que isso, não actualizaram as mesmas nos termos previstos no contrato de arrendamento, na sua cláusula 11ª (cfr. art.º 1077º, nº 1, do Código Civil); b) Provado também que as actualizações exigidas pelo autor, “… mostram-se de acordo com o disposto no art.º 1077º do Código Civil.” ou seja, com regime diferenciado das exigências previstas nas diversas alíneas do nº 2 daquele mesmo artigo e diploma, como é demonstrado pelas regras livremente contratualizadas entre as partes e descritas na cláusula 11ª do contrato de arrendamento;
Acresce que,
c) Apresentação da “denúncia” do contrato de arrendamento em causa por parte dos réus, mais não é do que um processo dilatório e uma tentativa para confundir o tribunal; d) A denúncia do contrato de arrendamento levada a cabo pelos apelados, após o autor ter entregue a acção sumária de despejo no tribunal judicial de Santo Tirso e os réus terem sido citados demonstra que: . é uma fuga à sua responsabilidade de proceder de acordo com as exigências do artigo 14º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, e . uma tentativa de não cumprimento do estabelecido no nº 3, do art.º 1098º do Código Civil, e ainda de protelar o mais possível os pagamentos ao apelante; e) A denúncia do contrato de arrendamento é uma declaração receptícia, pelo que apenas se torna eficaz na data em que a carta que contém é recebida pelo senhorio (3.11./2009); f) O arrendatário está obrigado a pagar as rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, tendo ainda em consideração que a denúncia produz efeitos no final de um mês do calendário gregoriano; g) A atrás citada “denúncia” efectuada pela 1.ª ré, para além de não obedecer às exigências da lei, os argumentos com os quais a 1.ª ré a pretendia fundamentar, não foram confirmados em sentença, nem o podiam ser, desde logo porque, a manutenção do abastecimento de água ao locado era contrário, a várias disposições legais. A saber: art.ºs 240º, nº 1, alín b); 280º, nº 1; 1386º, nº 1, alín a); 1078º, nº 2; e também 1037º, nº1, quando dispõe “...com excepção dos que a lei...”, todos do Código Civil. E ainda, DL 379/93, art.º 2, nº 2, de 5 de Novembro; DL nº 226-A/2007, art.º 42º, nº 3, de 31 de Maio; entre outros; h) Nem o apelante nem os apelados contestaram a veracidade dos documentos juntos aquando do aditamento à base instrutoria, nem contestaram a sua recepção pelo que desnecessário seria a obrigação de terem sido juntos os avisos de recepção; i) Pelo que tais documentos deveriam ter sido valorados e no sentido de provarem a matéria dos quesitos 13º a 19º; j) Por último não tendo os apelados feito prova do pagamento com recibos das rendas estas têm-se como não pagas; l) Foram violados entre outros os art.ºs 224º, nº 1, 342º, nº 2 ,763º, 785º, 783º, 1077º do Cód Civil, e art.ºs 653º e 668º; m) Aqui também se juntam 5 documentos para prova da matéria aqui alegada, pois os mesmos não foi possível a sua junção até ao encerramento da discussão.
Em suma; os apelados devem ser condenados no pedido formulado.
4.2. Não houve resposta.
5. Delimitação do objecto do recurso.
Em regra, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 684º, nº 2, final, cód proc civ). Na hipótese, esse segmento desfavorável emerge da conjunção do trecho sentencial propriamente dito com o complementar despacho que o rectificou (v fls. 414).[5]
As conclusões da alegação circunscrevem, porém, com maior especificidade, os assuntos postos em reapreciação, as concretas questões decidendas (artigos 684º, nº 3, e 660º, nº 2, cód proc civ).
O caso concreto, nesta conformidade, convoca os seguintes temas:
Em 1.º lugar, em termos de avaliação fáctica, dois assuntos; de um lado, o escrutínio da pertinência dos cinco documentos juntos às alegações de recurso, pelo apelante; de outro lado, o apuramento probatório dos ques 13º a 19º.
Em 2.º lugar, já em sede jurídica, o escrutínio do (eventual) efeito extintivo do contrato; apurar sobre se, afinal, o arrendamento persistiu e até quando.
Em 3.º lugar, ponderando os valores ajustados da renda e das actualizações, das vicissitudes da respectiva entrega e das imputações, conhecer o saldo final da dívida, a esse título, ao senhorio. Em suma; tudo para concluir acerca do mérito (ou demérito) do acto recorrido quando, a respeito da resolução e do despejo, equacionou haver inutilidade superveniente da lide e, a respeito de rendas em dívida, fixou-as no valor total de 1.520,00 €.
II – Fundamentos
1. A junção (pelo apelante) de (cinco) documentos. O apelante, em apoio da alegação de recurso, anexa cinco documentos; justificando não ter sido possível a junção até ao encerramento da discussão.
Consistem tais documentos em missivas trocadas entre as partes com datas entre Jun 2009 e Out 2009 (docs fls. 389 a 400) e, bem assim, em uma participação policial em que é denunciada a apelada esposa, com data de Out 2009 (doc fls. 388 e 401).
