INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009
EFEITOS
DESPEDIMENTO
EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
CRITÉRIOS
Sumário

I – O acórdão do Tribunal Constitucional 602/2013, de 20/09/2013, publicado no DR, 1ª série, de 24/10/2013, declarou inconstitucionais, com força obrigatória geral, os nºs 2 e 4 do artº 368º do CT/09, na redacção conferida pelo Lei 23/2012, de 25/06, entre outras normas.
II - A inconstitucionalidade com força obrigatória geral dos nºs 2 e 4 do artº 368º do Código do Trabalho de 2009, na redacção dada pela Lei nº 23/2012, de 25/06, produz efeitos retroactivos e repristinatórios, operando o desaparecimento do ordenamento jurídico do acto que procedeu ao despedimento do trabalhador por extinção do posto de trabalho ao abrigo dessas normas declaradas inconstitucionais.
III – A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral em sede de fiscalização sucessiva abstracta tem efeitos ex tunc, ou seja, eficácia retroactiva – artº 282º/1 da CRP.
IV – Sendo a norma nula desde a origem, por efeito de inconstitucionalidade, tornam-se igualmente inválidos, não somente os efeitos directamente produzidos por ela, mas também os actos jurídicos praticados ao seu abrigo.
V – O decurso do prazo de caducidade cominado nos artºs 98º-C/1 do CPT e 387º do CT não obsta à extensão ao despedimento do trabalhador dos efeitos invalidantes decorrentes da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas com fundamento nas quais o despedimento foi decidido.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório


A autora propôs contra a ré a presente acção com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, pedindo que seja reconhecido:
a) que a inconstitucionalidade com força obrigatória geral dos nºs 2 e 4 do artº 368º do Código do Trabalho, na redacção dada pela Lei 23/2012, produz efeitos retroactivos e repristinatórios, operando o desaparecimento do ordenamento jurídico do acto que procedeu ao despedimento da autora por extinção do posto de trabalho ao abrigo das normas declaradas inconstitucionais.
b) que desde 24/10/2013 deixou de subsistir no ordenamento jurídico o acto que despediu a autora por extinção do posto de trabalho e que qualquer novo acto de despedimento da autora terá que se fundar no disposto nos nºs 2 e 4 do artº 368º do Código do Trabalho, na redacção dada pela Lei 7/2009;
c) o direito da autora reingressar ao serviço da ré com efeitos reportados ao dia em que foi despedida (15/3/2013) e, em consequência, condenada a ré a pagar-lhe os vencimentos vencidos e vincendos desde essa data, no montante, até à data da apresentação da petição, de € 7.425, acrescidos das quantias que contratualmente eram devidas a título de subsídio de refeição e de juros de mora desde a data de citação.
Subsidiariamente, pede que seja:
d) declarada a ilicitude do despedimento da autora por extinção do posto de trabalho ocorrido em Março de 2013, por violação do disposto no nº 1 do artº 367º e por violação dos nºs 1, 2 e 4 do artº 368º do Código do Trabalho, na redacção dada pela Lei nº 7/2009;
e) condenada a ré a readmitir a autora e a pagar-lhe todas as remunerações que deixou de auferir desde o dia do despedimento até à data em que ocorrer a efectiva readmissão na empresa, acrescida de juros de mora desde a data da citação.
Alegou para o efeito, em resumo, que sendo trabalhadora da ré foi por esta despedida por extinção do posto de trabalho, por comunicação datada de 6/3/2013; o despedimento baseou-se nos critérios de determinação de extinção do posto de trabalho enunciados nos nºs 2 e 4 do artº 368º do Código do Trabalho, na redacção dada pela Lei nº 23/2012, razão pela qual não impugnou esse despedimento; por acórdão com o nº 602/2013, o Tribunal Constitucional declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade dessas normas sem que fossem limitados os efeitos da declaração de inconstitucionalidade; por consequência deixou de existir o acto que extinguiu o posto de trabalho da autora; caso se entenda que a declaração da inconstitucionalidade não conduz à invalidade sucessiva dos actos praticados ao abrigo de normas cuja inconstitucionalidade foi declarada, sempre o despedimento foi ilícito por não terem sido observados os critérios enunciados pelo legislador, tendo que se considerar que se reabriu o prazo para o trabalhador despedido poder impugnar o despedimento por extinção do posto de trabalho.
Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, a ré contestou sustentando, em resumo, que a autora litiga de má-fé, porque dolosamente deduz pretensão cuja falta de fundamento não ignora, e que as normas declaradas inconstitucionais não foram tidas em conta no despedimento da autora, tendo o despedimento obedecido aos requisitos estabelecidos pelas normas constantes do Código do Trabalho na redacção da Lei nº 7/2009.
No caso de haver condenação no pagamento das retribuições de tramitação, devem ser deduzidas as retribuições até 30 dias antes da propositura da ação e o recebido a título de subsídio de desemprego.
Finalmente, sustenta que há muito caducou o prazo de 60 dias para a autora impugnar judicialmente o despedimento, mas, de todo o modo, não assiste razão à autora, configurando a propositura da acção um abuso de direito.
Concluiu dever a acção ser julgada improcedente e a autora condenada como litigante de má-fé em multa e indemnização não inferior a € 2.500.
A autora apresentou resposta, contrariando a litigância de má-fé e a verificação da caducidade, e concluindo como o fizera na petição.
Logo após foi proferido despacho saneador que, conhecendo do mérito da acção, julgou-a totalmente improcedente, assim como improcedente julgou o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé.
Do assim decidido recorreu a autora, tendo apresentado as conclusões a seguir transcritas:
[…]
A ré contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.

