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RECURSO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RECURSO GENÉRICO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DECORRÊNCIAS DA IMPUGNAÇÃO SOBRE OS FACTOS NÃO IMPUGNADOS
REJEIÇÃO DO RECURSO
DECLARAÇÕES DE PARTE
RESPONSABILIDADE MÉDICA
INDEMNIZAÇÃO PELA PERDA DA CAPACIDADE AQUISITIVA
Sumário
“I. Deve ser rejeitado o recurso genérico da decisão da matéria de facto apresentado pelo Recorrente quando, para além de não se delimitar com precisão os concretos pontos da decisão que se pretendem questionar, não se deixa expressa a decisão que, no entender do mesmo, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
II- Neste âmbito, não incumbe ao Tribunal da Relação retirar as consequências que a procedência da Impugnação da matéria de facto possa vir a ter sobre a restante matéria de facto não impugnada, devendo entender-se que essa omissão impõe a Rejeição nessa parte (por não cumprimento dos ónus estabelecidos no art. 640º do CPC e inviabilização do cumprimento do princípio do contraditório por parte do Recorrido, quando a esses pontos da matéria de facto não concretizados e incompatíveis com os pontos da matéria de facto impugnados especificamente).
III. As declarações de parte que não constituam confissão só devem ser valoradas, favoravelmente à parte que as produziu, se obtiverem suficiente confirmação noutros meios *de prova produzidos e/ou constantes dos autos.
IV. Tendo o acto médico a que foi submetida a Autora/lesada sido prestado em estabelecimento hospitalar integrado no âmbito do SNS, é de concluir que a referida relação utente/ médico/ hospital não assume natureza contratual. Nessa medida, a pretensão indemnizatória da Autora deverá ser enquadrada no âmbito da responsabilidade extracontratual (arts. 483º e ss. do CC).
V. O ponto de partida essencial para qualquer acção de responsabilidade médica é a desconformidade da concreta actuação do Réu (médico) no confronto com aquele padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes na altura.
VI. O princípio orientador de aferição do montante indemnizatório que deve ser atribuído ao dano da perda de capacidade de ganho deve ser o seguinte: - Partindo do tempo provável de vida do lesado e do rendimento que auferia à altura do acidente ou actualmente (para a hipótese do vencimento ter sido actualizado) - ou do rendimento que previsivelmente poderá vir a obter- dever-se-á encontrar um acervo de capital que, pelo seu rendimento e pela utilização do próprio capital, continue a garantir ao lesado a disponibilidade do valor pecuniário ou a capacidade para obter utilidades futuras ou a capacidade de manutenção de expectativas de aquisição de bens, que deixou de ter por via do acidente, por forma a que o montante indemnizatório se esgote em tempo normal da vida activa.”
Texto Integral
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
I. RELATÓRIO.
Recorrente(s):- SCM e F. L.;
Recorridos: - I. F.; - Companhia de Seguros A S. A.;
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I. F. intentou a presente acção contra SCM; F. L., médico e PF, enfermeira, todos devidamente identificados na petição inicial, formulando pedido de condenação dos RR. no pagamento da quantia global de 106.807,68 euros, acrescidos de juros legais desde a citação e até efectivo pagamento.
Fundamenta a sua pretensão em assistência médica defeituosa que lhe foi prestada no estabelecimento hospitalar, propriedade da primeira Ré, pelos segundo e terceira RR., com inobservância do estabelecido para a situação da Autora, que tinha sofrido uma ferida na palma da mão que demandou 8 pontos de sutura, que deveria ter sido feito teste funcional aos dedos, teste que omitido determinou a não identificação de lesão nos tendões do 5º dedo da mão, que por sua vez foram a causa de danos e incapacidade, cuja indemnização ora reclama.
Sustenta o montante reclamado em prejuízos patrimoniais e não patrimoniais.
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Os RR. contestaram contrariando os fundamentos da causa.
Invocaram ainda a prescrição do direito, que julgada improcedente no despacho saneador, foi objecto de recurso, e confirmada a decisão por Acórdão transitado em julgado do TRG.
A Ré, SCM, requereu a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros A S. A., invocando contrato de seguro válido e em vigor com cobertura de danos elencados nos autos.
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Admitida a intervenção, esta Companhia de Seguros veio sustentar a exclusão do contrato de seguro ao caso dos autos, porquanto a denúncia dos factos foi efectuada mais de um ano após o seu cometimento e existir cláusula contratual excludente em tal caso.
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Houve réplica.
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A seu tempo foi proferido despacho saneador que declarou regular e válida a Instância.
Foi seleccionada a matéria de facto, e prosseguiu-se para julgamento, após realização das perícias médicas requeridas.
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Na sequência foi proferida a seguinte sentença:
“Segue decisão:
Julgo parcialmente procedente por provada a presente acção e consequentemente condeno os RR Hospital X e F. L. solidariamente, a pagar à Autora a quantia de 2.316,66 euros referentes a danos patrimoniais acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação e até efectivo pagamento
A quantia global de 41.854,00 euros referente a dano biológico (11.854,00 euros) e danos não patrimoniais (30.000,00 euros) acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data desta sentença e até efectivo pagamento.
Relego para ulterior liquidação o montante referente às perdas salariais sofridas pela autora no período de baixa médica que decorreu entre Março de 2010 e Fevereiro de 2011.
Do mais peticionado, vão os RR absolvidos.
Vai ainda totalmente absolvida a Ré P. F. e Interveniente principal Companhia de Seguros A, SA.”
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É justamente desta decisão que os RR./Recorrentes vieram interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“CONCLUSÕES
1ª- Vem, o presente recurso de Apelação interposto, quer quanto à matéria de direito, quer quanto à matéria de facto, da douta sentença proferida nos presentes autos.
(…) 7ª- Quanto à matéria de direito, a douta decisão recorrida considera que a assistência prestada à Autora, se enquadra no domínio da responsabilidade contratual pelo facto de o Hospital Y ser um estabelecimento privado de saúde. 8ª- Ora, o Hospital Y é propriedade da SCM, que é uma IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social, enquadrada no regime estabelecido no Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo Decreto-Lei nº119/83, de 25 de Fevereiro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 172-A/2014 de 14/8 e da Lei de Bases da Economia Social, prevista no Decreto-Lei n.º138/2013, de 9 de Outubro), fazendo ainda parte integrante do SNS (SNS) (Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro), conforme o Portal acessível a todos os cidadãos através do link www.sns.gov.pt, pelo que não é um estabelecimento privado ou clínica privada de saúde. 9ª- Por isso, quando a Autora se deslocou ao serviço de urgência do Hospital Y, não foi estabelecido qualquer contrato de prestação de serviços, pois o corpo clínico tinha obrigação de lhe prestar os cuidados médicos, independentemente até do pagamento de qualquer taxa moderadora. 10ª- Assim, tem natureza extracontratual a alegada responsabilidade civil, por também alegados factos ilícitos cometidos pelo médico no referido serviço de urgência, em virtude da inexistência de um vínculo jurídico entre a suposta vítima e o alegado lesante.
