PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
CRIME FISCAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
INFRACÇÃO
LIQUIDAÇÃO
PRESTAÇÃO TRIBUTÁRIA
IVA
Sumário

I - O IVA - como outros impostos -, abrange prestações tributárias dependentes de liquidação, a efectuar de acordo com os trâmites do Capítulo V do CIVA, que contém as regras e a forma de cálculo do tributo a pagar.
II - Porém, a “infracção dependente da liquidação”, referida no n.º 3 do artigo 21.º do RGIT, pressupõe que o atinente elemento constitutivo provenha do apuramento do valor do imposto; ou seja, o tipo de infracção só se verifica depois de determinado o valor da prestação tributária, através do acto da liquidação.
III - A perfectibilização do crime de abuso de confiança fiscal, por não entrega de valores relativos a IVA, apurados e recebidos pelo sujeito passivo, não depende de qualquer acto de liquidação que a administração fiscal haja de fazer.
IV - Não sendo de aplicar ao referido circunstancialismo a norma acima indicada, em consonância com o que dispõe o artigo 21.º, n.º 1, do RGIT, é de cinco anos o prazo de prescrição do procedimento criminal relativo àquele crime.

Texto Integral

Acordam, em Conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

1 – A..., SA, contribuinte nº (...), com sede na zona (...), Viseu,

B..., casado, industrial, filho de (...) e de (...), natural de (...), nascido a 28/05/1952, residente na Rua (...), Viseu;

C..., casado, técnico de informática, filho de (...) e de (...), nascido a 8.7.1966, natural da freguesia, de (...), concelho do Porto, residente no Bairro (...) Viseu;

D..., casado, filho de (...) e de (...), nascido a 8.5.1968, natural da freguesia, de (...), concelho do Porto, residente na Rua (...), Viseu;

Foram, no processo Nº 64/06.IDVIS, acusados pelo Ministério, imputando aos 2º a 4º arguidos, em concurso real, um crime de fraude fiscal, p. p. pelo artigo 103º da Lei 15/2001, na forma continuada e um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p.p. pelo artigo 105º do RGIT e à 1ª arguida um crime de abuso de confiança fiscal em concurso real com um crime de fraude fiscal na forma continuada, p.p. pelos artigos 103º, 105º, nº1 e 7, do RGIT.

b) Os arguidos D... e C... já identificados, bem como a E..., Ldª, F... e G..., foram acusados, no processo nº 128/06.3IDVIS, da pratica de um crime de fraude fiscal, p. p. pelo artigo 103º, nº1, al. a), b) e c) do RGIT e um crime de abuso de confiança fiscal, p. p. pelo artigo 105º do mesmo diploma, na forma continuada.

Requerida a abertura da Instrução, foram os autos arquivados em relação a F... e G..., tendo prosseguido em relação aos restantes arguidos.

c) No Processo nº 21/99.4IDVIS, o arguido D... foi acusado juntamente com “ D...”, da prática, o 1º, em concurso real de um crime de fraude fiscal, p.p. pelo artigo 23 do RJIFNA, actual artigo 103, nº1, al.) do RGIT e um crime de abuso de confiança fiscal, p.p. pelo artigo 24 do RJIFNA, actual 105º, nº1 e 5 do RGIT e a arguida pelos mesmos crimes, conforme acusação de fls. 250 a fls. 253.

Posteriormente a acusação deduzida contra a arguida foi declarada inexistente, na medida em que não existia a pessoa colectiva.

2 – Ordenada a apensação dos autos referidos em b) e c) aos presentes, prosseguiram os normais termos do processo para julgamento, no decurso do qual, invocaram os arguidos, D..., B... e A..., a prescrição do procedimento criminal pelos crimes de abuso de confiança fiscal e de fraude fiscal, questão que veio a ser julgada improcedente, pelos motivos que melhor constam a fls. 913 a 915.

3 – Não concordando com esta decisão, dela recorre o arguido, D..., formulando as conclusões que se sintetizam:

a) Ao contrário do entendimento do Tribunal recorrido, entende o arguido que os procedimentos criminais, relativos aos imputados crimes de abuso de confiança fiscal e fraude fiscal se encontram prescritos, ao abrigos das disposições conjugadas dos art.s 120º, nº 2 e 118º, nº 3, do Código Penal.

b) O prazo de prescrição e por referência ao disposto no art. 21º, nº 1 do RGIT, o procedimento criminal por crime tributário extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a sua prática sejam decorridos 5 anos.

d) Os crimes imputados aos arguidos são punidos com prisão até 5 anos.

e) Pelo que o procedimento criminal prescreve no prazo de 5 anos quando se tratar de crimes puníveis com a pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano mas inferior a 5 anos – art. 118º, nº 1, al. c) do Código Penal.

f) A suspensão não pode ultrapassar 3 anos – art. 120º, nº 2 do CP, sendo o regime fixado nesta disposição legal e imperativo.

g) Relativamente ao processo nº 21/99.4IDVIS o último acto ocorreu em 30 de Abril de 1998 e em 15 de Junho do mesmo ano, respectivamente.

h) Com efeito, na data em que os factos foram praticados vigorava o RJIFNA, cujo art. 15º, nº 1, estipulava que o procedimento criminal por crime fiscal se extinguia, por prescrição, logo que sobre a prática do mesmo decorressem 5 anos.

i) Estamos, assim, na presença de um único crime, reiterado ao longo daquele período, o prazo de 5 anos só começaria a correr depois de cessada a consumação, isto é, depois da data da última falta, de acordo com a mesma regra geral.

j) O nº 2 do mesmo art. dizia que aquele prazo também se suspendia por efeito da suspensão do processo, sendo que, não contendo o RJIFNA outras disposições sobre o instituto, a conjugação, “também” reforça a ideia de que o restante regime legal da prescrição do procedimento criminal se deveria ir buscar ao CP, como corpo de normas subsidiariamente aplicáveis aos crimes fiscais, nos termos do art. 4º daquele, designadamente as relativas a outras causas de suspensão e às causas de interrupção.

l) Posto isto, resulta do disposto no art. 119º, nº 1, do CP que o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado, todavia a suspensão não pode ultrapassar 3 anos. – art. 120º, nº 2 do CP.

m) O procedimento criminal em relação aos factos indiciados no processo nº 21/99.4IDVIS encontra-se, assim, prescrito.

o) O mesmo prazo de prescrição tem inteira aplicação ao crime de fraude fiscal, ao que, neste caso em concreto terá que se conjugar com o disposto no art. 121º, nº 3 do CP, nos termos do qual a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu inicio e ressalvando o tempo de suspensão tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.

p) Além de que, é subsidiariamente aplicável, nos termos do art. 32º do RGIT o regime prescricional do procedimento contra-ordenacional, conforme Acórdão de Jurisprudência nº 6/2001, publicado no DR nº 76, Série – A, de 30/03 de 2001.

q) No tocante ao processo nº 128/06.3IDVIS e 64/06.3IDVIS, também o procedimento criminal do crime de abuso de confiança fiscal se encontra prescrito.

r) O nº 3 do art. 21º do RGIT estipula que o prazo de prescrição é reduzido ao prazo da caducidade do direito a liquidação tributária, quando a infracção depender de liquidação.

s) Dependendo a infracção em causa de liquidação, e caducando o direito de liquidar o tributo, nos termos do art. 45º, nº 1 da Lei Geral Tributária, no prazo de 4 anos, a prescrição do procedimento criminal é, neste caso, de 4 anos.

t) Inexistindo no processo nº 21/99.4.IDVIS, causas de suspensão, prescreveu, assim, o procedimento criminal relativo aos factos de 2003.

u) Igualmente se encontram prescritos os factos de 2002, 2003 e 2004 constantes do processo principal.

v) Relativamente ao processo principal e ao apenso nº 128/06.3, por factos imputados ao recorrente relativos ao exercício de 2002, 2003 e 2004, conexionados com o IVA, IRS e IRC, o direito de liquidar tais tributos caducou, encontrando-se, consequentemente, o procedimento criminal prescrito.

x) O despacho recorrido ao imiscuir-se, pura e simplesmente de aferir a bondade e o rigor da invocada caducidade, em razão de tão-somente ter declarado a adesão à promoção do Ministério Público, escudando-se no argumento de evitar a duplicação fáctica, jurídica e jurisprudencial, o que objectivamente percute uma omissão de pronúncia.

4 – Concluída a audiência de discussão e julgamento, deliberou o Colectivo, julgar as acusações parcialmente procedentes e, em consequência:

a) No Processo nº 64/06.3IDVIS:

- Convolar o crime de fraude fiscal, p. p. pelo artigo 103º do RGIT, na forma continuada, para o crime de fraude fiscal qualificada, p.p. pelos artigos 103º, nº1, al. ) e b) e 104º, nº2 do RGIT;

- Condenar o arguido, B..., como autor material da prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p.p. pelos artigos 103º, nº1, al. a) e b) e 104º, nº2 do RGIT (quer na redacção actual, quer na em vigor à data da prática dos factos), na pena de 20 (vinte) meses de prisão;

- Absolver o arguido, B...da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p.p.p artigo 105º, nº1 do RGIT (na redacção actual).

- Suspender a pena de prisão aplicada ao arguido, B... , por igual período, nos termos do artigo 50º do CP.

- Condenar o arguido, C..., como autor material da prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. p. pelos artigos 103º, nº1, al. a) e b) e 104, nº2 do RGIT (quer na redacção actual, quer na em vigor à data da prática dos factos), na pena de 2 (dois) anos de prisão;

- Condenar o arguido C... como autor material da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. p. pelos artigos 105, nº1 do RGIT (quer na redacção actual, quer na em vigor à data da prática dos factos), na pena de 10 (dez) meses de prisão;

- Condenar o arguido, D..., como autor material da prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p.p. pelos artigos 103, nº1, al. a) e b) e 104, nº2 do RGIT (quer na redacção actual, quer na em vigor à data da prática dos factos), na pena 2 (dois) anos de prisão;

- Condenar o arguido, D..., como autor material da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p.p. pelos artigos 105, nº1 do RGIT (quer na redacção actual, quer na em vigor à data da prática dos factos), na pena de 10 meses de prisão;

- Condenar a arguida, A... SA, como autora material da prática de um crime de fraude fiscal qualificado, p.p. pelos artigos 103, nº1, al. a) e b), 104º, nº2 e 7º do RGIT (quer na redacção actual, quer na em vigor à data da prática dos factos), na pena de 450 dias de multa à taxa de 7€/dia;

- Condenar a arguida, A... SA, como autora material da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p.p. pelos artigos 105º, nº1 e 7º do RGIT (quer na redacção actual, quer na em vigor à data da prática dos factos), na pena de 280 dias de multa à taxa de 7€/dia;

b) No Processo nº 128/06.3IDVIS:

- Convolar o crime de fraude fiscal, p. p. pelo artigo 103º do RGIT, na forma continuada, para o crime de fraude fiscal qualificada, p.p. pelos artigos 103º, nº1, al. a) e b) e 104º, nº2 do RGIT;

- Condenar os arguidos, D... e C..., como autores materiais da prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. p. pelos artigos 103º, nº1, al. a) e b) e 104º, nº2 do RGIT (quer na redacção actual, quer na em vigor à data da prática dos factos), na pena de 22 (vinte e dois) meses de prisão;

- Condenar a arguida, E..., Ldª, como autora material da prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. p. pelos artigos 103º, nº1, al. a) e b), 104º, nº2 e 7 do RGIT (quer na redacção actual, quer na em vigor à data da prática dos factos), na pena de 420 dias de multa à taxa de 7€/dia;

- Absolver todos os arguidos da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p.p. pelos artigos 105º, nº1, do RGIT (na redacção actual).

c) No Processo nº 21/99.4IDVIS:

- Condenar o arguido D... como autor material da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. p. pelo artigo 105º, nº1, do RGIT (quer na redacção actual, quer na em vigor à data da prática dos factos - RGIFNA), na pena de 10 (dez) meses de prisão;

- Absolver o mesmo arguido da prática de um crime de fraude fiscal, p. p. pelo artigo 103º, nº1 do RGIT, na forma continuada (na actual redacção).

d) Em cúmulo jurídico condenar:

- O arguido C... na pena única de 3 (três) anos de prisão;

- Nos termos do artigo 50º, do CP decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido por igual período de tempo

- O arguido D..., na pena única de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;

- Nos termos do artigo 50º, do CP decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido por igual período de tempo;

- Determina-se, nos termos dos art.s 52, n.º1, al. a) e 3, 53º, n.º 3 e 54º, todos do C. Penal, que a suspensão da execução da pena do arguido D..., seja acompanhada de regime de prova, assente num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social;

- A arguida A..., SA, na pena única de 550 dias de multa, à taxa diária de 7€/dia.

5 – D... não se conformando com a sua condenação, dela recorre, sintetizando a respectiva Motivação, nas seguintes Conclusões.

a) Inexistem elementos nos autos que, sem sombra de dúvidas, atestem, inelutavelmente, a prática dos factos pelos quais vem acusado.

b) As penas parcelares que lhe foram aplicadas, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, de 22 meses e 2 anos de prisão, são manifestamente desproporcionadas e desajustadas face à concreta actuação.

c) Também as penas parcelares do crime de abuso de confiança fiscal se mostram irrazoáveis, desadequadas de desproporcionais.

d) O Recorrente era apenas um director comercial, não estando na sua dependência a tomada das decisões relevantes de índole fiscal, as quais não eram compagináveis com as funções que desempenhava.

e) As penas parcelares parecem ultrapassar os limites da culpa.

f) Valorando os ilícitos, globalmente, perpetrados, ponderando, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido, tendo em conta a gravidade dos factos e o período decorrido desde a sua prática, a personalidade do arguido projectada nos factos e perspectivada por eles, que não demonstram tendência criminosa, as exigências de prevenção geral a nível de crimes fiscais, as exigências de prevenção especial de foram a dissuadir a reincidência, os efeitos previsíveis da pena a aplicar, no comportamento futuro do arguido, e sem prejuízo do limite da culpa que se prefigura muito intensa, deverão as penas parcelares ser reduzidas e bem assim a pena única resultante do cúmulo.

g) Militam a favor do arguido, a ausência de antecedentes criminais por ilícitos de idêntica natureza e a circunstância dos factos já terem ocorrido, no caso do processo nº 21/99.4IDVIS, há mais de 15 anos, ao passo que nos outros dois processos os factos remontam aos anos de 2002 a 2004, não tendo voltado a cometer crimes idênticos.

h) A situação económica do recorrente é débil, situada no limiar da pobreza.

i) Os montantes, ilicitamente, apropriados não ingressaram no património pessoal do arguido, situação que, seguramente, será merecedora do devido acolhimento.

j) Tendo em conta as molduras penais abstractas e ponderando os critérios legais determinantes da medida concreta da pena, deve a pena aplicada ao arguido ser reduzida.

