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PARTILHA EXTRAJUDICIAL
INVENTÁRIO JUDICIAL
IMPUGNAÇÃO DA PARTILHA
ÓNUS DA PROVA
SIMULAÇÃO
HERDEIRO PRETERIDO
Sumário
I - À impugnação da partilha extrajudicial são aplicáveis as disposições referentes aos contratos em geral e à impugnação dos negócios jurídicos. II - Para que se possa falar de negócio simulado, impõe-se a verificação simultânea de três requisitos: a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório e o intuito de enganar terceiros (que se não deve confundir com o intuito de prejudicar). III - O ónus da prova dos factos integradores de tais requisitos (os elementos que constituem o instituto jurídico da simulação), porque constitutivos do respectivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação. IV - Não se tendo provado a alegada aparência de partilha – e consistindo a partilha na divisão entre os 2º e 3ª Réus e seu pai (1º Réu) dos bens que faziam parte do património deste, no qual se continha o seu quinhão hereditário e a sua meação no casal, recebendo tornas em dinheiro, com as quais preencheu, inteiramente, o seu direito –, não se poderá concluir que a situação se converteu num qualquer outro negócio (dissimulado), sendo que tal partilha não carecia de ser autorizada pelo A., filho não matrimonial do 1º Réu, e irmão consanguíneo dos restantes Réus, mas que não era herdeiro da esposa de seu pai. V - Não se havendo demonstrado os requisitos constitutivos da impugnação da partilha, o A. goza da faculdade de, na qualidade de herdeiro legitimário de seu pai, requerer inventário judicial para partilha dos seus bens, não se sujeitando ao que os restantes herdeiros, seus irmãos consanguíneos, possam, eventualmente, ter outorgado em seu prejuízo.
Texto Integral
804/10.6TBCHV.P1
Relator: Fonte Ramos Adjuntos: Ana Paula Amorim Soares de Oliveira
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Sumário do acórdão:
1. À impugnação da partilha extrajudicial são aplicáveis as disposições referentes aos contratos em geral e à impugnação dos negócios jurídicos.
2. Para que se possa falar de negócio simulado, impõe-se a verificação simultânea de três requisitos: a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório e o intuito de enganar terceiros (que se não deve confundir com o intuito de prejudicar).
3. O ónus da prova dos factos integradores de tais requisitos (os elementos que constituem o instituto jurídico da simulação), porque constitutivos do respectivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação.
4. Não se tendo provado a alegada aparência de partilha – e consistindo a partilha na divisão entre os 2º e 3ª Réus e seu pai (1º Réu) dos bens que faziam parte do património deste, no qual se continha o seu quinhão hereditário e a sua meação no casal, recebendo tornas em dinheiro, com as quais preencheu, inteiramente, o seu direito –, não se poderá concluir que a situação se converteu num qualquer outro negócio (dissimulado), sendo que tal partilha não carecia de ser autorizada pelo A., filho não matrimonial do 1º Réu, e irmão consanguíneo dos restantes Réus, mas que não era herdeiro da esposa de seu pai.
5. Não se havendo demonstrado os requisitos constitutivos da impugnação da partilha, o A. goza da faculdade de, na qualidade de herdeiro legitimário de seu pai, requerer inventário judicial para partilha dos seus bens, não se sujeitando ao que os restantes herdeiros, seus irmãos consanguíneos, possam, eventualmente, ter outorgado em seu prejuízo.
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. B… intentou, no Tribunal Judicial de Chaves, a presente acção declarativa ordinária contra C… (1º Réu), D… (2º Réu) e E… (3º Réu), pedindo:
a) - Que se declare nulo o acto exarado em escritura de habilitação e partilha, de disposição dos bens do 1º Réu para os seus filhos (restantes Réus), mediante um declarado pagamento de tornas, por se tratar de um acto simulado; ou
- Que se declare nulo o acto exarado na mesma escritura, por ofender a moral pública e os bons costumes.
b) A não entender-se assim, que se considere o mesmo acto anulável, por falta de consentimento e intervenção do A..
c) Caso o entendimento seja o de que o acto praticado se enquadra na qualificação jurídica prevista no n.º 1 do art.º 2029º, do Código Civil (CC), deve isso mesmo ser judicialmente declarado, condenando-se os 2º e 3º Réus a pagar ao A. a sua parte correspondente, a qual deverá ser quantificada por perito legalmente habilitado para aferir do real valor dos bens.
d) E, em qualquer caso, que se ordene o cancelamento de todos os registos dos prédios adjudicados aos 2º e 3º Réus, constantes das 19 verbas insertas em documento complementar à escritura de habilitação e partilha, bem como outros que estes Réus venham a efectuar sobre os referidos prédios.
Alegou, em síntese, que é filho do 1º Réu, filiação estabelecida em acção de investigação da paternidade instaurada em 29.7.2008 e com decisão transitada em julgado em 12.01.2010; à data da entrada em juízo da dita acção, o 1º Réu encontrava-se no estado de viúvo, desde 11.11.2004, tendo dois filhos, aqui Réus; os Réus sempre tiveram conhecimento que o A. era seu filho e irmão; em 30.3.2009, os Réus outorgaram escritura de habilitação e partilha, por óbito de sua falecida esposa e mãe, ficando a constar que o 1º Réu recebeu tornas dos restantes herdeiros, aos quais foram adjudicados os bens a partilhar; não é verdade que tenha existido qualquer pagamento de tornas, para além do valor atribuído aos bens não corresponder ao seu valor real; a vontade real dos declarantes dessa escritura de partilha foi apenas a de afastar o A. da herança do 1º Réu, pelo que tal acto é nulo por simulação; a referida disposição dos bens do 1º Réu atenta, também, contra a ordem pública e os bons costumes, já que o A. ficou fora da herança de seu pai, para além de não ter tido qualquer intervenção ou dado qualquer consentimento a tal partilha.
Os Réus contestaram afirmando, nomeadamente, que procederam à aludida partilha pelo facto de o 1º Réu ter ficado doente e fisicamente incapacitado, deixando de poder administrar a herança; o 1º Réu ficou com o seu quinhão totalmente preenchido pelas tornas a que tinha direito e que recebeu, por ter preferido não receber bens de que não tinha capacidade para cuidar; não ocorreu qualquer acto de disposição dos bens deste a favor dos demais Réus, nem houve intenção de prejudicar quem quer que fosse com a dita partilha. Concluíram pela improcedência da acção.