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11ª- No que respeita à matéria de facto, os apelantes entendem que, salvo o devido respeito por opinião diversa, a douta sentença recorrida faz uma errada apreciação da prova produzida na audiência de julgamento (art. 640º do C.P.C.). 12ª- De facto, na douta sentença recorrida manifesta-se um erro notório na apreciação da prova. 13ª- Com efeito, conjugando-se a matéria de facto dada como provada, a prova documental, a prova pericial, os depoimentos das testemunhas e as declarações de parte, produzidos e gravados em audiência, detecta-se um erro notório na apreciação da prova, ou seja, houve um erro de julgamento da matéria de facto provada. 14ª- Assim, com a reapreciação da matéria de facto, o que se pretende é que o Venerando Tribunal da Relação, proceda, com base na prova produzida em audiência de Julgamento, à alteração da matéria dada como assente, com fundamentos acima invocados e que aqui se vão resumir. 15ª- Quanto à ALEGADA OMISSÃO DE ATO MÉDICO o Tribunal “a quo” considerou assente que a Autora foi atendida e tratada pela enfermeira, 3ª Ré, que suturou o ferimento apresentado por ela com oito pontos, ligou a mão e fez penso, sem que previamente ela fosse observada por um médico e sem a supervisão deste. 16ª- Ainda quanto à ALEGADA OMISSÃO DE ATO MÉDICO o Tribunal “a quo” também deu como provado que nem a enfermeira nem o médico o Réu Dr. F. L., procederam ao teste da funcionalidade para detectar qualquer eventual lesão tendinosa. 17º- Ora, relativamente à observação médica, a douta decisão recorrida considerou provado que o médico o Réu Dr. F. L., se limitou a questionar a Autora sobre a forma como ocorreu o acidente sem nunca ter observado a ferida da demandante. 18ª- Esta decisão sobre a matéria de facto foi motivada nas declarações de parte da Autora. 19ª- O Réu Dr. F. L., nas suas declarações de parte referiu precisamente o contrário, ou seja, referiu que depois da triagem efectuada pela enfermeira e depois desta ter desinfectado a ferida, viu a autora na sala de enfermagem, fez o teste de funcionalidade e deu ordem à enfermeira para suturar o ferimento. 20ª- A douta decisão recorrida considerou que as declarações de parte do Réu F. L. não mereciam credibilidade, por não terem correspondência no relatório e ficha clínica. 21ª Por outro lado, concluiu, que a Autora depôs de forma, objectiva, calma, sincera, verdadeira e desinteressada. 22ª- Os Réus/Apelantes não se podem conformar com tal conclusão. 23ª- De facto, o tribunal “a quo” deparou-se com duas versões completamente opostas, uma a do Réu F. L. e, outra, a da Autora I. F., nas quais aquele refere que observou a ferida da demandante na sala de enfermagem e mandou suturar a ferida e esta refere que tudo isso foi feito pela enfermeira sem que o médico a tivesse observado. 24º- Se é certo que o julgador de 1ª instância entendeu valorar diferentemente as declarações de parte, e que a Relação não pode colocar em causa, de ânimo leve, a convicção daquele, livremente formada, e com a disposição de outros mecanismos de ponderação da prova global que o tribunal “ad quem” não detém, designadamente, a inquirição presencial das partes, a verdade é que não nos podemos esquecer que estamos perante DECLARAÇÕES DE PARTE. 25ª- Com efeito, as declarações de parte nunca podem ser consideradas desinteressadas, e deverão ser sempre conjugadas com outros meios de prova. 26ª- Veja-se a propósito o Acórdão da Relação do Porto, Proc. nº 216/11.4TUBRG.P1, de 15/09/2014, (www.dgsi.pt) “As declarações de parte [artigo 466º do novo CPC] – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.” 27ª- Assim, a douta sentença recorrida não devia concluir que a versão do réu F. L. ou da Autora são desinteressadas, tendo antes ser aferida a veracidade das versões com a conjugação de outros meios de prova. 28ª- Não existindo qualquer prova testemunhal sobre o que realmente se passou no episódio de urgência ocorrido em 18/10/2008, sempre deveria o julgador socorrer-se de outros meios de prova referentes a esse episódio. 29ª- Relativamente a este episódio de urgência existe a ficha clínica, junta aos autos pela Autora com a sua petição inicial, numerada como documento nº 1. 30ª- Este documento constitui a ficha clínica do episódio de urgência nº 28050..., de 18/10/2008, pelas 16:17 horas referente à assistência prestada à Autora em consequência do acidente por ela sofrido nesse dia. 31ª- A ficha clínica, além dos elementos acima referidos, começa por identificar a Autora, e logo de seguida tem registado na secção intitulada “OBSERVAÇÃO CLÍNICA” a descrição do ferimento apresentado pela demandante, que é a seguinte:
“Ferida corto-contusa eminencia hipotenar esq”. 32ª A mesma ficha, na secção intitulada “DIAGNÓSTICO” tem uma “X” em “Lesões traumáticas”. 33ª- A descrição do ferimento e o diagnóstico foram feitos pelo punho do Réu, F. L., que de seguida assinou a mesma ficha como médico e carimbou com o seu carimbo profissional. 34ª- Este documento confirma, inequivocamente, que o Réu F. L., na sua qualidade de médico, observou, fez o diagnóstico e descreveu o ferimento apresentado pela Autora no serviço de urgência. 35ª- Essa observação clínica, diagnóstico e descrição do ferimento, não poderiam ser feitas pelo Réu F. L., caso a mão da Autora já estivesse ligada e com o penso feito, como concluiu a douta sentença recorrida. 36ª- Vejam-se, além da referida ficha clínica, outros concretos meios probatórios que suportam a presente pretensão, (art. 640º, nº 1, b), do CPC),designadamente, as declarações de parte do Réu/Apelante F. L., prestados na audiência de julgamento de 16/02/2017, que foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal “a quo”, nos termos do art. 155º, nºs 1, do C.P.C e que constam da respectiva gravação, de 10:15:21 horas às 10:48:58 horas, acima transcritas e que por brevidade aqui se dão como reproduzidas. 37ª- Assim, conjugando as declarações de parte do Réu Dr. F. L. com a análise do documento nº 1, junto aos autos pela Autora na sua petição inicial, facilmente se conclui que foi o mesmo Réu médico quem descreveu pelo próprio punho o ferimento e assinou e carimbou a ficha clínica da urgência, nas secções de observação clínica e diagnóstico. 38ª- Não existe também qualquer dúvida sobre a autoria desta declaração escrita. 39ª- Acresce que, sendo a ficha clínica junta aos autos pela própria Autora/Apelada e dirigida à parte contrária, aqui Réus/Apelantes, os quais não impugnaram a sua autoria, nem invocam qualquer nulidade ou anulabilidade por falta ou vícios de vontade, as declarações dela constantes devem considerar-se provadas, pelo que tal documento consubstancia uma confissão extrajudicial dotada de força probatória plena. 40ª- Por isso, o Tribunal “a quo” devia dar como provado que:
- O Réu Dr. F. L., na sua qualidade de médico observou e diagnosticou o ferimento apresentado pela Autora no referido episódio de urgência.