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II - Principais questões a decidir


São as seguintes as questões a conhecer e a decidir:
1ª) se a declaração de inconstitucionalidade dos nºs 2 e 4 do artº 368º do Código do Trabalho, na redacção da Lei 23/2012, de 25 de Junho, acarreta automaticamente o desaparecimento do acto de despedimento da autora praticado quando estavam em vigor essas normas;
2ª) se a esse desaparecimento e aos efeitos dele decorrentes obsta o facto de ter decorrido o prazo de caducidade para a autora impugnar o despedimento por extinção do posto de trabalho;
3ª) se o despedimento da autora por extinção do posto de trabalho foi ilícito.
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III – Fundamentação

A) De facto

Os factos dados como provados na primeira instância e que não foram impugnados são os que seguidamente se transcrevem:

i) no dia 01.03.2012 a ré publicou no site do Expresso Emprego uma oferta de emprego para contratação por tempo indeterminado de um trabalhador para exercer as funções de Técnico de Compras que eram objeto de discriminação no anúncio da oferta de emprego.
ii) a autora respondeu a tal oferta, e em 21.03.2012 foi admitida como trabalhadora por tempo indeterminado ao serviço da ré para ali exercer as funções de Técnica de Compras, com isenção de horário de trabalho, mediante o pagamento de uma remuneração mensal de € 900,00, a qual passou a ser de € 990,00 a partir de Setembro de 2012.
iii) para espanto da autora, no dia 21.01.2013 a ré propôs à autora a celebração de um acordo para a extinção do seu posto de trabalho, o qual foi recusado pela autora.
iv) por carta datada de 01.02.2013 a ré comunicou à autora a sua intenção de proceder ao seu despedimento por extinção do posto de trabalho, como consta de fls. 23/24 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
v) por carta datada de 06.03.2013 a ré comunicou à autora a sua decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho, como consta de fls. 26/27 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
vi) em 2012 a ré publicitou os anúncios para estágios profissionais com os teores de fls. 28 a 37 que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
vii) em 2013 a ré publicitou as ofertas de emprego com os teores de fls. 38 a 42 que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
viii) dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor das cartas enviadas pela autora à ré constantes de fls. 59 e fls. 60 a 68.
ix) dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da comunicação da ACT à ré constante de fls. 57/58.”.
B) De direito

Primeira questão: se a declaração de inconstitucionalidade dos nºs 2 e 4 do artº 368º do Código do Trabalho na redacção da Lei 23/2012, de 25 de Junho, acarreta automaticamente o desaparecimento do acto de despedimento da autora praticado quando estavam em vigor essas normas.