Foi proferido despacho saneador (tabelar) e seleccionou-se, sem reparo, a matéria de facto (assente e controvertida).
Realizada a audiência de discussão e julgamento e decidida a matéria de facto, o tribunal recorrido julgou totalmente improcedente a acção, absolvendo os Réus de todos os pedidos contra si formulados.
Inconformado, o A. interpôs a presente apelação, formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:
1ª - Materializando a invocada simulação, o autor alegou no petitório que o valor atribuído aos prédios elencados no documento complementar para instruir a escritura por óbito de F… (cônjuge e mãe dos Réus) não tinha a mínima correspondência com o seu valor real de mercado, inexistindo, para cúmulo, qualquer pagamento de tornas dos filhos, 2º e 3º Réus, para seu pai, 1º Réu.
2ª - A dita escritura foi realizada quase cinco anos após a morte de F… e alguns meses após a entrada em tribunal da acção judicial de investigação da paternidade, bem conhecida de todos os Réus.
3ª - Nenhuma alusão se efectuou à forma como as declaradas tornas foram pagas, por exemplo, se foram pagas em “dinheiro vivo”, de uma só vez, em prestações, por cheque, por transferência bancária (…), nem tampouco se vislumbra qualquer esclarecimento sobre se as tornas foram pagas pelos valores “habituais”, ou pelo real valor dos bens.
4ª - Tendo sido suscitada no petitório a questão do não pagamento de tornas seria mais sensato, com vista à justa composição do litígio, onerar-se os Réus com a prova de tal pagamento, nos termos do n.º 2 do art.º 342º, do CC, já que se trata de um facto excipiente extintivo do direito que o A. pretende fazer valer.
5ª - As regras da experiência da vida, dos juízos correntes de probabilidade e dos princípios da lógica demonstram que não houve pagamento de quaisquer tornas dos Réus D… e E… ao seu pai C… - não é lógico, não é normal, contrariando as regras da experiência da vida, que os filhos paguem aos pais por bens de que são presumidos herdeiros legitimários, sendo tal mais anormal quando os filhos pagadores são os únicos herdeiros legitimários, como os Réus, na sua tese, acreditavam ser.
6ª - Porque, por um lado, os Réus não lograram provar a existência do pagamento de tornas, prova à qual estavam onerados, nos termos do n.º 2 do art.º 342º, do CC, e porque, por outro lado, as regras da experiência da vida e dos princípios da lógica permitem inferir que não houve efectivamente o pagamento de quaisquer tornas por parte dos Réus D… e E… ao seu pai C…, deverá ser alterada a resposta aos quesitos 3º e 5º, os quais deverão passar a constar como “provados”.
7ª - Em favor da tese de que o mencionado negócio foi um acto simulado, milita também o valor arbitrário, completamente desfasado da realidade, atribuído aos prédios que foram objecto de adjudicação ao 2º e 3º Réus e, bem assim, o valor das tornas que alegadamente foram pagas ao 1º Réu.
8º - Aos mencionados bens imóveis, no total de 19, por referência à data da celebração da escritura, foi atribuído o valor global de € 159 715,40, bem diferente dos € 40 621,41 declarados na escritura.
9ª - O alegado pagamento de tornas nos moldes declarados integra um manifesto conluio simulatório, o qual visou prejudicar a título principal o A., mas também o Estado, que não recebeu o devido imposto (IMT), não devendo, por isso, merecer a tutela do Direito.
10ª - Embora os Réus tivessem conhecimento há já muitos anos que o A. era seu filho e irmão, respectivamente, só após a iniciativa do A., designadamente com a instauração em tribunal de acção judicial de investigação de paternidade, é que se apressaram a outorgar a escritura de habilitação e partilha por óbito da sua falecida esposa e mãe, respectivamente.
11ª - Importa alterar a resposta ao quesito 7º, tendo como base de sustentação bastante a contestação: no art.º 4º da contestação referem os réus que “o réu C… nunca reconheceu o autor como filho e foi com muita surpresa que tomou conhecimento da acção de perfilhação intentada contra si”, prosseguindo no art.º 5º que “também os
réus D… e E… ficaram muito surpreendidos com tal facto” - os próprios Réus confessam que tiveram conhecimento da acção de investigação de paternidade.
12ª - A testemunha G…, a instâncias do Mandatário dos Réus, referiu de forma espontânea, com alguma dose de inocência à mistura, que o Réu D… lhe confessou pessoalmente que tinham decidido partir “porque o pai andava metido com umas mulheres”.
13ª - É, pois, inquestionável, analisada a prova produzida à luz das regras da experiência comum e do bom senso, que foi o facto de o autor ter accionado o Réu C… em tribunal que despoletou a realização da escritura de habilitação e partilha em crise nos autos, cujo verdadeiro escopo mais não foi do que a disposição dos bens do pai, 1º Réu, para os 2º e 3º Réus, em prejuízo do A..
14ª - As partes outorgantes da escritura de habilitação e partilha não quiseram partilhar os bens da herança entre os três herdeiros, mas sim retirar da esfera patrimonial do Réu C… todos os bens, por forma a impedir que o A. viesse a receber a sua parte na herança daquele.
15ª - Tal divergência resultou de “um pacto” feito entre todos os Réus outorgantes naquela escritura, ou seja, de um acordo simulatório, o qual teve em vista enganar e prejudicar o A., impedindo que pudesse vir a herdar os bens do seu pai.
16ª - A resposta positiva aos quesitos 10º e 11º, esta última que se não aceita [deve ser dado como “não provado”], não infirma a tese da simulação.
17ª - Não se vislumbra da prova produzida, sendo até por ela infirmado, que o 1º Réu tenha deixado de poder administrar a herança aberta por óbito de sua falecida esposa, isto porque se encontra na posse plena das suas faculdades mentais.
18ª - A prova produzida em audiência de discussão e julgamento, mormente o depoimento do irmão do 1º Réu, permite perceber que C… continua ainda hoje a administrar os seus bens, tendo, para tanto, perfeita disponibilidade mental e intelectual.