- Descreveu o ferimento da Autora na ficha clínica da urgência como “Ferida corto-contusa, eminência hipotenar esquerda.”
- E, posteriormente, deu ordem à enfermeira para suturar a ferida. 41ª- Ao não o fazer o Tribunal “a quo” cometeu manifesto erro na apreciação da prova, até porque, o conteúdo da ficha clínica não estava sujeito ao princípio da livre apreciação da mesma prova. 42ª- Consequentemente, os Réus/Apelantes impugnam no presente recurso a decisão sobre a matéria de facto vertida nos factos assentos com os números 3º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º e 14º, os quais deveriam ter resposta negativa. 43ª- Quanto à realização do TESTE DE FUNCIONALIDADE o Tribunal“ a quo” considerou provado que em momento algum o Réu F. L. ou a enfermeira, realizaram qualquer teste de funcionalidade à Autora para averiguar uma eventual lesão nos tendões. 44ª- Esta conclusão também se fundamentou apenas nas declarações departe da Autora, sem a conjugação com qualquer outro meio de prova, referindo apenas a douta sentença que da ficha clínica não constava a realização de qualquer teste de funcionalidade. 45ª- Antes de mais importa saber em que consiste o teste de funcionalidade, pois a douta sentença recorrida não o especifica. 46ª- O teste de funcionalidade, neste caso, consiste apenas na realização por parte do doente dos movimentos de abrir a fechar a mão. 47ª- Veja-se a propósito a resposta ao quesito 8) do parecer Técnico científico junto a fls. 389 e ss., que quanto ao teste de funcionalidade diz o seguinte:
“…por testes de funcionalidade que implicam tão só avaliar a capacidade deflexão activa dos dedos.” 48ª- Veja-se também o que referiu a este propósito a testemunha Dr. A. O., responsável pelo serviço de urgência no Hospital Y, que referiu o seguinte:
“..-num caso de ferida corto contusa na mão como sucedeu com a Autora deve ser feito teste funcional procurando a flexão e extensão dos dedos da mão. Não há outros exames complementares. Ou há flexão/extensão ou não há.” (Motivação da sentença). 49ª- Também quanto à realização do teste de funcionalidade as declarações de parte da Autora e do Réu F. L. são completamente opostas. Pois aquela diz que não lhe foi ordenado que fizesse qualquer movimento com a mão, enquanto este refere que a acidentada, no serviço de urgência, quando lhe foi pedido, abria e fechava a mão sem qualquer limitação. 50ª- Vejam-se os concretos meios probatórios que deveriam levar a uma conclusão diversa da douta decisão recorrida, (art. 640º, nº 1, b), do CPC),designadamente, as declarações de parte do Réu/Apelante Dr. F. L., prestados na audiência de julgamento de 16/02/2017, que foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal “a quo”, nos termos do art. 155º, nºs 1, do C.P.C. e que constam da respectiva gravação, de 10:15:21 horas às 10:48:58 horas, acima transcritas e que por brevidade aqui se dão por reproduzidas. 51ª- Estas declarações, contrárias à da Autora, deviam como acima se referiu, ser conjugadas com outros meios de prova e não foram. 52ª- Aliás, existem nos autos outros meios de prova que facilmente ajudariam o Tribunal “a quo” a apurar qual das versões é a verdadeira. 53ª- Vejamos as próprias declarações da Autora na realização da primeira perícia realizada pelo Gabinete Médico-Legal de Braga, designadamente, na “História do Evento”, junta aos autos a 25/Março/2013fls. 282 e ss. 54ª- De facto, a este respeito, escreve o Sr. Perito Dr. M. S., o seguinte:
“Questionada a examinada se porventura notou algo de especial na mão, nomeadamente se o dedo mínimo da mão esquerda mexia, respondeu que mexia.
…
Questionada sobre eventual não flexão do dedo mínimo da mão esquerda, referiu que já no decurso dos pensos o dedo terá iniciado retracção, embora, mexendo segundo refere.”
Veja-se ainda o que refere o mesmo Sr. Perito na resposta aos esclarecimentos da primeira perícia:
“O Perito não acredita que se a Autora tivesse verificado a não mobilidade do dedo, não tivesse alertado quem fez a sutura sobre tal.” 55ª- Esta Perícia deverá também ser conjugada com o registo clínico da Autora apresentado pelo Centro de Saúde, junto aos autos em12/Novembro/2012, fls. 222 e SS.. 56ª- Neste registo clínico com data de 23/10/2008, há uma primeira referência ao acidente sofrido pela Autora, dizendo o seguinte:
“Acidente doméstico em 18 de Outubro de 2008: Ferida incisa na zona palmar da mão esquerda”
No mesmo registo clínico, no dia 04/11/2008, consta que a Autora se apresentou no mesmo Centro de Saúde: “Sem Doença”.
