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PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
CONVICÇÃO DO JULGADOR
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO
ERRO NOTÓRIO
Sumário
I - Pretendendo o recorrente estribar a impugnação da decisão da matéria de facto apenas na convicção diversa que formou sobre a credibilidade dos meios de prova, sem que sustentadamente mostrasse que a mesma violou qualquer regra da experiência comum, isso impede que dela se conheça: a valoração prevalecente é a do Tribunal recorrido, pois que não se vislumbra, nem os recorrentes invocam, que ao fazê-lo tenha violado qualquer regra da experiência comum. II - O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste tanto na contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, como também entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou até mesmo entre a fundamentação e a decisão. Ou seja, uma situação em que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados ou como não provados colidem inconciliavelmente entre si ou uns com os outros ou, ainda, com a fundamentação da decisão. III - Erro é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. E só é notório o erro ostensivo, evidente, que não passaria despercebido à generalidade das pessoas ou seria facilmente detetado por uma pessoa comum. Por isso mesmo já não aquele que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida.
Texto Integral
Processo n.º 1800/10.9TAVLG.P1
1.º Juízo Criminal do Tribunal de Valongo
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório.
B…., assistente, recorreu da sentença que absolvido o arguido C…. da prática, em autoria material, de um crime agravado de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punível pelo art.º 148.º, n.os 1 e 3 do Código Penal (com referência ao art.º 144.º, alíneas b) e c) do mesmo diploma legal) e da contra-ordenação prevista no n.º 4 do art.º 145.º, n.º 1, alínea i), por violação do disposto no art.º 103.º, n.º 2, ambos do Código da Estrada, pedindo que seja dada como não provada a matéria constante dos pontos 1 a 8 e 10 da mesma e como provados os factos constantes da acusação e este condenado pela prática daquelas infracções, em pena de multa, culminando a motivação dos recursos com as seguintes conclusões:[1] 1 – O presente recurso vem interposto da sentença datada de 4 de Julho de 2012, que absolveu o arguido da prática de um crime agravado de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos art.s 148 n.º 1 e 2 e art. 144 als. b) e c), ambos do Código Penal e da pratica de contra-ordenação prevista e sancionada pelos art. 103, n.º 4 e 145 n.º 1 al i) do Código da Estrada. 2 – Da matéria de facto, que ora se impugna, tendo em consideração a factualidade dada como verificada e os suportes técnicos juntos aos presentes autos e que a sustentam, importará de todo em todo, dizer-se que perante tal matéria fáctica, o Tribunal não poderia ter concluído, como o fez, pela absolvição do arguido. 3 – O Tribunal a quo não teve na devida conta as declarações das testemunhas D...., E.... e F...., nem valorou devidamente os documentos juntos aos autos (entre os quais fotografias, relatórios médicos e participação do acidente), os quais comprovaram objectivamente a matéria pela qual o arguido vinha acusado. 4 – Na verdade, teria andado bem o Tribunal se tivesse extraído e concluído da conduta do arguido a verificação de um crime agravado de ofensa à integridade física negligente, p. e p. pelos art.os 148.º n.º 1 e 2 e art. 144.º als. b) e c), ambos do Código Penal e da pratica de contra-ordenação previstas e sancionada pelos art.os 24. n.º 1, 25.º n.º 1, 103, n.º 4 e 145 n.º 1 al e) e i) do Código da Estrada. 5 – Pois, face à situação descrita, verifica-se ter ocorrido por parte do Tribunal a quo um manifesto e incontornável erro na apreciação e na valoração da prova. 6 – Com efeito, das declarações isentas, credíveis e sinceras das testemunhas D.... (prestadas em 31/05/2012 com inicio pelas 12:48:12 horas) E.... (prestadas a 14/06/2012 com início pelas 10:27:20) e F.... (prestadas em 14/06/2012, com início pelas 10:44:50 horas) e da analise cuidada dos documentos segundo critérios da experiência comum, facilmente se verifica que o arguido praticou todos os factos descritos na Douta Acusação Publica, e por isso andou mal a MM.ª Juiz a quo ao dá-los apenas parcialmente como provados. 7 – O arguido aqui recorrido e as demais testemunhas G...., H.... e I.... tiveram depoimentos pouco convictos, concertados, titubeantes e duvidosos, que mais procuraram defender o arguido que esclarecer a verdade e por isso não se deve dar-lhe qualquer credibilidade. 8 – Assim, as declarações das testemunhas D.... (prestadas em 31/05/2012 com inicio pelas 12:48:12 horas) E.... (prestadas a 14/06/2012 com início pelas 10:27:20) e F.... (prestadas em 14/06/2012, com início pelas 10:44:50 horas) e a prova documental produzida nos autos (auto notícia/participação do acidente, relatórios médicos, fotografias juntas) impunham uma decisão diversa da que ora se recorre. Vejamos: 9 – A matéria constante dos pontos 1 e primeira parte do ponto 2 dos factos provados na Douta Sentença, está em contradição com a prova produzida em audiência, nomeadamente as declarações da testemunhas D...., E...., F...., e do próprio arguido. Cfr: declarações do arguido do dia 10/05/2012 pelas 12:24:03 horas minuto 01:40: “Vi os 3 miúdos”, declarações da testemunha D...., em 31/05/2012 com inicio pelas 12:48:12 horas. Perguntado: O D.... estava com o B.... na altura do acidente? Testemunha: Sim, sim. Eu e o B.... íamos a olhar para ver se vinha algum carro. Cfr declarações da testemunha E...., em declarações prestadas a 14/06/2012 com início pelas 10:27:20. Perguntado: “Lembra-se exactamente do que aconteceu? Testemunha: Vinhamos da escola, não me lembro que hora, eu mais a Rapariga que está lá fora, a F...., o D…. e o B.....” Cfr Declarações da testemunha F...., em declarações prestadas em 14/06/2012, com início pelas 10:44:50 horas: Perguntada:” A F.... assistiu ao acidente? Testemunha: Sim. MP: Conte-nos o que aconteceu naquele dia? Testemunha: Estavamos a vir da escola, a escola já tinha acabado. Eram cerca das 6,00 horas. Estavamos a vir, então vinha eu, o meu amigo D…. e o E.... e o B.... vinha mais á frente” Outras testemunhas: também referem que os B.... estava acompanhado de outros miúdos, que estavam de frente para a passadeira e viram o acidente. Cfr: auto da participação do acidente, elaborado no local. Que demonstra quem foram as testemunhas presenciais. A MM. Juiz do tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação destas declarações, impondo tais declarações que a matéria dada como provada nos pontos 1 e 2 (1.ª parte) da Douta Sentença seja alterada para: “ - No dia 22 de Abril de 2010, por volta das 18.15 horas, o arguido conduzia o seu automóvel ligeiro de passageiros com a matricula “..-..-GB” na Estrada Nacional n.º 15, ao Km 10,6, em Campo, Valongo, no sentido Porto - Paredes. - Na mesma ocasião caminhava na berma da aludida via o assistente B...., acompanhado de outros amigos.” 10 – De igual modo, a matéria constante dos pontos 2 (2.ª parte) a 5 dos factos provados da Douta Sentença, está em contradição com a prova produzida em audiência, nomeadamente as declarações da testemunhas D.... D...., E...., F...., auto noticia da GNR e documentos anexos. Cfr: declarações do Arguido refere que a GNR de Penafiel tomou conta da ocorrência, elaborou auto que se encontra junto como prova. Cfr: participação do acidente elaborado pela GNR e documentos anexos recolhidos no dia dos factos. Cfr declarações da testemunha D.... D...., em 31/05/2012 com inicio pelas 12:48:12 horas. Perguntado: O D.... estava com o B.... na altura do acidente? Testemunha: Sim, sim. Eu e o B.... íamos a olhar para ver se vinha algum carro. MP: O que aconteceu? Conte com pormenor? Testemunha: Do que me recordo, eu e o B.... íamos a olhar para ver se vinha algum carro, e o carro ainda vinha a alguma distância da passadeira e enquanto vai o B...., vai o condutor e ele tentou dar a volta e ao tentar dar a volta a ele acertou-lhe na anca e foi que o B.... caiu e bateu com a cabeça. - Minuto 1,54 MP: A que ponto da travessia da passadeira estava o B....? Testemunha: No inicio. MP: Estava ao lado dele? Olharam para ver se vinha o carro Cfr declarações da testemunha E...., em declarações prestadas a 14/06/2012 com início pelas 10:27:20. Perguntado: “Lembra-se exactamente do que aconteceu? Testemunha: Vínhamos da escola, não me lembro que hora, eu mais a