19ª - Ainda que se aceite que o negócio realizado entre as partes se mostra formalmente válido, o seu conteúdo atenta não só contra a ordem pública mas também contra os bons costumes.
20ª - O valor atribuído aos bens na partilha em análise não pode acolher a protecção da ordem jurídica, por perverter a partilha decorrente da sucessão legitimária, legalmente regulamentada, ofendendo a legítima do A..
21ª - Traduz um meio imoral, eticamente reprovável, na medida em que exclui da (futura) sucessão da herança do Réu C… o seu filho, presumido herdeiro legitimário, obtendo-se dessa forma um benefício injustificado para os filhos intervenientes com prejuízo directo do ausente.
22ª - Também o negócio ofende a ordem pública - conjunto de princípios fundamentais imanentes ao ordenamento jurídico em que se alicerça a ordem económica e social, e que devem sobrepor-se à vontade individual e são por ela inderrogáveis - por ofender por via indirecta as leis sobre sucessão legitimária.
23ª - A partilha realizada atenta contra os bons costumes - qualquer pessoa honrada, íntegra e bem intencionada repudiaria um tal negócio.
24ª - Esta falta de inteireza e rectitude ofende sobremaneira a moral pública, os bons costumes de acordo com o art.º 280º, n.º 2, do CC (cf. art.º 294º do mesmo diploma), merecendo a reprovação do direito e como tal o negócio é nulo.
25ª - Na eventualidade de improcederem as alegações supra, tendentes à nulidade por simulação e por ofensa da moral pública e dos bons costumes, deverá entender-se que a partilha em causa é anulável por falta de consentimento e intervenção do A., isto na medida em que o estabelecimento da filiação – por sentença de 24.11.2009, notificada e transitada em julgado em 12.01.2010 – tem eficácia retroactiva, nos termos do n.º 2 do art.º 1797º, do CC.
26ª - Caso o entendimento seja o de que o acto praticado se enquadra na qualificação jurídica prevista no n.º 1 do art.º 2029º, do CC (contrato de partilha em vida), sempre o A., nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, tem direito a que lhe seja composta em dinheiro a parte correspondente, a qual deverá ter por base o real valor dos bens, que não o irrisório valor declarado na escritura.
Os Réus responderam à alegação do A. pugnando pela manutenção do julgado.
Atento o referido acervo conclusivo (delimitativo do objecto do recurso - art.ºs 684º, n.º 3 e 685º-A, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil[1]), relevam, sobretudo, as seguintes questões: a) erro na apreciação da prova; b) delimitação do objecto da acção, ónus da prova e decisão de mérito.
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II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:
a) O A. é filho do Réu C…. (A.)
b) Filiação essa que foi estabelecida em acção declarativa constitutiva, com processo comum sob a forma ordinária, que correu termos no Tribunal de Chaves sob o n.º 688/08.4TBCHV, em que o aqui A. pedia o seu reconhecimento como filho do Réu C…. (B)
c) Por sentença de 24.11.2009, transitada em julgado em 12.01.2010, julgou-se a acção procedente e foi declarado que B… é filho do 1º Réu, ordenando-se o respectivo averbamento no assento de nascimento do A.. (C e T)
d) Tal sentença estribou-se nos factos que o A. logrou provar, os quais constam da respectiva fundamentação, para a qual se remete e se dão aqui por integralmente reproduzidos. (D)[2]
e) A acção de investigação judicial de paternidade que culminou com a sentença supra referida deu entrada em Tribunal em 29.7.2008. (E)
f) À data da entrada em Tribunal da referida acção, o Réu C… encontrava-se no estado civil de viúvo do seu casamento com F…. (F)
g) O 1º Réu não tinha ascendentes vivos, tendo, como ainda tem, outros dois filhos vivos, de nome D… e E…, aqui 2º e 3º Réus, respectivamente. (G)
h) O A. teve que lançar mão da referida acção de investigação judicial de paternidade. (H)[3]
i) Em 30.3.2009 compareceram no Cartório Notarial da Dr.ª H…, na cidade de Chaves, o 2º Réu e o procurador da 3ª Ré a fim de outorgarem escritura de habilitação e partilha. (I)
j) Fê-lo o 2º Réu por si, na qualidade de cabeça-de-casal da herança da falecida F… e, ainda, na qualidade de procurador do 1º Réu. (J)
k) Perante a Notária declararam os outorgantes que "no dia onze de Novembro de dois mil e quatro, na freguesia de …, concelho de Chaves, faleceu F… (...) que a falecida não fez testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros: a) Seu cônjuge C… e ainda seus filhos: - b) D…, e c) E… (...)". (K)
l) "(...) Que sendo assim, o primeiro e o seu representado e a representada do segundo outorgante, os únicos herdeiros e interessados na partilha dos bens deixados por óbito daquela F…, procedem à mesma, sendo os bens a partilhar num total de dezanove, os constantes de documento complementar (...)". (L)
m) “(…) Que esse valor se divide em duas partes iguais de vinte mil trezentos e dez euros e setenta e um cêntimos, sendo uma a meação do cônjuge sobrevivo, dividindo-se o remanescente em três partes iguais de seis mil setecentos e setenta euros e vinte e quatro cêntimos, por tantos serem os herdeiros.” (M)
n) “Assim, entre a meação e quinhão hereditário cabe ao cônjuge sobrevivo o total de vinte e sete mil e oitenta euros e noventa e quatro cêntimos e a cada um dos filhos a quantia de seis mil, setecentos e setenta euros e vinte e quatro cêntimos.” (N)
o) “Ao primeiro outorgante, D…, são adjudicados e ficam a pertencer os prédios identificados nas verbas três, sete, nove, treze, quinze, dezassete, dezoito e metade indivisa do prédio identificado na verba seis, no valor de trinta mil duzentos e setenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos, superior ao seu quinhão em vinte e três mil quinhentos e quatro euros e trinta e oito cêntimos, que de tornas já deu ao que menos leva.” (O)
p) “À representada do segundo outorgante, E…, são adjudicados e ficam a pertencer os prédios identificados nas verbas um, dois, quatro, cinco, oito, dez, onze, doze, catorze, dezasseis, dezanove e metade indivisa do prédio identificado na verba seis, no valor de dez mil e trezentos e quarenta e seis euros e oitenta e um cêntimos, superior ao seu quinhão em três mil quinhentos e setenta e seis euros e cinquenta e oito cêntimos, que de tornas já deu ao que menos leva.” (P)
q) Tudo como resulta da referida escritura de "Habilitação e Partilha", lavrada em 30.3.2009, composta de 12 folhas, exarada a folhas 79 a folhas 81 e documento complementar do livro de notas para escrituras diversas n.º 47-A (doc. 2 - que aqui se dá por reproduzido). (Q)[4]