Ainda do mesmo registo clínico, só no dia 25/11/2008, existe a primeira referência à retracção do dedo mínimo da mão esquerda da Autora, que é a seguinte:
“Sintomas do 5º dedo da mão esquerda: retracção palmar do dedo após corte na face palmar.” 57ª- Ou seja, quando a Autora tirou os pontos da sutura, que na sua própria versão ocorreu 15 dias depois do acidente no Centro de Saúde, (facto provado 46) não existe qualquer registo clínico da perda de mobilidade do dedo mínimo, antes pelo contrário, nessa data (04/11/2008) existe no registo clínico a menção “SEM DOENÇA.” 58ª- Só depois de decorrido mais de um mês sobre a data do acidente, ou seja, em 25/11/2008 é que existe o primeiro registo da queixa da Autora relativo à “retracção” do dedo mínimo da mão esquerda. 59ª- Vejam-se outros concretos meios probatórios que deveriam levar a uma conclusão diversa da douta decisão recorrida, (art. 640º, nº 1, b), do CPC),designadamente, o depoimento da testemunha AA, marido da Autora, prestado na audiência de julgamento de 14/02/2017, que foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal “a quo”, nos termos do art. 155º, nºs 1,do C.P.C. e que consta da respectiva gravação, das 15:35:16 horas às 15:56:54horas, acima transcrito que por brevidade aqui se dá por reproduzido. 60ª- O depoimento do marido da Autora desmente a versão da Apelada nas suas declarações, que servem de motivação à douta sentença recorrida. 61ª- De facto, o Tribunal “a quo” considera na sua motivação que a Autora “voltou a estar com o médico, o Réu F. L., três semanas depois no Hospital para accionar o seu seguro de acidentes pessoais que impunha o preenchimento pelo médico que a viu, foi por tal motivo ao hospital, nessa altura já não tinha pontos mas o 5º dedo da mão estava dobrado, quando o Médico Réu a viu perguntou-lhe “não foi vista por mim pois não? O que a fez de imediato estranhar.” 62ª- Ora, o próprio marido da Autora afirmou que nessa data, cerca de três semanas depois do acidente, ela foi ao Hospital apenas para accionar o seguro, não se queixando de qualquer perda de funcionalidade do dedo. 63ª- Aliás, esta motivação fundamenta-se também no documento com data de 08/11/2008, junto aos autos pela Autora na data da audiência de julgamento em 14/02/2017, destinado à participação de sinistro ao referido seguro de acidentes pessoais. 64ª- Neste impresso o Réu, Dr. F. L., no atestado que passa, refere expressamente, que os dados são retirados da “ficha de urgência sem a presença da acidentada”. 65ª- Ora, o Tribunal “a quo” ao motivar a sentença numa segunda presença da Autora com o Réu Dr. F. L., está a contrariar as declarações constantes de um documento com força probatória plena, na medida em que foi apresentado pela Demandante e não foi impugnado pelos RR.. 66ª- Assim, da conjugação da referida perícia médico-legal, do registo clínico da Autora e do depoimento do seu marido, facilmente se pode concluir, que a Demandante, na data do acidente, não apresentava qualquer limitação na funcionalidade do dedo mínimo da sua mão esquerda. 67ª- Nem sequer a apresentava na data em que retirou os pontos, ou seja,15 dias depois. 68ª- De facto, se a Autora tivesse perdido a funcionalidade do dedo mínimo da mão esquerda, ou se visse essa funcionalidade diminuída, necessariamente, que se queixaria, (como referiu o Sr. Perito Dr. M. S.) como efectivamente, se começou a queixar da retracção do mesmo dedo, cerca de um mês depois do acidente. 69ª- Acresce que, tendo em conta a simplicidade da verificação da funcionalidade dos dedos da mão, que consiste na mera flexão e extensão dos dedos, nada obrigava a que isso constasse da ficha clínica do episódio de urgência. 70ª- De facto da ficha clínica só deverão constar os resultados que o médico considere relevantes das observações clínicas dos doentes a seu cargo. Ora, não tendo sido detectada qualquer perda de funcionalidade do dedo mínimo da mão esquerda da Autora, nada obrigaria a esse registo. 71ª- Com efeito, esse registo só seria relevante caso fosse detectada alguma perda da referida funcionalidade, até porque, a ficha clínica constitui um registo de dados clínicos do doente e tem como finalidade a memória futura e a comunicação entre os profissionais que tratam ou virão a tratar o doente (art. 100º do Código Deontológico (revogado) e actual art. 40º do Regulamento Deontológico da Ordem dos Médicos). 72ª- Aliás, veja-se que, conforme consta dos factos assentes e na própria versão da Autora, ela foi observada por vários profissionais de saúde, (pelo menos três) designadamente, médicos especialistas e só passados vários meses e depois de muitas sessões de fisioterapia é que um médico, diagnosticou um problema no aparelho flexor do dedo mínimo da mão esquerda da demandante. 73ª- Assim, o Tribunal “a quo” deveria ter dado como provado que- O Réu F. L., no dia 18/10/2008, a data do episódio de urgência realizou à Autora os testes de funcionalidade não tendo detectado, nessa data, qualquer perda de mobilidade dos dedos da mão esquerda. 74ª- Consequentemente, os Réus/Apelantes impugnam no presente recurso a decisão sobre a matéria de facto vertida nos factos assentes com os números 17º, 18º e 21º, os quais deveriam ter resposta negativa. 75ª- Relativamente à ILICITUDE, CULPA, DANOS E NEXO CAUSAL
Considerou a douta sentença recorrida, que o Réu F. L., como médico, na situação concreta teve uma actuação clínica que contraria as boas práticas médicas. 76ª- Considerou ainda que o Réu F. L. não detectou qualquer lesão nos tendões por não ter realizado o teste de funcionalidade e que as sequelas sofridas pela Autora foram provocadas pelo facto dos RR. não terem feito qualquer tratamento aos tendões. 77ª- Ora, os Réus/apelantes também não se podem conformar com esta decisão, que impugnam. 78ª- De facto, é certo que o Réu F. L., ao atender a Autora no serviço de urgência, estava obrigado à prestação dos melhores cuidados ao seu alcance. 79ª- Acontece porém que, como acima foi referido, a Autora no dia do acidente quando se apresentou no serviço de urgência, não apresentava qualquer perda de funcionalidade no dedo mínimo da mão esquerda. 80ª- Também, se verificou, sem qualquer margem para dúvida, que a perda de funcionalidade só começou a surgir, cerca de três semanas a um mês depois do acidente, quando o dedo começou a dobrar. 81ª- Como acima foi referido, na data do acidente, a Autora mantinha a funcionalidade dos dedos da mão esquerda, pelo que a realização do teste de funcionalidade não permitia o diagnóstico de qualquer lesão tendinosa. 82ª- Vejam-se, quanto a esta questão, os concretos meios probatórios que deveriam levar a uma conclusão diversa da douta decisão recorrida, (art.640º, nº 1, b), do CPC), designadamente, o depoimento da testemunha Dr. P. M., prestado na audiência de julgamento de 14/02/2017, que foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal “a quo”, nos termos do art. 155º, nºs 1, do C.P.C. e que consta da respectiva gravação, das 14:33:01 horas às 15:34:16 horas, acima transcrito que por brevidade aqui se dá por reproduzido. 83ª- Vejam-se também, quanto a esta questão, a Primeira PERÍCIAMÉDICO-LEGAL efectuada pelo Gabinete Médico Legal de Braga, junta aos autos a 25 de Março de 2013, fls. 282 e ss. designadamente, nas respostas apresentadas pelo Dr. M. S., Perito em Medicina Legal, aos quesitos da Base Instrutória, a saber:
“Q20 – Desconhecemos se a esfregona atingiu o tendão flexor. O tempo que decorreu posteriormente ao acidente, veio a evidenciar uma lesão do tendão flexor do 5º dedo da mão esquerda.
Num processo de trauma compressivo de um tendão o resultado pode sero mesmo – não flexão do dedo …e não haver secção do tendão – ou seja – não será fácil o Tribunal provar que na altura da admissão da Sra. I. F. no SU do Hospital X no dia 18/10/2008, o tendão flexor do 5º dedo da mão esquerda estava seccionado de modo a não permitir a flexão do mesmo.
Importa ainda esclarecer o Tribunal que nestas situações de feridas únicas de dedos, não grandes traumatismos, é costume o próprio doente alertar quem o trata de que o dedo não mexe. Importa ainda esclarecer o Tribunal que toda e qualquer ferida localizada em trajecto tendinoso, é mandatório verificar eventual lesão, acto para o qual o enfermeiro está tecnicamente preparado, que não a sua sutura.