Rapariga que está lá fora, a F...., o D… e o B.....” MP: Como aconteceu o Acidente: Testemunha: Quando ele estava a entrar veio o carro, eu vi o carro, chamei por ele, só que ele não teve tempo de sair da passadeira. MP: Quantos passos da passadeira já tinha percorrido? Testemunha: cerca de um metro, metro e meio. …. Testemunha: eu ainda estava atrás, não tinha começado a entrar, porque ele ia mais ou menos 3 metros à minha frente. Depois vi o acidente. Vi o carro a aproximar-se. Disse para ele se afastar. Testemunha refere: que não sabe a velocidade. Não tem a noção se abrandou. Refere a testemunha que viu o carro, que estava a olhar para o carro, gritei para sair e o carro bateu nele. Refere que a testemunha estava de frente. Exemplifica onde foi atingido “deste lado”. … . MP: Na sua optica o acidente deveu-se a quê? Testemunha: Não sei se calhar a falta de distração. MP: Atribui à distração do condutor? Testemunha: Sim. 5:35 minutos: A testemunha referiu ainda que: o veiculo não parou totalmente e que o condutor não conseguiu parar o carro no espaço visível que tinha à sua frente. Refere 9:45 minutos: refere que viu o carro a 10/15 metros e que o B.... estava a começar a andar na passadeira Refere que vinham juntos. … viu que estava já dentro da passadeira no momento do embate. Advogado: Ele ia distraído? Testemunha: Não. Advogado. Se não ia distraído qual a necessidade de chamar à atenção? Testemunha: porque o carro ia a andar depressa em relação a …, aproximar-se da passadeira. Advogado: Andar depressa? O que é andar depressa? Testemunha: não era andar muito depressa, mas sem parar. Não abrandou, manteve sempre a velocidade. Refere: que ia para aí a 20 Km, mas não sabe bem e que o carro depois do embate ficou em cima da passadeira. Refere que o carro parou quando embateu Refere que no café havia pessoas mas na passadeira não. Cfr Declarações da testemunha F...., em declarações prestadas em 14/06/2012, com início pelas 10:44:50 horas: Perguntada:” A F.... assistiu ao acidente? Testemunha: Sim. MP: Conte-nos o que aconteceu naquele dia? Testemunha: Estávamos a vir da escola, a escola já tinha acabado. Eram cerca das 6,00 horas. Estávamos a vir, então vinha eu, o meu amigo D…. e o E.... e o B.... vinha mais á frente” Depois o carro veio e atropelou-o, bateu aqui nele, de lado. Quando olhei já estava a ser atropelado, a cair no chão. Refere que também já ia a atravessar e que estava a olhar para o carro. 1: 52 minutos MP: Quanto é que o B.... já tinha avançado na passadeira? Um metro? Dois metros? Testemunha: do lado que a gente vinha tem o meio da passadeira, um pouco mais para aí um metro, para aí um metro e meio. Não sei. Testemunha refere “ Como eu estava a olhar para o carro para passar, o carro só abrandou quando bateu nele, tem lá as marcas dos pneus.. A testemunha refere que o carro vinha “ para aí um 30, 25 Km. Minuto 3:31 MP: Viu se ele parou? Testemunha: Não. Ele não parou. MP: Nem abrandou. Testemunha: Não. Só quando bateu. MP: Ele fez algum desvio para tentar desviar-se do rapaz ou seguiu sempre em frente. Testemunha: No momento em que bateu, obviamente que tentou. MP: Mas só aí? Testemunha: Claro. 3:40 minutos. A testemunha refere que o B.... não vinha a falar com eles e que acha que vinha atento. Refere que depois do embate o B.... “foi assim mais ou menos pelo ar e depois caiu no chão. O carro bateu-lhe aqui ele virou e depois bateu com a cabeça no chão.” MP: Mas ir assim pelo ar muitos metros ou foi só um bocadinho? 04:41 minutos testemunha: foi cerca de um metro pelo ar. MP: Foi embatido e caiu. Testemunha: Sim. … MP: E o carro também se imobilizou ali? Testemunha: Sim, no momento que embateu o Sr. travou. Advogado do assistente: Parou no sitio onde bateu? Testemunha: Não, não. O carro andou mais … A testemunha confrontada com as fotografias de fls 107 e ss refere que é o carro e que ficou nessa posição 6:10 minutos. Refere que da parte dela só estavam eles e que a GNR só os identificou a ela, ao E.... e ao D…. Refere a instancias do Advogado do arguido que só o rapaz estava a atravessar a passadeira Advogado: a possibilidade do embate, em que altura? Testemunha: Foi no momento em que estava mesmo a ser atropelado. Quando ouvi o barulho, também ouvi o carro a travar e ele foi pelo ar e caiu no chão. A testemunha referiu que tentou avisar o B.... no memento em que foi atropelado. Refere que o carro nunca parou e que só diminuiu a velocidade no momento em que bateu. Refere que parou ainda na passadeira. Testemunha: bateu nele com a parte da frente do carro, ele estava ali. Ele bateu a meio da passadeira. E exemplifica. Minuto 11:22 A testemunha diz que a parte de trás ficou em cima da passadeira e a da frente fora e que os dois ou três metros que andou diz que foi desde onde o carro entrou na passadeira até que saiu. Advogado: Falaste em marcas dos pneus? Testemunha: No momento ficaram marcas dos pneus. Advogado. Resultantes da travagem? Testemunha: Sim, sim. … Advogado. Ele avançou para a passadeira de frente ou de costas? Minuto 13:27 Testemunha: Eu quando notei ele ia de frente, ele de costas não ia, porque o carro bateu-lhe aqui, no momento em que olhei para ele o carro estava a bater-lhe aqui. Advogado: estamos a falar da parte esquerda da anca. Testemunha: sim. Advogado: O carro sem alterar a sentido que levava ou tentou contorná-lo? Testemunha: no momento que bateu tentou desviar-se. Advogado: mas depois do embate ou antes. Testemunha: só depois do embate. Ora, de uma analise cuidada da prova e interpretando-a segundo as regras de experiência comum, da mesma facilmente se extrai que o B.... iniciou a sua travessia na passadeira sita na nacional 15, em numa zona habitacional e comercial. As testemunhas a isso assistiram. Aliás, o Auto da GNR e as fotografias juntas também o demonstram. Assim, a MM. Juiz do tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação da prova, impondo estas provas que a matéria dada como provada na Douta Sentença nos pontos 2 (2.ª parte) a 5 seja alterada para: - Entretanto, o referido menor iniciou a travessia da estrada nacional n.º 15 numa passadeira destinada para o efeito, em frente a um estabelecimento comercial e numa zona onde existem diversas construções destinadas à habitação e à actividade comercial. Quando o B.... já havia atravessado a via até cerca de metade da hemi-faixa de rodagem destinada ao arguido, no Sentido Valongo-Paredes, este, porque conduzia sem atenção a todo o tráfego que se fazia sentir na via e distraído pela presença no local de um seu familiar, não imobilizou a marcha do “GB” antes da passagem destinada aos peões que se lhe deparava, como estava obrigado. 11 – Talqual, a matéria constante dos pontos 6 a 8 e 10 dos factos provados, está em contradição com a prova produzida em audiência nomeadamente as declarações da testemunhas D.... D...., E...., F...., e do próprio arguido. Cfr: declarações do Arguido refere que a GNR de Penafiel tomou conta da ocorrência, elaborou auto que se encontra junto como prova, onde consta um croqui da posição em que ficou o veículo e o assistente. Minuto 13:36 - O arguido confirma a posição do veiculo, e as fotografias juntas aos autos a fls…, que demonstram a posição onde ficou o veiculo e as marcas da travagem deixada Cfr: Auto da Policia de declaração e documentos anexos recolhidos no dia dos factos comprovam este quesito. Cfr declarações da testemunha D.... D...., em 31/05/2012 com inicio pelas 12:48:12 horas. MP: O que aconteceu? Conte com pormenor? Testemunha: Do que me recordo, eu e o B.... íamos a olhar para ver se vinha algum carro, e o carro ainda vinha a alguma distância da passadeira e enquanto vai o B...., vai o condutor e ele tentou dar a volta e ao tentar dar a volta a ele acertou-lhe na anca e foi que o B.... caiu e bateu com a cabeça. - Minuto 1,54 MP: A eu ponto da travessia da passadeira estava o B....? Testemunha: No inicio. MP: estava ao lado dele? Olharam para ver se vinha o carro? Testemunha: Sim. MP: Vinha a certa distância? Testemunha: Sim. MP: Sabe a que distância vinha o carro? Testemunha: Para aí a uns 15 ou 25 metros. MP: Acharam que podiam atravessar? Testemunha: Sim. MP: Também começou a atravessar? Testemunha: Não. O Carro só parou quando acertou na vítima é que parou. MP: Apercebeu-se se o carro diminuiu a velocidade ao aproximar-se da passadeira? Testemunha: sim, isso é certo, diminuiu um pouco mas não foi o suficiente para evitar o embate. MP: Viu o rapaz tentou desviar-se? Testemunha: Sim, sim. MP: Mas só mesmo em cima dele? Testemunha: Sim, quando o B.... ia … ele tentou ir à volta, mas ao tentar ir à volta acertou-lhe. MP: Tem ideia se quando o B.... estava a atravessar a passadeira, estava a olhar para a passadeira, olhou o carro, para si, para trás?. Testemunha: Não, porque o B.... olhou, como ia a distância … MP: atravessou com Confiança? Testemunha: Sim. MP: ia mais alguém convosco? Testemunha: Sim, ia eu, o B.... e os outros dois, o E.... e a F..... Advogado Arguido: A dúvida que aqui se coloca é a seguinte: quando começou a travessia da passadeira o B.... olhou, verificou se vinha algum carro ou não? Testemunha: Sim, olhou e o carro ia a uma certa distância. Advogado: E havia mais carros a circular naquela altura ou era apenas aquele? Testemunha: Era. Advogado: Do lado contrário não vinha mais nenhum? Testemunha: Não. Advogado: De certeza absoluta que não vinha mais nenhum carro? Testemunha: Sim. Advogado: Quando iniciou a travessia da faixa de rodagem, passadeira a que distância vinha o carro? Testemunha: 25 metros. Advogado: E portanto se e atravessado ele tinha dado ½ passos na passadeira? Testemunha: Sim. Advogado: O carro não diminuiu a velocidade? 