r) Através da escritura referida em II. 1. q) foi feita a partilha dos bens deixados por óbito de F…, cônjuge e mãe dos Réus, respectivamente. (R)
s) O A. não foi tido nem achado aquando do acto designado de escritura de "Habilitação e Partilha" referida, nem a mesma carecia do seu consentimento e/ou intervenção. (S)
t) Compete ao cabeça-de-casal indicar o valor que atribui a cada um dos bens. (U)[5]
u) Esse valor também foi aceite por todos os interessados nessa escritura. (V)
v) C…, na data desta diligência, ainda é vivo. (X)[6]
w) O Réu C…, como os dois filhos supra identificados, sempre tiveram conhecimento que o A. era seu filho e irmão, respectivamente. (1º)
x) Tal era sobejamente comentado entre as pessoas que conheciam o 1º Réu e a sua família. (2º)
y) O valor atribuído aos prédios, no total de 19, elencados no documento complementar para instruir a escritura por óbito de F… não corresponde ao seu valor real, de mercado. (4º)
z) A paternidade do Réu C… em relação ao A. era há anos sobejamente comentado na família e pessoas mais próximas. (8º)
aa) O A. teve conhecimento da referida escritura de "Habilitação e Partilha" em Janeiro de 2010, tendo de imediato, através do seu mandatário, solicitado uma cópia da mesma. (9º)
bb) O Réu C… ficou muito doente e fisicamente incapacitado. (10º)
cc) Deixou de poder administrar a herança aberta por óbito de sua falecida esposa. (11º)
2. Sabemos que a alteração, pela Relação, da decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, só pode verificar-se se ocorrer alguma das situações (excepcionais) contempladas no n.º 1 do art.º 712º e que são as seguintes: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º-B[7], a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados (n.º 2 do referido art.º).
No nosso direito processual civil acha-se consagrado o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova de facto jurídico, qualquer formalidade especial, pois neste caso esta não pode ser dispensada (art.º 655º).
O princípio da prova livre (por contraposição à prova legal: prova por documentos, por confissão e por presunções judiciais) vigora no domínio da prova pericial (ou por arbitramento) (art.º 389º, do CC), da prova por inspecção (art.º 391º, do CC) e da prova por testemunhas (art.º 396º, do CC), sendo a prova apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais.[8]
Aquele princípio situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.[9]
As provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que geram realmente no espírito do julgador acerca da existência do facto[10], sendo que, nos termos do art.º 396º, do CC, a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal – o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência da vida e conhecimento dos homens.[11]
Daí que a Relação só possa alterar a decisão sobre a matéria de facto e anular a decisão, excepcionalmente, nas situações acima descritas.
Na sequência do alargamento dos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto, por parte da Relação, tem a jurisprudência convergido em determinados parâmetros de intervenção:
- Considerado, desde logo, o preâmbulo do DL 39/95, de 15.02[12], o recurso não pode visar a obtenção de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, mas tão-só obviar a erros ou incorrecções eventualmente cometidas pelo julgador[13] - o Tribunal da Relação deve apreciar a matéria impugnada efectuando uma apreciação autónoma da prova produzida, no sentido de que o objecto precípuo de cognição não é a coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto, mas antes a apreciação e valoração da prova produzida, labor que contudo se orienta para a detecção de qualquer erro de julgamento naquela decisão da matéria de facto; por isso, não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento [se assim não fosse, a impugnação da matéria de facto não constituiria um verdadeiro recurso, como sucede no nosso direito constituído, mas antes um meio processual de provocar uma repetição, ainda que parcial, do julgamento da matéria de facto][15].
- Depois, não pode o tribunal da Relação pôr em causa regras basilares do nosso sistema jurídico, maxime, os referidos princípios da livre apreciação da prova e da imediação, sendo inequívoco que o tribunal de 1ª instância encontra-se em melhores condições para apreciar os depoimentos prestados em audiência.
- O registo da prova, pelo menos nos moldes em que é processado actualmente nos nossos tribunais – mero registo fonográfico –, não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância, a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e dos quais é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo.[16]
- O que não obsta, necessariamente, à apreciação crítica da fundamentação da decisão de 1.ª instância, não bastando uma argumentação alicerçada em mero poder de autoridade.
3. O juiz poderá lançar mão do instrumento probatório das presunções judiciais, de facto, hominis ou simples, enquanto meios lógicos ou mentais da descoberta de factos entregues “às luzes e à prudência do magistrado” - valendo-se de certo facto e de regras de experiência, o juiz conclui que aquele denuncia a existência de um outro facto, é consequência típica de outro -, presunções que, condicionadas a uma utilização prudente e sensata, não deixam de constituir um instrumento precioso a empregar, quando necessário e tal for legalmente admitido na formação da convicção que antecede a resposta à matéria de facto (art.ºs 349º e 351º, do CC), o que se torna premente quando se trata de proferir decisão em que os factos se tornam dificilmente atingíveis através de meios de prova directa[17].
Ademais, a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[18], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.
4. O recorrente, invocando, principalmente, os depoimentos produzidos pelas testemunhas arroladas pelos Réus, o alegado na contestação e a matéria que se deu como provada, pretende que sejam tidos como demonstrados os art.ºs 3º, 5º e 7º da base instrutória (b. i.) e como não provada a matéria do art.º 11º da b. i..
Nos mencionados art.ºs foi incluída a seguinte matéria/factualidade:
- Não é verdade que tenha existido qualquer pagamento de tornas dos filhos, 2º e 3º Réus, para seu pai C…, 1º Réu? (3º)
- Não houve qualquer intenção de pagar tornas por parte dos 2º e 3º Réus ao seu pai, 1º Réu? (5º)
- A acção de investigação de paternidade referida em I) era também do conhecimento do 2º e 3º Réus? (7º)
- [O Réu C…] Deixou de poder administrar a herança aberta por óbito de sua falecida esposa? (11º)
O Tribunal recorrido respondeu negativamente à matéria dos art.ºs 3º, 5º e 7º e deu como provado o art.º 11º.