Na sutura de uma ferida simples como o caso em apreço, sim…
Q63- Mais uma vez se reitera o que pensamos – Não será fácil provar que na altura da admissão o tendão flexor do 5º dedo estivesse seccionado de modo a impedir a sua flexão. A examinada no decorrer da entrevista clínica apenas o referencia aquando da exérese dos pontos, decorridos 15 dias. São múltiplas as situações clínicas de disfunção tendinosa sem secção de tendão. A algodistrofia é o exemplo maior…
Ou seja – para se ter um dedo com tendão flexor não funcionante, não é mandatório haver secção parcial ou total do tendão. Há outras causas para além da efectiva secção do tendão.” 84ª- Deverá ainda ter-se em conta a segunda Perícia Médico-legal, junta aos autos a 11 de Outubro de 2013, fls. 324 e ss. designadamente, nas respostas apresentadas pelo Dr. C. S., Perito em Medicina Legal em Ortopedia, ao quesito seguinte:
“Quesito de fls. 187º, nº 8 – Tais lesões, a existirem, seriam sempre detectáveis com os testes de funcionalidade ou poderiam não ser detectáveis, nesta data (18/10/2008) apesar da realização desses testes?
R: Esta questão remete para outras anteriores, em que se questiona a existência de lesões dos tendões flexores. Assim, a ter existido lesões de tendões flexores, estas poderiam ou não ser diagnosticadas, mesmo fazendo teste de funcionalidade adequados.” 85ª- Assim, da análise conjugada destes concretos meios de prova, verifica-se que não há nenhum médico ou perito médico, que afirme sem margens para dúvidas que a Autora na data do acidente tinha uma lesão nos tendões. 86ª- A primeira peritagem médico-legal conclui pela impossibilidade de se comprovar tal lesão, até porque, a Autora, na data do acidente mexia o dedo em causa. 87ª- Acresce que a perícia aponta para a existência de variadas e possíveis causas para a perda da funcionalidade do dedo sem seção do tendão, facto que é confirmado pelo próprio médico que fez o tratamento cirúrgico da Autora, a testemunha Dr. P. M.. 88ª- Na segunda peritagem médico-legal o Perito Médico conclui da mesma forma, ou seja, admite que, mesmo existindo lesões nos tendões flexores elas poderiam não ser detectáveis. 89ª- O próprio parecer Técnico- Científico, em face da história clínica da Autora, conclui que deve ter existido um “ruptura inicialmente parcial que depois terá evoluído para uma rotura total”. Este parecer só é possível, devido ao facto da Autora, na data do acidente, ter mantido a funcionalidade do dedo e só mais tarde, a mesma começar a ficar diminuída. 90ª- Note-se porém, que neste parecer técnico-científico o Relator, dá como assente para emitir o parecer, que não existiu um observação médica, facto, que como vimos é contrariado pela ficha clínica da urgência, onde se encontra registada a observação do médico e respectivo diagnóstico, feito pelo Réu Dr. F. L.. 91ª- Deve ainda ser destacado, um facto completamente novo trazido aos autos pelo médico que realizou as diversas cirurgias à Autora, a testemunha Dr. P. M., que indevidamente não mereceu qualquer relevância pelo Tribunal “a quo”, mas que, na nossa modesta opinião, terá muita importância para a boa decisão da causa. 92ª- De facto, este médico ortopedista referiu a instâncias da Meritíssima Sra. Dra. Juiz, acima transcritas, que caso inicialmente tivesse existido uma secção dos tendões flexores, o dedo não se encontraria em flexão (dobrado),mas sim em extensão (esticado). 93ª- Ora, a Autora foi operada várias vezes para reconstrução do aparelho flexor, mas caso tivesse existido secção dos tendões flexores o dedo não se apresentaria dobrado, mas em extensão, facto que só por si, faz excluir a existência de uma secção parcial ou total dos tendões flexores. 94ª- Assim, relativamente à ilicitude e culpa atribuída ao Réu F. L., a mesma não se verifica, uma vez que este médico, em face da análise dos sintomas revelados pela Autora na data do acidente, fez o diagnóstico e de início ao tratamento mais adequado à patologia clínica evidenciada, em conformidade com a avaliação obtida. 95ª- Assim, mesmo que tivesse existido erro de diagnóstico, o que não se concede, mas se equaciona para efeitos de mero raciocínio, a verdade é que estaríamos perante um erro desculpável por recair no âmbito da denominada falibilidade médica, pelo que, consequentemente, não existe qualquer responsabilidade dos RR./Apelantes, nos alegados danos da Autora/Apelada emergentes da situação em causa nos presentes autos. 96ª- Consequentemente, os Réus/Apelantes impugnam no presente recurso a decisão sobre a matéria de facto vertida nos factos assentos com os números 20º, 70º, 71º e 72, que deveriam ter resposta negativa.
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97ª- Quanto à responsabilidade da seguradora, a douta decisão recorrida considerou que tendo a autora intentado esta acção em 2011,sem antes ter comunicado ao Hospital ou à Ré o sinistro, há muito que estava ultrapassado aquando da citação tanto da Ré, como da Seguradora, o prazo contratualmente acordado entre estas para a validade do seguro de responsabilidade, concluindo, assim, pela inexistência de seguro válido quanto aos factos em discussão nos autos e consequentemente pela não responsabilização da Companhia de Seguros. 98ª- Ora, a Ré segurada não se pode conformar com tal decisão. 99ª- De facto, a referida cláusula quanto à “Validade Temporal” do seguro prevê dois prazos distintos. 100ª- Um prazo relativo à “responsabilidade civil profissional” e outro relativo à “responsabilidade civil exploração”. 101ª- Se é certo que as “consequências” que não sejam reclamadas ao Segurado ou à Seguradora a título de “responsabilidade civil profissional” no prazo máximo de um ano, contado da ocorrência, são excluídas da cobertura do seguro, a verdade é que relativamente à “responsabilidade civil exploração” o seguro cobre os riscos das reclamações feitas durante o período de vigência da Apólice. 102ª- Ora, a Ré SCM é demandada na presente acção na sua qualidade de proprietária e exploradora do Hospital Y, no qual a Autora foi atendida no serviço de urgência. 103ª- Nesta sua qualidade, a Ré, SCM tinha a sua “responsabilidade civil exploração” transferida para a seguradora Chamada, que garantia as reclamações durante o período de vigência da Apólice em consequência de eventos ocorridos durante esse mesmo período. 104ª- Da análise das condições particulares da apólice de seguro em causa, junta como Documento nº 1 da sua contestação, facilmente se verifica que a apólice vigora desde 01.01.2004, pelo período de “um ano e seguintes” com a última alteração em 19.01.2011. 105ª- Assim, tendo a acção sido intentada em 05/Setembro/2011, (nono mês após a renovação da apólice) a referida apólice cobria os riscos que a Ré corria com a exploração do Hospital Y, pelo que, contrariamente ao decidido, existia um seguro plenamente válido, que responsabiliza a Companhia de Seguros A, pela eventual condenação da Ré SCM, pelo que a douta sentença deverá ser revogada quanto à decisão que absolveu a Chamada Companhia de Seguros A.