6 – Também o arguido, B..., inconformado com a condenação, dela recorre, concluindo:

a) Atendendo à prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e à prova documental, designadamente à Escritura de rectificação, exarada de fls. 80 a fls. 81, do livro de notas para escrituras diversas, n.º 23-A do 1º Cartório Notarial de Competência Especializada de Viseu, junto a fls. dos autos, ocorreu erro notório da apreciação da prova quanto aos factos provados sob os n.ºs 2, 4 a 9 e 13 a 16.

b) Tais factos deveriam ter sido dado como não provados, no que respeita ao ora recorrente.

c) Os meios probatórios que impõem decisão diversa da douta decisão recorrida são os depoimentos das testemunhas referidos em cada um dos pontos das alegações.

d) A fundamentação da decisão recorrida denota, salvo o devido respeito, falta de bom senso e não valorou as provas relevantes em termos legais, dado que não apreciou as provas de acordo com as regras da experiência, não valorando a favor do arguido as provas que foram produzidas em audiência de discussão e julgamento, designadamente que a sua nomeação como administrador não teve qualquer influência no modo como esta sociedade vinha desenvolvendo a sua actividade... simplesmente, com a sua nomeação, a sociedade A..., SA adquiriu umas instalações novas, utilizando a expressão da Meritíssima Juiz a quo “é tudo na mesma, (...??) esta teve direito a uma casa nova e sócios diferentes”, “só cresceu com sócios”, ou a expressão do arguido D...: “mudaram de casa e entrou, portanto o outro accionista” (note-se, não entrou um administrador novo, entrou um accionista) ou “cresceu de instalações, tinha umas instalações velhas e passou para um pavilhão novo”.

e) Não se concebendo como é que da prova produzida se retira que o arguido praticou o crime de fraude fiscal.

f) Assim, o tribunal não fundamentou devidamente, salvo o devido respeito por douta opinião contrária, a sua decisão, violando o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127º do CPP, sendo consequentemente nula, nulidade esta que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.

g) Face ao que foi dissecado, é-nos lícito concluir que o arguido, ora recorrente, foi condenado sem que a Digna Magistrada do MP tenha logrado provar o exercício da administração por parte do arguido recorrente.

h) Ora, um dos princípios a que o Tribunal a quo se encontra vinculado é o princípio in dubio pro reo, um dos princípios estruturantes do processo penal, ao qual a regra da livre apreciação da prova está sujeita.

i) A aplicação deste princípio pressupõe a existência de um estado de dúvida no espírito do julgador.

j) Esta dúvida resulta de forma evidente da douta decisão recorrida.

l) Na verdade, o Meritíssimo Tribunal a quo afirmou que a responsabilidade do arguido não resultou de forma “tão evidente”.

m) E, a julgar pelas expressões utilizadas, com todo o respeito, parece que se dúvidas não restaram, deveriam ter restado, pois se continua tudo igual àquilo que era antes do arguido recorrente ter sido nomeado administrador, então é porque a pessoa que continua a administrar a empresa A..., SA continua a ser a mesma àquela que a administrava anteriormente.

n) Acresce que, de entre os trabalhadores, que são as pessoas que estabelecem relações mais próximas com os administradores, não houve um único a associar o arguido recorrente à empresa arguida.

o) Estamos, assim, e com todo o respeito, perante uma dúvida razoável e insanável, objectivamente perceptível no contexto da decisão proferida, ora recorrida.

p) Assim, sempre que o julgador tenha dúvidas quanto à responsabilidade do agente, deverá decidir no sentido mais favorável àquele, recorrendo ao princípio in dubio pro reo, princípio este que deve ser aplicado sem qualquer restrição, não só nos elementos fundamentadores da incriminação, como também na prova de quaisquer factos cuja fixação prévia seja condição indispensável de uma decisão susceptível de desfavorecer, objectivamente, o arguido.

q) O presente procedimento criminal extingue-se decorrido 6 anos (4 + ½ de 4), prazo esse que, considerando que os factos ocorreram em 2003 e 2004, há muito se encontra decorrido.

s) O presente procedimento criminal encontra-se, desta forma, prescrito, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 21º do RGIT, art.º 120, n.º 2, 121º e 118, n.º 3 ambos do Código Penal.

t) Acresce que, o tipo subjectivo de ilícito, bem como o elemento da culpa padecem de falta de fundamentação.

u) O acórdão que não contiver, portanto, os motivos de direito que fundamentam a decisão é nula, de acordo com o disposto no artigo 379º n.º 1 al. a) do CPP.

v) Conforme se referiu, o arguido, ora recorrente, foi condenado na pena de 20 (vinte) meses de prisão.

x) O Tribunal “a quo” ao condenar o arguido na pena referida, violou o disposto no art. 71.º do Código Penal, traduzindo-se a pena aplicada numa pena demasiada severa e excessiva.

7 – O Ministério Público, em primeira instância, respondeu, a todos os recursos, tendo concluindo:

Sobre o Recurso da decisão que julgou improcedente a prescrição:

a) Perante as causas suspensivas e interruptivas verificadas, não decorreu e está longe de ser atingido o termo da prescrição criminal, por qualquer dos crimes imputados ao Recorrente.

b) Tanto mais que os deveres tributários, cuja ofensa se imputa ao Recorrente, não dependem, pelas razões expostas, de acto de liquidação.

c) O despacho recorrido fez correcta interpretação e aplicação do direito, não ofendendo qualquer normativo, nomeadamente o disposto no art. 21º do RGIT, 45º da LGT e 119, nº 1, 120º, nº 2 e 121º, nº 3 do Código Penal.

Quanto ao Recurso de D...

d) A não indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, com base no suportes técnicos, nos termos e para os efeitos do art. 412.º, n.ºs 3-b) e 4 do Código de Processo Penal impede o Tribunal ad quem de conhecer do recurso da matéria de facto, nos termos do disposto no art. 431.º, al. b), do Código de Processo Penal, a contrario, pelo que, perante a verificada inobservância daquele ónus, está vedado o conhecimento sobre a matéria de facto.

e) Fixada a matéria de facto, no âmbito da qual o tribunal de recurso necessariamente se terá de mover, a condenação do arguido é a decorrência normal do preenchimento dos elementos subjectivos e objectivos dos crimes de fraude e abuso de confiança fiscal.

f) As penas aplicadas ao arguido obedeceram a rigorosos critérios de dosimetria penal, observando escrupulosamente a culpa e a reintegração do recorrente, tendo sido devidamente ponderadas as exigências decorrentes das necessidades de prevenção geral e especial que, no caso concreto, se fazem sentir.

g) São, por isso, equilibradas, adequadas ao caso, obedecem aos critérios legais na sua determinação e não ultrapassam a medida da culpa, razões pela qual deverão valer e permanecer.

h) Não se mostram, por isso, violados, por qualquer forma, quaisquer preceitos legais, designadamente os referidos pelo recorrente.

Em relação ao Recurso de B...

i) O recurso relativo à matéria de facto consiste em saber, tão só, se em sede de julgamento foi produzida prova bastante que permita acolher a tese defendida pelo julgador ou se existiu um erro evidente na valoração, não visa um segundo julgamento da causa nos mesmos termos em que o faz a primeira instância.

j) O não acreditar no arguido, ora recorrente, quando declinou qualquer tipo de intervenção na gestão da empresa que ele próprio criou e passou a figurar como administrador, com a ideia de trabalhar em conjunto com outra empresa da qual também é sócio, partilhando inclusivamente as mesmas instalações, não surgiu para os julgadores como uma operação puramente subjectiva e emocional. Pelo contrário.

l) Num cenário em que os intervenientes andavam de empresa em empresa, abrindo umas e fechando outras, o tribunal a quo não acreditou no arguido porque a versão dos factos por ele apresentada se mostrou irrazoável, ilógica, contrariando as regras da experiência e do normal acontecer.

m) O Tribunal ao valorar os depoimentos de ambos os arguidos, no confronto com os demais elementos de prova e ao socorrer-se das regras da experiência comum, aplicou eficazmente o principio da livre apreciação da prova.

n) Assim, realizando não uma operação puramente subjectiva e/ou emocional, mas sim uma valoração critica e racional em conformidade com a lógica e as regras da razão, o tribunal a quo tornou objectiva a apreciação dos factos.

o) Esta realidade encontra-se plasmada na criteriosa fundamentação da matéria de facto dada como provada, pondo a claro, e por isso, sujeita a sindicância, todo o processo lógico que conduziu à objectivação da tese da acusação, postergando, a irracional explicação adiantada pelo arguido na parte fulcral dos factos: o exercício da administração da empresa arguida.

p) Em face de todo o circunstancialismo, é indubitável que o Recorrente exerceu de facto a gerência da arguida, da qual era administrador, sendo, por isso, também, responsável, pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado, nos termos surpreendidos pelo tribunal a quo.

r) Fixada a matéria de facto, sem qualquer margem para censura, a condenação do arguido é a decorrência normal do preenchimento dos elementos subjectivos e objectivos do crime de fraude fiscal, p. p. pelos art. 103º, nº1 al. a) e b) e 104º, nº 2 do RGIT.

s) A pena aplicada ao arguido obedece a rigorosos critérios de dosimetria penal, observando escrupulosamente a culpa e a reintegração do recorrente, tendo sido devidamente ponderadas as exigências decorrentes das necessidades de prevenção geral e especial que, no caso concreto, se fazem sentir.

t) Da decisão ora sob censura resultam perfeitamente perceptíveis as razões onde a mesma se suporta, sendo possível captar o raciocínio lógico sobre ela efectuado e, assim, perceber a razão pela qual se concluiu pela necessidade da pena em que o arguido foi condenado, pelo que, explicando a motivação no que se refere à determinação da medida concreta da pena o porquê da decisão e o processo lógico formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, como indubitavelmente ocorreu no caso presente, inexistirá falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão, que consubstancie preterição do invocado art. 374º, nº 2 do Código de Processo Penal.

8 – O Digno Procurador-Geral-Adjunto, nesta Relação, acolhendo os argumentos aduzidos em 7, defende a manutenção do Acórdão recorrido.

9 – Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, nada obstando ao conhecimento de mérito do Recurso.

II – DA SENTENÇA RECORRIDA

A primeira instância julgou a matéria de facto da seguinte forma:

A) Sobre os Factos provados

No PCC 64/06.3IDVIS:

1) A arguida “ A...” exercia à data dos factos, a actividade de construções de edifícios, pela qual se encontrava colectada no Serviço de Finanças de Viseu 2, enquadrada em IVA, no regime normal de periodicidade trimestral.

2) A gerência da sociedade durante o período contributivo compreendido nos exercícios de 2003 e primeiro trimestre de 2004 esteve a cargos dos 2º, 3º e 4º arguidos, os quais dirigiam as actividades da sociedade arguida e procediam aos pagamentos das contribuições e impostos devidos pela sua representada, bem como recebiam os montantes cobrados quer pelas mercadorias vendidas, quer mesmo pelo IVA que cobravam aos clientes da sociedade que representavam, sendo que a partir de finais de Março de 2004 passou a estar apenas a cargo dos 3º e 4º arguidos.

I. Exercício Fiscal 2003 – 3º e 4º T.

I.A)

3) A sociedade arguida prestou serviços, entre outros, ao cliente “O....”, tendo emitido as faturas com os números 2, 3, 4, 7, 9 e 10, cujas cópias constam a fls. 153 a 159 dos autos.

4) No entanto, a arguida A..., representada pelos arguidos, emitiu, para inclusão na sua contabilidade (com reflexo nas respetivas declarações fiscais) uma versão alterada de cada uma das referidas faturas, nelas constando um valor de faturação de apenas 10% em relação ao valor realmente faturado e recebido, conforme quadro de fls. 8v. dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

5) Agiram os arguidos com a intenção de não proceder ao pagamento, ao Estado, do valor dos impostos que eram devidos por tal atividade, quer em sede de IVA, quer em sede de IRC.

6) Dessa forma, deixaram de entregar nos cofres do Estado as seguintes quantias, a título de IVA liquidado e efetivamente recebido da cliente O...:

Fatura nºPeríodo tributárioValor real IVA liquidado faturaDiferença entre IVA real e o declarado
23º T. 20037.183,63€6.465,28€
32.137,22€1.923,51€
41.197,00€1.077,30€
77.183,63€6.465,28€

Total:15.931,37€

Fatura nºPeríodo tributárioValor real IVA liquidado faturaDiferença entre IVA real e o declarado
94º T. 20035.016,00€4.514,40€
103.990,00€3.591,00€

Total:8.105,40€

I.B)

7) Nas declarações periódicas de IVA da sociedade arguida relativas aos 3º e 4º trimestres de 2003, os arguidos procederam a deduções, respetivamente, de 10.413,05€ e de 33.163,66€.

8) No entanto, os arguidos não dispunham nem exibiram à Administração fiscal os documentos de suporte para tais deduções, que, foram, pois indevidamente efetuadas, deixando, por via disso, os arguidos de entregar nos cofres do Estado tais quantias.

I.C)

9) Por sua vez, em sede de declaração de IRC, os arguidos omitiram os proveitos efetivamente auferidos a que se reportam as faturas supra mencionadas, assim deixando de entregar nos cofres do Estado o imposto (IRC) no valor de 34.686,41€, conforme traduzido no seguinte quadro:

Resultado fiscal declarado na modelo 22 enviada pelo sujeito passivo (prejuízo)a)-10.887,92€
Correção efetuada – proveitos com faturação O...b)126.509,30€
Resultado fiscal corrigidoc)=a+b115.621,38€
Taxa de IRCd)30%
Imposto IRC em faltae)=c ) x d)34.686,41

II.

Exercício Fiscal 2004

II.A)

10) No exercício fiscal de 2004, os 3º e 4º arguidos não cumpriram as suas obrigações declarativas, quer relativamente às declarações periódicas de IVA, quer relativamente à declaração de IRC.

11) No entanto, nesse ano, a sociedade arguida desenvolveu normalmente a sua atividade, prestando serviços e efetuando vendas a clientes, pelos quais emitiu faturas, melhor discriminadas no quadro de fls. 6 v. dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido - cujo IVA, com exceção da fatura, nº 43, liquidou e efectivamente recebeu.

12) Assim, no referido período, os arguidos apropriaram-se dos seguintes valores de IVA, que, apesar de recebido, não entregaram nos cofres do Estado, não o fazendo mesmo decorridos mais de 90 dias sobre o prazo para o efeito:

Doc. Período tributárioValor totalValor IVA
Fatura nº 11º T. 200441,65€6,65€
VD nº 1630,70€100,70€
Fatura nº 345.154,55€7.209,55€
Fatura nº 51.785,00€285,00€
Fatura nº 92º T. 20041.130,50€180,50€
Fatura nº 183º T. 200415.862,70€2.532,70€
Fatura nº 214º T. 200422.550,50€3.600,50€
Fatura nº 2210.115,00€1.615,00€
Fatura nº 25535,50€85,50€
Fatura nº 2746.737,25€7.462,25€

II.B)

13) No 2º e 3º trimestres de 2004, a arguida sociedade, representada pelos arguidos, procedeu a aquisições intracomunitárias melhor discriminadas no quadro de fls. 7. No entanto, não liquidou nem entregou nos cofres do Estado, como devia, os valores de 123,50€ e 51,49€, respetivamente.

II.C)

14) Ao não apresentaram declaração anual da sociedade para efeitos de IRC, omitindo os proveitos efetivamente auferidos, os arguidos deixaram de entregar nos cofres do Estado o imposto (IRC) em valor não concretamente apurado mas inferior a 15.000€.

III.

15) Com as condutas descritas em I.A e I.B, relativas aos 3º e 4º T. de 2003 e com a conduta descrita em I.C) relativa ao exercício de 2003 os arguidos agiram de forma livre, concertada e consciente, com intenção de alterar e ocultar factos e valores, com vista ao não pagamento, pela sociedade arguida, de impostos, com o consequente prejuízo para a Administração Fiscal.

16) Por sua vez, com as condutas descrita em II.A), relativas ao 1º e 4º T. de 2004, os arguidos agiram livre, concertada e conscientemente, em representação da sociedade arguida, com intenção de se apropriarem de valor de IVA superior a 7.500€, que estavam obrigados a entregar ao Estado, com o consequente prejuízo deste.

Factos Provados nº PCS 128/06.3IDVIS:

17) A E..., Ldª, detentora do NIPC 506287483, era, nos anos de 2002 e 2003 uma sociedade comercial por quotas, da qual era sócio, exercendo igualmente funções de gerente, C....

18) Por seu turno o arguido D..., apesar de não constar como sócio da “ E..., nos referido anos de 2002 e 2003 também exerceu as funções de gerente, na mencionada sociedade.

19) A sociedade, à data dos factos, exercia a actividade de “Construções de Edifícios”- ..., pela qual se encontrava colectada no 1º Serviço de Finanças de Viseu, em IRC e em IVA, estando englobada no regime normal de periodicidade trimestral para efeitos de IVA

I. Exercício Fiscal 2002 – 4º Trimestre:

I.A)

20) No 4º trimestre de 2002, a sociedade arguida prestou serviços, entre outros, aos clientes “ P..., Ldª”, “ Q..., SA,”, “ R..., Ldª”, “ S..., Ldª”, “ T..., Ldª” e “ U...SL”, serviços esses que faturou, liquidando e efetivamente recebendo o IVA correspondente.

21) Todavia, os arguidos lançaram na contabilidade da sociedade arguida – com reflexo na declaração periódica de IVA relativa ao último trimestre de 2002 – as notas de crédito com os nºs 1 a 3 e 5 a 12, inclusive, conforme melhor descrito no quadro de fls. 10, do auto de notícia, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, obtendo, por via disso, regularizações de IVA no valor global de 39.844,17€.

22) Dessas, só os valores correspondentes às notas de crédito com os números 7 e 9 são verdadeiros, tendo as restantes notas de crédito sido forjadas pelos arguidos com o intuito de obterem, indevidamente, regularização de IVA no valor total 26.120,17€.

I.B)

23) No 4º trimestre de 2002, a sociedade arguida efetuou aquisições intracomunitárias de bens (AIB) aos fornecedores V...SL e X...SL.

24) Todavia, os arguidos não inscreveram tais operações, no valor global de 47.981,13€, na respetiva declaração periódica de IVA, assim como não liquidaram nem entregaram nos cofres do Estado o IVA devido por tais transações, no valor global de 9.116,41€

I.C)

25) Por sua vez, no mesmo período, os arguidos registaram na contabilidade da arguida e declararam a transmissão de bens no valor global de 32.000€, ao cliente “Espanhol Q... SA”, isentando, porém, de IVA tal transação.

26) Todavia, o referido cliente não está registado como sujeito passivo de imposto para efeitos de transmissão intracomunitária de bens, pelo que tal isenção de IVA foi indevida.