Procedeu-se à audição integral dos depoimentos produzidos em audiência de discussão e julgamento.
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se que se justifica modificar, apenas, a resposta ao art.º 7º da b. i., mantendo-se as demais respostas que vêm impugnadas, na medida em que, por um lado, a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento é manifestamente insuficiente para corporizar o que consta daqueles art.ºs 3º e 5º [por exemplo, as testemunhas indicadas pelo A. nenhum contributo trouxeram para o seu esclarecimento e o afirmado pelas restantes testemunhas irreleva ou é manifestamente insuficiente para o esclarecimento de tais factos], foi produzida prova que se antolha bastante em relação à factualidade do art.º 11º e existem elementos suficientes para afirmar a materialidade do art.º 7º.
Por outro lado, e, sobretudo, no tocante à factualidade incluída nos citados art.ºs 3º e 5º (decisiva para o desfecho do litígio, tal como surge configurado nos autos), parece-nos inequívoco que, pesem embora as dúvidas sobre a realidade derivadas, sobretudo, dos indícios recolhidos (em particular, do relatório de avaliação de fls. 85 e seguintes conjugado com as circunstâncias conhecidas da realização da escritura em causa), são os mesmos insuficientes para alicerçar diverso enquadramento fáctico.
Por último, sempre se dirá que, estando-se perante meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, é irrecusável a inexistência do invocado erro na apreciação da prova (com a invocada extensão), sendo que cabia ao A. alegar e demonstrar todos os referidos factos ou, pelo menos, como se referiu, contribuir para que ficasse configurada situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permitisse ao tribunal a formação de convicção assente em padrões de probabilidade, capaz de afastar a situação de dúvida razoável.
O Tribunal a quo fundamentou a decisão de facto afirmando, designadamente, “No que se refere às testemunhas arroladas pelos réus, I… e G…, estas confirmam que o réu adoeceu, acabando por ficar fisicamente incapacitado e, consequentemente, impedido de cuidar dos prédios da herança aberta por óbito de sua esposa e mãe dos demais réus”; “Em relação aos factos dados como não provados, nenhuma prova foi feita da sua verificação. De facto, nem através da prova testemunhal, nem por qualquer documento, foi feita prova de que o réu C… não recebeu as tornas a que teria direito; ou de que não existiu qualquer intenção de lhe pagar essas mesmas tornas por parte dos demais réus; nem foi apurado se existiu qualquer outra intenção dos réus ao celebrarem a escritura de partilhas, para além de partilharem os bens”; “Também não foi feita qualquer prova, por nenhuma testemunha ter conhecimento directo de tais factos, (…) sobre de quem foi a ideia de fazer partilhas ou sobre a alegada motivação do réu C… para receber dinheiro em vez de bens, nessa dita partilha”.
Quanto a esta parte da fundamentação da decisão de facto nada se poderá objectar, sendo que, por exemplo, a testemunha J… (fls. 144) referiu desconhecer quaisquer factos relativos à partilha extrajudicial em apreço; a testemunha K… (fls. 145), em relação a tal escritura, disse, tão-somente, que sabia da existência da mesma devido ao que lhe havia sido transmitido pelo próprio A., seu sobrinho, alguns dias antes da 1ª sessão da audiência de julgamento destes autos (07.5.2012), e que nada podia esclarecer sobre o património do 1º Réu; a testemunha I… (fls. 173) afirmou, nomeadamente, que o 1º Réu sofreu um “AVC” há cerca de 4/5 anos e que deixara de ter “capacidade física” para continuar a administrar o respectivo património, encontrando-se os bens “todos incultos”…; por último, a testemunha G… (fls. 174) referiu que, aquando das diligências realizadas pelo 2º Réu para efectuar a mencionada escritura de habilitação e partilha, o 1º Réu já se encontrava doente (tinha sofrido um “AVC”).
Acresce que, a simples circunstância de terem sido considerados os valores matriciais/patrimoniais dos bens e de o 1º Réu ter sido “pago” das tornas correspondentes na base de tais valores, não permite, de per si, a ilação pretendida pelo A., na medida em que, ao assim procederem, não deixaram os Réus de actuar segundo as práticas habituais nesta matéria e respeitando os normativos aplicáveis (cf., v. g., o art.º 1346º, n.º 2) - ainda que algum relevo possa porventura ser dado à avaliação de fls. 85 e seguintes (da qual decorre um “valor de mercado” de quase o quádruplo dos valores matriciais em causa) -, tanto mais que, e independentemente de todas as possibilidades associadas ao presente caso, não basta a simples suspeita ou dúvida sobre a existência de simulação, sendo necessária a certeza de que ela teve lugar[19].
Porém, discorda-se da mesma fundamentação quando aí se afirma que “Também não foi feita qualquer prova (…) sobre se os réus filhos tinham conhecimento da acção de investigação da paternidade (…)”, pela simples razão de que, além de se ter alegado, na contestação, que o 1º Réu “nunca reconheceu o A. como filho e foi com muita surpresa que tomou conhecimento da acção de perfilhação intentada contra si” (art.º 4º), e que os restantes Réus, seus filhos, “também (…) ficaram muito surpreendidos com tal facto”, não se poderá olvidar a relação de proximidade por certo existente entre todos os Réus e o apurado enquadramento temporal, tudo apontando, assim, no sentido de que, aquando da realização da dita escritura de habilitação e partilha, todos (os Réus) sabiam da existência da acção de investigação de paternidade.
Mantendo-se as respostas aos art.ºs 3º, 5º e 11º da b. i., a resposta ao art.º 7º da b. i. passará a ser a seguinte: provado que a acção de investigação de paternidade referida em I) era também do conhecimento do 2º e 3º Réus.
Procede, assim, parcialmente, a impugnação de facto.
5. A partilha extrajudicial só é impugnável nos casos em que o sejam os contratos (art.º 2021º, do CC).
O art.º 240º, n.º 1, do CC, define negócio simulado como aquele em que, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, há divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.
Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado (art.º 241º, n.º 1, do CC).