Vejamos. A junção de documento, em sede de recurso, cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão, tem um cariz estritamente excepcional (artigos 693º-B, início, e 524º, nº 1, cód proc civ). Na nossa óptica, ela não comporta uma qualquer (acrescida) faculdade complementar probatória, que seja concedida à parte, de aditar (mais) algum elemento a subordinar à livre avaliação do juiz; mas, ao invés, visa viabilizar a alteração de facto enquadrada pelo artigo 712º, nº 1, alínea c), do código de processo; quer dizer, mediante o aparecimento de documento novo e superveniente que, só por si, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. Ademais disso; na hipótese, a tabelar invocação de impossibilidade prévia mostra-se vazia de conteúdo; ficando por conhecer as razões exactas da causa abstractamente invocada. E essa carência de substanciação seria sempre idónea a comprometer, e decisivamente, a eficácia da prova documental visada.
Em suma; por todas as razões, os (cinco) documentos que apoiam a alegação de recurso não comportam tipo de eficácia algum; e essa impertinência torna inócua a sua apresentação, sem reflexo no escrutínio dos temas decidendos.
2. A reapreciação dos factos contidos nos ques 13º a 19º. O apelante manifesta a sua discordância pela resposta (negativa) dada aos ques 13º a 19º da base instrutória invocando haver documentos (missivas) aceites pelas partes e conducentes à prova dos factos neles contidos.
Vejamos.
Os ques 13º a 16º correspondem à transposição do alegado pelo apelante nos artigos 5º a 8º da petição inicial; e visam reflectir, do nosso ponto de vista, o esclarecimento da dúvida consistente em saber se as entregas da inquilina visavam, por feitas fora do tempo próprio, a satisfação (apenas) das rendas ou se (além disso) também a indemnização igual a 50% delas. Este o tema aqui controverso. O tribunal recorrido, para lá do já apurado, deu resposta negativa a estes quesitos. Cremos que bem. O assunto é merecedor do dissenso das partes. E na óptica de tema relevante a questão seria a de apurar sobre se algum compromisso houvera, expresso ou tácito, pelo qual os valores entregues eram destinados a satisfazer a um ou a outro de tais créditos; afinal, se o senhorio compactuara em ver realizado o seu interesse, preenchendo os débitos das rendas através do que ia recebendo da inquilina; ou se, ao invés, com mais rigor, jamais prescindira da reparação da mora da locatária. Ao apelante competia persuadir desta derradeira alternativa;[6] em modo claro e constante; coisa que não consegue, mesmo assumindo como reais e verdadeiras as missivas a que se reporta (docs fls. 323 a 337); e que na conjunção com outros instrumentos (docs fls. 27 e 28) dão a este respeito sinais algo equívocos.[7] Em suma; não nos parece, neste particular, primordial o pormenor da desvalorização probatória (documental) que o apelante critica ao tribunal recorrido. Mais importante se nos afigura assentar que, realmente, as rendas apenas iniciaram a ser pagas em Dez 2007, e o foram sempre até Mai 2009, à razão de 600,00 € por cada mês, aspecto questionado nos ques 13º a 15º, mas já evidenciado na alínea h) mat assente, a que adiante nos referiremos; e portanto impassível de (outra e nova) (re)avaliação probatória (artigo 646º, nº 4, cód proc civ). Ainda que se não evidencia minimamente algum compromisso (expresso ou tácito) de satisfação indemnizatória pela via do reiteradamente recebido.[8] Por fim que a imputação feita pelo senhorio, que transparece do ques 16º, mais do que facto jurídico, se nos afigura como ilação a obter das circunstâncias envolventes; e de cujo o acerto a ponderação do direito ditará.
Os ques 17º a 19º correspondem à transposição do alegado pelos apelados nos artigos 43º, 44º e 48º a 50º da contestação; e reflectem o seu ponto de vista, como inquilinos, de que embora tendo-lhes sido comunicada a actualização das rendas, que as alíneas f) e g) mat assente atestam, entenderam não ser devida e, por isso, não terem de a satisfazer. No essencial a tradução de uma realidade a que ambas as partes anuem, consensualmente; a de que houve sempre controvérsia acerca da actualização e de que a inquilina jamais a admitiu. Então, e neste particular, ainda com a especificidade de se tratar de circunstância que o próprio apelante visa ver reconhecida; em muito já reflectida na matéria de facto assente; e, por essa óptica, impassível de (re)apreciação (cit artigo 646º, nº 4). Note-se que a carta aludida no trecho inicial do ques 17º é a reflectida na alín f) (e que se articula com o artigo 10º da pet inic; ajustando este a renda actualizada devida para o mês de Mar 2008, e não já para Jan 2008, mencionado na missiva) (doc fls. 313). O conteúdo do ques 19º só reflecte a carta da alín g) (doc fls. 318). Por fim, que os apelados não pagaram a actualização (que é o perguntado no ques 18º), até transparece dos valores de entregas que fizeram; permitindo aferir-se da justificabilidade dessa postura apenas em quadro normativo. Ou seja, e em suma; só se detectando omissão, verdadeiramente, no trecho final do ques 17º, a respeito da resposta escrita enviada pela inquilina; esta documentada (doc fls. 315 a 316) e não impugnada (v fls. 322). Permitindo então inferência de prova plena (artigo 376º, nº 1, início, cód civ); e, decorrentemente, a selecção, como apurado, do facto destinado a certificar (artigo 44º contestaç). Com o esclarecimento, porém, de não por via de uma qualquer (re)avaliação de prova; ao invés, por via do escrutínio de um facto (novo) que, por razões de um maiorrigor e clarificação, agora se adita (artigos 713º, nº 2, final, e 659º, nº 3, início, cód proc civ).