8,20 m Testemunha: Sim, só quando bateu. Advogado: E o embate onde se dá? Na passadeira? Testemunha: Sim. A testemunha refere: que o carro focou ligeiramente para a esquerda. Advogado: A posição final do carro é ainda em cima da passadeira, depois da passadeira? Perto ou longe da passadeira? Testemunha: É mesmo lá. Advogado: Em cima da passadeira? Testemunha: É. Testemunha refere que não sabe a que velocidade ia o carro, mas diz que só trava depois de embateu na vítima e depois parou. 10, 12 m a testemunha refere que “não porque quando olhei vi o carro a dar-lhe e só vi o B.... a bater com a cabeça no chão. Refere que o carro lhe acertou “ foi aqui mais ou menos na anca”. Exemplifica. Advogado: qual a parte do carro que lhe tocou? Testemunha: A parte direita do carro. A parte da frente direita. Refere que depois do embate o carro parou. 11: 37 Advogado: Então como é que ele virou à esquerda? Testemunha: Isso foi a posição em que o carro ficou depois do acidente. O carro tentou desviar-se e só quando bateu é que parou. O carro ficou no meio. O carro ficou virado à esquerda para que não lhe acertasse, mas de qualquer modo era para parar ali, … era uma passadeira. … “ele tentou diminuir mas não foi possível. Advogado Assistente: 14:37 refere que se aperceberam do carro, que olharam passa um lado e para o outro, sentindo-se confiantes para passar. 15:07 Advogado: perguntado se o condutor conseguiu imobilizar o veiculo entre o espaço onde se encontrava e peão a testemunha responde: “Como já disse, só parou quando embateu. Testemunha confirma fotografias de fls 107 e ss. Questionada se foi o carro que embateu no B.... ou o B.... que se projectou para o carro responde peremptoriamente: “ Isso está fora de questão. Acho que ninguém é suicida para se atirar para cima do carro. Desde o momento em que se apercebem do carro, o carro tentou desviar-se mas não conseguiu. O condutor tentou imobilizar o veículo, mas não o conseguiu imobilizar entre o espaço Testemunha: Quando ele estava a entrar veio o carro, eu vi o carro, chamei por ele, só que ele não teve tempo de sair da passadeira. MP: Quantos passos da passadeira já tinha percorrido? Testemunha: cerca de um metro, metro e meio. …. Testemunha: eu ainda estava atrás, não tinha começado a entrar, porque ele ia mais ou menos 3 metros à minha frente. Depois vi o acidente. Vi o carro a aproximar-se. Disse para ele se afastar. Testemunha refere: que não sabe a velocidade. Não tem a noção se abrandou. Refere a testemunha que viu o carro, que estava a olhar para o carro, gritei para sair e o carro bateu nele. Refere que a testemunha estava de frente. Exemplifica onde foi atingido “deste lado”. E diz que a testemunha foi projectada mais ou menos 2 metros. Dr.ª Juiz: De que lado? Testemunha: do lado esquerdo. Juiz: Do lado esquerdo na zona da anca? Testemunha: Sim, aqui deste lado Testemunha refere que “ sim ele foi arrastado, foi com a força do carro a bater. … MP: Muitos metros? Testemunha: Dois metros. MP: E o carro onde ficou posicionado? Testemunha: Em cima da passadeira. Refere a testemunha que o carro ficou parado em cima da linha. MP: Na sua óptica o acidente deveu-se a quê? Testemunha: Não sei se calhar a falta de distracção. MP: Atribui à distracção do condutor? Testemunha: Sim. 5:35 minutos: A testemunha referiu ainda que: o veiculo não parou totalmente e que o condutor não conseguiu parar o carro no espaço visível que tinha à sua frente. Refere que junto à passadeira só estavam eles e que depois a policia chegou e identificou as pessoas que assistiram ao acidente. Dizendo as que vi “foram só nos três” 9:45 minutos: refere que viu o carro a 10/15 metros e que o B.... estava a começar a andar na passadeira Refere que vinham juntos. Não reparou se o B.... ao iniciar a travessia, mas viu que estava já dentro da passadeira no momento do embate. Advogado: Ele ia distraído? Testemunha: Não. Advogado. Se não ia distraído qual a necessidade de chamar à atenção? Testemunha: porque o carro ia a andar depressa em relação a …, aproximar-se da passadeira. Advogado: Andar depressa? O que é andar depressa? Testemunha: não era andar muito depressa, mas sem parar. Não abrandou, manteve sempre a velocidade. Refere: que ia para aí a 20 Km, mas não sabe bem e que o carro depois do embate ficou em cima da passadeira. Refere que o carro parou quando embateu Refere que no café havia pessoas mas na passadeira não. Cfr Declarações da testemunha F...., em declarações prestadas em 14/06/2012, com início pelas 10:44:50 horas: Perguntada:” A F.... assistiu ao acidente? Testemunha: Sim. MP: Conte-nos o que aconteceu naquele dia? Testemunha: Estávamos a vir da escola, a escola já tinha acabado. Eram cerca das 6,00 horas. Estávamos a vir, então vinha eu, o meu amigo Zé e o E.... e o B.... vinha mais á frente” Depois o carro veio e atropelou-o, bateu aqui nele, de lado. Quando olhei já estava a ser atropelado, a cair no chão. Refere que também já ia a atravessar e que estava a olhar para o carro. 1: 52 minutos MP: Quanto é que o B.... já tinha avançado na passadeira? Um metro? Dois metros? Testemunha: do lado que a gente vinha tem o meio da passadeira, um pouco mais para aí um metro, para aí um metro e meio. Não sei. Testemunha refere “ Como eu estava a olhar para o carro para passar, o carro só abrandou quando bateu nele, tem lá as marcas dos pneus... A testemunha refere que o carro vinha “ para aí um 30, 25 Km. Minuto 3:31 MP: Viu se ele parou? Testemunha: Não. Ele não parou. MP: Nem abrandou. Testemunha: Não. Só quando bateu. MP: Ele fez algum desvio para tentar desviar-se do rapaz ou seguiu sempre em frente. Testemunha: No momento em que bateu, obviamente que tentou. MP: Mas só aí? Testemunha: Claro. 3:40 minutos. A testemunha refere que o B.... não vinha a falar com eles e que acha que vinha atento. Refere que depois do embate o B.... “foi assim mais ou menos pelo ar e depois caiu no chão. O carro bateu-lhe aqui ele virou e depois bateu com a cabeça no chão.” MP: Mas ir assim pelo ar muitos metros ou foi só um bocadinho? 04:41 minutos Testemunha: foi cerca de um metro pelo ar. MP: Foi embatido e caiu. Testemunha: Sim. … MP: E o carro também se imobilizou ali? Testemunha: Sim, no momento que embateu o Sr. travou. Advogado do assistente: Parou no sítio onde bateu? Testemunha: Não, não. O carro andou mais … A testemunha confrontada com as fotografias de fls 107 e ss refere que é o carro e que ficou nessa posição 6:10 minutos. Refere que da parte dela só estavam eles e que a GNR só os identificou a ela, ao E.... e ao Zé. Refere a instâncias do Advogado do arguido que só o rapaz estava a atravessar a passadeira Advogado: a possibilidade do embate, em que altura? Testemunha: Foi no momento em que estava mesmo a ser atropelado. Quando ouvi o barulho, também ouvi o carro a travar e ele foi pelo ar e caiu no chão. A testemunha referiu que tentou avisar o B.... no memento em que foi atropelado. Refere que o carro nunca parou e que só diminuiu a velocidade no momento em que bateu. Refere que parou ainda na passadeira. Testemunha: bateu nele com a parte da frente do carro, ele estava ali. Ele bateu a meio da passadeira. E exemplifica. Minuto 11:22 A testemunha diz que a parte de trás ficou em cima da passadeira e a da frente fora e que os dois ou três metros que andou diz que foi desde onde o carro entrou na passadeira até que saiu. Advogado: Falaste em marcas dos pneus? Testemunha: No momento ficaram marcas dos pneus. Advogado. Resultantes da