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106ª- Na hipótese de vir a ser confirmada a sentença da 1ª instância, deverá este Venerando Tribunal considerar no acórdão que venha a proferir os factos abaixo realçados que o tribunal “a quo”, indevidamente, não considerou. 107ª- De facto, a douta decisão recorrida ao estabelecer o nexo de causalidade entre as sequelas apresentadas pela Autora e a actuação dos RR., parece ter esquecido completamente, que foi a Autora a única causadora do acidente doméstico e em causa nos presentes autos. 108ª- Esquece também que, todos os peritos incluído o médico especialista no tratamento do tipo de patologias apresentadas pela Autora, falam em prognósticos de recuperação das funcionalidades, sem nunca falarem em cura total. 109ª- Acresce que este próprio cirurgião, refere que a cirurgia para recuperação de lesões tendinosas, caso existissem, não tinha que ser realizada no dia do acidente, mas sim nas duas ou três semanas seguintes, para terem uma maior probabilidade de êxito. 110ª- Mais esquece a douta sentença, que a Autora, desde a data do acidente, nunca mais procurou os Réus para pedir qualquer tratamento ou exame complementar (facto provado nº 93º). 111ª- Esquece ainda que, a Autora foi vista, pelo menos, por três médicos, após o acidente, ou seja, o Dr. S. F., no Centro de Saúde, em Novembro/2008, pelo Dr. J. L., Médico Ortopedista na Clínica CV, em 03/Dezembro/2008 e pelo Dr. M. M., Na Clínica A, em19/Janeiro/2009 (Cfr. factos assentes nºs 22º, 23º, 26º, 33º e 34º), sem que nenhum deles tivesse diagnosticado qualquer lesão nos tendões flexores do dedo mínimo da mão esquerda. 112ª- De facto, o Tribunal “a quo”, esquece tudo isto e conclui que as sequelas apresentadas pela Autora resultaram exclusivamente do facto de os “RR. não terem feito qualquer tratamento aos tendões quando a atenderam”. 113ª- A douta sentença recorrida conclui também, sem qualquer suporte científico, que se a lesão da Autora tivesse sido detectada no dia 18 de Outubro de 2008 nas urgências do Hospital Y, teria sido possível o seu tratamento e cura sem sequelas. 114ª- Pelo exposto, esta decisão é manifestamente infundada, pois é contrária à prova produzida em audiência e às conclusões das Perícias Médico legais, pelo que deverá ser revogada. 115ª- Assim, caso existisse alguma responsabilidade dos RR., que não existe, a verdade é que essa responsabilidade nunca seria exclusiva, pois sempre teria existido contribuição por parte, quer da própria Autora, quer dos restantes médicos que sucessivamente a atenderam, sem que tivessem diagnosticado qualquer lesão tendinosa.
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116ª- Relativamente aos DANOS PATRIMONAIS E NÃO PATRIMONIAIS, na hipótese de ser confirmada a sentença da 1ª instância, deverá este Venerando Tribunal reapreciar os critérios usados pelo Tribunal “a quo”, para estabelecer o dano biológico e os danos não patrimoniais alegadamente sofridos pela Autora. 117ª- De facto, quanto ao dano biológico, a existir responsabilidade dos RR./Apelantes, a única questão que se levanta é a de que a Autora/Apelada iria receber antecipadamente o montante da indemnização que teria direito a receber até ao final da sua vida. 118ª- Assim, deverá ser deduzido o valor do benefício respeitante à recepção antecipada de capital, redução que na jurisprudência tem oscilado entre os 10% e os 33% (Ac. do S.T.J., Proc. nº 397/03.0GEBNV.S1, de 25-11-2009, www.dgsi.pt). 119ª- Pelo exposto ao valor global de € 11.854,00, deverá ser deduzido um montante nunca inferior a 25%, fixando-se em € 8.890,50 (oito mil oitocentos e noventa euros e cinquenta cêntimos). 120ª- Quanto aos danos não patrimoniais, a Jurisprudência é uniforme no sentido de que nenhum dos critérios para calcular o valor da indemnização é absoluto, devendo ser aplicados vários índices ou parâmetros temperados coma aplicação de um juízo de equidade e as especificidades e circunstâncias que concorrem em cada caso. Deverá ainda ser considerado o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a da lesada e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade. 121ª- Assim, relativamente às especificidades e circunstâncias do caso, deverá ser considerado que foi a Autora/Apelada a única causadora do acidente doméstico. 122ª- Deverá também ser considerado, que caso existissem lesões tendinosas e as mesmas fossem detectadas logo no dia 18/Outubro/2008, a Autora sempre teria que ser sujeita a uma ou mais intervenções cirúrgicas e tratamentos conexos como a fisioterapia, com os respectivos inconvenientes, dores e dano estético resultantes da cirurgia. 123ª- Por isso, o valor de € 30.000,00 (trinta mil euros) atribuído à Autora/Apelada é manifestamente desadequado e exagerado, em face das especificidades, circunstâncias, sequelas sofridas, e tendo em conta os valores atribuídos pelos nossos Tribunais em caso idênticos. 124ª- De facto, a douta sentença recorrida, socorre-se, em termos de equidade, de decisões em que os casos analisados e as respectivas sequelas permanentes, são muito mais graves do que aqueles que a Autora/Apelada apresenta. 125ª- Com efeito, estamos a falar de uma IPP de 3%, compatível com o exercício da sua actividade profissional habitual. 126ª- Estamos a falar também do dedo mínimo da mão esquerda, quando a Autora é destra, pelo que, tais sequelas têm uma repercussão muito reduzida nas suas actividades da vida diária, familiar e social. 127ª- O dano estético também não é relevante e as lesões sofridas, não podem, só por si, ser motivo de frustração, tristeza, angústia, depressão e complexos. 128ª- Aliás a Autora, já antes do acidente padecia de “distúrbio ansioso, nervosismo e tensão”, como se pode verificar pelo seu registo clínico do centro Saúde, designadamente, o registo de 24/09/2007, contrariamente ao decidido na douta motivação, que considerou que a Demandante antes do acidente, era uma pessoa feliz e alegre. 129ª- Pelo exposto, caso seja atribuída alguma responsabilidade aos RR. pelos alegados danos não patrimoniais sofridos pela Autora/Apelada, os mesmos nunca deverão ser superiores a € 5.000,00 (cinco mil euros).
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130ª- Por último, o Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito por opinião (contrária), violou o disposto no Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 172-A/2014 de 14/8, o disposto na Lei de Bases da Economia Social, prevista no Decreto-Lei n.º 138/2013, de 9 de Outubro, o estipulado no Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro e ainda o previsto nos art.ºs.483º do Código Civil. 131ª- Pugna-se assim, pela prolação de acórdão que, emanado deste Venerando Tribunal da Relação, revogue a decisão recorrida, determine a alteração das respostas à matéria de facto da douta sentença recorrida nos termos sobreditos (art. 662º do C.P.C.) e, em consequência, julgue a acção totalmente improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolva os RR./Apelantes dos pedidos efectuados.
Termos em que, com o douto suprimento de V.ªs. Ex.ªs, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por acórdão que julgue a acção totalmente improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolva os RR. dos pedidos efectuados.
Na hipótese de vir a ser confirmada a decisão recorrida deverão os montantes indemnizatórios ser reduzidos nos termos propugnados nas conclusões 118ª e 128ª...”.