Concluindo, então, neste tema decisório.
Não se alteram as respostas (negativas) dadas no tribunal recorrido aos ques 13º a 19º da base instrutória. Apenas se adita, ao elenco dos factos provados, um outro que é evidenciado em documento, e a que se atribui a seguinte redacção:
«À carta da senhoria, mencionada na alín f), respondeu a inquilina, em escrito registado, esclarecendo, além do mais, a exigência de comunicação da actualização com a antecedência mínima de 30 dias e, portanto que a “renda actualizada para os 410,00 € propostos só pode vigorar a partir de Março de 2008” (doc fls. 315 e 316).»
3. A discriminação dos factos provados. É, então, o seguinte o acervo dos factos provados, de sustento à apreciação normativa do litígio; obtidos do julgado pelo tribunal recorrido (pontualmente ajustado) e com o aditamento do facto referenciado; agora, organizados por uma ordem que se crê (mais) lógica e cronológica.
i. Entre E… e a 1.ª ré foi celebrado um acordo nos termos do qual aquela cede o gozo, uso e fruição do r/c, destinado a comércio, do prédio urbano, sito na Rua … nº …, da freguesia de …, concelho de Santo Tirso, inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 2119 (anterior artigo 471) – alínea a) matéria assente. ii. O arrendamento destinava-se a comércio a retalho de géneros alimentícios pela ré – alínea d) matéria assente. iii. Pelo uso e fruição do referido r/c, a ré pagava mensalmente à senhoria e no 1.º dia útil de cada mês a que respeitava, uma renda de 400,00 € – alinea c) matéria assente. iv. Nos termos do acordado, a ré obrigou-se a prestar uma caução a favor do senhorio no montante igual a dois meses de renda mensal devidamente actualizada – alínea e) matéria assente. v. O referido acordo foi reduzido a escrito em 30 de Janeiro de 2007, tendo início o arrendamento em 1 de Março de 2007 – alínea b) matéria assente. vi. O autor adquiriu o imóvel dado de arrendamento por doação de E…, através de escritura pública efectuada a 9 de Novembro de 2007 (doc fls. 108 a 111). vii. A senhoria, em Janeiro de 2008, solicitou à ré o aumento legal da renda, notificando-a por carta registada com AR, que esta recebeu em 9 de Janeiro de 2008, cujo aumento seria referente ao mês de Março de 2008, passando a renda a ser de 410,00 € – alínea f) matéria assente. viii. À carta da senhoria, mencionada na alín f), respondeu a inquilina, em escrito registado, esclarecendo, além do mais, a exigência de comunicação da actualização com a antecedência mínima de 30 dias e, portanto que a “renda actualizada para os 410,00 € propostos só pode vigorar a partir de Março de 2008” (doc fls. 315 e 316). ix. Novamente por carta registada com AR, enviada pelo autor em 22 de Outubro de 2008 e recebida pelos réus, foi solicitado o aumento da renda para o ano de 2009, cuja nova renda seria de 422,00 €, a pagar a partir de Janeiro de 2009 – alínea g) matéria assente. x. Entre Dezembro de 2007 e Maio de 2009, os réus pagaram a E… 600,00 € mensalmente – alínea h) matéria assente. xi. Em 8 de Junho de 2009, os réus enviaram um cheque de apenas 400,00 € ao senhorio, tendo-o este recusado e devolvido por carta de 9 de Junho de 2009 – alínea i) matéria assente. xii. Em 7 de Julho de 2009, os réus enviaram ao autor um cheque de 800,00 €, que o autor recebeu – alínea j) matéria assente. xiii. Em 2009, o autor cortou a água que servia e abastecia o estabelecimento dos réus desde o inicio do contrato, deixando os réus de ter água fornecida pela senhoria – resposta ao quesito 4º, segmento inicial, da base instrutória. xiv. Tal água provinha de um poço existente num terreno contíguo ao imóvel descrito na alínea a) matéria assente, e que pertencia ao autor – resposta ao quesito 4º, segmento intermédio, da base instrutória. xv. O imóvel é servido por rede pública de água (ainda que esta não estivesse ligada) – resposta ao quesito 4º, segmento final, da base instrutória. xvi. Com o corte de água, os réus ficaram impedidos de assegurar a higiene e limpeza do estabelecimento, facultar o uso dos sanitários e de lavar as mãos – resposta ao quesito 6º da base instrutória. xvii. Em 30 de Outubro de 2009, os réus desocuparam definitivamente o estabelecimento e enviaram as chaves do mesmo ao autor que as recebeu – resposta ao quesito 5º da base instrutória. xviii. A ré encontra-se desempregada, não se vislumbrando, para ela e para já, qualquer ocupação profissional – resposta ao quesito 9º da base instrutória. xix. O que lhe tem trazido um acrescido nervosismo que a deixa por vezes hiper activa e, por outras, em profunda depressão – resposta ao quesito 10º da base instrutória. xx. Obrigando-a a recorrer algumas vezes a médicos e a tratamentos medicamentosos – resposta ao quesito 11º da base instrutória. xxi. O que é consequência também da vergonha e vexame que passou pelo facto de não ter conseguido vingar o negócio que fora o sonho de sua vida – resposta ao quesito 12º da base instrutória.