27) Como tal, estavam os arguidos obrigados a liquidar e entregar ao Estado, por tal transação, o valor global de 6.080,00€, assim obtendo benefício indevido para a sociedade no mesmo montante.

I.D)

28) No 4º trimestre de 2002, a sociedade arguida procedeu a retenções de rendimentos de trabalho dependente, independente e prediais no valor global de 877,79€. Todavia, os arguidos não procederam como deviam, à entrega de tais montantes retidos, para efeitos de IRS, nos cofres do Estado.

I.E)

29) Nas declarações periódicas de IVA da sociedade arguida relativas ao 4º trimestre de 2002, os arguidos procederam a deduções no valor global de 25.764,66€.

30) No entanto, os arguidos não dispunham nem exibiram à Administração fiscal os documentos de suporte para tais deduções, que foram, pois, indevidamente efetuadas.

I.F)

31) Por sua vez, em sede de declaração de IRC, os arguidos omitiram proveitos efetivamente auferidos, assim deixando de entregar nos cofres do Estado o imposto (IRC) no valor, pelo menos, de 8.620,99€.

II. Exercício Fiscal 2003:

II.A)

32) No 2º trimestre de 2003, a sociedade arguida prestou serviços, entre outros, ao cliente “ O... SA”, serviços esses que faturou, liquidando e efetivamente recebendo o valor de IVA correspondente.

33) Todavia, os arguidos lançaram na contabilidade da sociedade arguida – com reflexo na declaração periódica de IVA relativa ao 2º trimestre de 2003 – a nota de crédito com o nº 5, conforme melhor descrito no quadro de fls. 10, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, obtendo, por via disso, regularizações de IVA no valor global de 10.775,45€.

34) Porém, a referida nota de crédito foi forjada pelos arguidos com o intuito de obterem, indevidamente, regularização de IVA no mesmo montante, em prejuízo do Estado.

II.B)

35) Em 15.04.2003, também no 2º trimestre 2003, a sociedade arguida emitiu a fatura nº 30 à cliente Ç..., no valor global de 11.900,00€ - cujo IVA, no valor de 1.900,00€, liquidou e efectivamente recebeu.

36) Porém, os arguidos não incluíram tal fatura na contabilidade e omitiram o valor de IVA recebido na declaração periódica apresentada, não o entregando nos cofres do Estado.

II.C)

37) Nas declarações periódicas de IVA da sociedade arguida relativas ao 1º e 2º trimestres de 2003, os arguidos procederam a deduções nos valores, respetivamente, de 4.025,33€ e 5.531,26€.

38) No entanto, os arguidos não dispunham nem exibiram à Administração fiscal os documentos de suporte para tais deduções, que foram, pois, indevidamente efetuadas.

II.D)

39) Por sua vez, os arguidos não apresentaram declaração anual Mod. 22 para efeitos de IRC, omitindo os proveitos efetivamente auferidos, assim deixando de entregar nos cofres do Estado o imposto (IRC) em valor não concretamente apurado mas não superior a 15.000€.

III.

40) Os arguidos agiram da forma descrita livre e conscientemente, com intenção de alterar e ocultar factos e valores, com vista ao não pagamento, pela sociedade arguida, de impostos, com o consequente prejuízo para a Administração Fiscal.

Factos Provados do PCS 21/99.4 IDVIS:

I.

41) Em 1996 e 1997 o arguido D..., contribuinte nº (...), encontrava-se coletado para a atividade de construção de edifícios (CAE 45211) em nome individual, tendo domicílio fiscal no Bairro (...)Viseu.

42) Para efeitos de IVA estava sujeito ao regime de periodicidade trimestral.

II.

43) A partir do 2º trimestre de 1996, inclusive, e no ano de 1997 o arguido não apresentou às autoridades tributárias quaisquer declarações periódicas de IVA.

44) No entanto, nos referidos períodos, o arguido prestou serviços remunerados a clientes, nomeadamente ao cliente Soc. de Construções L...., pelos quais emitiu diversas faturas, nomeadamente as melhor discriminadas nos quadros de fls. 26 e 27 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo liquidado e efectivamente recebido os respectivos valores de IVA – com exceção de 1.300.299$00, relativo às últimas faturas.

45) Assim, no referido período, o arguido apropriou-se dos seguintes valores de IVA, que, apesar de recebido, com a referida exceção, não entregou nos cofres do Estado – nem mesmo decorridos mais de 90 dias sobre o prazo para o efeito.

1996

Fatura Período tributárioValor faturaIVA
433º trimestre 961.091.095$00158.535$00

(840,65€)

483º trimestre 961.303.088$00189.338$00

(944,41€)

573º trimestre 961.367.964$00198.764$00

(991,43€)

624º trimestre 962.264.711$00329.061$00

(1.641,35€)

674º trimestre 962.077.686$00301.886$00

(1.505,80€)

764º trimestre 961.386.918$00201.518$00

(1.005,17)

1997

Fatura Período tributárioValor faturaIVA
821º trimestre 971.087.456$158.006$00

(788,13€)

901º trimestre 97679.770$0098.770$00

(492,66€)

941º trimestre 97351.936$0051.136$00

(255,07€)

992º trimestre 97326.898$0047.498$00

(236,92€)

1132º trimestre 97897.741$00130.441$00

(650,64€)

1142º trimestre 97435.334$0063.245$00

(315,46€)

1152º trimestre 97367.029$0053.329$00

(266€)

1252º trimestre 971.705.626$00247.826$00

(1.236,15€)

1272º trimestre 97299.289$0043.486$00

(216,91€)

1302º trimestre 97598.726$0086.994$00

(433,92€)

1443º trimestre 971.215.045$00176.545$00

(880,60€)

1473º trimestre 97598.726$0086.994$00

(433,92€)

1433º trimestre 97556.569$0080.869$00

(403,37€)

1453º trimestre 97285.480$0041.480$00

(206,90€)

1493º trimestre 973.676.725$00534.225$00

(2.664,70€)

1513º trimestre 976.891.300$001.001.300$00

(4.994,46€)

1533º trimestre 972.217.004$00322.129$00

(1.606,77€)

1543º trimestre 97187.200$0027.200$00

(135,67€)

1553º trimestre 972.026.674$00294.474$00

(1.468,83€)

1573º trimestre 973.147.534$00457.334$00

(2.281,17€)

1584º trimestre 973.046.680$00442.680$00

(2.208.08€)

1614º trimestre 97434.070$0063.070$00

(314,59€)

1624º trimestre 971.310.283$00190.383$00

(949,63€)

1634º trimestre 971.626.066$00236.266$00

(1.178,49€)

1644º trimestre 97649.350$0094.350$00

(470,62€)

1664º trimestre 971.132.560$00164.560$00

(820,82€)

1674º trimestre 971.596.348$00231.948$00

(1.156,95€)

1684º trimestre 97697.320$00101.320$00

(505,38€)

1694º trimestre 97987.714$00143.514$00

(715,84€)

III.

46) Nos exercícios de 1996 e de 1997 o arguido não apresentou declarações Modelo 2 para efeitos de IRS, omitindo à Administração fiscal os proveitos obtidos, nomeadamente através dos serviços que prestou à L..., pelos quais devia imposto em montante que não foi possível determinar.

IV.

47) O arguido agiu da forma descrita livre e conscientemente com intenção de se apropriar dos valores de IVA supra descritos, que estava obrigado a entregar ao Estado e que, pelo menos no 3º trimestre de 1997 foram superiores a 7.500€ – com o consequente prejuízo deste, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

48) Do CRC do arguido B...não constam quaisquer antecedentes;

49) Como habilitações tem frequência universitária;

50) É empresário;

51) Tem três filhos, sendo que dois ainda estão a seu cargo;

52) Do CRC do arguido D... constam os antecedentes de fls. 315 a 317 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;

53) Frequentou o 1º ano de engenharia civil;

54) Do CRC do arguido C...constam os antecedentes de fls. 502 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

B) Sobre os Factos não provados

Para além destes factos, mais nenhum se provou dos que constam das acusações nomeadamente que esteja em contradição com os provados, nomeadamente no que tange aos valores em causa, sendo, ainda que não se provou que os arguidos tenham transmitido uma viatura do imobilizado da sociedade, sem que tenham entregue nos cofres do Estado o respectivo IVA no montante de 2,543,63€.

C) Quanto à Motivação

Para a fixação da matéria de facto o Tribunal teve em conta a totalidade da prova produzida a qual, depois de conjugada entre si, de acordo com as regras da experiência, permitiu ao Tribunal responder à mesma.

Assim, e começando pelos autos 64/06.3 IDVIS, o Tribunal teve em conta a totalidade da prova produzida, nomeadamente documental, testemunhal e declarações dos arguidos o que permitiu ao Tribunal fixar a mesma.

Desde logo, no que tange à questão de saber quem eram os gestores na A... o Tribunal teve em conta, nomeadamente as declarações dos arguidos, D... e B..., que se mostraram contraditórias tentando cada um dos arguidos atirar as culpas para os outros, bem como para o arguido C... que não esteve presente em audiência de julgamento.

A este respeito o arguido B...começou o seu depoimento por mencionar que “não teve grandes funções na A...”, pois era gerente de uma outra empresa a H... Ldª.

Mencionou, ainda, que foi procurado pelos arguidos C... e D... e formou-se a A..., mas que, praticamente não teve funções na mesma. Que a ideia era trabalharem em conjunto nas obras e, como tal ficou como administrador da empresa. Contudo, só lá esteve um mês ou dois e marcou a escritura de rectificação, sendo que durante esse período foi o arguido C... que tratou de tudo, nunca tendo pegado em papeis, não fez nada e praticamente não assinou nada, apenas assinando um cheque de um pagamento.

Esclareceu ainda que só lá esteve um mês ou dois, pois concluíram que não estava lá a fazer nada.

Também referiu que o arguido C... estava no escritório faturava e mandava orçamentos, reunia os documentos e levava-os à contabilidade e que o arguido D... orientava a obras no local.

Com interesse mencionou ainda que a A..., funcionava no mesmo pavilhão, onde a Z...., da qual era sócio e gerente, tinha as suas instalações.

Confrontado com o teor de fls. 89 dos autos deu como justificação, para o facto de ter sido identificado pela K.....como a pessoa da A... com quem mantinham contactos, a circunstância de confundirem a H... com a A....

Posteriormente, depois de confrontado com o teor de fls. 116, limitou-se a referir que a rubrica é parecida com a dele, não dando qualquer explicação para tal.

No que tange à factura de fls. 134 referiu que a A...prestou aqueles serviços à Z...., mas não sabe se a factura foi paga, acrescentando que a Z.... pode ter pago com trabalhos.

Sobre a questão da A...ter utilizado as instalações da Z.... durante um ano e não ter pago qualquer renda não deu qualquer explicação plausível.

Com interesse mencionou ainda que quer o arguido D... quer o arguido C... decidiam activamente sobre o destino da A....

Por seu turno, o arguido D... a este respeito referiu que as funções que exerceu na A... foi de director comercial de obras dando como explicação para a o facto do arguido B...ter constituído a A... com o arguido C... a circunstância do arguido B...ter uma empresa que passava por uma crise, tendo proposto ao arguido C... que mudassem a empresa para as instalações da Z.... e que dessa forma ficassem sócios um do outro, o que veio a suceder.

Referiu, ainda, que a gestão era do irmão, o arguido C..., mas que o B...estava a par do que se passava.

No que tange à sua intervenção nos factos mencionou que era um mero funcionário da empresa, com um ordenado, o qual lhe era pago em dinheiro, desconhecendo o que se passava, nomeadamente no que tange a facturas falsas, pois era um mero funcionário que se limitava a angariar clientes.

Confrontado com o teor de fls. 101, limitou-se a referir que os directores comerciais assinam contratos.

Confrontado com o teor de fls. 89, deu como explicação que existe ali uma confusão, porque era ele que aparecia nos contratos, dando idêntica explicação quando confrontado com o teor de fls. 90 e 91.

Depois de confrontado com o teor de fls. 110 referiu que o número do b.i é o dele e que o cheque está assinado por si, porque foi o arguido B...que lhe passou uma procuração, para levantar o dinheiro.

No que tange ao teor do documento de fls. 117 limitou-se a referir que a assinatura do cheque é a dele.

Com interesse referiu, ainda, que, no início era o arguido B...que geria a A..., não obstante anteriormente ter dito coisa diferente.

Relativamente a esta questão da gerência a testemunha Y...., inspectora Tributária, mencionou que procurou o contabilista da A... que lhe disse que o Sr., D..., o Sr. C... e o Sr. B...eram as pessoas ligadas à empresa. E que depois disto procurou o arguido B...nas instalações da Z.... que lhe disse que a A... já não funcionava lá.

Foi ainda inquirida a testemunha M..., que foi funcionário, quer da A... quer da E... e que apesar de ter começado o seu depoimento por referir que o seu patrão era o Sr. C..., sempre acrescentou que quem o levou para essas empresas foi o arguido D... para quem já tinha trabalhado noutras empresas.

Além disso, também referiu que, apesar do seu patrão ser o arguido C..., quem lhe dava ordens, quer na E..., quer na A... era o arguido D..., pois o Sr. C... estava sempre no escritório, acrescentando, ainda, quem aquele chegou mesmo a pagar-lhe parte de um salário.

Idêntico depoimento foi prestado pela testemunha N..., que trabalhou quer na A..., quer na E... e que referiu que quer numa, quer noutra empresa, o seu patrão era o arguido D..., sendo este que o mandava executar os trabalhos, sendo, ainda, este que lhe pagava o ordenado.

A este respeito também a testemunha J..., igualmente ex funcionário das duas arguidas ( A... e E...) mencionou que trabalhou para os arguidos D... e C..., sendo que recebia pagamentos dos dois.

Foi ainda inquirida, a esta matéria, a testemunha G..., que foi contabilista da A... e da E... e que deixou bem clara a posição do arguido D... nas empresas, chegando mesmo a mencionar que o arguido C... não passava de um testa de ferro.

Finalmente, a testemunha I..., funcionário da W....., que prestou serviços para as arguidas referiu que as empresas eram representadas pelos arguidos D... e C....

Ora, conjugando os depoimentos das testemunhas com as declarações dos arguidos e com os documentos junto aos autos o Tribunal concluiu como consta da factualidade assente no que tange à gestão da A....

Desde logo, a intervenção dos arguidos C... e D... na gerência da A... resultou claríssima dos depoimentos das testemunhas em causa, nomeadamente dos funcionários da empresa que foram peremptórios em identificar os arguidos C... e D... como sendo os seus patrões.

Além disso, a intervenção do arguido D... extrai-se ainda dos documentos juntos aos autos, a que já aludimos a respeito das suas declarações, nomeadamente do teor de fls. 101 e de fls. 107, sendo que nesta ultima situação o arguido D... assina pela administração da empresa, assumindo o mesmo uma posição de chefia e relevância na empresa, participando na sua gestão diária, o mesmo sucedendo com o seu irmão.

No que tange ao arguido B..., a sua intervenção, apesar de não tão evidente como a dos outros arguidos, igualmente resultou da prova produzida, nomeadamente das suas declarações, sendo que este arguido não obstante tentar negar a sua intervenção sempre foi mencionando nas suas declarações não teve grandes funções na A...”, “praticamente não teve funções na mesma” “praticamente não assinou nada”. Assim, o próprio arguido não consegue negar peremptoriamente as suas funções na empresa.

A isto acresce a circunstância do mesmo nos ter dito que a ideia quando aceitou constituir a empresa era trabalharem em conjunto, nomeadamente com a Z...., da qual é sócio, o que levou nomeadamente a que as instalações da A... fossem as mesmas da Z...., ou seja aquela tinha a seda nas instalações desta.

Finalmente cumpre mencionar que o nome do arguido B...aparece em documentos, nomeadamente em cheques, a que já aludimos. De facto, de fls. 89 resulta claramente que a K...no ano de 2003 teve contactos frequentes com o arguido B..., mencionando, ainda, que era um dos representantes da firma na empreitada. Por seu turno, do teor de fls. 116 resulta que o arguido em causa endossou um cheque que tinha sido emitido à ordem da arguida A....

Também o arguido D...confirmou que o arguido B...no início exercia funções activas na gerência da arguida.

Perante isto, e não esquecendo que a arguida A... tinha a sede nas instalações de uma outra empresa que era precisamente do arguido B...., concluímos que o arguido B...igualmente participava na gestão da empresa e isto, pelo menos até Março de 2004, altura em que é feita a escritura de rectificação, junta a fls. 38, sendo que como resulta da certidão de fls. 20 o registo da sociedade foi efectuada em Janeiro de 2003, apesar da constituição da sociedade datar de Setembro de 2003.

Relativamente aos restantes factos, o Tribunal teve essencialmente o depoimento da testemunha Y..., inspectora Tributária e que esclareceu de forma clara os factos, nomeadamente como chegou aos valores em causa, elaborando os documentos juntos a fls. 1312 a 1318, para um melhor esclarecimento, os quais facultou ao Tribunal.