No caso em apreço está em causa um despedimento levado a efeito pela ré, com invocação do instituto da extinção do posto de trabalho, levado a efeito no âmbito de vigência do art. 368º/2/4 do CT/09, na redacção que lhes foi conferida pela Lei 23/2012, de 25/6, que entrou em vigor a 1/8/2012.
O acórdão do Tribunal Constitucional 602/2013, de 20/9/2013, publicado no DR, 1ª série, de 24/10/2013, declarou inconstitucionais, com força obrigatória geral, para lá de outras normas que ao caso não importam, aqueles nºs do art. 368º do CT/09, na redacção conferida por aquela Lei, sem restrição de efeitos ao abrigo do art. 282º/4 da CRP.
Cumpre, assim, indagar sobre os efeitos da declaração de inconstitucionalidade de uma norma com força obrigatória geral, sem restrição de efeitos ao abrigo do art. 282º/4 da CRP, relativamente aos actos jurídicos praticados com fundamento nessa mesma norma.
A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.” – art. 282º/1 da CRP.
Resulta da norma acabada de transcrever que, por regra, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral em sede de fiscalização sucessiva abstracta tem efeitos ex tunc, ou seja, eficácia retroactiva, uma vez que “… a Constituição enquanto fundamento de validade e base da força intrínseca da norma infraconstitucional, deve prevalecer incondicionalmente desde o momento em que esta é emitida ou em que ocorre a contradição ou desconformidade, e não apenas desde o momento em que esta é emitida ou em que ocorre a contradição ou desconformidade, e não apenas desde o instante em que a contradição é reconhecida.” – Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, III, 2007, p. 823.
Como assim, declarada a inconstitucionalidade de uma norma, fica proibida a sua aplicação a qualquer situação ou relação por ela potencial ou concretamente abrangida – Rui Medeiros, A decisão de inconstitucionalidade, pp. 535 e ss.
Além disso, importa reter que a declaração de inconstitucionalidade de normas em sede de fiscalização abstracta sucessiva é equivalente, em geral, à declaração de nulidade das mesmas normas, as quais não são apenas anuladas (anulabilidade), antes são declaradas nulas desde a sua entrada em vigor, tudo se passando como se as mesmas nunca tivesse integrado o nosso ordenamento jurídico (Tiago Félix da Costa, A repristinação de normas no recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, Revista O Direito, 140, 2008, pp. 435 e ss).
A sentença do Tribunal Constitucional tem carácter declarativo e não constitutivo: declara a nulidade da norma; não anula constitutivamente a norma inconstitucional ou ilegal.
Como assim, sendo a norma nula desde a origem, por efeito de inconstitucionalidade, tornam-se igualmente inválidos, não somente os efeitos directamente produzidos por ela (e daí a reposição em vigor de normas que ela haja revogado), mas também os actos jurídicos praticados ao seu abrigo (actos administrativos, negócios jurídicos, etc.). – neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição 1993, pp. 1039/1040, Carlos Blanco de Morais, Justiça Constitucional, II, p. 230, Marcelo Rebelo de Sousa, O valor jurídico do acto inconstitucional, I, pp. 144 e ss, Pareceres da PGR nºs 196/83, 78/84, 169/93 e 9/94, acórdãos do TC nºs 142/85 e 80/86, parecer do Provedor de Justiça proferido no âmbito do processo R-5055/09.
Revertendo à situação em apreço, somos a concluir, face ao supra exposto, que tudo se deve passar como se nunca tivesse estado em vigor o art. 368º/2/4 do CT/09, na redacção que lhes foi conferida pela Lei 23/2012, de 25/4, sendo inválido o despedimento que tenha sido levado a efeito com fundamento nessas disposições legais, como foi o caso do despedimento da autora, tudo se passando, pois, como se o mesmo nunca se tivesse produzido.
Do exposto resulta, assim, que subiste intocada a relação de trabalho entre a autora e a ré, pois que, como visto, foi invalidado com eficácia retroactiva o despedimento da autora por parte da ré que tinha posto termo a tal relação.
Consequentemente, tem de proceder a pretensão da autora no sentido de lhe ser reconhecido o direito a reingressar ao serviço da ré, com eficácia reportada à data por referência à qual foi despedida (15/3/2013).
Na sequência de quanto vem de expor-se, duas outras perguntas surgem inevitáveis, a saber:
1ª) poderá o despedimento da autora ser aferido, quanto à sua licitude, à luz do art. 368º/2/4 do CT/09, na redacção anterior à conferida pela Lei 23/2012, de 25/4, mantendo-se tal despedimento no caso de terem sido respeitados aqueles dispositivos legais[1]?
 2ª) poderá o despedimento da autora ser qualificado como ilícito, designadamente para efeitos de reconhecimento à autora da compensação prevista no art. 390º/1 do CT/09[2]?
A resposta à primeira pergunta deve ser negativa.
Com efeito, a licitude ou ilicitude de um despedimento deve ser aferida pelas normas em vigor à data em que tal acto jurídico foi praticado.
Assim o impõe, designadamente, o disposto no art. 12º do CC.
Com efeito, no ordenamento jurídico português, a regra geral de aplicação da lei no tempo decorre do princípio tempus regit actum, segundo o qual a validade e regularidade dos actos deve ser aferida à luz da lei que se encontrava em vigor à data da sua prática.
Complementarmente, o princípio da irretroactividade das leis consagra que, em regra, a lei nova apenas regula os actos futuros, uma vez que apenas estes são praticados no âmbito da sua vigência, além de que a lei de eficácia retroactiva põe em causa o ordenamento jurídico por diminuir significativamente a certeza e segurança jurídicas inerentes a qualquer Estado de Direito – cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1990, pp. 219 a 253, e Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, pp. 275 e segs.