4. O mérito (jurídico) do recurso.
4.1. Em óptica jurídica, um tema circunscrito pelo apelante é o da extinção do contrato de arrendamento, que o uniu, como senhorio, à apelada esposa, como inquilina.
Sobre esta matéria ponderou assim a sentença recorrida:
«Resultou provado que, em 30 de Outubro de 2009, os réus desocuparam definitivamente o estabelecimento e enviaram as chaves do mesmo ao autor, que as recebeu.
Há que concluir, assim, que as partes revogaram nesse momento o contrato de arrendamento em causa, pelo que se extingue, por inutilidade superveniente da lide, a instância quanto ao pedido de resolução do contrato de arrendamento descrito na alínea a) da matéria de facto assente. »
O apelante critica esta ilação. Cremos, pese embora, à luz dos factos e das circunstâncias que outra não podia ter sido a decisão. Vejamos. O facto da desocupação do espaço, do envio e do recebimento das chaves, resulta acertado na resp ques 5º da base instrutória e não foi impugnado. A jurisprudência correntemente alia esse tipo de factualidade à extinção do contrato por revogação real.[9] E a lei concede a indispensável cobertura (artigos 1079º, início, e 1082º, cód civ).
No caso, nem outra hipótese é concebível; desde logo enquanto o próprio apelante certifica e documenta [10] ter no dia 31 Out 2009 apresentado denúncia policial contra a apelada esposa por a ter encontrado no espaço locado, a retirar benfeitorias pertencentes ao imóvel.
Mas ademais disso. O tema fora já fundamentadamente abordado no acórdão da Relação do Porto de 9 de Janeiro de 2012, proferido no processo (v fls. 280 a 290); onde impressiva e inequivocamente se escreveu:
« … à luz desta factualidade há que concluir que as partes revogaram naquele momento o contrato de arrendamento em crise.
(…)
… esta revogação materializou-se e consumou-se com a entrega das chaves e do arrendado ao autor e com o posterior recebimento de tais elementos por banda do autor, revogação esta que, no fundo, enforma a denominada revogação real e que, por isso, é perfeitamente válida e eficaz.
(…)
Na verdade, o apontado acto – entrega das chaves com desocupação do arrendado e posterior recebimento daqueles pelo senhorio – tem que ser interpretado e entendido no sentido de que, com ele, as partes quiseram de mútuo acordo, pôr termo, naquele momento, ao contrato de arrendamento … .
(…)
… é certo e seguro que por força dos factos dados como provados … o contrato de arrendamento em crise extinguiu-se em 30 de Outubro de 2009, depois portanto da instauração desta acção … .
Daí que tal circunstância de facto possa e deva ser atendida, tudo nos termos das disposições conjugadas do nº 1 do artigo 663º do C.P.Civil e nº 2 do artigo 713º do mesmo diploma legal.
Desta sorte, e em função do ora exposto, estando o contrato de arrendamento extinto, por revogação real, à data da prolação da sentença recorrida não era necessário nem faz sentido falar-se ou decidir-se pela resolução do apontado contrato, pois que, como é bom de ver, a resolução do contrato pressupõe a sua existência. »
O primordial desta argumentação é, naturalmente, de acolher. No essencial, a ideia de que o contrato de arrendamento cessou, extinguiu-se, com efeitos a 30 Out 2009; e por via do mecanismo extintivo da revogação,[11] não de um outro qualquer (no particular, de uma pretensa denúncia).
O acórdão transitou com efeito. E será verdade no rigor das coisas que o alcance do caso nele julgado (meramente anulatório) não atingirá aquele segmento de argumentação.[12] Mas mal se compreenderia, até por uma questão de harmonia, que num mesmo caso judicial, e dentro do mesmo processo, um mesmo assunto pudesse merecer (com razoabilidade) ponderações divergentes;[13] tanto mais quando, como até já dissemos, o enquadramento que naquele se fez vai ao encontro daquela que é a jurisprudência habitual dos nossos tribunais.
Em suma; o contrato findou, revogado, em 30 Out 2009.