A este respeito a testemunha começou por mencionar que A A...SA, enviou as declarações de 2003, mas já não remeteu as de 2004, mencionando, ainda, que foi a O... é que pediu a intervenção das Finanças.

No que tange ao ano de 2003 esclareceu que depois de terem analisado os elementos da própria O..., concluíram que a arguida apenas registou 10% do valor facturado. A testemunha deixou bem claro que analisaram os elementos da O..., o qual lhes apresentou nomeadamente os contratos, não existindo quaisquer dúvidas de que os trabalhos em causa foram efectuados e facturados, bem como pagos, sendo que comprovaram os meios de pagamento.

Igualmente esclareceu que, em face de tal tiveram de fazer correcções em 2003, nomeadamente em termos de IRC.

No que tange ao ano de 2004 a testemunha esclareceu que não tinha tinham declarações e perante tal identificaram todas as empresas que indicaram a arguida como fornecedora e que perante tal foram junto dos clientes, a quem solicitaram facturas e meios de pagamentos, concluindo que existia IVA por pagar, nos termos que constam de fls. 6 do relatório, concluindo ainda que a arguida recebeu o montante da totalidade das facturas, à excepção da Z.... gruas.

Igualmente esclareceu como tinham chegado aos valores por trimestres, mencionando que, para tal, utilizaram as datas das facturas.

Finalmente a testemunha confirmou uma operação intracomunitária em que o imposto não foi liquidado, bem como a circunstância de terem sido feitas deduções, sem documentos que sustentassem as mesmas.

Assim, com base no depoimento da testemunha, conjugando o mesmo com os documentos juntos chegamos aos valores que constam dos factos dados como assentes, com a certeza exigida em sede de julgamento.

De facto, do teor de fls. 153 a fls. 159 resulta as facturas emitidas pela arguida à FoodN´Sport”, com base nas quais foi apurado quer o IVA em falta, quer o IRC, nos termos constantes de fls. 9 e 10, sendo que tais valores são reais, na medida em que as finanças limitaram-se a pegar nos valores reais, sobre os quais fizeram incidir as taxas devidas, chegando ao imposto em falta.

No que respeita às deduções como já mencionamos a testemunha confirmou as mesmas, bem como que não foram apresentados os documentos de suporte de tais deduções, sendo que até hoje, mesmo em audiência de julgamento, os mesmos não foram apresentados em Tribunal, nem dada qualquer explicação plausível para tal pelos arguidos pelo que, a única explicação lógica que se impõe é que os mesmos não existiam, não sendo os papeis juntos pelo arguido B...em audiência susceptíveis de provar tal factualidade, nomeadamente porque dos mesmos não resultam que os eventuais trabalhos prestados à arguida não foram pagos.

Em relação à falta de declarações periódicas de IVA e IRC de 2004 igualmente esta matéria foi confirmada pela testemunha Y...., sendo, ainda, no que tange ao IVA em falta e dado como provado o mesmo resulta das facturas juntas aos autos e cujos pagamentos foram comprovados, à excepção da Z...., a qual não consta da factualidade assente.

Assim, de fls. 125 a 134 resultam as facturas que levaram ao cálculo do IVA dado como assente, sendo que a fls. 108 extrai-se o pagamento da riscas e obras (factura 27), de fls. 109 e seguintes o pagamento da W.... (facturas nº 18, 21 e 22), fls. 115 e seguintes o pagamento da AA...e de fls. 138 o pagamento da BB....

No que tange aos factos dados como provados nos autos 128 o Tribunal teve em conta a totalidade da prova produzida, sobre esta matéria, nomeadamente documental e testemunhal, sendo que conjugando tais elementos de prova concluímos conforme factualidade dada como assente.

Relativamente à gerência da sociedade o Tribunal dá aqui por reproduzidos os depoimentos das testemunhas M..., N..., J... e G..., a que já aludimos a propósito da A... e que igualmente foram funcionários da E... e que confirmaram que a gerência era exercida também pelo arguido D..., sendo que dos depoimentos das três primeiras testemunhas aludidas ficou patente a intervenção dos dois arguidos na gerência da sociedade, não obstante o arguido nestes autos, à semelhança dos autos 64/06.3 ter tentado dizer ao Tribunal que era um mero funcionário da empresa. Contudo, também nestes autos tal versão não colheu, sendo a sua intervenção na gerência evidente não só dos depoimentos das testemunhas como ainda dos documentos juntos aos autos, nomeadamente dos documentos juntos a fls. 103, 104, 115, 175, entre outros.

Aliás, a este respeito foi ainda inquirida a testemunha F... que mencionou que foi o arguido D... que negociou a transmissão da sua quota na sociedade para o arguido C....

Assim, também aqui não existem duvidas que o arguido D...exercia funções de gerência na firma, sendo que o Tribunal não pode deixar de estranhar que este arguido tenha querido prestar declarações nos autos 64 e 128, para negar que fosse gestor nas empresas em causa e tentar passar a ideia ao Tribunal que era um mero funcionário, para quando chegou aos autos 121 referir que não queria prestar declarações sobre os factos.

No que tange à restante matéria, o Tribunal teve em conta essencialmente o depoimento da testemunha Y...., a cujo depoimento já aludimos e que teve intervenção directa nos presentes autos, o qual conjugado com os documentos juntos permitiu ao Tribunal concluir conforme factualidade dada como assente.

No que tange a este autos a testemunha começou por mencionar que notificaram o arguido C..., que lhes disse que não tinha os elementos da empresa.

A testemunha mencionou ainda que a arguida em 2002 entregou todas as declarações, e que em 2003 não entregou as declarações referentes a IRC.

Além disso, esclareceu que em 2002, não pagaram o IRC, o qual deveria ser pago de imediato e que também tinham em falta o pagamento de IVA do 1º trimestre de 2003, em que cumpriram com a obrigação declarativa, mas não com o pagamento, o qual, no entanto, era inferior a 7.500€.

A testemunha foi ainda peremptória ao afirmar que contactaram os clientes e ouviram os trabalhadores, para saberem os serviços realmente prestados pela sociedade arguida.

Também esclareceu que constatou que algumas facturas foram emitidas e depois anuladas, com notas de crédito, o que os clientes desconheciam, sendo que contactaram os clientes, os quais não confirmaram a existência das mesmas, antes pelo contrário confirmaram a existência dos negócios.

Com interesse confirmou igualmente que o arguido C... mandou-lhe um mail a confirmar que o irmão tinha aquele procedimento, no que tange às notas de crédito, sendo que nunca ouviu os arguidos em declarações.

A testemunha esclareceu ainda que com as mencionadas notas de crédito o negócio era anulado, pelo que o IVA nunca seria devido ao Estado.

Também mencionou que não liquidaram o imposto intercomunitario e que o valor constava do sistema informático e tinha sido dado pelo fornecedor. No que tange a este imposto esclareceu ainda que nas declarações só constava uma parte do valor (3.663,87), só tendo sido liquidado o IVA em relação a esta parte, sendo que depois descobriram que o valor da compra era de 49.392,00.

Com interesse referiu, ainda, que identificaram facturas da Ç.... e da Z.... gruas e que no caso da Ç... confirmaram o recebimento, pois existiam cheques.

Em relação às vendas a Espanha a testemunha também confirmou que a arguida não podia beneficiar da isenção de IVA porque a empresa não estava registada em Espanha.

Igualmente confirmou que os arguidos procederam a deduções de IVA sem apresentarem os documentos para tal.

Tal como mencionado esta testemunha confirmou a factualidade dada como assente, a qual esclareceu em Tribunal, nomeadamente com documentos, sendo que em outras situações confirmou a inexistência de documentos, como no caso das deduções de IVA, sendo que, como já referimos a propósito do processo 64 os arguidos até ao momento não apresentaram tais documentos, sendo que se os mesmos existissem certamente que os teriam apresentado.

Além disso, como igualmente referimos a factualidade em causa extrai-se, ainda dos documentos juntos aos autos esclarecidos e explicados exaustivamente pela testemunha em causa.

Do teor de fls. 31 resulta a inscrição da arguida na CRC, a sua actividade, bem como que o arguido C... era sócio e gerente.

Na carta de fls. 46 o arguido C... relata a intervenção do arguido D... na sociedade, nomeadamente na sua gerência, bem como a circunstância do mesmo forjar notas de crédito, sendo mais um elemento a corroborar a circunstância do arguido D... igualmente exercer funções de gerente.

O Tribunal teve, ainda, em conta o teor de fls. 73 e seguintes, resumo dos documentos registados no balancete da arguido, donde resultam, nomeadamente as facturas emitidas e as notas de crédito, facturas essas e notas de credito juntas aos autos, nomeadamente a fls. 79, 80, 81, 125, 196, 197 e com um outro resumo a fls. 203, encontrando-se ainda juntos cópias de cheques que compravam, pelo menos, alguns pagamentos.

Do teor de fls. 88 extrai-se a fatura emitida a favor da Ç..., mencionada na acusação, sendo que a testemunha mencionada referiu que, na altura, constataram que a mesma foi paga.

Do teor dos balancetes da arguida fls. 55 e seguintes resultam as aquisições intercomunitárias, bem como as restantes transacções em que posteriormente foram emitidas as notas de crédito.

No que tange aos factos dados como provados nos autos 21/99.4IDVIS, o Tribunal teve em conta a totalidade da prova produzida nomeadamente os documentos juntos aos autos e o depoimento da testemunha Y... a que já por várias vezes nos pronunciamos.

Desde logo, a testemunha Y...., inspectora Tributário, da Direcção de Finanças, apesar de não ter tido intervenção directa nos presentes autos, a pedido do Tribunal, analisou os documentos de fls. 33 e 34 do apenso 21/99.4IDVIS, mais concretamente a conta corrente da L..., confirmando que as facturas de 1996 foram todas pagas.

Além disso, a testemunha confirmou ainda que em relação ao ano de 1997 considerou estar em divida a quantia de mil e trezentos contos, duzentos e noventa e nove escudos que deve ser imputado nas últimas facturas, e isto porque não tem os elementos do ano seguinte, sendo que possivelmente o arguido até as recebeu. Contudo, em benefício do arguido, uma vez que não tem os elementos do ano seguinte considerou-as não pagas.

Assim, do depoimento desta testemunha que ajudou o Tribunal a analisar os mencionados elementos, não existem duvidas no que tange aos factos mencionados, nomeadamente aos montantes em divida, a título de IVA.

Do teor de fls. 2 e seguintes resulta ainda o não enviou por parte do arguido das declarações periódicas de IVA de 1996 e 1997, bem como o nº de contribuinte do arguido e o regime em que o mesmo estava enquadrado.

O Tribunal teve ainda em conta os CRC,s dos arguidos juntos aos autos e o relatório social do arguido B....

Nada mais se provou, para além da mencionada matéria pelo facto de não ter sido produzida prova, nomeadamente no que tange à transmissão da viatura.

III – QUESTÕES A DECIDIR

Os temas a decidir que, nesta instância estão sub judice, são os que seguem:

1 – Do Recurso interlocutório

- Nulidade da decisão por omissão de pronúncia

- Prescrição do Procedimento Criminal.

2 – Do Recurso de D...

O Recorrente, nas duas primeiras conclusões, A) e B), afirma que não se conforma, com a condenação plasmada no Acórdão do tribunal recorrido, por, no seu entender, inexistirem nos autos elementos que, sem sombra de dúvida, atestem inelutavelmente a prática dos factos pelos quais vem condenado.

Esta alegação não configura, a nosso ver, impugnação da matéria de facto, seja na modalidade do art. 412º, nº 3, seja no âmbito do art. 410º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal, tanto mais que, em momento algum, da sua Motivação sugere, sequer, a sua intenção de recorrer da matéria de facto.

Por isso, para além da prescrição do procedimento, criminal, o arguido questiona no seu recurso, a escolha e determinação concreta da pena aplicada, sendo, assim, estas as únicas duas questões a apreciar.

3 – Do Recurso de B...

-Nulidade da decisão

- Prescrição do procedimento criminal

- Erro notório na apreciação da prova;

- Alteração da matéria de facto

- Dosimetria da pena.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

A – DO RECURSO INTERLOCUTÓRIO – FLS. 950 A 963

1 – Da nulidade do despacho por omissão de pronúncia

Neste particular, alega o Recorrente que o despacho recorrido não se pronunciou sobre a questão que suscitou no seu requerimento que incidia sobre a caducidade do direito do Estado liquidar os tributos, pelo menos, no tocante ao ano de 2002.

Vejamos:

Em 2 de Maio de 2011, D... arguiu, entre outros, a prescrição dos crimes de abuso de confiança fiscal a que se referem os autos principais e o apenso nº 128/06.3IDVIS, porquanto, dependendo aquelas infracções de liquidação, estão sujeitas ao prazo prescricional de 4 anos previsto no art. 21º, nº3 do Regime Geral das Infracções Tributárias (TGIT).

No requerimento de fls. 903 e 904 é evidente a diferenciação e autonomização dada pelo arguido aos fundamentos da prescrição dos crimes de abuso de confiança fiscal naqueles dois processos, em relação às infracções do processo nº 21/99.4IDVIS.

Por isso, ao tribunal incumbia apreciar apenas e só as pretensões que o arguido lhe submeteu, apreciando cada uma das questões. Só assim não seria, se, oficiosamente, constatasse outras causas de prescrição, o que não foi o caso.

O requerimento do arguido foi apreciado pelo Colectivo de Viseu, a fls. 918, onde se lê:

«Pelas razões que todos os arguidos invocaram nos requerimentos por eles apresentados na anterior sessão de audiência e julgamento, vieram os mesmos invocar a prescrição do procedimento criminal relativamente a todos os crimes que lhes são imputados nos processo principal e apensos em que são arguidos.

Da análise dos autos e das razões naqueles requerimentos invocadas entende o tribunal, no seguimento, aliás, do entendimento adiantado pela Digna Procuradora na promoção que antecede e na qual se pronunciou sobre os requerimentos dos arguidos, que, ao contrário do pretendido por todos os arguidos, não se verificam os pressupostos para a extinção de procedimento criminal relativamente aos mesmos por prescrição.

Com efeito e por forma a evitar a duplicação da argumentação fáctica, jurídica e jurisprudencial, adere este colectivo na íntegra aos fundamentos adiantados na promoção para a qual se remete, concluindo e decidindo que se não encontra prescrito o procedimento criminal relativamente a cada um dos arguidos e a cada um dos crimes porque os mesmos vêm acusados».

Remetendo-se, nesta deliberação, a fundamentação de facto e de direito para a que consta na promoção do Ministério Público, a fls. 913 a 915, verificamos que, sobre a concreta questão suscitada pelo arguido, se pronunciou, a fls. 914 e 915, da seguinte forma:

« …A lei 60-A/2005, de 30 de Dezembro veio alterar o disposto neste art. 45º da L. G. T, aditando o nº 5 a esse artigo, onde se determina que: “sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o nº 1, é alargado até (…) ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

Este normativo é aplicado retroactivamente aos prazos de caducidade em curso à data de entrada em vigor da presente lei, por força do estipulado no nº 2, do Capítulo XI (Procedimento, Processo tributário e outras disposições) desse diploma legal.

Ainda relativamente aos prazos de prescrição dos crimes imputados, nesses processos aos arguidos (…) tão pouco estão prescritos, pois verificam-se em ambos os processos, as causas de interrupção e de suspensão da prescrição constantes das alíneas a) do artigo 121º e b) do art. 120º, ambos do Código Penal, sem que tenham decorrido os prazos a que alude o nº 3 do artigo 121º e nº 2 do art. 120º».

Ou seja, o Ministério Público definiu a sua posição sobre a pretensão do arguido - em relação aos crimes de abuso de confiança fiscal dos processo principal e apenso 128/06 - invocando os argumentos jurídicos que, no seu entender, afastavam a aplicação do prazo de 4 anos aludido no nº 1 do art. 45º da Lei Geral Tributária (LGT), indicou as causas de suspensão de interrupção, concretizando, em cada uma delas, os momentos temporais em que ocorreram, para concluir, pela não prescrição dos crimes imputados ao arguido.

Tendo o Tribunal a quo acolhido, na integra, esta fundamentação, só pode concluir-se que se pronunciou sobre a questão suscitada pelo Recorrente, não se verificando, assim, qualquer omissão de pronúncia.

Improcede, pois, a última das Conclusões do arguido.

2 – Da prescrição do procedimento criminal

2.1 – Enquadramento da questão

Por iniciativa do Ministério Público – fls. 1353 a 1362 – cumprido o disposto no art. 358º, nº1 e 3, do Código de Processo Penal – fls. 1362 – e considerada a posição do Recorrente – fls. 1370 - foi deferida a alteração da qualificação jurídica dos factos que constavam na acusação, como segue:

- No processo nº 128/06.3IDVIS, o crime de fraude fiscal, na forma continuada, previsto e punido pelo art. 103º, nº1, al. a) e b) do RGIT foi convolado para o crime de fraude fiscal qualificado, previsto e punido pelo art. 103º, nº1, al. a) e b) e art. 104º, nº 2, do RGIT.