Como escreve Antunes Varela, “O pensamento fundamental de que arranca a eficácia prospectiva da lei, tendo em linha de conta o sentido normalmente imperativo dos comandos normativos é o de, não podendo exigir-se às pessoas o dom de preverem as alterações legislativas do futuro, ser justo aplicar aos diferentes actos jurídicos as normas em vigor ao tempo da sua prática, por ser com os efeitos destas que os interessados, ao agirem, podem e razoavelmente devem contar.” - Revista de Legislação e Jurisprudência, Coimbra, Ano 103, n.º 3319, 1970, p. 187.
Consequentemente, a apreciação judicial das decisões de despedimento deverá ser feita tendo por referência a lei em vigor à data da prolação dessas decisões.
Por outro lado, a resposta negativa à questão em apreciação também se impõe porque a resposta afirmativa à mesma determinaria duas consequências juridicamente insustentáveis: a) a aplicação dos referidos normativos a uma situação ocorrida depois da cessação da sua vigência; b) a subsistência no ordenamento jurídico, até à data da declaração de inconstitucionalidade, de um despedimento que, como visto, deve ter-se por inexistente, porque tomado com fundamento num quadro legal também ele inexistente ab initio, pois só aquela subsistência permitiria aferir da licitude do despedimento à luz dos normativos repristinados pela declaração de inconstitucionalidade.
Finalmente, a resposta negativa à questão em apreço impõe-se, ainda, por razões de segurança jurídica e de confiança no sistema jurídico que são, também, valores constitucionalmente tutelados (art. 2º da CRP, de onde se extrai, como decorrência do princípio do Estado de Direito democrático, o princípio da confiança; art. 282º/4 da CRP, de onde claramente se extrai que a segurança jurídica é um valor constitucionalmente tutelado).
Na verdade, se a entidade empregadora leva a efeito um determinado despedimento no âmbito de um determinado contexto normativo que, na sua interpretação, a habilita a praticar aquele acto jurídico extintivo, ficaria intoleravelmente lesada a segurança jurídica e a confiança constitucionalmente tuteladas se a aferição da licitude desse mesmo acto viesse a ser feita à luz de um quadro normativo repristinado pela declaração de inconstitucionalidade das normas integradoras daquele contexto normativo que foi efectivamente o ponderado para efeitos de se tomar a decisão de despedimento.
A resposta à segunda questão deve igualmente ser negativa.
Com efeito, no que concretamente respeita ao despedimento por extinção do posto de trabalho, a ilicitude do despedimento que confere ao trabalhador o direito à referida compensação é, apenas, a que está cominada nos arts. 381º ou 384º do CT/09.
Ora, como visto, a invalidação do despedimento da autora não resulta da declaração da sua ilicitude fundada em qualquer das suas causas previstas nessas normas, antes emerge da inexistência, ab initio, do regime legal com base no qual foi decretado.
Consequentemente, não pode reconhecer-se à autora o direito pelo qual pugna à compensação prevista no art. 390º/1 do CT/09, posto que tal direito apenas emerge de uma situação de ilicitude do despedimento que não se regista na situação em apreço.
De tudo flui, assim, que devem proceder os pedidos principais formulados pela autora, com excepção do referente às retribuições intercalares.
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Segunda questão: se a esse desaparecimento do acto de despedimento da autora e aos efeitos dele decorrentes obsta o facto de ter decorrido o prazo de caducidade para a autora impugnar o despedimento por extinção do posto de trabalho.
O despedimento da autora foi levado a efeito em 15/3/2013, tendo a presente acção sido proposta em 1/11/2013, estando em causa um despedimento comunicado por escrito à trabalhadora e fundado em extinção do posto de trabalho.
Face a quanto vem de referir-se, a decisão recorrida entendeu que estava caducado o direito da autora impugnar o despedimento decidido pela ré (arts. 98º-C/1 do CPT e 387º do CT), razão pela qual a situação de cessação do contrato de trabalho entre a autora e a ré se mostrava já consolidada, em consequência do que a declaração de inconstitucionalidade do art. 368º/2/4 do CT/09, na redacção que lhes foi conferida pela Lei 23/2012, de 25/4, não poderia ter qualquer reflexo naquela situação; daí se partiu, consequentemente, para uma decisão de improcedência de todos os pedidos formulados pela autora, designadamente os deduzidos em via principal.
Não acompanhamos, com o devido respeito, o tribunal recorrido.
Com efeito, decidir como decidiu o tribunal recorrido significaria admitir a possibilidade da jurisdição comum poder introduzir restrições a uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral fora dos casos legais expressamente previstos (art. 282º/3 da CRP), fazendo uso de uma faculdade discricionária que apenas está cometida ao Tribunal Constitucional (art. 282º/4 da CRP), sem que se vislumbre fundamento legal para o efeito.
Por outro lado, a decisão recorrida assentou, no segmento em apreço, numa interpretação extensiva do art. 282º/3 da CRP, de tal forma que ao instituto do caso julgado deveriam equiparar-se outras situações consolidadas na ordem jurídica, entre as quais, por exemplo, o caso decidido administrativo, bem como as situações em que se perdeu um direito por prescrição ou caducidade, como sucederia na situação em apreço.
Simplesmente, a letra da lei não consente tal equiparação.