E essa cessação comporta o natural alcance de o interesse do senhorio quando, na acção, pedira a extinção (embora por resolução) e o despejo, se mostrar, nesse particular, já satisfeito. Evidencia-se que o resultado substancial visado, e que na óptica adjectiva justificou a interposição da acção, já se atingiu; e que esse objectivo se realizou na respectiva pendência – situação que, exactamente, do ponto de vista do processo, adere à figura da inutilidade superveniente da lide, aludida no artigo 287º, alínea e), cód proc civ.[14]
Extinto o contrato perdem-se naturalmente todos os efeitos a que era vocacionado. E mesmo a projecção, pelo atraso na restituição visada no artigo 1045º cód civ não opera, enquanto o senhorio já tem domínio sobre a coisa arrendada.
É este o mote para o tema seguinte; posto que apenas até à data extintiva (30 Out 2009) se podem mostrar devidas rendas a entregar pela inquilina.
4.2. O assunto do saldo final em dívida afigura-se-nos o primordial.
Vejamo-lo; iniciando pelo que há de certo em que se possa assentar.
O arrendamento iniciou em Mar 2007 e findou em Out 2009 (alín b) e resp ques 5º). A renda foi a de 400,00 € até Fev 2008, de 410,00 € de Mar 2008 a Dez 2008 e de 422,00 € em diante (alíns f) e g) e doc fls. 315 e 316).[15] A inquilina pagou, entre Dez 2007 e Mai 2009, a quantia de 600,00 € por cada mês (alín h)); e em Jul 2009 entregou mais 800,00 € (alín j)).
Estes os acertados pressupostos.
Questiona a sentença recorrida, na sequência do acórdão da Relação, a que dizem respeito essas entregas;[16] e responde:
« Não resultou provada qualquer explicação para tal pagamento.
Entendemos, atenta tal falta de prova, que não podemos presumir que os réus pretenderam proceder ao pagamento das rendas em atraso e da indemnização prevista no artigo 1041º, nº 1, do Código Civil, porquanto teria esta indemnização que ter sido expressamente exigida pelo autor e expressamente satisfeita pelos réus.
Assim, concluímos que tal quantia se destina ao pagamento das rendas, pois eram os únicos créditos que resultam da matéria de facto provada. »
Sendo com base neste raciocínio que encontra o volume (final) de rendas em dívida na quantia de 1.520,00 €.
Iríamos um pouco além no raciocínio de alicerce; e, em face da inconcludência factual, diríamos que, superando um patamar de presunção acerca do crédito que cada entrega se terá destinado a preencher, mais importará saber se agiu bem o senhorio ao imputar tais entregas exactamente e além do mais a um crédito indemnizatório de 50%, que entende ser-lhe devido.[17] Isto é; o que se nos afigura ter de apurar ésaber, à luz dos factos e circunstâncias, se efectivamente há, ou não, aquele crédito acrescido, a par das rendas; certo que, havendo-o, bem fez o senhorio ao operar as imputações, mas, não o havendo, ficando a persistir (em princípio) as ilações da sentença.
Vejamos então o que se nos afigura acerca do inaudito caso.
As entregas da inquilina ao senhorio completam o volume de 11.600,00 € (18 meses x 600 € + 800 €).
Mera operação aritmética permite intuir que, na petição, foi este o raciocínio do apelante. Entendendo devida a indemnização (de 50%) sobre todas as rendas, fez imputações que esgotaram o capital em Jul 2008, permitindo ainda liquidar parte de Ago 2008, deste ficando por satisfazer (apenas) 110,00 €. Acrescendo a esta fatia de Ago 2008, os valores de renda, agora sem indemnização, de Set 2008 a Dez 2008 (4 meses x 410 €) e de Jan 2009 a Out 2009 (10 meses x 422 €), acede-se ao seu pedido (inicial) de 5.970,00 €.
Claro está que a exclusão dos 50% indemnizatórios permitiria ter imputado a maior número de rendas as quantias; e, dessa maneira, alargar o número delas atingidas por satisfação; comprimindo então o crédito do senhorio.
É também intuitiva a intenção do apelante quando esgota todo o capital em rendas e indemnização; e peticiona, em dívida, as rendas em singelo. Como é jurisprudência corrente, em quadro de mora do locatário (artigo 1041º, nº 1, cód civ), a posição do locador impõe-se em alternativa: ou exige as rendas em atraso e a respectiva indemnização (igual a 50% do que for devido) ou opta pela resolução do contrato, mas neste último caso sem poder peticionar a referida indemnização.[18] Optando o apelante, enquanto pôde aproveitar o capital entregue, pela primeira alternativa; optando pela segunda, no restante, tanto mais que ao menos parte de Ago e todo o Set 2008 em diante (até quando propôs a acção) estava em incumprimento, viabilizando-lhe o direito potestativo resolutório.[19]
Bem diferente foi a óptica (inicial) dos apelados. Alegaram eles um acordo de pagamento mediante o qual, com início em Dez 2007, entregariam, com a renda do mês, mais 200,00 €, com destino a amortização do devido (as rendas entre Mar e Nov 2007, insatisfeitas). E, de facto, esta tese tem harmonia com o procedimento que assumiram – como nunca aceitaram qualquer actualização,[20] a entrega total de 10.800,00 €, que fizeram até Mai 2009 (27 meses x 400 €), preenchia todo o débito, devendo iniciar em Jun 2009 a entrega de renda em singelo; o que vai encontro da sua entrega, nesse mês, de (apenas) 400,00 €; mas que o senhorio recusou (alín i)) (evidenciando a divergência já latente acerca das condições adequadas de realização do cumprimento); como ainda da entrega em Jul 2009 do cheque de 800,00 € (2 meses x 400 €), este já aceite (alín j)).