- No processo nº 64/06.3IDVIS, o crime de fraude fiscal, na forma continuada, previsto e punido pelo art. 103º, nº1, al. a) e b) do RGIT foi convolado para o crime de fraude fiscal qualificado, previsto e punido pelo art. 103º, nº1, al. a) e b) e art. 104º, nº 2, do RGIT.

No final, foi arguido condenado pela prática daqueles crimes, não questionando D..., neste recurso, a matéria de facto e aquela qualificação jurídica, revelando-se, quanto a nós, neste particular, uma decisão acertada, que, por isso, deve ser mantida.

Já no processo nº 21/99.4IDVIS, foi o arguido absolvido da prática do crime de fraude fiscal, sem que tenha sido interposto qualquer recurso.

No processo nº 128/06.3IDVIS foi o arguido absolvido do crime de abuso de confiança fiscal.

Daqui se conclui:

- O conhecimento da prescrição do crime de fraude fiscal imputado ao arguido no processo nº 21/99.4IDVIS encontra-se prejudicado, em face da sua absolvição.

- O conhecimento da prescrição do crime de abuso de confiança fiscal imputado ao arguido no processo nº 128/06.3IDVIS encontra-se prejudicado em face da absolvição do arguido.

- O que releva, agora, para o conhecimento da prescrição são os crimes em que o arguido foi condenado - fraude fiscal qualificada – e não os que lhe eram imputados na acusação.

Resta, assim, conhecer:

- a prescrição do crime de abuso de confiança fiscal imputado ao arguido nos processos 21/99.4IDVIS e 64/06.3IDVIS;

- a prescrição do crime de fraude fiscal imputado ao arguido nos processos nºs 128/06.3IDVIS e 64/06.3IDVIS.

Considerando as alterações legislativas ao regime dos crimes fiscais, encontra-se assente – sendo, também, esse, o nosso entendimento - que a previsão do RGIT é aquela que mais favorece o Recorrente, sendo, por isso, o aplicável, ao caso.

2.2 – Do crime de abuso de confiança fiscal

Alega o Recorrente, no recurso interlocutório e no final, a prescrição do crime de confiança fiscal, porquanto:

- O procedimento criminal prescreve no prazo de 4 anos, correspondente ao prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto, nos termos do art. 21º, n º 3 do Regime Geral da Infracções Tributárias (RGIT) e 45º, nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT).

- A suspensão do procedimento criminal, mesmo, a prevista no art. 47º do RGIT, não pode ultrapassar os 3 anos, para efeitos do disposto no art. 120º, nº 2 do Código Penal.

- A prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar, quando desde o seu início e ressalvado o tempo da suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição mais metade.

Apreciando, cada uma das questões:

2.2.1 – A caducidade do direito à liquidação de impostos e a sua repercussão na prescrição do procedimento criminal nas infracções dependentes de liquidação.

O procedimento criminal por crime de abuso de confiança fiscal prescreve no prazo de 5 anos, seja nos termos conjugados dos art. s 21º, nº 1 e 105º, nº, 1, do RGIT, seja, nos termos do art. 15º, nº 1, do Regime Jurídico de Infracções Fiscais e Aduaneiras (RJINFA).

Invoca, contudo, o Recorrente que, no caso dos autos, as infracções criminais que, a este título, lhe são imputadas, dependem de liquidação das prestações tributárias, prescrevendo, por isso, no prazo de 4 anos (cf. requerimento do arguido de fls. 912 verso).

O Tribunal recorrido, aderindo à fundamentação do Ministério Público, entendeu que, neste caso, o prazo de caducidade do direito à liquidação não era o previsto no nº 1 do art. 45º da LGT - de 4 anos – mas sim o do nº 5 do mesmo preceito e diploma, que dispõe o seguinte:

«Sempre que o direito à liquidação respeita a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o nº1, é alargado até (…) trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano».

O Recorrente, sem questionar este fundamento no recurso, continua a defender que os crimes imputados ao arguido prescrevem no prazo da caducidade ao direito de liquidação do imposto.

Porém, sem razão.

Desde logo, porque respeitando a liquidação a factos (entenda-se, aqui, no sistema do RGIT, facto tributário) aos quais foi instaurado inquérito criminal – os que originaram os presentes autos - o prazo de caducidade do direito à liquidação não é de quatro anos, antes se estende até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

Neste sentido, acolhemos os argumentos aduzidos, entre outros Arestos, os do Supremo Tribunal de Justiça que, no seu Acórdão de 15.9.2010 - www.dgsi.pt – se pronunciou, como segue:

«A Lei Geral Tributária foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17-12, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 7-B/99, in DR, I-A, 2.º Suplemento, de 27-02-1999, alterada pela Lei n.º 30-G/2000, in DR, I-A, 3.º Suplemento, de 29-12 (artigos 24.º, 38.º, 63.º, 75.º, 77.º, 87.º, 88.º, 90.º e 91.º), e posteriormente alterado e republicado pela Lei n.º 15/2001, de 15 de Junho (RGIT), e pela Lei n.º 32-B/2002, de 30-12 (artigos 45.º, 46.º, 53.º e 91.º), Decreto-Lei n.º 160/2003, de 19-07 (artigo 46.º, n.º 3), Lei n.º 50/2005, de 30-08 (artigo 74.º), Lei n.º 60-A/2005, de 30-12-2005.

Inserto no Capítulo IV “Extinção da relação jurídica tributária”, na Secção II, sob a epígrafe “Caducidade do direito de liquidação”, dizia o artigo 45.º da LGT na versão originária:

1 – O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

2 - ...……………………………………………………………………………………….

3 - …………………………………………………………………………………………

4 – O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que verificou a exigibilidade do imposto. (O aditamento da excepção foi introduzido com a Lei n.º 32- B/ 2002, 2.º Suplemento, de 30-12-2002).

Pelo artigo 57.º, n.º 1, da Lei n.º 60-A/2005, publicada no Diário da República, Suplemento I - A, n.º 250, de 30-12-2005, que aprovou o Orçamento do Estado para 2006, e que, conforme artigo 108.º entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2006, foi alterado o artigo 45.º da Lei Geral Tributária, mantendo os n.º s 1, 2, 3 e 4, mas introduzindo o n.º 5 com o seguinte teor:

“Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento, ou até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.

Mas, há aqui a ter consideração o igualmente válido n.º 2 do mesmo preceito do artigo 57.º, da já mencionada Lei n.º 60-A/2005, que relativamente aos processos pendentes, estatui que o disposto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor da presente lei».

Como a sentença condenatória do arguido – a destes autos e apensos - ainda não transitou em julgado, ainda não ocorreu a caducidade do direito à liquidação, pelo menos, no que toca aos factos tributários praticados no exercício fiscal do ano de 2002.

Pelo que, sendo o prazo da caducidade, neste caso, superior ao da prescrição, afastada está a previsão do nº 21º, nº 3 do RGIT, em relação aos crimes de abuso de confiança fiscal que foram julgados nos processos nº 128/06.3 e 64/06.3, ambos IDVIS.

Depois, porque, como bem refere o Ministério Público, na sua Reposta de fls. 1046 verso, a jurisprudência tem sido unânime em considerar que a norma do nº 3, do art. 21º, do RGIT, não tem aplicação aos crimes de fraude fiscal e de confiança fiscal.

Determina aquele preceito que o prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.

Antes de se chamar à colação a previsão do art. 45º, nº1, da Lei Geral Tributária - nos termos do qual ocorrerá a caducidade do direito à liquidação dos tributos, se aquela liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, quando a lei não fixar outro - há que apreciar se a infracção tributária depende ou não de liquidação.

Tributo sujeito a liquidação a realizar no prazo de 4 anos, sob pena de caducidade não tem o mesmo significado de infracção tributária dependente de liquidação.

A liquidação, tal qual é usada quer no Código de Imposto Sobre os Rendimentos de Pessoa Colectiva (CIRC), aprovado, na versão do Decreto-Lei nº 198/2001, vigente à data da prática dos factos e no Código Sobre o Valor Acrescentado (CIVA), corresponde a uma operação aritmética, através da qual e de acordo com os critérios legais, se encontra o montante exacto do imposto devido pelo sujeito passivo.

A liquidação do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC) pode ser efectuada pelo contribuinte ou pela Autoridade Tributária [art. 82º, al. a) e b), do CIRC], processando-se de acordo e pela forma prevista no art. 83ºdo mesmo diploma, até que se obtenha um resultado, só podendo realizar-se nos prazos e termos previstos nos art.s 45º e 46º da Lei Geral Tributária (cf. art. 93º do CIRC).

No que toca à liquidação do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) é realizada conforme os trâmites do Capitulo V do CIVA, que contém as regras e a forma de cálculo do respectivo imposto.

Nesta perspectiva, não há dúvidas que, quer o IRC, quer o IVA são prestações tributárias dependentes de liquidação, pois só depois desta fase se consegue determinar o tributo a pagar.

Já uma infracção dependente da liquidação de um imposto pressupõe que um dos elementos constitutivos que a integram, seja ele a existência da prestação tributária de um determinado valor, valor esse a depender de uma operação de liquidação.

Dito de outro modo, o apuro do valor do tributo, através de liquidação, constitui uma operação necessária para se aferir se aquela prestação (com o valor previamente liquidado) integra ou não o elemento do tipo objectivo da infracção; a existência e tipo de infracção, só se podem determinar depois de calculado o valor da prestação tributária, sendo que o meio para determinar o respectivo montante é o da liquidação.

Embora, interpretando, a norma do art. 33º, nº 2, do RGIT – norma idêntica ao art. 21º, nº 3 do mesmo diploma em relação à contra-ordenação - decidiu, a este propósito, o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 28 de Abril de 2010:

«Donde resulta que o RGIT, além de instituir um prazo geral de prescrição de cinco anos, estabelece, ainda, um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária para todos aqueles casos em que a infracção depende dessa liquidação.

E, como referem os Juízes Conselheiros JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, no “REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS, ANOTADO”, 2ª Ed., pág. 283, «Não é clara a ideia subjacente a esta coincidência entre o prazo de liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, parecendo que ela se poderia justificar por não ser razoável que a tutela sancionatória se estendesse para além do prazo em que é possível a liquidação, isto é, se na perspectiva legislativa deixa de interessar, pelo decurso do prazo de caducidade, a liquidação do tributo, também deixará de justificar-se a punição de condutas que conduziram à sua omissão.

No entanto, a fórmula utilizada no n.º 2 deste artigo, ao referir a dependência da infracção relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia, pois a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor.

Neste sentido, casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são dos previstos nos art.s. 108.º n.º 1, 109.º, n.º 1, 114.º, 118.º e 119.º, n.º 1, do R.G.I.T.».

Sem a operação da liquidação da prestação tributária, não é, assim, possível determinar, com concreto, se a conduta do agente configura ou não um crime, pois para o enquadramento jurídico-penal do facto é necessário conhecer o valor especifico do tributo apurado, através da operação da liquidação.

Ora, a liquidação de que, aqui, falamos, se incumbir à Administração Fiscal e não for feita no prazo de 4 anos, faz todo o sentido, que o prazo da prescrição de procedimento criminal seja igual ao prazo da caducidade para efectivar aquela liquidação, sendo certo que a caducidade do direito à liquidação prevista no art. 45º, nº 1, da LGT só se verificará nas situações em que incumba à Administração Fiscal realizar aquela operação de liquidação.

Em suma:

Se ao caso, se aplicar o art. 21º, nº 1, do RGIT, a prescrição criminal ocorre decorrido que sejam 5 anos sobre a prática do facto.

Se a infracção depender de liquidação nos termos supra descritos, então o prazo prescricional do procedimento criminal fica reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, conforme nº 2 daquele preceito. Neste caso, a determinação do o prazo de caducidade do direito à liquidação será realizado consoante as regras que o regem (v.g. o art. 45º, da LGT), não olvidando os casos de suspensão e/ou interrupção daquele instituto (v.g. o art.46º da LGT).

Enquadrados os conceitos, há, agora, que apreciar se, a infracção criminal de abuso fiscal por não entrega ao Estado, de quantias do IVA, que o próprio recorrente, em nome da sua representada, liquidou e recebeu, depende da liquidação do IVA por parte da Administração fiscal.

Adiantaremos, desde já, que não, pelas razões que passamos a expor.

O IVA é um imposto único que incide – art. 1º do CIVA – sobre:

a) as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a titulo oneroso, por um sujeito passivo, agindo como tal;

b) as importações de bens;

c) As operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.

Os sujeitos passivos do imposto são, além de outras, indicadas na previsão do art. 2º do CIVA, as que constam na alínea a):

«as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e bem assim, as que do mesmo modo independente, pratiquem um só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressuposto de incidência real de IRS e de IRC».

Nos termos do art. 19º do Código do IVA, «para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram» os impostos elencados nas diversas alíneas deste preceito, nas condições descritas nos nºs 2 a 4 do mesmo preceito e diploma.

Quando se verifique que um sujeito, de entre, os identificados no art. 2º, pratique uma transmissão, importação ou operação intracomunitária definida no art.. 1º, é, desde logo, o tributo devido e exigível, nos momentos indicados no art. 7º do CIVA.

A este propósito, lê-se no Acórdão da Relação do Porto de 22 de Novembro de 2006, citando o Prof. Diogo Leite Campos – www.dgsi.pt – «O IVA para ser exigível não é necessário qualquer procedimento da Administração ou do sujeito passivo. Em termos de por, por exemplo, o sujeito passivo ter de declarar o acto ou a Administração fiscal ter de liquidar o imposto com base na declaração do contribuinte.

Uma vez realizado o negócio jurídico por um certo preço e conhecida do imposto, a liquidação opera-se por força da lei.

É seguro que o facto tributário é aqui instantâneo, logo que se verifica o elemento material, a transmissão do bem, a prestação do serviço, etc., surge o imposto, a obrigação de imposto certa e exigível.

Isto porque aquele que transmite o bem ou presta o serviço, denominado sujeito passivo, deve liquidar o imposto à contraparte. Esta conhece o imposto e deve pagá-lo juntamente com o preço do bem ou serviço.

Nestes termos, aprece impor-se a norma que o sujeito passivo entregará imediatamente o que recebeu a título de imposto. Como pagaria qualquer imposto certo e exigível, que é entregue imediatamente nos cofres do Estado».

E, mais adiante,

« …O Estado, normalmente, limita-se a constatar, face aos elementos apresentados pelo sujeito passivo, o montante do imposto apurado, seja ele a pagar, a devolver ou nada pagar ou a receber; ou seja, o apuramento do montante do IVA não depende de qualquer actividade, nomeadamente de qualquer liquidação da administração fiscal, salvo nas situações previstas nos art.s 82º, 83º e 83º- A do CIVA…».

A infracção cometida pelo arguido – falta de entrega nos cofres do Estado de quantias que liquidou a recebeu a titulo de IVA – não se enquadra, in casu, em nenhuma das situações previstas nos art.s 82º, 83º e 83º - A do CIVA.

A não entrega dos valores do IVA que o arguido liquidou e recebeu referentes ao terceiro e quatro trimestres de 1996 e a todos os trimestres de 1997, ao quarto trimestre de 2002 e a todos os trimestres de 2004, não depende de qualquer liquidação da Administração fiscal. Aliás, como resulta dos factos provados, foi ele mesmo que os liquidou e recebeu, não tendo entregue ao Estado o valor do imposto que calculou.

Não está, pois, a infracção que cometeu – não entrega da quantia que liquidou e recebeu, ao Estado – dependente de qualquer acto de liquidação por parte da Administração fiscal.

Donde, in casu, o prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto não se aplica ao sub judice, mantendo-se, assim, o prazo prescricional de 5 anos, conforme estatuído no já citado art. 21º, nº 1 do RGIT.

2.2.2–Da suspensão da prescrição

Nos termos do art. 120º do Código Penal, a prescrição do procedimento criminal suspende-se, durante o tempo em que:

a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal.

b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;

c) Vigorar a declaração de contumácia; ou

d) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado;

e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado;

f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

Para além destas causas de suspensão, podem existir outras, por força de lei especial. É o que resulta do nº1 do preceito em análise, onde se afirma que a suspensão da prescrição ocorre, também, « casos especialmente previstos na lei».

O art. 21º, nº 4, do RGIT consagra um desses casos especiais, quando, clara e expressamente, permite a verificação da suspensão da prescrição por efeito da suspensão do processo, nos termos do nº 2, do art. 42º, e art. 47º, do mesmo diploma.

A suspensão do processo, tal qual se encontra prevista, na conjugação destes normativos, constitui, assim, uma causa de suspensão da prescrição.