travagem? Testemunha: Sim, sim. … Advogado. Ele avançou para a passadeira de frente ou de costas? Minuto 13:27 Testemunha: Eu quando notei ele ia de frente, ele de costas não ia, porque o carro bateu-lhe aqui, no momento em que olhei para ele o carro estava a bater-lhe aqui. Advogado: estamos a falar da parte esquerda da anca. Testemunha: sim. Advogado: O carro sem alterar a sentido que levava ou tentou contorná-lo? Testemunha: no momento que bateu tentou desviar-se. Advogado: mas depois do embate ou antes. Testemunha: só depois do embate. Da analise desta prova, conjugada com as regras de experiência comum, facilmente se extrai que o B.... iniciou a sua travessia na passadeira e quando estava a cerca de metade da hemi-faixa de rodagem no sentido Valongo -Paredes, o condutor do veiculo “GB” que conduzia sem atenção devido a um familiar que aí se encontrava, não parou o seu veiculo antes da passagem de peões e embateu no B..... Pelo que , a MM. Juiz do tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação da prova, impondo esta prova que a matéria dada como provada nos pontos 6 a 8 e 10 da Douta Sentença, seja alterada para: - Quando o B.... Polubenko já havia atravessado a via até cerca de metade da hemi-faixa de rodagem destinada ao arguido, no Sentido Valongo - Paredes, este, porque conduzia sem atenção a todo o tráfego que se fazia sentir na via e distraído pela presença no local de um seu familiar, não imobilizou a marcha do “GB” antes da passagem destinada aos peões que se lhe deparava, como estava obrigado. - Por tal facto, quando o arguido se apercebeu da situação já o assistente se lhe deparou no meio da sua hemi-faixa de rodagem atravessando a passadeira destinada aos peões e, não obstante rodar o volante do seu veículo “GB” para a esquerda acabou por embater com a parte da frente direita da mesma viatura no corpo de B...., projectando-o para o solo com violência e a uma distância de cerca de 3 metros do local do embate. - Efectivamente, porque o arguido conduzia desatento, sem os cuidados exigíveis ao exercício da condução, não se certificou como devia da presença de peões a utilizar a passadeira aos mesmos destinada na via em que seguia, não imobilizou a marcha do “GB” antes de chegar a tal local, como estava obrigado, e só por essas circunstancias acabou por embater no assistente em plena passagem de peões. - Em consequência do mencionado embate e da consequente projecção do assistente B...., resultaram para este, para além do mais, traumatismo crânio-encefálico ligeiro que demandou internamento hospitalar por uma semana, lesão esta que de forma directa, adequada e necessária lhe provocou, pelo menos 180 (cento e oitenta) dias de doença para cura, com afectação da capacidade de trabalho geral por 60 dias e com a afectação da capacidade de trabalho de formação por 180 dias. Ainda em consequência do embate descrito e das lesões sofridas, sobreveio ao assistente, como sequela, síndrome comocional pós-traumático – como melhor se conclui dos autos de exame médico. (cfr relatórios médicos e clínicos e testemunhas J…. e K…..) - Por via exclusiva da conduta descuidada e pouco diligente empreendida pelo arguido, que não se certificou previamente da presença na passagem para peões do assistente, resultaram para este os ferimentos e as lesões corporais acima descritas. Actuou o arguido com manifesta falta de atenção e de cuidado na condução, violando deste modo e sem causa justificativa, as mais elementares normas de prudência e segurança rodoviárias e só por causa disso ocorreu a descrita colisão. O arguido agiu sempre de forma livre e sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. 11 – Assim, toda a matéria dada como provada na Douta Sentença deveria ter sido dada como não provada, com excepção do ponto 9, ao invés, deveria ter sido dada como provada a matéria constante da douta acusação, nomeadamente: - No dia 22 de Abril de 2010, por volta das 18.15 horas, o arguido conduzia o seu automóvel ligeiro de passageiros com a matricula “..-..-GB” na Estrada Nacional n.º 15, ao Km 10,6, em Campo, Valongo, no sentido Porto - Paredes. - Na mesma ocasião caminhava na berma da aludida via o assistente B...., acompanhado de outros amigos. - Entretanto, o referido menor iniciou a travessia da estrada nacional n.º 15 numa passadeira destinada para o efeito, em frente a um estabelecimento comercial e numa zona onde existem diversas construções destinadas à habitação e à actividade comercial. - Quando o B.... já havia atravessado a via até cerca de metade da hemi-faixa de rodagem destinada ao arguido, no Sentido Valongo-Paredes, este, porque conduzia sem atenção a todo o tráfego que se fazia sentir na via e distraído pela presença no local de um seu familiar, não imobilizou a marcha do “GB” antes da passagem destinada aos peões que se lhe deparava, como estava obrigado. - Por tal facto, quando o arguido se apercebeu da situação já o assistente se lhe deparou no meio da sua hemi-faixa de rodagem atravessando a passadeira destinada aos peões e, não obstante rodar o volante do seu veículo “GB” para a esquerda acabou por embater com a parte da frente direita da mesma viatura no corpo de B...., projectando-o para o solo com violência e a uma distância de cerca de 3 metros do local do embate. - Efectivamente, porque o arguido conduzia desatento, sem os cuidados exigíveis ao exercício da condução, não se certificou como devia dfa presença de peões a utilizar a passadeira aos mesmos destinada na via em que seguia, não imobilizou a marcha do “GB” antes de chegar a tal local, como estava obrigado, e só por essas circunstancias acabou por embater no assistente em plena passagem de peões. - Em consequência do mencionado embate e da consequente projecção do assistente B...., resultaram para este, para além do mais, traumatismo crânio-encefálico ligeiro que demandou internamento hospitalar por uma semana, lesão esta que de forma directa, adequada e necessária lhe provocou, pelo menos 180 (cento e oitenta) dias de doença para cura, com afectação da capacidade de trabalho geral por 60 dias e com a afectação da capacidade de trabalho de formação por 180 dias. - Ainda em consequência do embate descrito e das lesões sofridas, sobreveio ao assistente, como sequela, síndrome comocional pós-traumático – como melhor se conclui dos autos de exame médico. - Por via exclusiva da conduta descuidada e pouco diligente empreendida pelo arguido, que não se certificou previamente da presença na passagem para peões do assistente, resultaram para este os ferimentos e as lesões corporais acima descritas. - Actuou o arguido com manifesta falta de atenção e de cuidado na condução, violando deste modo e sem causa justificativa, as mais elementares normas de prudência e segurança rodoviárias e só por causa disso ocorreu a descrita colisão. - O arguido agiu sempre de forma livre e sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. - Que o arguido é primário e está socialmente bem inserido. Porquanto, é o que resulta dos depoimentos e da prova documental junta aos autos, que aqui se dão como reproduzidos. 12 – Estando, assim, preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do crime agravado de ofensa à integridade física negligente, bem como todos os pressupostos para a aplicação das respectivas contra-ordenações. 13 – Assim, pelas supra referidas declarações e pelos documentos juntos aos autos, pode retirar-se, sem qualquer tergiversação, pelas regras da experiência comum, que o arguido praticou o crime e contra-ordenações pelos quais vinha acusado. 14 – Houve claras contradições entre as declarações do arguido e das demais testemunhas I...., G.... e H...., que contrariaram até os próprios documentos juntos aos autos, o que faz crer que estas mentiram. 15 – Do exposto nos números precedentes resulta a manifesta existência de um erro notório na apreciação e na valoração da prova ex vi alínea c), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP. 16 – Resulta, por isso, existir contradição insanável entre a fundamentação e a decisão ex vi alínea b), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP. 17 – A sentença recorrida violou o artigo 410.º, n.º 2 al. b) e c) do CPP, o artigos 148.º, n.º 1 e 2 e art. 144.º, als. b) e c), art.º 15.º ambos do Código Penal e da pratica de contra-ordenações prevista e sancionada pelos art. 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, al. c) e d), 27.º, n.º 1, 103.º, n.º 4 e 145.º, n.º 1, als. a), e) e i) todos do Código da Código da Estrada, artigo 127.º do Código Processo Penal, e o art. 32.º da CRP.