Seja como for, esta tese foi rejeitada, não apurada (resp negativas aos ques 1º e 2º); transportando, para a esfera da inquilina, o desfavor da dúvida.
Curioso, porém, notar o seguinte, que os autos indiciam.
É certo que a inquilina fez a primeira entrega, de 600,00 €, no mês de Dezembro de 2007. O recibo dessa entrega consta no processo (doc fls. 27);[21] e o seu teor evidencia (escrito) ser a quantia relativa “ao mês de Março e 50% Abril / 07”. As entregas mensais de 600,00 € prosseguiram até Maio de 2009 – não se discute. Ora, também o recibo, concretamente, de Abril de 2008,[22] consta no processo (doc fls. 28); e neste ainda e impressivamentese escreveu ser entrega (por cheque, aliás identificado) relativa “ao mês de Setembro / 2007 e 50% de Outº / 2007”. A mera contabilização permite suspeitar de uma distribuição (imputação) lógica e correspectiva; isto é, 600 € Jan 2008 para 50% Abr e Mai 2007; 600 € Fev 2008 para Jun e 50% Jul 2007; e 600 € Mar 2008 para 50% Jul e Ago 2007. Quer dizer, sem sombra de indemnização alguma: (1.º) naqueles recibos, com toda a certeza; (2.º) no mais, com um nível muitíssimo razoável de probabilidade. E se a isto acrescentarmos a carta, dirigida à inquilina, datada de 4 Dez 2007 (num tempo ainda carente de qualquer entrega) onde impressivamente se lhe propõe “para evitar a acção de despejo por falta de pagamento de rendas … o seguinte … pagamento das rendas em débito no montante de € 4.400,00, em prestações mensais de € 200,00, cada uma, vencendo-se a primeira no corrente mês de Dezembro no dia 8, a pagar conjuntamente com a renda do mês respectivo” (doc fls. 115 a 116), floresce uma fundadíssima suspeita – a de que, pelo menos num tempo inicial (presumivelmente ainda persistente em Abr 2008), se não contabilizaram quantias algumas por via do acréscimo indemnizatório de 50% previsto para a hipótese da mora do locatário; antes, e ao invés, se permitindo configurar a satisfação do locador pelo ancoramento das entregas do dinheiro ao crédito (apenas) de rendas.
Dito isto. É indiscutível o regime da mora do locatário tal como se contém nos normativos do artigo 1041º do Código Civil. Mas esse regime enquadra-se no panorama global do direito privado e das obrigações; onde, transversalmente, enformam princípios fundantes, com realce para a autonomia da vontade privada e para a boa fé (artigos 405º, 406º, nº 1 ou 762º, nº 2, cód civ).
Se, ao menos, em Dez 2007 e em Abr 2008 se ancoraram os 600,00 € em cada ocasião entregues (apenas) a crédito de rendas, como aceitar mais tarde (designadamente por ocasião da acção judicial) a imputação desses mesmos valores, em parte, à indemnização moratória? [23]
Permite-se suspeitar de alguma incoerência neste modo de proceder.[24]
Ademais; não estaria o locador ad eternum limitado nos seus direitos substanciais e, designadamente, a dado passo, de poder (passar a) exigir, efectivamente, a sua indemnização moratória, concedida pela lei. Esta opção é indiscutível.[25] Mas, se assim é, também nos parece, neste quadro de equivocidade,[26] que a ele competiria esclarecer então, no período posterior a Abr 2008 [27] e até Set 2008,[28] desde quando é que operou essa sua (concludente) vontade; também nos parecendo que, a existir, uma tal inversão de atitude, se imporia, por exigências de boa fé, a respectiva comunicação à inquilina, sua devedora. Isto é, agora em tema de ónus probatório sobre esse assunto, constituído de convencimento suficientemente apoiado e sólido; e sem o qual a operacionalidade da dúvida a desaproveitar-lhe e a desfavorecê-lo (ao locador)
Que colher, então, de razoável, a partir de um quadro assim formulado?
Dissemos ser, para nós, impressiva a questão de saber se, neste concreto, o senhorio teve, ou não, crédito indemnizatório (incumprido);[29] daí decorrendo o ajustado da sua conduta de imputação de quantias a esse crédito.