Decorre do citado art.º 2121º que à impugnação da partilha extrajudicial são aplicáveis não só as disposições gerais directamente referentes aos contratos em geral, mas também as disposições sobre a impugnação dos negócios jurídicos em geral, ou seja, em princípio, as normas relativas à anulabilidade e as referentes aos casos de nulidade e até de inexistência do negócio jurídico, tudo, situações cobertas pelo conceito de impugnação lato sensu.[20]
Por seu lado, atenta a referida noção do negócio simulado, tem a doutrina defendido a necessidade da verificação simultânea de três requisitos: a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório (pactum simulationis) e o intuito de enganar terceiros (que se não deve confundir com o intuito de prejudicar; quando, além da intenção de enganar, haja a de prejudicar, a simulação diz-se fraudulenta), sendo que o ónus da prova de tais requisitos, porque constitutivos do respectivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação.[21]
6. A simulação é um vício da vontade que tem subjacente uma divergência intencional entre a vontade e a declaração negocial.
Pode assumir duas modalidades diferentes, legalmente previstas: a simulação absoluta e a simulação relativa.
Verifica-se a primeira quando os intervenientes no negócio jurídico celebrado não querem, na realidade, celebrar qualquer negócio jurídico, mas emitir a declaração negocial respectiva com o intuito de enganar terceiros - os simuladores fingem realizar um certo negócio jurídico, quando, na verdade, não querem realizar negócio jurídico algum; há apenas um negócio simulado (como diziam os antigos tratadistas, “colorem habet, substantiam vero nullam”). Trata-se de simulação relativa se os intervenientes no negócio jurídico querem, na realidade, celebrar um negócio jurídico diferente daquele que corresponde à declaração negocial emitida, tendo emitido esta declaração negocial, que diverge da sua vontade, com o intuito de prejudicar terceiros (art.ºs 240º, n.º 1 e 241°, n.º l, do CC).
O negócio jurídico absolutamente simulado é nulo (art.º 240°, n.º 2, do CC), nulidade invocável a todo o tempo por qualquer interessado e que pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art.º 286°, do CC).
Tratando-se de uma simulação relativa, o negócio dissimulado fica sujeito ao regime legal respectivo, não sendo afectado pela nulidade do negócio simulado desde que observada a forma legalmente exigida (art.º 241°, n.ºs 1 e 2, do CC).
Se, em determinado caso concreto, não ocorrer o circunstancialismo fáctico integrador dos requisitos enunciados, poderá verificar-se qualquer falta ou vício de vontade, mas não, seguramente, o da simulação.
7. No caso vertente, é irrecusável que o A. não logrou provar a verificação dos pressupostos/requisitos da invocada simulação (os art.ºs da b. i. que explicitavam esses factos - principalmente, os art.ºs 3º, 5º e 6º[22] - mereceram resposta negativa), sendo que não pode considerar-se existente a simulação com base em simples indícios não confirmados pela decisão da matéria de facto[23].
Por outro lado, não se tendo provado que houve simulação, não se pode concluir que existiu um negócio (não querido) que encobrisse um outro, o negócio dissimulado [na perspectiva do A., a intenção dos Réus ao celebrarem a partilha em causa não teria sido a partilha dos bens da herança aberta por óbito de F…, mas antes a disposição de todos os bens do 1º Réu, também pai daquele, a favor dos seus outros filhos, 2º e 3º Réus/disposição de todos os bens do 1º Réu sem respeitar a legítima do A.], porque, para que se pudesse considerar a existência do negócio dissimulado, teria que haver um outro celebrado com os três requisitos do art.º 240º, n.º 1, do CC, e ainda que existisse vontade de celebrar o negócio dissimulado[24], o que, como vimos, não ficou provado.
Por conseguinte, soçobra o pedido principal do A. de ver declarada nula a escritura de habilitação e partilha outorgada pelos Réus, por simulação (e, consequentemente, nula a transmissão dos prédios, que daí resultou).
8. Pretende depois o A. que se declare a nulidade da escritura de habilitação e partilha outorgada pelos Réus, por “ofensa da moral pública e dos bons costumes”, transpondo para os presentes autos a argumentação expendida no aresto desta Relação de 11.5.2010 - processo 2135/04.1TBPVZ.P1.
O negócio contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes é aquele que tem por objecto actos imorais ou que repugnam à consciência moral - podendo ser legalmente válidos, são considerados injustos/inadmissíveis pela consciência moral.[25]
Independentemente da maior ou menor similitude entre a situação objecto do mencionado acórdão e o presente caso, e das respectivas vicissitudes processuais[26], afigura-se, salvo o devido respeito por opinião em contrário, que os elementos disponíveis não permitem concluir pela ocorrência da invocada ofensa.
9. Exigindo a lei o acordo de todos os interessados para se proceder à partilha extra-judicial (art.º 2102º, n.º 1, do CC), estes poderão atacar o acto, nomeadamente, impugnando-o, nos termos do disposto pelo art.º 2121º, do CC, quando tenham sido derrogadas normas imperativas [v. g., os art.ºs 2104º, 2162º e 2168º, do CC].
Assim, importa saber, em primeiro lugar, quem são os “interessados”, de cujo acordo depende a realização da partilha extrajudicial.
Na verdade, só os herdeiros podem requerer a partilha: “qualquer co-herdeiro ou o cônjuge meeiro tem o direito de exigir a partilha quando lhe aprouver” (art.º 2101º, n.º 1, do CC); “têm legitimidade para requerer que se proceda a inventário (….) os interessados directos na partilha” [art.º 1327º, n.º 1, alínea a)].
Por conseguinte, as pessoas directamente interessadas na partilha são, em princípio, o cônjuge meeiro do inventariado e o herdeiro ou herdeiros deste último, para além do usufrutuário de quota da herança, que se encontra equiparado a herdeiro. Por outro lado, são pessoas com interesse directo na partilha, embora já não “pessoas directamente interessadas na partilha”, propriamente ditas, “(…) os legatários, os credores da herança e, havendo herdeiros legitimários, os donatários” (art.º 1341º, n.º 1).
O A. era filho e, logo, presumido herdeiro legitimário do 1º Réu, cuja herança, então, ainda não tinha sido aberta, porquanto o mesmo continua(va) vivo, mas não já do “de cujus” F…, que foi esposa deste, cujos bens foram partilhados entre os seus herdeiros, nos quais, obviamente, não se incluía o A. - a partilha foi realizada entre os interessados que tinham que intervir, já que o A. não era interessado na partilha da herança aberta por óbito de F….