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Foram apresentadas contra-alegações, quer pela Autora, quer pela Ré Companhia de Seguros, ambas pugnando pela improcedência do Recurso apresentado.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, os Recorrentes colocam as seguintes questões que importa apreciar:
1.- Determinar se o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, e, consequentemente, se, reponderado esse julgamento, deve:
- a matéria de facto vertida nos factos assentes com os números 3º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º e 14º, ter resposta negativa.
- a matéria de facto vertida nos factos assentes com os números 17º, 18º e 21º, ter resposta negativa.
- a matéria de facto vertida nos factos assentos com os números 20º, 70º, 71º e 72, ter resposta negativa.
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2. saber se, sendo modificada a matéria de facto no sentido propugnado pelos Recorrentes, a presente acção tem de improceder quanto a todos os pedidos.
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3. responsabilidade contratual ou extracontratual ? 4. responsabilidade da seguradora? 5. quantum indemnizatório?
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
“Estão assentes os seguintes factos alinhados temporalmente, por letras (que assim constavam do despacho de selecção da matéria de facto) e por números (que assim resultam da instrução em julgamento):
A. No dia 18.10.2008, cerca das 15:30h, a Autora encontrava-se na sua residência, e enquanto desempenhava tarefas de limpeza, partiu o cabo de uma “esfregona”. B. Nessa sequência, o cabo, que por dentro era de aço, atingiu a Autora provocando-lhe um ferida corto-contusa na mão esquerda.
20º e 70º A esfregona atingiu os tendões da mão esquerda da Autora C. A Autora, cheia de dores, dirigiu-se, imediatamente, às urgências do Hospital Y.
84º e 85º A A., quando chegou ao Hospital Y foi sujeita a uma triagem para avaliar a gravidade do seu ferimento realizada pela R. enfermeira P. F. M. (leia-se, P. F.). 2º A Autora não foi observada por nenhum médico antes de ser atendida pela enfermeira P. F.. 3º A enfermeira referida atendeu a Autora e realizou a sutura referida em E) sem a supervisão de qualquer médico. D. A Autora foi conduzida à enfermaria, para ser suturada na mão. 6º ,7º, 8º, 9º e 10º A Enfermeira P. F. desinfectou o golpe e em nenhum momento, anterior ou posterior à sutura procedeu ao teste de funcionalidade dos dedos, com vista a detectar uma possível lesão nos tendões ou fez qualquer tratamento aos tendões. E. Foi suturada, com 8 pontos, pela Ré enfermeira P. F..
11º e 88- Após, a sutura a Sr.ª Enfermeira ligou a mão da Autora tendo-lhe feito penso.
12º (…) e encaminhou-a para o médico – Dr. F. L.. 13º que a observou.
14º No atendimento realizado pelo médico, este limitou-se a questionar a Autora sobre o acidente que tinha sofrido.
15º A Autora descreveu pormenorizadamente ao médico o sinistro de que tinha sido vítima.
16º E a prescrever-lhe medicamentos com vista à diminuição das dores. 17º Também o Dr. F. L. não procedeu a qualquer teste de funcionalidade da mão esquerda da Autora 18º e 21º Para se certificar do alcance da lesão nomeadamente se a paciente teria algum tendão não tendo detectado a lesão nos tendões sofrida pela Autora. F. No final da consulta com o Dr. F. L., a Autora recebeu alta.
22º e 23º A Autora continuava a ter dores insuportáveis, pelo que consultou, no mês de Novembro de 2008, o seu médico de família, Dr. S. F. no Centro de Saúde
24º que a aconselhou a fazer fisioterapia.
25º (…) sem, porém, ter conhecimento de que a mesma havia lesionado o tendão.
26º Em 3 de Dezembro de 2008, a Autora foi a uma consulta de ortopedia, na clínica CV, em Guimarães, onde colheu a opinião de outro médico ortopedista.
27º Que a aconselhou a colocar uma tala no dedo mínimo da mão esquerda.
30º e 31º Na sequência deste conselho médico que a Autora começou a fazer fisioterapia nas “TT” em Guimarães.
32º (…) que fez no período compreendido entre 15.12.2008 a 15.01.2009.
33º e 34º No dia 19.01.2009, a Autora foi à consulta com o Dr. M. M., na Clínica A em Guimarães.
35º O Dr. M. M., após constatação de que a fisioterapia não estava a dar resultado, e o 5º dedo (mínimo) estava até a piorar, mandou interromper as sessões de fisioterapia.
36º E aconselhou a Autora a ser operada à mão esquerda.
39º (…) A Autora deslocou-se por duas vezes ao Hospital, em Braga
41º Tendo optado por ir ao Hospital, em Coimbra. G. A Autora foi atendida neste Hospital, no dia 26.02.2010, em consulta com o Dr. P. M.. H. Apenas nesta consulta foi detectada a lesão nos tendões da Autora.
42º Aí o Dr. P. M., após ter observado a Autora, diagnosticou que a mesma padecia de sequela de uma ferida palmar do 5º dedo, na zona II, com flexo acentuado do dedo da mão esquerda.
43º O Dr. P. M. concluiu que o procedimento mais adequado à cura da Autora era proceder à reconstrução do flexor da mão. 44º Operação cirúrgica essa a que a Autora se submeteu em 16 de Março de 2010.
45º Tendo para o efeito a Autora sido internada no dia 15 e recebido alta no dia 18 de Março.
46º Passados 15 dias, a Autora tirou os pontos no CS.
49º Uma vez que a reconstrução do flexor não foi possível na primeira operação, na tentativa de corrigir a rigidez de que sofria na mão e reconstruir o flexor, a Autora foi novamente operada, no dia 06.07.2010, nos Hospitais em Coimbra.
50º Teve alta no dia 8 do mesmo mês.
52º No dia 30 de Agosto de 2010, como a mão esquerda da Autora se apresentava em concha, consultou o Dr. M. M., na clínica A.
53º Que a aconselhou a fazer mais sessões de fisioterapia.
54º O que fez desde Setembro de 2010 até fins de Outubro de 2010.
55º A Autora em 2 de Novembro de 2010 foi novamente operada nos Hospital, em Coimbra.
56º Onde esteve internada 1 dia.
57º Após a terceira operação a Autora tirou os pontos e continuou a fazer fisioterapia na Clínica A.
58º Em 27 de Abril de 2011 a Autora foi à consulta com o Dr. P. M. nos Hospital, em Coimbra
59º E este declarou-lhe que as sequelas da lesão estavam irreversíveis.
60º Não obstante os tratamentos e cirurgias a que se submeteu, a Autora ficou com uma sequela de lesão de tendões flexores na Zona II de Bunnel, do 5º dedo da mão esquerda.
61º Rigidez de IFD e IFP, com dedo na palma da mão – lesão de polia A4.
62º Sequelas essas que são irreversíveis.
63º E que foram provocadas pelo facto dos RR. não terem feito qualquer tratamento aos tendões quando a atenderam.