Sem embargo do regime legal, o que temos por sensato concluir, no quadro de equivocidade, é subsistirem indícios permitindo inferir que, em panorama executório do contrato de arrendamento em causa, se não teve por exigência segura a indemnização moratória à locatária; quer dizer, que o senhorio foi prescindindo (renunciando) de a equacionar (de lhe dar quitação); sem conseguir demonstrar, no entretanto, a sua alteração de intenções. Por conseguinte, e em apelo à prioritária autonomia da vontade privada, que se não teve esse crédito, ao menos no imediato, por necessário à realização do respectivo interesse;[30] situação que em quadro de boa fé não pôde deixar de persistir, indemonstrada que fosse alguma inversão.
Mostra isto que nos aproximamos da óptica assumida pela sentença recorrida; e em afastamento do ponto de vista propugnado pelo apelante.
Também nós pensamos que se o valor (completo) das rendas, em toda a execução contratual, é o de 13.120,00 €, entre Mar 2007 e Out 2009 (12 meses x 400 € + 10 meses x 410 € + 10 meses x 422 €) e se as entregas da inquilina, entre Dez 2007 e Jul 2009, totalizam 11.600,00 € (18 meses x 600 € + 800 €), o crédito do apelante não supera o volume de 1.520,00 €.[31] Crédito concernente apenas a rendas;[32] e que, aliás, nem outro lhe poderia ser (agora) reconhecido, visto o pedido inicial que formulou.[33] Em certa óptica, persistindo a ideia de que, se substantivamente o (virtual) crédito indemnizatório comportava condições para se constituir, mas se o senhorio acertou no comportamento tido lugar, que se escrutinou, e se, no processo, ao configurar a pretensão da acção, elegeu apenas o crédito das rendas, sem mais (sequer a título de subsidiariedade), também a este (único) crédito circunscreveu a cognição judicial. Ao tribunal não cremos permitir-se declarar a realidade jurídica substantiva que a parte excluiu de lhe solicitar.
4.3. Em suma; tudo para concluir que a sentença recorrida merece ser confirmada; e que o recurso interposto não pode ser provido.
5. Responsabilidade pelas custas.
A sucumbência determina a atribuição do vínculo das custas e a respectiva medida (artigo 446º, nº 1 e nº 2, cód proc civ). Na hipótese, improcedendo o recurso,[34] é sobre o recorrente que carrega, e no seu todo, essa obrigação.
III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação emjulgar a apelação improcedente e ( não obstante o aditamento de um facto nos termos a seu tempo indicados ), tendo em conta a fundamentação exposta, em confirmar a sentença recorrida.
As custas são encargo, no seu todo, do apelante.
Porto, 22 de Abril de 2013
Luís Filipe Brites Lameiras
Carlos Manuel Marques Querido
José Fonte Ramos
_________________
[1] A acção foi interposta no dia 10 de Outubro de 2009 (v fls. 16). [2] A citação teve lugar no dia 14 de Outubro de 2009 (v fls. 17 e 18); e a contestação apresentada no dia 6 de Novembro de 2009 (v fls. 62).
[3] O encerramento da discussão teve lugar no dia 8 de Outubro de 2012 (v fls. 361 a 362), a decisão da matéria de facto no dia 18 de Outubro de 2012 (v fls. 363 a 364) e a sentença foi proferida no dia 12 de Novembro de 2012 (v fls. 365 a 371).
[4] O despacho complementar rectificativo foi proferido no dia 18 de Dezembro de 2012 (v fls. 414).
[5] O despacho rectificativo foi notificado às partes e, delas, não obteve reacção. Semelhantemente, também no tribunal de recurso nada se alegou a seu particular respeito (artigo 667º, nº 2, cód proc civ). Dúvidas não podem, portanto, subsistir acerca do alcance do objecto recursório.
[6] Ele sugerira o facto, favorável à sua pretensão; a prova consistente, pensamos, incumbia-lhe.
[7] A este assunto retornaremos adiante. De facto, cremos que os indícios não sustentam a tese de acordo com a qual houvera ajustada conduta, tacitamente acolhida por todas as partes, nos termos da qual haveria imputações de entregas a crédito indemnizatório gerado pela mora da locadora. Os indícios que existem, a nosso ver, confluem em sentido exactamente contrário.
[8] Acentuamos que não vemos instrumento que, com a concludência exigível, permita formular, a respeito desse virtual compromisso, e conscienciosamente, uma convicção probatória.
[9] Acórdãos da Relação de Lisboa de 9 de Março de 2004, proc.º nº 10796/2003-1, e de 10 de Dezembro de 2009, proc.º nº 2143/03.0TCSNT.L1-1, ambos em www.dgsi.pt.
[10] Em instrumento que, para efeitos probatórios, antes consideramos ineficaz; mas que, enquanto indiciador de uma postura processual da parte, nada impede que possa ser ponderado.
[11] Acerca da revogação, em especial como modo extintivo do contrato de locação, Pedro Romano Martinez, “Da cessação do contrato”, 2ª edição, páginas 330 a 333.
[12] Acerca do alcance (objectivo) do caso julgado, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 1 de Junho de 2006 na Colectânea de Jurisprudência ano XXXI, tomo III, páginas 108 a 110.