Por isso, o A., por não ser “pessoa directamente interessada na partilha”, não poderia participar na partilha extra-judicial ou requerer inventário, por óbito da esposa de seu pai, atento o preceituado no art.º 2102º, n.º 1, do CC.
10. O dolo ou a má fé tornam impugnável, não só a partilha judicial (art.º 1388º), como, igualmente, a partilha extrajudicial (2121º, do CC).
E o dolo na partilha pode verificar-se, por variados modos, nomeadamente, pela ocultação do exacto valor da herança ou pela realização de manobras tendentes a fazer crer no baixo ou alto valor de certos bens partíveis.
Ficou provado, apenas, que o valor atribuído aos prédios, no total de 19, elencados no documento complementar para instruir a escritura por óbito de F… não corresponde ao seu valor real, de mercado [cf. II. 1. alíneas y), supra], materialidade obviamente insuficiente para corporizar a pretensa ofensa da moral pública e dos bons costumes.[27]
A partilha foi realizada de forma legalmente admissível e não se provou qualquer intuito de prejudicar o A., prova que a este cabia.
Ademais, pese embora o que se deixou exposto em II. 5., supra, sabemos que não é pelo facto de os interessados naquela partilha por óbito da mulher e mãe dos Réus, terem feito constar do título formal, ou seja, a escritura pública, a declaração de atribuir aos bens imóveis em causa o seu valor matricial e terem procedido às operações da partilha com base nesse valor que daí decorre que na realidade os interessados não tenham procedido à partilha pelo valor real e efectivo dos imóveis.
Mas, decisiva, é a circunstância de não se ter provado a alegada aparência de partilha – consistindo a partilha na divisão entre os 2º e 3ª Réus e seu pai (1º Réu) dos bens que faziam parte do património deste, no qual se continha o seu quinhão hereditário e a sua meação no casal, recebendo tornas em dinheiro, com as quais preencheu, inteiramente, o seu direito –, não se podendo concluir que a situação se converteu num qualquer outro negócio (dissimulado), sendo que tal partilha não carecia de ser autorizada pelo A., filho não matrimonial do 1º Réu, e irmão consanguíneo dos restantes Réus, mas que não era herdeiro da esposa de seu pai.
Não vemos demonstrados, portanto, os pressupostos legais determinantes da anulabilidade da escritura de partilha, na parte em que se efectuou a partilha da meação e do quinhão hereditário, nem da sua nulidade, por violação dos princípios da ordem pública decorrentes de normas imperativas da sucessão legitimaria.
Dir-se-á, no entanto, que, não se havendo demonstrado os requisitos da impugnação da partilha, o A. continuará a gozar da faculdade de, na qualidade de herdeiro legitimário do 1º Réu, requerer inventário judicial para partilha dos seus bens, não se sujeitando ao que os restantes herdeiros, seus irmãos consanguíneos, possam, eventualmente, ter outorgado em seu prejuízo, por analogia com a situação contemplada pelo art.º 1389º, do CPC [composição da quota ao herdeiro preterido em precedente partilha], atendendo ainda ao estipulado pelos art.ºs 2102º, n.º 1, do CC, e 1327º, n.º 1, a), do CPC.[28]
11. Resta dizer que também não se demonstrou ter sido celebrado um contrato de partilha em vida (art.º 2029º, do CC).[29]
A partilha em vida materializa-se numa verdadeira doação, entre vivos, com intervenção de todos os herdeiros legitimários, do doador, doação restrita a algum ou alguns deles, e em que estes pagam tornas aos restantes, não contemplados com bens.
Trata-se de uma partilha de bens doados em que as tornas funcionam como meio de composição dos respectivos quinhões.
Porque não se provou a intervenção do 1º Réu na qualidade de “doador” [que o 1º Réu tenha querido fazer ou tenha feito doação entre vivos de todos os seus bens ou parte deles a algum ou alguns dos seus presumidos herdeiros legitimários] mas apenas como interessado na aludida partilha extra-judicial, falha também esta última perspectiva de enquadramento normativo.
12. Improcedem, deste forma, as restantes “conclusões” da alegação de recurso.
*
III. Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, decide-se alterar a decisão de facto conforme se indica em II. 4., mantendo-se no mais o decidido, embora com fundamentação parcialmente diversa. Custas pelo A./apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido (fls. 34).
*
Porto, 13.5.2013
José Fonte Ramos
Ana Paula Pereira de Amorim
José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira
___________________
[1] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[2] Cf. a certidão reproduzida a fls. 17 e seguintes (maxime, a fls. 19).
[3] Suprimiu-se a parte final da alínea, face ao que já constava de II. 1. e), supra.
[4] Trata-se do documento reproduzido a fls. 22 e seguintes.
[5] A indicação do valor dos bens relacionados é competência que a lei confere ao cabeça-de-casal, pelo que tal “asserção” foi indevidamente incluída na materialidade assente – cf. art.ºs 646º, n.º 4 e 1346º, n.º 1, do Código de Processo Civil (normativo aplicável à data dos factos).
[6] O Tribunal a quo refere-se à data da audiência preliminar (09.02.2011), altura em que foi dado como provado o facto alegado no item 33º da contestação (cf. fls. 50, 68 e 72).
[7] Reza o art.° 685°-B, do CPC, que “Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa de recorrida.” (n.º 1) “No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos (...) incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.” (n.º 2)
[8] Cf., de entre vários, o acórdão do STJ de 30.12.1977, in BMJ, 271º, 185.
[9] Vide J. Lebre de Freitas, e outros, CPC Anotado, Volume 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 635.
[10] Vide Antunes Varela, e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 455 e, designadamente, os acórdãos da RL de 20.4.1989 e de 19.11.1998, in CJ, XIV, 2, 143 e CJ, XXIII, 5, 97, respectivamente.
[11] Vide Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 384 e, de entre vários, os acórdãos do STJ de 17.12.2002-Processo 02A3960 e de 27.11.2003-processo 03B3337, publicados no “site” da dgsi.
[12] Diploma que veio consagrar, na área do processo civil, a possibilidade da documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida, assim se permitindo um duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto.