Revisitados os trabalhos preparatórios que antecederam a instituição do regime jurídico do controlo da constitucionalidade, também neles não se respiga a menor referência a outras situações para lá do caso julgado e que fossem susceptíveis de inclusão no regime do art. 282º/3 da CRP.
Por outro lado, é sabido que tem sido discutida na doutrina e na jurisprudência a questão de saber se são passíveis de equiparação ao caso julgado, para efeitos do art. 282º/3 da CRP, outras situações jurídicas consolidadas do tipo das supra enunciadas – em sentidos divergentes, podem consultar-se sobre esta matéria Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, pp. 1013 e 1014, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, p. 842, aí se cintando outros autores (Vitalino Canas, Carlos Blanco de Morais), Rui Medeiros A Decisão de Inconstitucionalidade, Universidade Católica Editora, 1999, pp. 630 a 637, Calvão da Silva, Expropriações: declaração de inconstitucionalidade, caso julgado e  situações exauridas, CJ, 1994, Tomo II, acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 142/85, 80/86, 804/93, 231/94, 786/96, 32/02, 187/03, 370/08, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/4/82, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 5/5/94, de 27/9/06, 8/11/07, acórdão da Relação de Coimbra de 4/3/2008, acórdão da Relação do Porto de 8/3/05, acórdão da Relação de Guimarães de 3/5/2011.
Ora, apesar de toda essa intensa discussão doutrinal e jurisprudencial em torno desse tema e das divergências surgidas a propósito do mesmo, o certo é que o legislador constituinte nunca conferiu ao art. 282º/3 citado qualquer redacção que permitisse uma ampliação do seu âmbito de aplicação a situações diferentes do caso julgado, sinal, a nosso ver, de que tal extensão nunca foi desejada.
Finalmente, uma tal interpretação extensiva do art. 282º/3 da CRP colide, por incongruência, com o regime-regra particularmente severo instituído pelos nºs 1 e 2 da mesma norma e de acordo com o qual, como visto, o legislador constituinte pretendeu estender os efeitos de declaração de inconstitucional com força obrigatória geral de uma dada norma a todos os eventuais efeitos produzidos ao abrigo da mesma.
Além disso, a restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade de forma a salvaguardar situações jurídicas consolidadas do tipo das que estamos a considerar deve estar reservada às decisões do Tribunal Constitucional proferidas ao abrigo do nº 4 daquele art. 282º, não devendo alcançar-se por via de uma interpretação extensiva do seu nº 3 algo que o Tribunal Constitucional não determinou ao abrigo do nº 4.
Como escreve Jorge Miranda, “É de perguntar se não deve também ressalvarem-se situações ou relações consolidadas por cumprimento de obrigações, por transacção, ainda que não homologada, ou por acto de natureza análogo (...), assim como decisões administrativas de carácter definitivo.
A resposta parece dever ser positiva, porquanto, mesmo se podem ser considerados não coincidentes os pressupostos de umas e de outras situações e as dos casos julgados, a necessidade de garantia da estabilidade e da segurança jurídicas não menos se impõe aqui.
Mas, em vez da aplicação analógica do art. 282.º, n.º 3, poderá trabalhar-se com o art. 282.º, n.º 4: a modulação de efeitos a cargo do Tribunal Constitucional permitirá, na generalidade dos casos, dar suficiente e idónea satisfação aos interesses atendíveis.”.
Acresce que os pressupostos justificadores da ressalva do caso julgado não são exactamente os mesmos que, em concreto, podem determinar a mesma ressalva para a situações jurídicas consolidadas do tipo das do caso decidido.
 Com efeito, a ressalva do caso julgado também se fundamenta pelo menos num pressuposto que não pode ser invocado para efeitos da ressalva do caso decidido, qual seja o da irrevogabilidade das decisões judiciais que encontra fundamento último no princípio da separação de poderes, irrevogabilidade essa que não tem aplicação, nos mesmos termos, no âmbito das decisões administrativas.
Como escreve Jorge Miranda, “Garante-se [com a ressalva automática do caso julgado] a autoridade própria dos tribunais como órgãos de soberania aos quais  compete “administrar a justiça em nome do povo (art. 202.º, n.º1 [da Constituição]);  garante-se o seu poder de apreciação da constitucionalidade e da legalidade (art. 204.º [da Constituição]); e garante-se, reflexamente, o direito dos cidadãos a uma decisão jurisdicional em prazo razoável.” - Manual de Direito Constitucional”, Tomo VI, Coimbra Editora, 2001, p. 258.
Finalmente, como se escreve no acima citado acórdão n.º 370/08 do Tribunal Constitucional  “A possibilidade de, apesar do decurso do prazo de impugnação do acto desfavorável de que o interessado dispôs (gerando a inimpugnabilidade, que não a convalidação, do acto), vir a ser-lhe reconhecido – pelo mecanismo da extensão dos efeitos das sentenças proferidas em situações perfeitamente iguais, de acordo com jurisprudência consistentemente reiterada, e sem possibilidade de afectação de direitos de contra-interessados – o direito por aquele acto negado, é ditada por preocupações constitucionalmente relevantes, de justiça material e de tratamento igual de situações substancialmente iguais.”.
De tudo ressalta, pois, que o decurso do prazo de caducidade cominado nos arts. 98º-C/1 do CPT e 387º do CT não obsta à extensão ao despedimento da autora pela ré dos efeitos invalidantes decorrentes da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas com fundamento nas quais aquele despedimento foi decidido.
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Face a quanto acaba de referir-se, fica prejudicado o conhecimento da terceira questão.
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IV - Decisão