[13] Salvo, naturalmente, alguma anómala situação que evidenciasse algum tipo de erro crasso, ou então algum tipo de abordagem claramente ofensivo da sensibilidade ou consciência jurídicas.
[14] Sobre a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, “Código de Processo Civil anotado”, volume 1º, 1999, página 512.
[15] A sentença recorrida tem em conta estes valores, nela se escrevendo expressivamente que “os aumen-tos de renda referidos mostram-se de acordo com o disposto no artigo 1077º do Código Civil”. Esta ilação não foi impugnada; está assumida e assente.
[16] Reporta-se especificamente aos 600,00 € mensais; mas o mesmo raciocínio tem valor para os derradeiros 800,00 €.
[17] Referimo-nos, naturalmente, às imputações a que procedeu para efeitos de acção, na petição inicial, e que, a seguir, abordaremos.
[18] Acórdãos da Relação do Porto de 19 de Fevereiro de 2009 na Colectânea de Jurisprudência ano XXXIV, tomo I, páginas 233 a 236, e da Relação de Lisboa de 24 de Junho de 2010, proc.º nº 4476/07.7TVLSB.L1-8, este em www.dgsi.pt. Ainda, Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, volume II, 3ª edição, páginas 398 a 399; e Laurinda Gemas, Albertina Pedroso, João Caldeira Jorge, “Arrendamento Urbano”, 2ª edição, página 162.
[19] A respeito da distribuição do ónus da prova, relativa ao pagamento (ou falta) das rendas, e porque o apelante o invoca, ao menos no corpo da alegação, relembramos agora que o acórdão de 9 de Janeiro de 2012, proferido no processo, também o atribuiu em geral ao apelante, por ter “alegado a falta de pagamento de rendas com vista à resolução do contrato”.
É ao que cremos essa, também, a jurisprudência corrente (isto é, de que só o pagamento enquanto excepção peremptória faz carregar esse ónus ao devedor).
[20] Já para não falar em qualquer indemnização, completamente arredada desta óptica.
[21] O recibo está datado de 8 de Dezembro de 2007.
[22] Com data de 7 de Abril de 2008.
[23] Esta questão encerra o núcleo essencial do assunto. Afinal, o problema da diferente postura do senhorio; imputando apenas rendas em quadro de execução do arrendamento; imputando essas e a indemnização moratória em quadro de acção judicial. Inversão de conduta que nos parece inidónea.
[24] A razoabilidade, a sensatez, a normalidade, o que é corrente acontecer em termos de experiência sensível de vida, é um critério que não pode deixar de se mostrar presente, sempre, mais ainda em hipóteses dúbias e equívocas, como a vertente, só discerníveis pelo caminho dos indícios, das probabilidades e das presunções judiciais (artigos 349º e 351º do Código Civil).
[25] E aliás tem cobertura na lei (v artigo 1041º, nº 3, cód proc civ).
[26] E de real equivocidade quando, por exemplo, em 30 Jul 2007 se envia carta referindo o acréscimo de 50% (doc fls. 324) e, depois, como dissemos, se elabora proposta, suprimindo-o, em Dez seguinte; e, mais ainda, se emitem (pelo menos) os dois recibos de renda enunciados, em Dez 2007 e Abr 2008.
[27] Data, ainda, do impressivo recibo.
[28] Mês em que deixou de exigir a indemnização moratória, optando pelo direito resolutivo.
[29] Se, na sua esfera patrimonial, se constituiu e subsistiu efectivamente esse direito de crédito.
[30] Tome-se, como exemplo, a 1.ª entrega, de 600 € em Dez 2007, de que o próprio locador dá quitação por referência à renda (singela) de Mar e 50% de Abr (doc fls. 27). A imputação assim feita, gerada do próprio locador, não se afigura passível de mutação, mais tarde, mediante imputação ao crédito da indemnização. É raciocínio que temos por extensível, na carência de indícios divergentes, às subsequentes entregas; e em face dos critérios de razoabilidade a que, sucessivamente, nos vimos reportando.
[31] De notar isto ainda. As regras legais da imputação do cumprimento (artigos 783º a 785º cód civ) não se acham preteridas, meramente supletivo que é o seu carisma, e como resulta evidente do texto normativo que as contém.
[32] E sem juros de mora, que não foram pedidos (artigo 661º, nº 1, cód proc civ); embora o apelante pareça querê-lo sugerir, em dado trecho do corpo da alegação do recurso.
[33] E que, naturalmente, foi o das rendas em singelo, do seu ponto de vista, devidas, em parte de Ago 2008, e de Set 2008 até à cessação do contrato, como deixámos dito; tudo em quadro de pedido de resolução do contrato. O núcleo do tema decidendo, neste particular, ancorou-se, então, no escrutínio sobre a justeza do crédito indemnizatório (mas apenas) incidente nas rendas precedentes a Set 2008; justeza que não reconhecemos, como se evidencia.
[34] O facto aditado ao acervo dos provados (aliás, em contexto divergente do suposto pelo apelante) não teve a virtualidade de condicionar uma alteração da decisão final do recurso; e é este – o segmento (final) decisório – o determinante do decaimento.