O art. 47º do RGIT (que interessa ao caso) estabelece a suspensão do processo penal tributário, se «estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados» até que transitem em julgado as respectivas sentenças.

Do mesmo modo, o art. 50º, nº 1 do RJINFA estabelecia que:

«Se tiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição de executado, nos termos do Código de Processo Tributário, o processo penal fiscal suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças».

Esta suspensão do processo constituía, também, uma causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento por crime fiscal, por via do art. 15º, nº 2 do RJINFA.

Vale isto para dizer que, enquanto não for apreciada a impugnação judicial ou a oposição à execução, onde se discuta a situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, por sentença transitada em julgado, não corre o processo penal, valendo esta paragem, como causa de suspensão do prazo de prescrição.

Por seu turno, o artigo 48º, do RGIT, estabelece que, «a sentença proferida em processo de impugnação judicial e a que tenha decidido da oposição de executado, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, uma vez transitadas, constituem caso julgado para o processo penal tributário apenas relativamente às questões nelas decididas e nos precisos termos em que o foram».

Consagra-se, assim, como salienta a Exma. Sr. Procuradora, na resposta à Motivação de Recurso, um desvio ao principio da suficiência do processo penal, consagrado no art. 7º do Código de Processo Penal, acentuando a competência exclusiva da jurisdição fiscal para decidir questões de natureza tributária – o que tem justificação no carácter altamente especializado das referidas matérias – que está subjacente ao normativo do art. 212º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa».

Já o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 3/2007, proferido em 12 de Outubro de 2006 - publicado no Diário da República, em 21.02.2007 - que fixou jurisprudência, acentuava as especificidades do direito fiscal e a razão de ser do desvio ao principio da suficiência do processo penal, da seguinte forma:

«(..) O RJIFNA constitui indubitavelmente um regime penal especial.

Além do mais, tal especificidade justifica que às infracções fiscais sejam primeiramente aplicáveis as normas constantes do RJIFNA e subsidiariamente as normas do regime penal e processual-penal comum.

Quer isso significar que estas últimas normas serão aplicáveis às infracções fiscais sempre que o RJIFNA seja omisso na matéria e desde que tal aplicação não contrarie as normas e os princípios daquele regime.

(…)

Por outro lado, as peculiaridades do direito fiscal, enquanto ramo de direito, justificam o afastamento do chamado princípio da suficiência do processo penal.

(…)

É manifesto que o direito fiscal constitui um ramo de direito público, imbuído de princípios e normas próprios, do ponto de vista quer substantivo, quer adjectivo.

Uma tal peculiaridade do direito fiscal justificou a criação de uma ordem jurisdicional própria - os Tribunais Administrativos e Fiscais.

Dadas as apontadas especialidades do direito fiscal, a impugnação judicial tributária constitui objecto próprio de apreciação e decisão em sede da jurisdição administrativa-fiscal.

Mais, constitui objecto exclusivo de tal jurisdição, assim se postergando o princípio da suficiência do processo penal.

Nestes termos, se o conhecimento de matéria penal fiscal depender da prévia apreciação de impugnação judicial tributária, esta constitui uma questão incidental op legis ao conhecimento penal e, por isso, suspende o procedimento penal fiscal até que transite em julgado a decisão proferida em sede fiscal quanto à respectiva impugnação (…)».

Não existem, assim, dúvidas, que a pendência de impugnação judicial, nos termos e para os efeitos do art. 47º do RGIT (anterior art. 50º do RJINFA), suspende o processo penal tributário que, por sua vez, constitui uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal (art. 21º, nº 4 do RGIT e art. 15º, nº 2 do RJINFA).

Esta conclusão não é afastada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2001, publicado no Diário da República nº 76, Série A, de 30 de Março que fixou a seguinte regra de jurisprudência:

«A regra do n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal, que estatui a verificação da prescrição do procedimento quando, descontado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição, acrescido de metade, é aplicável, subsidiariamente, nos termos do artigo 32.º do regime geral das contra-ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro) ao regime prescricional do procedimento contra-ordenacional».

Na verdade, o ilícito praticado pelo arguido constitui crime e não contra-ordenação, e não se questiona, que a regra do art. 121º, nº 3 do Código Penal se aplica ao caso, conforme veremos mais adiante.

2.2.3 – Limite máximo para a suspensão da prescrição

Correlacionada com esta questão, suscita o Recorrente uma outra: a de saber se o prazo da suspensão da prescrição referido no ponto anterior, não pode ultrapassar os 3 anos, tal como preceitua o art. 120º, nº 2, do Código Penal.

Este preceito estatui que, nos casos da alínea b), a suspensão da prescrição não pode ultrapassar 3 anos.

Ou seja expressis verbis concretiza o normativo, os casos em que a suspensão da prisão não pode ultrapassar os 3 anos: quando o procedimento criminal estiver pendente a partir de um dos actos processuais indicados na alínea b) do nº 1 do art. 120º do Código Penal, quais sejam:

«notificação da acusação ou, não tendo sido deduzida, da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo».

Não vemos, pois, como integrar a causa de suspensão art. 21º, nº 4 e 47º do RGIT, neste normativo.

Nos demais casos, como sejam, os da alínea c) e e), a suspensão não pode ultrapassar, respectivamente, o prazo normal da prescrição e 5 anos, elevando-se para dez, no caso de ter sido declarada excepcional complexidade, sendo que estes prazos poderão ser elevados ao dobro, se tiver havido recurso para o tribunal constitucional ( cf. nºs 3, 4 e 5 do art. 120º do Código Penal).

Já o caso da alínea a) na parte em que se correlaciona com o art. 7º do Código de Processo Penal, o prazo máximo da suspensão será o indicado no nº 4 do mesmo preceito e diploma.

Quanto a nós, e salvo o devido respeito pela opinião contrária, nenhuma dúvida se coloca quanto à intenção do legislador: sempre que entendeu determinar um prazo máximo para a duração da suspensão da prescrição, estatuiu-o de forma expressa. Para os demais, não há qualquer prazo máximo para a suspensão.

Neste sentido, e, embora, na vigência da versão anterior do art. 120º do Código Penal, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa de 31.01.2012, in www.dgsi.pt .

Tudo para dizer, que não existe prazo máximo da suspensão da prescrição, para as causas especiais integradas nos art. 21º, 4, e 47º do RGIT. Nestes e como resulta expressamente da letra da lei, a suspensão perdura enquanto estiver pendente o processo de impugnação judicial, melhor dizendo, enquanto não houver trânsito em julgado da decisão final.

Já o dissemos acima, o art. 47º do RGIT determina a suspensão do processo penal tributário, quando «estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças» (sublinhado nosso), e constitui causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal (art.21º, nº 4 do RGIT).

Trata-se, repete-se, de uma norma especial de suspensão do prazo prescricional cuja duração corresponde ao tempo de pendência da acção não penal – desde a data da instauração até ao trânsito em julgado da decisão. Para estes casos, o legislador não impôs uma concreta limitação máxima temporal.

Neste sentido, se pronunciou o Acórdão desta Relação de 16 de Novembro de 2011, Colectânea de Jurisprudência, 2011, tomo V, página 64, citando Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa:

«Tem-se por assente que as questões que são objecto de apreciação no processo de impugnação judicial ou de oposição à execução, constituem questões não penais que não podem ser convenientemente resolvidas no processo penal.

(…)

Reconhece-se, nestes casos de estar pendente processo de impugnação judicial ou de oposição à execução, a competência exclusiva da jurisdição fiscal para decidir essa matéria, o que tem justificação no carácter altamente especializado das questões desta natureza, que está subjacente à atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a essa jurisdição especializada (art. 212º, nº 3 da CRP). Por isso, nestes casos em que está pendente um processo em que vai ser apreciada a questão prejudicial justifica-se plenamente que se aproveite essa situação, atribuindo-se aos tribunais fiscais competência exclusiva para decidir a questão.

Em face desta atribuição de competência exclusiva nestes casos de pendência de processo de impugnação judicial ou de oposição à execução fiscal, não fixação de prazo de suspensão, no processo penal tributário, pois ela durará até que transite em julgado a sentença a proferir no processo de impugnação judicial ou de oposição à execução fiscal».

Por todo o exposto se conclui que os limites máximos da suspensão da prescrição previstos nos nºs 2 a 5 do Código Penal, não se aplicam à causa da suspensão da prescrição de procedimento criminal elencada no art. 21º, nº 4 e 47º, do RGIT.

Nos termos do art. 120º, nº 6 do Código Penal, a prescrição do procedimento criminal volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.

2.2.4 – A interrupção da prescrição

A prescrição do procedimento criminal interrompe-se, nos termos do nº 1 do art. 121º do Código Penal:

a) Com a constituição de arguido;

b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;

c) Com a declaração de contumácia;

d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência de discussão e julgamento.

Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo (nº 2 do mesmo preceito e diploma).

A prescrição tem sempre lugar – di-lo o nº 3 do art. 121º, do Código Penal - «quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a dois anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo».

2.2.5 – Enquadramento jurídico dos factos

Processo nº 21/99.4IDVIS

O arguido liquidou e recebeu valores de IVA respeitantes ao terceiro e quarto trimestre de 1996 e todos os trimestres de 1997, descriminados nos factos provados nº 45 e 46.

Dispõe o art. 27º, nº1, do IVA que os sujeitos passivos são obrigados a entregar o montante do imposto exigível, apurado nos termos dos art. 19º a 26º e 78º, no prazo previsto no art. 41º, nos locais de cobrança autorizados.

Conforme art. 41º, nº 1, al. b), do CIVA, as quantias parcelares de IVA devem ser entregues, nos serviços da Administração Fiscal, até ao dia 15 do 2º mês seguinte àquele a que respeitam as operações.

Os crimes de abuso de confiança fiscal a que se refere o nº 1 do art. 105º do RGIT consumam-se com a não entrega atempada do imposto nas datas e locais devidos (art. 5º, nº2 do RGIT). Ao prazo de cumprimento da prestação tributária acrescem, salvo o devido respeito pela opinião contrária, os 90 dias a que alude o art. 105º, nº 4, al. a) do RGIT.

Donde, o termo do prazo para o arguido cumprir o último dos seus deveres tributários (IVA do 4º trimestre de 1997), ocorreu em 17 de Maio de 1998 (15 de Fevereiro de 1998+90 dias).

O Recorrente foi constituído arguido em 17 de Setembro de 1999 (fls. 62).

Em 16 de Fevereiro de 2001, a Direcção Geral de Contribuições e Impostos informou (a fls. 71) que o arguido intentara reclamações graciosas das liquidações de IVA e IRS, relativas aos anos de 1996 e 1997, efectuadas na sequência da acção inspectiva e da instauração do processo de averiguações.

As reclamações sobre a liquidação do IVA foram instauradas em 29 de Outubro de 1999 (fls. 100 a 108) e em 17 de Março de 2000 (fls. 109 a 115) e foram indeferidas, tendo o arguido interposto recursos hierárquicos relativamente a cada uma delas (cf. fls. 126 e 127 e 129 a 146).

A Direcção de Finanças de Viseu informou que as Impugnações judiciais já haviam sido decididas em 16 de Junho de 2006, razão pela qual foi deduzida acusação contra o arguido.

O arguido foi pessoalmente notificado da acusação em 12 de Julho de 2007 (fls. 275).

Em 17 de Abril de 2008, mediante informação da Direcção de Finanças de Viseu, veio a apurar-se que para além das decisões proferidas em 16 de Junho de 2006, existiam outros processos pendentes no Tribunal Administrativo relacionados com as impugnações instauradas (fls. 332).

Na sequência de tal informação foi proferida despacho a declarar a suspensão do processo-crime até que fosse proferida sentença nos aludidos processos (fls. 339 A).

Tais processos foram definitivamente decididos em 18 de Fevereiro de 2010 (fls. 382 a 384), 4 de Novembro de 2010 (fls. 397 a 415) e 12 de Novembro de 2010 (fls. 424 a 426) e 12 Janeiro de 2011 (fls. 428 a 436).

Ponderadas as causas de suspensão e de interrupção, sem esquecer que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu inicio e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade, constatamos o seguinte cenário factual:

O prazo prescricional de 5 anos interrompeu-se com a constituição do arguido, em 17 de Setembro de 1999, reiniciando-se no dia seguinte.

Entre 29 de Outubro de 1999 (data da primeira das reclamações instauradas) e 12 de Janeiro de 2011 (data da decisão da última reclamação transitada em julgado pelo Tribunal Administrativo de Viseu), suspendeu-se o processo penal que, como se referiu, constitui uma causa de suspensão do prazo prescricional.

O prazo total da suspensão foi de onze anos e 13 dias.

Acrescentando a este prazo o de 5 anos, acrescido de metade – 7 anos e 6 meses – concluiremos, que a prescrição do crime de abuso de confiança fiscal referente ao ano fiscal de 1997, é de 18 anos, seis meses e treze dias, facto que projecta a prescrição para 2016.

Processo nº 64/06.3IDVIS

O arguido liquidou e recebeu o IVA relativamente todos os trimestres de 2004.

O termo do prazo para cumprimento do último dos deveres tributários ocorreu em 17 de Maio de 2005.

O Recorrente foi constituído arguido nessa qualidade processual em 27 de Julho de 2006 (fls. 213), sendo notificado da acusação, em 25 de Outubro de 2008 (fls. 246 e 255).

Em 27 de Julho de 2006, com a constituição do arguido interrompeu-se a prescrição, reiniciando-se, no dia seguinte.

Em 25 de Outubro de 2008, com a notificação da acusação, de novo se interrompeu o prazo prescricional, reiniciando-se no dia seguinte, tendo, também, sido suspenso o prazo de prescrição até 25 de Outubro de 2011 ( art. 120º, nº1, al. b) e nº 2 do Código Penal).

No dia 26 de Outubro de 2011, reiniciou-se novo prazo prescricional.

Tendo a prescrição sempre lugar, se, desde o seu início e ressalvado o prazo de suspensão a prescrição do procedimento criminal, decorrer o período normal da prescrição acrescido de metade, concluiremos que o prazo global a ter em conta é de 10 anos e 6 meses contados de 17 de Maio de 2005 (5+3 anos+2anos e 6 meses), o que nos garante que a conduta delituosa do arguido ainda não prescreveu.

2. 3 – Da prescrição dos crimes de fraude fiscal

Alega o Recorrente, no recurso interlocutório e no final, a prescrição do crime de fraude fiscal, porquanto:

- Os crimes que lhe são imputados são punidos com prisão de um a cinco anos.

- O procedimento criminal prescreve, nestes casos, no prazo de 5 anos, nos termos da al. c) do art. 118º, n.º 1, do Código Penal.

- Já decorreu o prazo prescricional deste ilícito.

2.3.1 - Prazo prescricional do crime de fraude fiscal qualificado

Para concluir que o crime de fraude fiscal em que foi condenado prescreveu ao fim de 5 anos, invoca o Recorrente a al. c), do nº1, do art. 118º do Código Penal.

Vejamos:

O arguido foi condenado, em cada um dos dois processos – 64/06.3IDVIS e 128/06.3IDVIS – como autor material de um crime de fraude fiscal qualificada previsto e punido, pelo art. 103º, al. a) e b) e 104º, nº 2 do RGIT.

Este crime, quer na redacção actual, quer na redacção vigente à data da prática dos factos, é e era punível com prisão de um a 5 anos.

O art. 21º do RGIT estabelece que:

1 - O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos.

2 - O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos.

O art. 118º, do Código Penal estabelece, no seu nº 1, prazos de prescrição de acordo com a moldura penal abstracta da pena que corresponde a cada ilícito criminal.

Para este efeito, determina o nº 2 do mesmo preceito e diploma que, «na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime, são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes».

Esta disposição legal não tem aplicação, como defende Maia Gonçalves – Código Penal Português, 2004, página, 413 –

«quando a agravantes ou atenuantes modificativas são levadas em conta pela própria lei para criar um novo tipo de crime. A expressão dentro do mesmo tipo de crime foi introduzida na fase final dos trabalhos preparatórios precisamente para vincar esse entendimento. A expressão veio a ser substituída na revisão (…) por outra – que pertençam ao mesmo tipo de crime – ficando até deste modo, o entendimento reforçado (…). A lei alude a cada crime, e quando atende ao efeito agravativo ou atenuativo para sair da moldura geral abstracta e criar um novo tipo já não se trata do mesmo, mas de outro crime.

Do exposto resulta que para a determinação do máximo da pena aplicável a cada crime, a que se refere o nº 1, só não são levadas em conta as circunstâncias modificativas previstas na Parte Geral. Portanto, todas as circunstâncias previstas na Parte Especial contam sempre que com elas se crie um novo tipo».

Também Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário ao Código Penal, em anotação ao preceito em análise, sustenta que «a medida abstracta da pena aplicável é a do crime qualificado ou privilegiado, sempre que a circunstância agravante ou atenuante seja levada em conta para a formação de um tipo criminal autónomo».