Ao recurso responderam o Ministério Público e o arguido, sustentando ambos que o mesmo não merece provimento.
Nesta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.
Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem que isso tivesse tido qualquer sequela relevante.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
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II - Fundamentação. 1. Da decisão recorrida. 1.1. Factos julgados provados: 1) No dia 22 de Abril de 2010, por volta das 18.15 horas, o arguido conduzia o seu automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-GB na Estrada Nacional nº 15, ao Km 10,6, em Campo, Valongo, no sentido Porto - Paredes. 2) Na mesma ocasião, o assistente B.... caminhava na berma da aludida rua e imobilizou-se junto a um café que existe no local e de costas para a passadeira de peões aí existente, acompanhado de amigos. 3) Por sua vez, o arguido, quando conduzia o veículo “GB” no local indicada em 1) abrandou, quase imobilizando o veículo junto da passadeira, por ter visto o assistente e os seus amigos parados junto desta. 4) Depois de verificar que ninguém estava a atravessar a faixa de rodagem o arguido retomou lentamente a marcha do GB, circulando a cerca de 20/30 km, passando a referida passadeira, quando o assistente, de repente e ainda de costas, num movimento de rotação, começou a atravessar a passadeira. 5) O assistente só iniciou a travessia da via, da Estrada Nacional nº 15, pela passadeira, quando o veículo conduzido pelo arguido já estava a circular na passadeira. 6) O arguido embateu com a parte da frontal direita do GB no corpo de B...., o qual caiu no chão. 7) Na zona existem diversas construções destinadas a habitação e à actividade comercial. 8) Quando viu o assistente B.... cair sobre a parte direita do veículo o arguido ainda “guinou” o “GB”para a esquerda. 9) Em consequência do mencionado embate resultaram para B...., além do mais, traumatismo crânio-encefálico ligeiro que demandou internamento hospitalar por uma semana, lesão esta que de forma directa, adequada e necessária lhe provocou, pelo menos, 180 (cento e oitenta) dias de doença para cura, com afectação da capacidade de trabalho geral por 60 (sessenta) dias e com afectação da capacidade de formação por 180 (cento e oitenta) dias. 10) Ainda em consequência da queda consequente ao embate descrita e das lesões sofridas, sobreveio ao assistente, como sequela, síndrome comocional pós-traumático.
1.2. Factos julgados não provados: - que B.... foi embatido pelo veículo conduzido pelo arguido quando já havia atravessado a via até cerca de metade da hemi-faixa de rodagem destinada ao arguido, no sentido Valongo – Paredes, porque conduzia sem atenção a todo o tráfego que se fazia sentir na via e distraído pela presença no local de um seu familiar, e não imobilizou a marcha do “GB” antes da passagem destinada aos peões que se lhe deparava, como estava obrigado; - que por tal facto, quando o arguido se apercebeu da situação já o assistente se lhe deparou no meio da sua hemi-faixa de rodagem atravessando a passadeira destinada aos peões; - que o assistente tenha sido projectado para o solo com violência e a uma distância de cerca de três metros do loc al do embate; - que porque o arguido conduzia desatento, sem os cuidados exigíveis ao exercício da condução, não se certificou como devia da presença de peões a utilizar a passadeira aos mesmos destinada na via em que seguia, não imobilizou a marcha do "GB" antes de chegar a tal local, como estava obrigado, e só por essas circunstâncias acabou por embater no assistente em plena passagem para peões; - que foi por via exclusiva da descrita conduta descuidada e pouco diligente empreendida pelo arguido, que não se certificou previamente da presença na passagem para peões do assistente, resultaram para este os ferimentos e as lesões corporais acima descritas.
1.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto: O tribunal fundou a sua convicção nos seguintes elementos de prova: O arguido confirmou as circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreu o acidente em causa nos autos, e apresentou a versão dos factos que foi considerada provada, no sentido de que abrandou e praticamente imobilizou o veículo que conduzia antes da passadeira e de que foi o assistente que entrou na passadeira de costas embatendo no automóvel. Tais declarações foram corroboradas pelos testemunhos de G...., H...., e I...., as quais foram produzidos com rigor e convicção, revelado directo conhecimento dos factos. Destes testemunhos cumpre realçar o de G...., que foi muito credível. Esta testemunha descreveu com exactidão e convicção toda a ocorrência do sinistro que presenciou e ainda os acontecimentos que imediatamente lhe sucederam. Confirmou esta testemunha o relato dos factos produzidos pelo arguido, no sentido de que o assistente se encontrava parado de costas para a passadeira de peões, a falar com dois amigos, e deu uma passada atrás, num movimento de rotação. Acrescentou que mais nenhum dos rapazes que acompanhava o assistente iniciou a travessia. Referiu também que o arguido parou ou quase parou o veículo que conduzia antes da passadeira. Mais disse que o assistente ao dar a passada atrás na passadeira caiu sobre o automóvel. Referiu ainda que o assistente não foi arrastado com o embate. Relatou também que o assistente ficou consciente e que falou com ele, perguntando-lhe o nome e idade; e acrescentou que foi ela que telefonou para o INEM. Esta testemunha, que prestou um depoimento que se revelou coerente e seguro, revelou-se isenta, tendo declarado não ter qualquer ligação quer com o arguido quer com o assistente. Também a testemunha H.... revelou-se isenta, declarando não ter qualquer ligação quer com o arguido quer com o assistente. Esta testemunha assistiu aos factos da janela do estabelecimento comercial onde trabalha, junto ao local do embate. Referiu que a visibilidade de que dispunha não era total, em virtude da existência de um toldo. Confirmou que o arguido parou junto da passadeira e depois reiniciou a marcha lentamente, e só depois ouviu alguém gritar. Descreveu a localização do veículo e que viu o assistente caído no asfalto. A testemunha I...., não obstante ser mulher do arguido, produziu um depoimento muito seguro e coerente, descrevendo os factos no sentido da versão apresentada pelas testemunhas G...., H...., e pelo arguido. A mulher do arguido, assistiu ao factos, porque seguia no veículo no momento do sinistro e demonstrou o seu espanto pelo sinistro do modo como ocorreu, tendo produzido um depoimento espontâneo e sincero. Por sua vez, as testemunhas D...., E...., e F...., amigos do assistente que declararam estar com ele no momento do sinistro declararam que o veículo conduzido pelo arguido não parou antes de embater no assistente, e embateu-lhe quando este atravessava a passadeira. D.... referiu que o arguido se desviou mas ainda acertou no assistente com a parte da frente do veículo do lado direito. Declarou que só o assistente iniciou a travessia da passadeira. Disse que o arguido ainda tentou diminuir a velocidade, mas não conseguiu deixar de embater no assistente, quando este atravessava a passadeira. Referiu que não gritaram quando viram o automóvel. Mais disse que o embate foi com a parte direita do automóvel. Por sua vez a testemunha E...., sobrinho do arguido, referiu que o automóvel não viu o arguido a abrandar e que gritou para o assistente sair, mas este não teve tempo de sair da passadeira. Disse que estava atrás do arguido a falar com a testemunha F...., não viu se o assistente olhou antes de atravessar. Estas duas testemunhas não conseguiram indicar a velocidade aproximada a que o arguido seguia. Referiu que o assistente foi projetado com a força do embate. A testemunha F.... referiu que não viu o atropelamento nem viu se o assistente olhou antes de atravessar, só viu depois do embate. Pois bem, estes testemunhos produzidos pelos amigos do assistente revelaram-se menos seguros que os das testemunhas supra referidas arroladas pelo arguido, e mais nervosas, mas também não podemos esquecer que são jovens e por tal razão podem sentir menos à vontade perante o Tribunal. Por sua vez, a testemunha L….., soldado da GNR que acorreu ao local após o embate, não assistiu ao sinistro, tendo apenas elaborado a participação do acidente de viação constante de fls. 32 a 33, confirmando que o seu teor, corresponde ao que verificou, sem nada mais poder acrescentar. Da análise do teor do croquis junto a fls. 33 resulta o posicionamento do veículo com a parte dianteira já depois