[13] Refere-se no preâmbulo do referido diploma: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.
Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.
A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”.
Cf., sobre a mesma problemática, entre outros, o acórdão do STJ de 11.7.2006-processo 06A2009, publicado no “site” da dgsi.
[14] Vide Abrantes Geraldes in Julgar, n.º 4, Janeiro/Abril 2008, Reforma dos Recursos em Processo Civil, págs. 74 e seguintes.
[15] Cf., neste sentido, o acórdão da RC de 26.10.2010-processo 608/07.3TBCBR-A.C1, intervindo o relator do presente acórdão como “1º adjunto”.
Como se afirma no acórdão do STJ de 15.9.2010-processo 241/05.4TTSNT.L1.S1, a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, que o art.º 712º, n.ºs 1, alínea a), segunda parte, e 2, consagra, assume a amplitude de novo julgamento em matéria de facto, no sentido de que a Relação, na reapreciação das provas gravadas, dispõe dos mesmos poderes do tribunal de primeira instância, com vista à «detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso».
Tal garantia visa, assim, a correcção de erros de julgamento tout court e não apenas os casos de manifestos ou notórios erros de julgamento.
[16] Vide Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, pág. 266.
Refere o mesmo autor: “Além do mais, todos sabem que por muito esforço que possa ser feito na racionalização do processo decisório aquando da motivação da matéria de facto sempre existirão factores difíceis ou impossíveis de concretizar, mas que são importantes para fixar ou repelir a convicção acerca do grau de isenção que preside a determinados depoimentos. (...) Carecendo o Tribunal da Relação destes elementos coadjuvantes e necessários para que a justiça se faça, correm-se sérios riscos de a injustiça material advir da segunda decisão sobre a matéria de facto” (ibidem, pág. 267).
Cf. ainda, entre outros, os acórdãos do STJ de 20.9.2005-processo 05A2007 e da RC de 13.01.2009-processo 4966/04.3TBLRA, publicados no “site” da dgsi, onde se pode ler: «De salientar (...) que o controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade. Na verdade, a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, "olhares de súplica" para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos (...)”.
[17] Cf., de entre vários, o acórdão da RL de 25.3.2003, in CJ, XXVIII, 2, 91 (e dgsi/processo 2155/2003.7).
[18] Vide, de entre vários, o acórdão do STJ de 14.01.1998, in BMJ 473º, 484, que impressiva e avisadamente refere que se os tribunais estivessem à espera de elementos perfeitos e completos, talvez não se passasse, ainda hoje, do velho ´non liquet´ em praticamente todos os casos…
E, em idêntico sentido, o acórdão da RP de 20.3.2001-processo 0120037 (publicado no “site” da dgsi): A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça.
Cf. ainda o mencionado acórdão da RL de 25.3.2003.
[19] Cf. o acórdão do STJ de 07.5.1980-processo 067634, publicado no “site” da dgsi.
[20] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora, 1998, pág. 198.
[21] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 07.5.1980-processo 067634, 13.01.1989-processo 076575, 20.5.1993-processo 083533, 23.9.1999-processo 99B538, 09.5.2002-processo 02B511, 18.12.2003-processo 03B3794, 14.02.2008-processo 08B180 e 22.02.2011-processo 1819/06.4TBMGR.C1.S1, publicados no “site” da dgsi.
Vide ainda, entre outros, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Almedina, 1974, pág.212 e Luís Carvalho Fernandes, Simulação e Tutela de Terceiros, Lisboa, 1988, pág. 24.
[22] Veja-se que o A. não impugnou a resposta (negativa) dada a este último art.º, no qual se perguntava: “A vontade real dos declarantes mais não era a de afastar o seu filho e irmão, respectivamente, da herança do 1º Réu C…?”.
[23] Cf. o citado acórdão do STJ de 23.9.1999-processo 99B538.
[24] Cf. o citado acórdão do STJ de 22.02.2011-processo 1819/06.4TBMGR.C1.S1.
[25] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 258.
[26] Sabemos, por exemplo, que na referida acção (de anulação) a autora invocou como causa de pedir a anulação da venda de pai para filhos, sem o consentimento dos demais, e a preterição da sua presença na partilha extrajudicial realizada (art.ºs 877º, n.ºs 1 e 2 e 2102º, n.º 1, do CC, e 498º, n.º 4, do CPC).
O Tribunal da Relação declarou a nulidade do negócio - analisando a questão à luz do disposto no art.º 280º, do CC, concluiu pela procedência do pedido, por considerar que a escritura de partilha em causa atentava “não só contra a ordem pública mas também contra os bons costumes”, pois “o valor atribuído aos bens na partilha em análise não pode acolher a protecção da ordem jurídica, por perverter a partilha decorrente da sucessão legitimaria, legalmente regulamentada ofendendo a legítima da autora [cf., v. g., os art.ºs 2104º, 2162º e 2168º, do CC]” -, enquanto a sentença julgara a acção, parcialmente, provada e procedente e, em consequência, declarara a anulabilidade da escritura pública em causa [na parte em que fez a partilha da meação e do quinhão hereditário], ordenando-se que os mesmos bens fossem divididos, igualitariamente, pelos três filhos, e a autora, e ainda o cancelamento do registo feito na Conservatória do Registo Predial.
Porém, o STJ, por acórdão de 30.11.2010-processo 2135/04.1TBPVZ.P1.S1 (publicado no “site” da dgsi), julgou a acção improcedente, absolvendo os Réus (incluindo a cessionária habilitada), dos pedidos contra si formulados, sendo que, no recurso de revista, fora pedido que se declarasse totalmente válida a escritura, decretando-se a improcedência da acção.
[27] Preceitua o n.º 2 do art.º 280º, do CC: “É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes”.
[28] Cf., neste sentido, o citado acórdão do STJ de 30.11.2010-processo 2135/04.1TBPVZ.P1.S1.
[29] Preceitua o n.º 1 do referido art.º: “Não é havido por sucessório o contrato pelo qual alguém faz doação entre vivos, com ou sem reserva de usufruto, de todos os seus bens ou parte deles a algum ou alguns dos presumidos herdeiros legitimários, com o consentimento dos outros, e os donatários pagam ou se obrigam a pagar a estes o valor das partes que proporcionalmente lhes tocariam nos bens doados”.