Sufragando esta orientação e compulsados os elementos objectivos do tipo dos crimes de fraude fiscal simples e qualificada, concluímos que moldura penal abstracta a considerar para efeitos da prescrição, não é a que consta no art. 103º, mas sim a prevista no art. 104º, nº 1 e 2, ambos do RGIT.

Moldando-se a pena da fraude fiscal qualificada, entre 1 a 5 anos de prisão, a prescrição do respectivo procedimento criminal consuma-se quando decorridos 10 anos, conforme art. 118º, nº1, al. b, do Código Penal. Prevê-se neste normativo que a prescrição dos crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo seja igual ou superior a cinco anos de prisão, mas que não exceda dez, ocorra decorridos que sejam dez anos.

Porém, este preceito respeita apenas aos crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo seja igual ou superior a um ano, mas inferior a 5 anos, o que como vimos pela moldura abstracta da pena de prisão do crime imputado ao arguido, não é o caso.

A infracção de fraude fiscal qualificada é punida com pena de prisão entre um a cinco anos, ou seja, o seu limite máximo pode ser igual a 5 anos.

Quando o crime for punível com pena de prisão cujo limite máximo possa ser igual ou superior a 5 anos, não excedendo dez, o procedimento criminal respectivo prescreve quando decorrerem sobre a prática dos factos 10 anos.

Donde, a prescrição dos crimes de fraude fiscal, p.p. pelos art.s 103º, nºs 1, al. a) e b) e 104º, nº 1, do RGIT, dá-se quando sobre a prática do facto tiveram decorrido dez anos e não cinco anos, como refere o Recorrente.

2.3.3– Da subsunção dos factos ao direito:

a) No processo nº 128/06.3IDVIS

A fraude fiscal levada a cabo pelo arguido respeita, no processo 128/06.3IDVIS, ao exercício fiscal dos anos de 2002 e 2003.

Mesmo que se considere que o crime se consumou em 2002, constata-se o seguinte:

- Entre 2002 e 14 de Dezembro de 2006, não decorreram 10 anos, o prazo prescricional para o crime de fraude fiscal qualificada, tal como se referiu supra (art.s 21º, nº 2, do RGIT e art. 118º, nº 1, al. b) do Código Penal).

- No dia 14 de Dezembro de 2006, interrompeu-se a prescrição, dado que o arguido foi constituído arguido (fls. 262).

- Tendo no dia seguinte começado a correr um novo prazo de 10 anos (art. 121º, nº 2 do Código Penal) e caso não existissem outras causas de interrupção ou suspensão, o final da prescrição ocorreria em 14 de Dezembro de 2016, dado que, entre 2002 e 2016, ainda não tinham decorrido 15 anos [prazo normal da prescrição (10 anos) mais metade (5 anos)].

De qualquer forma, sempre se dirá que, existe, ainda, mais uma causa de interrupção e de suspensão - em 12 de Maio de 2007, foi o arguido notificado da acusação (fls. 337) – o que significa que o prazo de prescrição reiniciou-se no dia 13 de Maio de 2007, ficando suspenso pelo período de 3 anos (art. 120º, nº 1, al. b) e nº 2 do Código Penal).

Tendo a prescrição sempre lugar quando desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão tiver decorrido o prazo normal de prescrição, acrescido de metade, o tempo a ter em conta é de 18 anos [(10+5) + 3].

Donde está, ainda longe, o prazo de prescrição do crime de fraude fiscal em que o arguido foi condenado.

b) Em relação ao processo nº 64/06.6IDVIS

Mesmo que se considere a consumação do crime em 2003, tendo o arguido sido constituído como tal, em 27 de Julho de 2006 (fls. 213) e notificado da acusação em 25 de Outubro de 2008 (fls. 255), o crime de fraude fiscal pelos motivos indicados para o processo nº 128/06.3IDVIS, ainda não prescreveu.

2 . 4 - Conclusão

De tudo o que se expôs se conclui que os crimes em que o arguido foi condenado: de fraude fiscal, nos processos 64/06.3IDVIS e 128/06.3IDVIS e o crime de abuso de confiança fiscal, nos processos nºs 64/06.3IDVIS e 21/99.4IDVIS, ainda não prescreveram, julgando-se, assim improcedente o recurso interlocutório.

B – DO RECURSO DE D... (Fls. 1473 A 1495)

1 – Da Prescrição do Procedimento Criminal

Mantêm-se válidos os argumentos que expandimos no Recurso Interlocutório, que, reproduzimos, improcedendo, assim, esta pretensão do Recorrente.

2 – Da medida da pena

O Recorrente foi condenado pela prática de:

- um crime de fraude fiscal qualificada, p. p. pelo art. 103º, nºs 1, al. a) e b) e 104º, nº 2 do RGIT, na pena parcelar de 2 anos de prisão;

- um crime de abuso de confiança fiscal, p. p. pelo art. 105º, nº 1 do RGIT na pena parcelar de 10 meses de prisão;

- um crime de fraude fiscal qualificada, p. p. pelo art. 103º, nºs 1, al. a) e b) e 104º, nº 2 do RGIT, na pena parcelar de 22 meses de prisão, em co-autoria com o arguido C...;

- um crime de abuso de confiança fiscal, p. p. pelo art. 105º, nº 1 do RGIT na pena parcelar de 10 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, o tribunal condenou o Recorrente na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período de tempo, acompanhada do regime de prova, assente num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo da suspensão pelos serviços de reinserção social.

É contra as penas concretamente aplicadas que se insurge o Recorrente.

Vejamos:

É de todos sabido, que, na determinação da pena, deve o julgador ponderar, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, designadamente as elencadas nas diversas alíneas do nº 2 do art. 71º do Código Penal, a saber:

- As reportadas à execução do facto, desde o grau da ilicitude, o modo de execução, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade da culpa sentimentos manifestados e fins determinantes da conduta [alíneas a), b) e c)];

- As relativas à personalidade do agente: as suas condições pessoais e situação económica, bem como a falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto [alíneas d) e f)];

- As que respeitam à conduta do agente anterior e posterior a facto [alínea e)].

A aplicação de uma pena tem como finalidade, di-lo o art. 40º do Código Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que em, caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Como se realça no Acórdão desta Relação de 4 de Maio de 2013 – www.dgsi.pt – citando, a Prof. Anabela Rodrigues e o Acórdão do STJ de 4.7.1006, «a prevenção geral radica, no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, isto é, importa aferir do significado que a violação de determinados bens jurídicos penais tem para a comunidade e satisfazer as exigências de protecção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas da validade do direito ou, por outra forma, a consideração da prevenção geral procura dar “satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto , tendo-se em conta de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.

A medida da culpa do arguido impõe alguma severidade».

Visando o sistema fiscal, nos termos do artigo 103.º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, reclama a garantia efectiva pela observância e respeito das obrigações fiscais de cada um.

É, por demais conhecido (embora cada vez menos), o desvalor diminuto, que a comunidade portuguesa, em geral, atribui à acção do não pagamento de impostos, podendo mesmo dizer-se, que, por vezes, se enaltecem os estrategas da fuga aos impostos.

Muitas vezes, só, no momento da condenação pelo crime, é que o agente toma uma verdadeira consciência da gravidade dos factos praticados.

As exigências de prevenção geral são, assim, elevadas: a evasão fiscal configura um fenómeno generalizado e responsável por flagrantes injustiças de ordem social, sendo, assim, necessário, fazer sentir à sociedade e ao arguido a reprovação deste tipo de condutas.

Face à generalização da evasão fiscal no nosso país, têm sido salientadas as elevadas exigências de prevenção geral, pela mais diversa jurisprudência, da qual realçamos o Acórdãos da Relação do Porto de 23.02.2011, citado na Resposta do Digno Procurador, onde se decidiu que:

«Nesta criminalidade não é aconselhável reduzir a medida da pena para aquém da medida da culpa, dados os conhecidos inconvenientes no plano da prevenção geral, nesta luta contra a informalidade e evasão fiscal, onde se joga o interesse fundamental do Estado em arrecadar receita para poder prosseguir os fins de justiça social constitucionalmente fixados. É hoje um dado adquirido a etilização do direito penal fiscal, pois o sistema fiscal não pode mais ser visto, numa perspectiva redutora, apenas como o meio de arrecadar receitas, cabendo-lhe também a realização de objetivos de justiça distributiva, o financiamento das atividades sociais do Estado (cf. artºs 103º e 104º da Constituição). Nesta perspetiva é correta a previsão da pena de prisão como pena principal. Mais, a pena de prisão é, em abstrato, a pena mais adequada por ser a única capaz de responder às necessidades de promover a consciência ética fiscal, não se lhe podendo assacar os efeitos criminógenos que normalmente andam ligados ao cumprimento deste tipo de pena. Acresce que o requisitório contra as penas curtas de prisão perde neste tipo de criminalidade, muita da sua força: os efeitos dessocializadores que lhe andam ligados, na maior parte dos casos, não se fazem sentir ou são substancialmente minorados. Os agentes do crime fiscal são em regra pessoas perfeitamente normais e integradas, que raro assumem as suas condutas como delituosas, antes se consideram protagonistas de meras irregularidades, que são por todos praticadas e que fazem parte das regras do jogo. Ora é contra este modo de conceber as coisas que se impõe reagir, fazendo sentir aos agentes do crime económico e fiscal que abusam da confiança que neles é depositada, que os seus comportamentos ilícitos típicos são crimes e não simples irregularidades. E isso consegue-se de modo particularmente adequado e eficaz com as penas de prisão».

No caso dos autos e, contrariamente ao que o arguido defende no seu Recurso, a factualidade apurada não permite as Conclusões que extrai, a saber:

- o grau da ilicitude dos factos ser inferior à média, em face do montante das prestações tributárias não declaradas nem entregues à Fazenda Nacional;

- as consequências do crime que aqui se confundem com o prejuízo da Fazenda Nacional;

- a intensidade do dolo que se revela mediano;

- os motivos que determinaram a prática do crime;

- o facto de não ter antecedentes criminais.

Com efeito, o modo como o arguido, conjuntamente com os outros, levaram a cabo os ilícitos criminais - com recurso a documentação forjadas (facturas e notas de crédito), falsearam dados na contabilidade da empresa, titularam operações inexistentes, tudo com o intuito de obter vantagens fiscais nas deduções do IVA e do lucro tributável – demonstra o grau elevado do desvalor da acção.

A conduta do arguido durante os anos a que se reportam os factos, e no que toca aos meios para obter vantagens fiscais, agiu sempre com dolo, na sua forma mais intensa, a directa.

Com a conduta dos arguidos, o Estado ficou privado da quantia de 250 000€, o que consubstancia um dano elevado, que tem repercussão na satisfação das necessidades sociais dos demais cidadãos.

Na conduta posterior aos crimes, não se conhece comportamento do arguido que denote arrependimento ou interiorização do desvalor da sua conduta.

Em suma, ponderados todos estes factores e bem assim o que dispõe, o art. 13.º, do R.G.I.T. - segundo o qual «na determinação da medida da pena atende-se, sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime» - entendemos que as penas parcelares de prisão aplicadas ao arguido e bem assim a medida da pena única, se mostram adequadas e proporcionais e ajustadas aos fins a que se destinam.

Razão pela qual se mantém a decisão da primeira instância.

C – DO RECURSO DE B... (Fls.1568 a 1627).

1 – Nulidade do Acórdão

Sustenta o Recorrente que o Acórdão enferma de nulidade por falta de fundamentação, «porquanto se limitou a debitar uma série de conceitos jurídicos, sem lograr concretizar os mesmos, sem fundamentar os mesmos com factos provados», violando, assim, o disposto no art. 374º, nº 2 do Código de Processo Penal.

Porém, sem razão.

Basta uma leitura atenta do Acórdão, para concluir que, ainda que, sinteticamente e por remissão para os pontos de facto, o tribunal a quo integra a factualidade apurada no enquadramento jurídico-penal.

Veja-se, por exemplo a fls. 1444, em que se enquadram os factos descritos em IA, IB, IC, no crime de fraude fiscal.

A intenção e resolução criminosa dos arguidos encontra-se descrita a fls. 1446 do Acórdão: os arguidos naquele período de tempo de 2003 (3º e 4º trimestres) decidiram adoptar um conjunto de comportamentos como alterar valores de facturas, deduzir IVA sem suporte legal para tal, que lhes permitisse a obtenção de benefícios fiscais a que sabiam não ter direito.

Não contém, assim, o Acórdão em crise, qualquer causa de nulidade.

2- Prescrição do Procedimento criminal

O Recorrente foi condenado, processo nº 64/06.3IDVIS, pela prática do crime de fraude fiscal qualificada, p. p pelo art. 104º, nº 2 e 103º, nº 1, al. a) e b) do RGIT, na pena de 20 meses de prisão.

Pelas razões apontadas no que acima se disse em relação à prescrição deste tipo de ilícito, no Recurso Interlocutório, nomeadamente, em 2.3 a 2.4, que, por economia, se dão por inteiramente reproduzidas, e, ainda considerando que o Recorrente foi notificado da acusação, em 20 de Outubro de 2008 (fls. 253), julga-se improcedente esta pretensão do Recorrente.

3 – Alteração da matéria de facto

3.1 - Erro notório na apreciação da prova

Afirma o Recorrente que pretende impugnar a matéria de facto dada como provada com os nºs 2, 4 a 9 e 13 a 16, porquanto em face dos meios probatórios que indica, estamos em face de erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, nº 2, al. c) do CPP, que se extrai do próprio texto da decisão recorrida.

Apreciando

A decisão sobre a matéria de facto pode, como se sabe, ser impugnada, pelo meio previsto no art. 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, em que, em confronto com a prova produzida, se coloca em crise os próprios factos - provados ou não provados.

Ou, então, podem invocar-se vícios da própria decisão, nos termos do art. 410º, nº2 do mesmo diploma.

Em ambos os casos e como se salienta nos Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Abril de 2011 e 17 de Abril de 2013 - www.dgsi.pt :

«… haverá que ter em conta que uma coisa é considerar o objecto do recurso ordinário, o acontecimento histórico sobre que incidiu a decisão recorrida, e, por outra, ter por objecto do recurso o modo com a decisão se desenvolveu. No primeiro caso haverá que decidir de novo a questão que foi levada a julgamento, podendo inclusive atender-se a factos novos e produzir prova nunca antes produzida. No segundo caso, haverá que apreciar da bondade da decisão recorrida só a partir dos dados de que o (s) julgador (es) recorrido (s) à data dispuseram. Acresce que a avaliação da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades concretamente assinaladas. Porque uma coisa é não agradar ao Recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova, e outra é detectar-se no processo de formação da convicção desse julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório».

Dispõe o artigo 410, nº 2, do Código de Processo Penal que, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vicio resulte do texto da decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

Resulta expressis verbis deste preceito que os vícios referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade – do texto da decisão recorrida - sem recurso a quaisquer outros elementos que lhe são externos.

O erro notório na apreciação da prova existe quando, a decisão ostenta um erro de apreciação da prova, observável por um homem de formação média. Este tipo de erro a ressaltar do teor da decisão, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não se confunde com o erro de julgamento.

«O erro de julgamento pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada, nos termos em que o foi; o erro notório na apreciação da prova, para além de ser ostensivo, prescinde da análise da prova produzida, para se ater tão-somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, o que significa impossibilidade de recurso a outros elementos, ainda que constantes no processo » - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 15 de Julho de 2004, processo nº 2150/04-5ª citado por Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 15ª Edição, página 828.

No caso dos autos, não resulta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a verificação de qualquer dos vícios previstos nas alíneas do nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal.

Na verdade, os factos dados como provados são suficientes para a decisão que foi proferida, não ocorre contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão e não é perceptível qualquer erro na apreciação da prova.

Além de que é o próprio Recorrente que, para fundamentar o erro notório na apreciação da prova, recorre a elementos externos à decisão: às declarações do Recorrente, à escritura exarada a fls. 80 e 81, do livro de notas para escrituras diversas, nº 23- A do 1º Cartório Notarial de Competência especializada de Viseu, às declarações do arguido D..., das testemunhas Y...., M..., N..., J..., F..., G... e I....

Razão pela qual, sem necessidade de maiores considerações, se considera inexistir qualquer erro notório na apreciação da prova, ferindo a decisão recorrida de qualquer vício.

3. 2 – Erro na valoração da prova

O Recorrente, nas suas conclusões nºs 6 a 10, afirma que:

- A fundamentação da decisão recorrida (…) não valorou as provas relevantes em termos legais, dado que não apreciou as provas de acordo com as regras da experiência comum, não valorando a favor do arguido as provas que foram produzidas em audiência de julgamento, designadamente a sua nomeação como administrador não teve qualquer influência, no modo como esta sociedade vinha desenvolvendo a sua actividade;

- Não se concebendo como é que da prova produzida se retira que o arguido cometeu o crime de fraude fiscal;

- Assim, o tribunal não fundamentou devidamente a sua decisão, violando o princípio da livre apreciação da prova.