de ultrapassada a passadeira e colocado com o lado esquerdo sobre a linha que divide as faixas de rodagem, o que se enquadra quer na versão do arguido que referiu que após o assistente cair sobre o capot guinou para a esquerda quer na versão das testemunhas da acusação, sendo certo que o veículo apresenta uma inclinação para a esquerda. Por outro lado, o mesmo sucede com a localização da mancha de sangue assinalada no pavimento junto à berma. Acresce que a distância da mesma relativamente à passadeira – 1,70 m - tanto se coaduna com a possibilidade de projecção do arguido como com a hipótese de o arguido estar a atravessar no limite da passadeira. Foram ainda analisadas as fotografias juntas a fls. 107 a 110, e teve-se ainda em conta o teor do documento de fls. 328 a 356. Tendo todos estes elementos sido apreciados em conjuntos com os supra referidos testemunhos. Pois bem, a apreciação da prova faz-se nos limites plasmados pelo artigo 127º do Código de Processo Penal, para cuja interpretação nos socorremos da lição de Figueiredo Dias: “Se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica e se uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bem fundado da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal - até porque nela desempenha uma função de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais - mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. Uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável” (Direito Processual Penal, Volume I, pág. 205). Se o juiz, finda a produção de prova num processo, não consegue superar a dúvida, fundada, sobre se os factos ocorreram ou não, então ele deve decidir em favor do arguido, in dubio pro reo. Esta regra resulta directamente da presunção constitucional de inocência do arguido consagrada no artigo 32º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa – toda a actividade de produção de prova é, justamente, a tentativa de ilidir essa mesma presunção. Assim, deve o tribunal considerar como não provados os factos que lhe são desfavoráveis e julgar provados os que lhe são favoráveis. Daí que, na dúvida se tivessem considerado como não provados os factos descritos na acusação como tal e como provada a versão dos factos apresentada pelo arguido e corroborada pelas testemunhas por si arroladas. As testemunhas K…. e J….., pais do assistente não assistiram ao acidente, tendo apenas descrito as lesões que o assistente sofreu. Estes testemunhos foram valorados em conjugação com o teor do relatório exame médico juntos aos autos a fls. 205 a 209 para prova das lesões sofridas pelo assistente. Relativamente às condições socio-económicas do arguido valorou-se as suas declarações. Quanto à ausência de antecedentes criminais atentou-se no CRC do arguido junto a fls. 285.
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2. Poderes de cognição desta Relação e objecto do recurso.
2.1. A abrir diremos que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado.[2] Mas porque as conclusões são um resumo das motivações,[3] não pode conhecer-se de questões constantes daquelas que não tenham sido explanadas nestas.
Sendo impugnada pelo recorrente a decisão da matéria de facto, quer amplamente,[4] quer pela via da invocação dos vícios da sentença, na chamada revista alargada,[5] é sabido que «impõem razões de método que se comece pelo reexame de mais largo espectro, para que se não tenha eventualmente de entrar na análise mais limitada, o que só sucederá na falência daquele reexame. No caso, dever-se-ia ter começado a análise da crítica de facto efectuada pela Relação, pela impugnação alargada da matéria de facto provada, só depois se entrando, se fosse o caso, nas restantes questões respeitantes à decisão sobre o facto.»[6]A que acrescem então as questões que são de conhecimento oficioso desta Relação enquanto Tribunal de recurso, como no caso dos vícios da sentença e das suas nulidades que se não devam considerar sanadas, tudo de acordo com o disposto no art.º 410.º, n.os 2, alíneas a), b) e c) e 3 do Código de Processo Penal.[7] Certo é que se não detecta qualquer vício ou nulidade na douta sentença recorrida de entre os que se devesse conhecer ex officio, com excepção do princípio in dubio pro reo invocado pelos recorrentes e que, por isso, sobre ele expressamente nos debruçaremos adiante.[8] Assim sendo, diremos que as questões a apreciar neste recurso são as seguintes: 1.ª Discordando o recorrente da valoração feita pelo tribunal recorrido das declarações e depoimentos produzidos na audiência de julgamento sem que se evidencie qualquer violação de regras da experiência, pode o tribunal de recurso alterar a decisão da matéria de facto? 2.ª Podendo, deve fazê-lo no caso sub iudicio e julgar provados os factos enumerados nos factos julgados não provados e não provados os julgados provados, com excepção do enumerado em 9? 3.ª Nesse caso, deve o arguido e recorrido ser condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punível pelo art.º 148.º, n.os 1 e 3 do Código Penal (com referência ao art.º 144.º, alíneas b) e c) do mesmo diploma legal) e da contra-ordenação prevista no n.º 4 do art.º 145.º, n.º 1, alínea i), por violação do disposto no art.º 103.º, n.º 2, ambos do Código da Estrada e em que termos? 3.ª Na hipótese contrária, a sentença padece dos vícios da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova e, se assim for, com que consequências?
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2.2. Vejamos então as questões atrás enunciadas, começando, naturalmente, pela primeira delas.
Os recorrentes pretendem que se altere a decisão da matéria de facto por duas vias, sendo a que nos iremos ocupar de seguida da impugnação ampla.
É comummente aceite que o julgamento da causa é o que se realiza em primeira instância e que o recurso visa apenas corrigir erros de procedimento ou de julgamento que nele possam ter resultado, incluindo erros de julgamento da matéria de facto. Pelo que em caso algum pode o recurso servir para obter um novo julgamento, agora em segunda instância.[9] O objecto do recurso é a decisão recorrida e não o julgamento da causa, propriamente dita.[10] E óbvias razões existem para que assim seja.
Com efeito, a produção da prova decorre perante o tribunal de primeira instância e no respeito de dois princípios fundamentais e interconectados: o da oralidade[11] e o da imediação.[12] E com isso visa-se assegurar o princípio basilar do julgamento da matéria de facto em processo penal: o da livre apreciação da prova por parte do julgador.[13]
O princípio da imediação pressupõe um contacto directo e pessoal entre o julgador e as pessoas que perante ele depõem,[14] sendo esses depoimentos que irá valorar e servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.[15] E é precisamente essa relação de proximidade entre o tribunal do julgamento em primeira instância e as provas que lhe confere os meios próprios e adequados para valorar a credibilidade dos depoentes e que de todo em todo o tribunal do recurso não dispõe.[16] Há na verdade que atender e valorar factores tão diversos como as razões de ciência que os depoentes invocam ou a linguagem que utilizam, verbal e / ou não verbal, a espontaneidade com que depõem e as hesitações que manifestam, o tom de voz com que o fazem, enfim, as emoções que deixam transparecer, quer de inquietude quer de serenidade, através de expressões faciais, o movimento de mãos ou de pés, repetido e descontrolado ou apenas enfático do verbalizado, o encolher de ombros, que umas vezes pode significar ignorância e outras reprovação, a forma e a intensidade do olhar, que muito pode revelar, como seja desejo de vingança, ódio, compaixão, dúvida ou certeza, as contradições que evidenciam e o contexto em que tal acontece, que as pode justificar ou tornar inaceitável.[17]
Por isso é que quando a decisão do julgador se estriba na credibilidade de uma fonte probatória assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a pode exercer censurar se ficar demonstrado que o iter da convicção por ele trilhado ofende as regras da experiência comum.[18]
O duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão da matéria de facto não tem, portanto, a virtualidade de abalar o princípio da livre apreciação da prova que está conferido ao julgador de primeira instância, só podendo o tribunal de recurso modificar aquela decisão quando não encontrar qualquer suporte nos meios de prova produzidos no processo.[19] A menos que, como se disse, a convicção formada pelo julgador contrarie as regras da experiência comum, da lógica e dos conhecimentos científicos.