Termos em que deliberam os juízes que compõem esta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação parcialmente procedente, em consequência do que, revogando-se parcialmente a decisão recorrida, se declara que:
a) a inconstitucionalidade com força obrigatória geral dos nºs 2 e 4 do artº 368º do Código do Trabalho, na redacção dada pela Lei nº 23/2012, produz efeitos retroactivos e repristinatórios, operando o desaparecimento do ordenamento jurídico do acto que procedeu ao despedimento da autora por extinção do posto de trabalho ao abrigo das normas declaradas inconstitucionais;
b) desde 24/10/2013 deixou de subsistir no ordenamento jurídico o acto que despediu a autora por extinção do posto de trabalho e que qualquer novo acto de despedimento da autora terá que se fundar no disposto nos nºs 2 e 4 do artº 368º do Código do Trabalho, na redacção dada pela Lei nº 7/2009;
c) a autora tem direito a reingressar ao serviço da ré com efeitos reportados ao dia em que foi despedida (15/3/2013), com as limitações supra enunciadas em termos de retribuições de tramitação.
No mais, julga-se a apelação improcedente.
Custas pela recorrente e pela recorrida, na proporção de 95% para a segunda e de 5% para a primeira.
Coimbra, 15/5/2014.

 (Jorge Manuel Loureiro - Relator)
 (Ramalho Pinto)
 (Azevedo Mendes)


[1] É nesse sentido que se orienta a ré, por exemplo, nos arts. 8º a 17º da contestação.
[2] É nesse sentido que se orienta a autora ao reclamar no terceiro pedido principal as reclamações vencidas desde a data do seu despedimento.