Tudo para se considerar como não provado que o Recorrente exercia a gerência de facto, no período a que se reportam os autos.

Perante estas afirmações e bem assim a invocação do vicio de erro notório previsto no art. 410º, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal, com recurso à prova produzida em audiência, importa, prestar alguns esclarecimentos, sobre a impugnação da matéria de facto.

O sistema processual penal vigente consagra, como já se afirmou, um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando aos sujeitos processuais a possibilidade de reagir contra eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto (cf. art. 410º, 412º, nº 3 e 431º, do Código de Processo Penal).

Porém, a garantia do duplo grau de jurisdição, lê-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – 17.04.2013 (Relator: Pires da Graça), www.dgsi.pt - «não significa que tenha de se proceder a um novo julgamento, em toda a sua extensão, tal como ocorrera em primeira instância», onde a oralidade e a imediação da produção da prova se fazem sentir cf. art. 355º, do Código de Processo Penal).

A este propósito, pronuncia-se Germano Marques da Silva - Do Processo Penal Preliminar”, Lisboa, 1990, pág. 68 – da seguinte forma:

«(…) A oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela íntima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens».

Também, Figueiredo Dias - Direito Processual Penal”, Vol. I, 1974 páginas 233 a 234 - ensinava que:

«Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (…). Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais».

Ou seja, o recurso da matéria de facto, não tem como objectivo afastar o princípio da livre apreciação da prova, exarado no art.º 127.º do Código Processo Penal, segundo o qual - salvo quando a lei dispuser diferentemente - a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

Como ensina Figueiredo Dias – ob. citada, páginas 203 a 205 - “ a «livre» ou «intima» convicção do juiz, não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável (…). A convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal — até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais —, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros”.

A livre convicção que, no dizer de Cavaleiro de Ferreira - Curso de Processo Penal”, Vol. II, pág. 30 - «é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade».

A liberdade que aqui importa, afirma Germano Marques da Silva - Curso de Processo Penal, Vol. II, pág. 131 - «é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva».

Por tudo se conclui que o Tribunal de recurso apenas controla se os meios probatórios suportam de forma adequada a convicção formada pelo tribunal sobre a factualidade provada ou não provada.

A pretensão do Recorrente, ao longo da sua Motivação e, depois, nas Conclusões, é clara: saber se a prova produzida em audiência é bastante para ter como certo que o Recorrente era administrador de facto da sociedade arguida, facto que fundamentou a sua condenação.

E, quanto a isso, o tribunal a quo não deixa dúvidas, com base na seguinte fundamentação:

«Para a fixação da matéria de facto o Tribunal teve em conta a totalidade da prova produzida a qual, depois de conjugada entre si, de acordo com as regras da experiência, permitiu ao Tribunal responder à mesma.

Assim, e começando pelos autos 64/06.3 IDVIS, o Tribunal teve em conta a totalidade da prova produzida, nomeadamente documental, testemunhal e declarações dos arguidos o que permitiu ao Tribunal fixar a mesma.

Desde logo, no que tange à questão de saber quem eram os gestores na A... o Tribunal teve em conta, nomeadamente as declarações dos arguidos, D... e B..., que se mostraram contraditórias tentando cada um dos arguidos atirar as culpas para os outros, bem como para o arguido C... que não esteve presente em audiência de julgamento.

A este respeito o arguido B...começou o seu depoimento por mencionar que “não teve grandes funções na A...”, pois era gerente de uma outra empresa a H...Ldª.

Mencionou, ainda, que foi procurado pelos arguidos C... e D... e formou-se a A..., mas que, praticamente não teve funções na mesma. Que a ideia era trabalharem em conjunto nas obras e, como tal ficou como administrador da empresa. Contudo, só lá esteve um mês ou dois e marcou a escritura de rectificação, sendo que durante esse período foi o arguido C... que tratou de tudo, nunca tendo pegado em papeis, não fez nada e praticamente não assinou nada, apenas assinando um cheque de um pagamento.

Esclareceu ainda que só lá esteve um mês ou dois, pois concluíram que não estava lá a fazer nada.

Também referiu que o arguido C... estava no escritório faturava e mandava orçamentos, reunia os documentos e levava-os à contabilidade e que o arguido D... orientava a obras no local.

Com interesse mencionou ainda que a A..., funcionava no mesmo pavilhão, onde a Z...., da qual era sócio e gerente, tinha as suas instalações.

Confrontado com o teor de fls. 89 dos autos deu como justificação, para o facto de ter sido identificado pela K...como a pessoa da A... com quem mantinham contactos, a circunstância de confundirem a H... com a A....

Posteriormente, depois de confrontado com o teor de fls. 116, limitou-se a referir que a rubrica é parecida com a dele, não dando qualquer explicação para tal.

No que tange à factura de fls. 134 referiu que a A...prestou aqueles serviços à Z...., mas não sabe se a factura foi paga, acrescentando que a Z.... pode ter pago com trabalhos.

Sobre a questão da A...ter utilizado as instalações da Z.... durante um ano e não ter pago qualquer renda não deu qualquer explicação plausível.

Com interesse mencionou ainda que quer o arguido D... quer o arguido C... decidiam activamente sobre o destino da A....

Por seu turno, o arguido D... a este respeito referiu que as funções que exerceu na A... foi de director comercial de obras dando como explicação para a o facto do arguido B...ter constituído a A... com o arguido C... a circunstância do arguido B...ter uma empresa que passava por uma crise, tendo proposto ao arguido C... que mudassem a empresa para as instalações da Z.... e que dessa forma ficassem sócios um do outro, o que veio a suceder.

Referiu, ainda, que a gestão era do irmão, o arguido C..., mas que o B...estava a par do que se passava.

No que tange à sua intervenção nos factos mencionou que era um mero funcionário da empresa, com um ordenado, o qual lhe era pago em dinheiro, desconhecendo o que se passava, nomeadamente no que tange a facturas falsas, pois era um mero funcionário que se limitava a angariar clientes.

Confrontado com o teor de fls. 101, limitou-se a referir que os directores comerciais assinam contratos.

Confrontado com o teor de fls. 89, deu como explicação que existe ali uma confusão, porque era ele que aparecia nos contratos, dando idêntica explicação quando confrontado com o teor de fls. 90 e 91.

Depois de confrontado com o teor de fls. 110 referiu que o número do b.i é o dele e que o cheque está assinado por si, porque foi o arguido B...que lhe passou uma procuração, para levantar o dinheiro.

No que tange ao teor do documento de fls. 117 limitou-se a referir que a assinatura do cheque é a dele.

Com interesse referiu, ainda, que, no início era o arguido B...que geria a A..., não obstante anteriormente ter dito coisa diferente.

Relativamente a esta questão da gerência a testemunha Y...., inspectora Tributária, mencionou que procurou o contabilista da A... que lhe disse que o Sr., D..., o Sr. C... e o Sr. B...eram as pessoas ligadas à empresa. E que depois disto procurou o arguido B...nas instalações da Z.... que lhe disse que a A... já não funcionava lá.

Foi ainda inquirida a testemunha M..., que foi funcionário, quer da A... quer da E... e que apesar de ter começado o seu depoimento por referir que o seu patrão era o Sr. C..., sempre acrescentou que quem o levou para essas empresas foi o arguido D... para quem já tinha trabalhado noutras empresas.

Além disso, também referiu que, apesar do seu patrão ser o arguido C..., quem lhe dava ordens, quer na E..., quer na A... era o arguido D..., pois o Sr. C... estava sempre no escritório, acrescentando, ainda, quem aquele chegou mesmo a pagar-lhe parte de um salário.

Idêntico depoimento foi prestado pela testemunha N..., que trabalhou quer na A..., quer na E... e que referiu que quer numa, quer noutra empresa, o seu patrão era o arguido D..., sendo este que o mandava executar os trabalhos, sendo, ainda, este que lhe pagava o ordenado.

A este respeito também a testemunha J..., igualmente ex funcionário das duas arguidas ( A... e E...) mencionou que trabalhou para os arguidos D... e C..., sendo que recebia pagamentos dos dois.

Foi ainda inquirida, a esta matéria, a testemunha G..., que foi contabilista da A... e da E... e que deixou bem clara a posição do arguido D... nas empresas, chegando mesmo a mencionar que o arguido C... não passava de um testa de ferro.

Finalmente, a testemunha I..., funcionário da W...., que prestou serviços para as arguidas referiu que as empresas eram representadas pelos arguidos D... e C....

Ora, conjugando os depoimentos das testemunhas com as declarações dos arguidos e com os documentos junto aos autos o Tribunal concluiu como consta da factualidade assente no que tange à gestão da A....

Desde logo, a intervenção dos arguidos C... e D... na gerência da A... resultou claríssima dos depoimentos das testemunhas em causa, nomeadamente dos funcionários da empresa que foram peremptórios em identificar os arguidos C... e D... como sendo os seus patrões.

Além disso, a intervenção do arguido D... extrai-se ainda dos documentos juntos aos autos, a que já aludimos a respeito das suas declarações, nomeadamente do teor de fls. 101 e de fls. 107, sendo que nesta ultima situação o arguido D... assina pela administração da empresa, assumindo o mesmo uma posição de chefia e relevância na empresa, participando na sua gestão diária, o mesmo sucedendo com o seu irmão.

No que tange ao arguido B...., a sua intervenção, apesar de não tão evidente como a dos outros arguidos, igualmente resultou da prova produzida, nomeadamente das suas declarações, sendo que este arguido não obstante tentar negar a sua intervenção sempre foi mencionando nas suas declarações não teve grandes funções na A...”, “praticamente não teve funções na mesma” “praticamente não assinou nada”. Assim, o próprio arguido não consegue negar peremptoriamente as suas funções na empresa.

A isto acresce a circunstância do mesmo nos ter dito que a ideia quando aceitou constituir a empresa era trabalharem em conjunto, nomeadamente com a Z...., da qual é sócio, o que levou nomeadamente a que as instalações da A... fossem as mesmas da Z...., ou seja aquela tinha a seda nas instalações desta.

Finalmente cumpre mencionar que o nome do arguido B...aparece em documentos, nomeadamente em cheques, a que já aludimos. De facto, de fls. 89 resulta claramente que a K...no ano de 2003 teve contactos frequentes com o arguido B...., mencionando, ainda, que era um dos representantes da firma na empreitada. Por seu turno, do teor de fls. 116 resulta que o arguido em causa endossou um cheque que tinha sido emitido à ordem da arguida A....

Também o arguido D...confirmou que o arguido B...no início exercia funções activas na gerência da arguida.

Perante isto, e não esquecendo que a arguida A... tinha a sede nas instalações de uma outra empresa que era precisamente do arguido B...., concluímos que o arguido B...igualmente participava na gestão da empresa e isto, pelo menos até Março de 2004, altura em que é feita a escritura de rectificação, junta a fls. 38, sendo que como resulta da certidão de fls. 20 o registo da sociedade foi efectuada em Janeiro de 2003, apesar da constituição da sociedade datar de Setembro de 2003».

Tendo presente a proximidade de que dispôs o tribunal de primeira instância relativamente aos intervenientes processuais, que melhor lhe permitiu aquilatar da credibilidade dos seus depoimentos, nenhum reparo merece a apreciação critica da prova acabada de transcrever.

A convicção do tribunal mostra-se concordante com as regras da experiência comum, conhecendo-se, os motivos pelos quais valorou todos os meios probatórios, global, conjugada e criticamente, realçando as razões pelas quais não deu credibilidade ao Recorrente, quando quis fazer crer que não tinha qualquer responsabilidade de gestão da sociedade arguida e, consequentemente, na prática dos actos que lhe foram imputados.

Quanto à nós, depois de auditada e prova produzida em audiência, analisando-a global e criticamente, concordamos, inteiramente com convicção firmada na primeira instância.

Concretizando:

Contrariamente ao defendido pelo Recorrente, as declarações orais que prestou em audiência, vistas, no contexto global (das suas expressões) e em confronto com os documentos de fls. 38, 89, 110 e 116, e demais depoimentos, retira-se, com segurança, que exerceu de facto a administração da sociedade, pelo menos, até 2004, data em que se realizou a escritura rectificativa da A....

Com efeito, desde o início, que participou na constituição da sociedade arguida, aceitando ser seu administrador, visando, segundo as suas declarações, retirar vantagens para uma outra sua empresa – a Z.... – que era «sua».

Ambas as empresas, representadas pelo Recorrente, trabalhavam em conjunto, funcionando nas mesmas instalações, sem que nas relações externas se distinguisse qual a área de actuação de uma ou de outra, como sucedeu em relação à K...e O....

As pessoas, como expressa o Recorrente, «confundiam as duas empresas», sendo certo que os documentos de fls. 89 e 116, demonstram que, «na confusão de empresas», o Recorrente, assumiu, de facto a administração da A..., agindo e sendo tratado como tal.

Ou seja, fosse por que motivo fosse que o Recorrente aceitou figurar como administrador da A..., o que é certo é que, de facto, agiu como se fosse seu representante, assinando, nesta qualidade, documentos.

Por outro lado, o próprio Recorrente, ao longo das suas declarações, não afastou, de todo, a possibilidade de ter exercido funções na A.... Pelo contrário, deixou antever, que, pelo menos, em algumas vezes, o fez.

É que, segundo as regras da experiência comum, não é crível que, alguém que nunca tenha exercido funções numa empresa, como o Recorrente quer fazer crer, empregue, com alguma frequência expressões, como: «não tive grandes funções na A...», «(…) porque na altura tentámos (…) passar-me por administrador», «eu estava como administrador no início mas fiz logo a escritura de rectificação» ou «eu iria beneficiar a minha empresa se fosse administradora».

Por último, D... confirma que o Recorrente, no início, exerceu funções na A....

Não existem, assim, quaisquer dúvidas, que B...era, à data da prática dos factos, administrador de facto e de direito da A....

E nem se diga que a escritura de rectificação da constituição da sociedade em que nomeia único administrador o arguido C..., afasta aquela conclusão.

Com efeito, aquele escrito indicia, contrariamente ao afirmado pelo Recorrente, que antes de ser celebrada, era o Recorrente quem administrava de facto e de direito a sociedade.

O que, aliás, vai de encontro às suas declarações, quando a afirma que logo que se apercebeu que «não dava», que não lhe era vantajoso, figurar como administrador da sociedade, pediu a rectificação da escritura.

Desta feita, não se evidencia na decisão recorrida qualquer erro de valoração nos meios probatórios que, global, conjugada, criticamente, apreciou, antes se afigurando equilibradamente observado o disposto no art. 127º do Código de Processo Penal.

Como nenhuma censura merece a forma como foi julgada a credibilidade das declarações orais prestadas em audiência de julgamento, nomeadamente, as do Recorrente, quando declinou qualquer acto de intervenção na A....

A versão que este arguido traz mostra-se, segundo as regras da experiência comum, ilógica e irrazoável.

Assim sendo, facilmente se constata, que o julgador da primeira instância respeitou todos os princípios que disciplinam a valoração da prova produzida em audiência, não lhe restando qualquer dúvida (e a nós também não) que o Recorrente teve intervenção em actos de gestão e administração da empresa que constituiu.

O princípio in dubio pro reo afirma-se como um princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal [cf. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, pág. 213, Ed. de 1974].

Não se vislumbra, pois, qualquer dúvida insanável e razoável que imponha que se tenha por não provados os factos impugnados.

Pelo contrário, os meios probatórios analisados em primeira instância e nesta relação, inculcam uma tomada de posição clara e inequívoca sobre o papel que o Recorrente desempenhou enquanto representante da sociedade, ainda que de forma menos evidente que os demais arguidos.

Improcede, assim, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e, nesta medida, julga-se definitivamente assente a matéria de facto constante da decisão recorrida.

5- Dosimetria da pena

Considera o Recorrente que a pena em que foi condenado - 20 meses de prisão – se mostra exagerada.

A este propósito, damos por reproduzidos os argumentos de direito que aduzimos quando conhecemos da medida da pena do Recorrente, D....

O grau da ilicitude dos factos e o dolo intenso, porque directo, o dano causado, no valor de cerca de 100 000,00€, as fortes exigências de prevenção geral, a ausência de antecedentes penais e a circunstância de se encontrar, aparentemente, bem inserido socialmente, justificam a pena de prisão aplicada em primeira instância.

Por tudo se conclui pela improcedência do Recurso.

V – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção Criminal desta Relação julgar não providos os Recursos.

Custas pelos Arguidos, com taxa de justiça que se fixa em 5 UCS, para cada um, sendo responsáveis solidários pelos encargos.

Coimbra, 26 de Fevereiro de 2014

(Alcina da Costa Ribeiro - relatora)

(Cacilda Sena - adjunta)