Tanto mais assim é que a alteração do decidido em primeira instância só poderá ocorrer, de acordo com a alínea c), do n.º 3, do a art.º 412.º do Código de Processo Penal, se a reavaliação das provas produzidas impuserem diferente decisão, mas não já se tal for uma das soluções possíveis da sua reanálise segundo as regras da experiência comum.[20] Em suma, sempre que a convicção do julgador em primeira instância surja como uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo tribunal de recurso.[21]E não é a circunstância, consabidamente recorrente nos processos judiciais, sejam eles de natureza criminal ou outra, de terem sido apresentadas pelos declarantes ou testemunhas versões distintas acerca de determinados factos, ou até mesmo declaração ou depoimento que só em parte é inverosímil, que impõe ao julgador ter de os aceitar ou recusar in totum, antes se impondo a tarefa de os cotejar para detectar em cada um deles o que lhe merece ou não crédito e em que termos.[22]
Baixando agora ao caso concreto, o que claramente verificamos é que o Tribunal recorrido valorou as provas constituendas de acordo com o que lhe pareceu ser a credibilidade emanada pelas declarações das arguidas e o depoimento do ofendido que perante ele depuseram e assim formou a sua convicção, não se evidenciando que com isso tenha violado qualquer regra da experiência comum. É certo também que outra é a valoração desses meios de prova feita pelas recorrentes e a credibilidade que lhes confere, sendo também naturalmente diferente a conclusão a que chega. Porém, como ex abundanti cautela atrás se escreveu, não é a sua mas a convicção do julgador que releva pelo que, não estando evidenciada qualquer violação de regras de experiência, é o seu julgamento se impõe, não só aos sujeitos do processo com também a esta Relação.
Assim sendo, pretendendo os recorrentes estribar a impugnação da decisão da matéria de facto apenas na convicção diversa que formou sobre a credibilidade dos meios de prova, sem que sustentadamente mostrasse que a mesma violou qualquer regra da experiência comum, naturalmente que isso impede que dela se conheça. A valoração prevalecente é a do Tribunal recorrido, pois que não se vislumbra, nem os recorrentes invocam, que ao fazê-lo tenha violado qualquer regra da experiência comum.[23]
Mas ainda que se pudesse conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto, o que se admite por necessidade de raciocínio, então ela não poderia ser alterada uma vez que nenhuma prova foi apresentada pelos recorrentes que impusesse decisão diversa da proferida na sentença recorrida. Admitiriam as provas por ele indicadas decisão diferente, é certo, mas isso seria insuficiente para lograr aquele efeito já que a lei só permite a alteração da decisão da matéria de facto caso as provas imponham essa alteração. Pelo que então se imporia confirmar aquela decisão.
De todo o modo e mesmo que assim não fosse, o que se torna admite por necessidade de raciocínio, o certo é que o recorrente aproveitou parte dos trechos das declarações e dos depoimentos para conseguir que se tomasse partido pela sua visão das coisas, quando o que se terá que considerar é todo o depoimento prestado pela testemunha.
Com efeito e a título meramente exemplificativo, confessamos que foi com alguma preocupação inicial que vimos a motivação da sentença afirmar que a testemunha F.... não tinha presenciado o embate entre o veículo automóvel conduzido pelo arguido e o assistente a citar uma passagem do depoimento dela a sustentar o contrário. Sendo certo ainda que a nossa preocupação pelo bem julgado do pleito aumentou quando ouvimos a gravação do depoimento dessa testemunha e a mesma a dizer precisamente isso. Quer dizer, quando a Mm.ª Juiz lhe perguntou se vira o atropelamento logo ela respondeu que sim. Mas lá está, a partir daí as coisas tiveram desenvolvimento e no sentido oposto ao pretendido pelo recorrente e manifestamente pacificador das nossas preocupações.
Vejamos então esse depoimento, o qual foi fruto do interrogatório feito pela Mm.ª Juiz à testemunha F.... e se encontra gravado no suporte informático da sessão de audiência de julgamento, que teve lugar no dia 14-06-2012, entre as 10:44:25 horas e as 10:59:18 horas, passagem de 01:31 ms a 02:34 ms: Mm.ª Juiz:Estava a olhar para ele quando foi embatido pelo carro? Testemunha: Não percebi… Mm.ª Juiz:Estava a olhar para ele quando foi embatido pelo carro? Testemunha: Não, no momento em que lhe bateu não. Eu estava a olhar para o carro para poder passar também na passadeira. Só quando eu ouvi bater é que eu olhei. E quando olhei já estava a ser atropelado e estava a cair ao chão. Mm.ª Juiz: Ok. Então, no preciso momento em que houve o embate entre o carro e o B...., a F.... não estava a olhar para o B....? Testemunha: Não. Mm.ª Juiz: Não. (…) Mm.ª Juiz: Ele antes de começar a atravessar… reparou se ele olhou para o trânsito… se tomou algum cuidado… ou não? Testemunha: Não, eu não notei isso. Mm.ª Juiz: Não estava a olhar para ele… pronto!
Ou seja: uma resposta que indiciava que a testemunha tudo tinha visto revelou, afinal, ser o contrário disso. A testemunha começou por usar a afirmativa sem grande rigor e como forma inconsciente de enfrentar a pulsão nervosa ditada pela situação em que se encontrava, que aqui, note-se, era acrescida pela sua juventude, como oportunamente assinalou a Mm.ª Juiz na motivação da decisão da matéria de facto, passando depois a pormenorizar de acordo com o conhecimento dela ditado pela sua percepção da realidade (que nem sempre coincide, como bem sabemos, com a realidade histórica propriamente dita, embora essa seja questão que não cabe aqui relevar). Não que tivesse mentido, note-se, pois de certa forma ela vira o atropelamento, mas não na perspectiva da pergunta da Mm.ª Juiz, ou seja, o momento anterior à sua ocorrência. Não sabia, portanto, nem podia saber a forma como o assistente entrara na estrada.
Destarte, salvaguardando o devido respeito pelas opiniões do assistente e do Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, consideramos com a Mm.ª Juiz e o Exm.º Sr. Procurador Adjunto ser de manter a decisão da matéria de facto recorrida.
2.3. No que concerne aos vícios da sentença, importa deixar claro que terão que se manifestar do texto dela, sem que se possa deitar mão a qualquer outro elemento exterior.[24]
Tendo sempre isto presente, sabemos que a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste tanto na contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, como também entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou até mesmo entre a fundamentação e a decisão.[25] Ou seja, uma situação em que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados ou como não provados colidem inconciliavelmente entre si ou uns com os outros ou, ainda, com a fundamentação da decisão.[26]
Olhando para a sentença recorrida, não vemos qualquer oposição entre os factos provados, entre e os não provados, nem entre estes e aqueles, antes se percebe que todos se harmonizam no seu devir histórico. Nem tão-pouco, como alega o recorrente, se descortina qualquer contradição entre a motivação e a decisão da matéria de facto. Aliás, estamos em crer que o recorrente confundiu as coisas, pois que do que se percebe do recurso é que o mesmo pretende que a contradição resulta da sua própria leitura da prova, o que nada acrescenta à problemática deste vício da sentença. Seria esse o caso se o Tribunal invocasse um depoimento num certo sentido e depois decidisse o contrário dele resultante sem atender a qualquer outra prova ou sem indicar qualquer razão para o seu descrédito. Ou, considerando agora a contradição entre a fundamentação e a decisão de iure, se um facto julgado provado apontasse para um sentido e a decisão de direito em sentido oposto. O que não aconteceu no caso sub iudicio.
O mesmo se dirá, aliás, relativamente ao erro notório na apreciação da prova.
Com efeito, para caracterizar o erro notório na apreciação da prova importa desde logo referir que erro é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade.[27] E só é notório o erro ostensivo, evidente, que não passaria despercebido à generalidade das pessoas ou seria facilmente detectado por uma pessoa comum,[28] de modo que, se na posição do juiz, o detectaria sem qualquer esforço.[29] Mas por isso mesmo já não aquele que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida.[30]
No entanto, esta situação não se pode confundir com uma diferente convicção do arguido e consequente valoração das provas produzidas na audiência em relação ao que foi feito pelo Tribunal.[31] Ora, o que o recorrente pretende é que se atenda à sua valoração da prova em detrimento da valoração que foi feita pela Mm.ª Juiz recorrida e isso, como dissemos, não encaixa neste vício da sentença. Não se vendo que a Mm.ª Juiz tenha errado na apreciação da prova e muito menos que o tenha feito de modo notório ou evidente, fica claro que também por aqui o recurso não merece provimento.
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III - Decisão.
Termos em que se nega provimento ao recurso e se confirma a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) UC (art.os 513.º, n.º 1 e 514º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais).
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Porto, 24-04-2013.
António José Alves Duarte
José Manuel da Silva Castela Rio
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[1] Aperfeiçoadas, na sequência de convite que para tanto lhes foi dirigido pelo relator.
[2] Art.º412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Na linha, aliás, do que desde há muito ensinou o Prof. Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil, Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, página 359: «Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.»
[3] Idem.
[4] Art.º 412.º, n.os 3 e 4 do Código de Processo Penal.
[5] Art.º 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal.
[6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-07-2007, processo n.º no processo n.º 07P2279, relatado pelo Exm.º Cons.º Simas Santos, visto em http://www.dgsi,pt, assim suG....do, na parte que aqui releva: 1 – Quando o recorrente pretende impugnar a decisão sobre a questão de facto deve dirigir-se, à Relação que tem competência para tal, como dispõem os art.os 427.º e 428.º, n.º 1 do CPP. O recurso pode então ter a máxima amplitude, abrangendo toda a questão de facto com vista à modificação da decisão da 1.ª Instância sobre essa matéria, designadamente quando, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada nos termos do art. 412.º, n.º 3 [art. 431.º, al. b)]. 2 – Para além da já referida impugnação alargada da decisão de facto, pode sempre o recorrente, em todos os casos, dirigir-se à Relação e criticar a factualidade apurada, com base em qualquer dos vícios das alíneas do n.º 2 do art. 410.º, como o consente o art. 428.º n.º 2 do CPP. 3 – É essa a ordem pela qual a Relação deve conhecer da questão de facto: primeiro da impugnação alargada e, depois e se for o caso, dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal.
[7] Que assim é decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão do Plenário das Secções Criminais, de 19-10-1995, tirado no processo n.º 46.680/3.ª, publicado no Diário da República, série I-A, de 28 de Dezembro de 1995, mantendo esta jurisprudência perfeita actualidade, como se pode ver, inter alia, do Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 18-06-2009, consultado em www.dgsi.pt, assim suG....do: «Continua em vigor o acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-09-1995 (DR I Série - A, de 28-12-1995, e BMJ 450.º/71) que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.» Na Doutrina e no sentido propugnado, vd. o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, página 1049.
[8]Até porque foi expressamente invocado pelo Arguido / Recorrente.
[9] Prof. Germano Marques da Silva, em Forum Justitiæ, Maio de 1999, citado no Acórdão da Relação de Guimarães, de 20-03-2006, visto em www.dgsi.pt, onde sustentou que «o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância.»
[10] Cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 59/2006, de 18 de Janeiro, Processo n.º 199/2005, da 2.ª Secção, consultado em http://w3b.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060059.html, de onde respigámos o seguinte trecho: «O que a decisão recorrida disse (e quis dizer) é que o julgamento é efectuado na 1.ª Instância: esse é o verdadeiro julgamento da causa, em que imperam os princípios da imediação e da oralidade e são produzidas todas as provas e as testemunhas, o arguido e o ofendido são ouvidos em pessoa. O recurso para a Relação, mesmo em matéria de facto, não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada (ou todas as questões abordadas na decisão da 1.ª Instância) é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ª Instância, estabeleceria os factos provados e não provados e assim indirectamente validaria ou a factualidade anteriormente assente (ou tornaria a decidir as questões suscitadas). Antes se deve entender que os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. O Tribunal Superior procede então à reanálise dos meios de prova concretamente indicados (ou as questões cuja solução foi impugnada) para concluir pela verificação ou não do erro ou vício de apreciação da prova e daí pela alteração ou não da factualidade apurada (ou da solução dada a determinada questão de direito). Assim, o julgamento em 2.ª Instância não o é da causa, mas sim do recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa, em que estão presentes, face ao Código actual, alguns apontamentos da imediação (somente na renovação da prova, quando pedida e admitida) e da oralidade (através de alegações orais, se não forem pedidas a admitidas alegações escritas). Este o entendimento presente na afirmação do acórdão recorrido que constitui um dado adquirido no estádio actual de evolução do processo penal, entre nós, e que não enferma de nenhum pecado constitucional.»
[11] Art.º 96.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[12] Art.º 340.º e seguintes do Código de Processo Penal.
[13] Art.º 127.º do Código de Processo Penal.
[14] E também, naturalmente, com as coisas, nestas incluindo os documentos.
[15] Acórdão da Relação de Coimbra, de 22-04-2009, processo n.º 2912/06.9TALRA.C1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[16] Acórdão da Relação de Évora, de 14-03-2006, processo n.º 1050/05-1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[17] Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-02-2009, processo n.º 1019/05.0GCVIS.C1, visto em http://www.dgsi.pt.
[18] Art.º 127.º do Código de Processo Penal. Neste mesmo sentido vd. os Acórdãos da Relação de Évora, de 14-03-2006, processo n.º 1050/05-1 e da Relação de Coimbra, de 18-02-2009, processo n.º 1019/05.0GCVIS.C1, ambos consultáveis em http://www.dgsi.pt.
[19] Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-02-2009, processo n.º 1019/05.0GCVIS.C1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[20]No Acórdão da de 22-04-2009, tirado de http://www.dgsi.pt.
[21] Acórdão da Relação do Porto, de 12-05-2004, processo n.º 0410430, visto em http://www.dgsi.pt.
[22] Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-02-2009, processo n.º 1019/05.0GCVIS.C1, visto em http://www.dgsi.pt.
[23] Nem vale a pena aventar-se que por regra as pessoas não se atiram da berma para cima dos automóveis que passam na estrada, pois que não foi isso que a Mm.ª Juiz disse que se passou. O que referiu na motivação foi, invocando depoimentos de outras testemunhas, que estas disseram que o assistente entrou na estrada de costas, ou seja, vindo do passeio deu um passo atrás em movimento de rotação e isso motivou ter sido colhido pelo carro.
[24] Neste sentido seguiram os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-11-2004, 05-07-2007 e, por fim, de 15-07-2008, todos publicados em http://www.dgsi.pt.
[25] Prof. Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, volume III, 3.ª edição, páginas 335 e seguinte.
[26] Acórdãos da Relação de Lisboa, de 02-07-2002 e da Relação de Évora, de 19-02-2008, ambos vistos em http://www.dgsi.pt.
[27] Prof. Manuel de Andrade, Teoria Geral da relação Jurídica, página 233.
[28] Curso de Processo Penal, volume III, 3.ª edição, página 336.
[29] Prof.ª G.... João Antunes, in Conhecimento dos Vícios Previstos no art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 4, página 120.
[30] No mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-07-2008, Consultado em http://www.pgdlisboa.pt
[31] Acórdãos da Relação de Coimbra, de 18-10-2000 e de 11-07-2001, vistos em http://www.trc.pt; e das Relações do Porto, de 17-06-2009 e de Évora, de 10-10-2006 e de 30-01-2007, estes disponíveis em http://www.dgsi.pt.