64º Tais sequelas determinam para a Autora uma IPP de 3 %. 65º Actualmente, a Autora, por causa das sequelas de que ficou a padecer, ficou impedida de executar algumas tarefas domésticas com a mão esquerda como segurar em batatas para descascar ou num naco de carne para cortar.
66º Permanecendo hoje com o dedo em extensão.
67º Ainda hoje a Autora sofre de graves dores na mão esquerda, tem grande dificuldade de flexão do 5º dedo dessa mão
68º E quando apoiada o facto descrito em 66, causa um transtorno estético.
69º Uma vez que o dedo está deformado e rígido
73º e 74º (parcialmente) Por causa dessas sequelas das lesões a Autora experimenta sentimentos de frustração, tristeza e angústia, complexos e tenta ocultar o dedo mínimo da mão esquerda.
75º (parcialmente) Durante os tratamentos e sessões de fisioterapia a que se submeteu, a Autora sentiu imensas dores, incómodos e desgostos.
76º As três intervenções cirúrgicas causaram-lhe stress, depressão, complexos e tristeza. I- Era aconselhável, na situação em que se encontrava a Autora, que se procedesse a um teste de funcionalidade dos dedos.
71º e 72º Se a lesão que a Autora sofreu tivesse sido detectada no dia 18 de Outubro 2008, nas urgências do Hospital Y, teria sido possível o seu tratamento e cura sem sequelas J. Apesar do diagnóstico das lesões tendinosas nem sempre ser fácil é possível fazê-lo através de testes funcionais. K. Ainda que uma sutura seja efectuada por enfermeiro, deverá ser feita sob supervisão do médico responsável e nunca por sua livre iniciativa. L. A Autora I. F. Maria nasceu a 29 de Maio de 1976 – cfr. assento de nascimento de fls. 110.
77º Em transportes, nas deslocações às clínicas referidas, e nas viagens aos Hospital, em Coimbra, ao H. em Braga, Hospital no Porto, a Autora despendeu a quantia de € 786,76.
78º Com as consultas a que se submeteu, exames médicos, sessões de fisioterapia, e demais assistência médica e medicamentosa, pagou a Autora € 1.529,90.
79º Por causa das 3 intervenções cirúrgicas a que se submeteu, e subsequentes tratamentos, a Autora esteve de baixa médica desde Março de 2010 até Fevereiro de 2011, num total de 12 meses
80º À data do sinistro a Autora exercia, sem nenhum esforço, a profissão de escriturária.
81º Por conta da empresa “Mediação Imobiliária de F. F., lda” 82º Auferindo o vencimento mensal à data de € 560,00 acrescidos de 105 euros de subsídio de alimentação, actual de 587,96.
93º A Autora nunca mais procurou os serviços do Hospital Y, nem o Dr. F. L., designadamente, para fazer curativos e tirar os pontos.
95º A Autora só reclamou os danos sofridos à R. SCM através da presente acção, nada tendo reclamado à seguradora.. M. A SCM na qualidade de proprietária, que é, do Hospital Y, celebrou com a Companhia de Seguros A S. A., contrato de seguro, através da apólice nº 0001060..., pelo qual transferiu para a referida seguradora a responsabilidade civil profissional do seu corpo clínico – cfr. doc. de fls. 125 e ss com o capital de 500.000,00 euros. N. Consta da cláusula inserta nessa apólice sob a epígrafe “Validade Temporal”:
«Responsabilidade Civil Exploração:
A garantia concedida pelo presente contrato, só cobre as reclamações feitas durante o período de vigência da Apólice, em consequência de eventos ocorridos durante esse mesmo período.
Responsabilidade Civil Profissional:
A cobertura deste contrato garante os danos ocorridos durante o período de vigência da apólice por erros profissionais cometidos durante esse mesmo período, cujas consequências sejam reclamadas ao Segurado ou à Seguradora até ao prazo máximo de um ano a contar da ocorrência.» O. Consta ainda da cláusula inserta nessa apólice sob a epígrafe “Franquias”:
«Responsabilidade Civil Exploração:
10% do valor de cada sinistro indemnizável, no mínimo de € 500,00.
Responsabilidade Civil Profissional:
10% do valor de cada sinistro indemnizável, no mínimo de € 1.500,00.»
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Nada mais se provou designadamente que:
1º No serviço de urgências do Hospital Y, a Autora não foi sujeita a qualquer triagem. 4º Era visível, no momento em que a Autora foi atendida pela Sr.ª Enfermeira, que o golpe que sofreu na mão era profundo e extenso. 5º Tendo em conta a profundidade do golpe era possível prever que o mesmo tivesse afectado, não só superficialmente a pele, bem como os tendões e os nervos. 90º O golpe apresentado pela A. na sua mão esquerda, era um golpe superficial e de extensão média. 9º Nessa sutura apenas a pele da mão da Autora levou pontos. 13º parcialmente “cerca de 20 minutos depois da entrada da Autora no hospital” 19º Essa consulta durou apenas 10 minutos. 28º (…) E quis observá-la passado 8 dias. 29º Decorrido esse período, a Autora foi novamente observada na Clínica CV e como o dedo mínimo se mantinha dobrado, o ortopedista recomendou fisioterapia. 37º A Autora recorreu também a um especialista em cirurgia plástica, na Clínica A, Dr. ED… 38º Que confirmou a necessidade de operação. 39 e 40º (parcialmente) (…) para marcar a operação o que não conseguiu. 47º E começou a fazer fisioterapia na Clínica de Medicina Física e de Reabilitação, Lda, em Guimarães. 48º Que se prolongou por 40 sessões. 51º Decorridos 15 dias, a Autora tirou os pontos e fez mais 20 sessões de fisioterapia na Clínica de Medicina Física e de Reabilitação, Lda. 56º (parcialmente) Que o internamento para a cirurgia de 2 de Novembro de 2010, tivesse durado 3 dias. (cfra doc de fls 225) 64º (parcialmente) As lesões da autora foram causa de ipp de 20 % 65º (parcialmente) Actualmente, a Autora, por causa das sequelas de que ficou a padecer, ficou impedida de pegar em objectos, dactilografar e executar as tarefas domésticas com a mão esquerda. 66º (parcialmente) Que o dedo da autora se mantenha dobrado- perícia médico-legal. 68º (parcialmente) Que a mão da Autora se mantenha em forma de concha. 73º a 75º (parcialmente) (…) tendo bastantes incertezas em relação ao futuro (…) sentindo-se uma inválida. 83º Durante o período de baixa médica a Autora recebeu da Segurança Social, a título de baixa médica, o total de € 4.678,98. 86º A referida triagem foi efectuada sob supervisão do médico responsável, o R. Dr. F. L.. 87º Que depois de verificar o ferimento que a A. apresentava na palma da mão esquerda, ordenou que o mesmo fosse suturado. 89º Tendo actuado sempre sob a supervisão do R. Dr. F. L.. 91º Quer o R. o médico, quer a R. enfermeira, realizaram à A. testes de funcionalidade dos dedos da mão afectada. 92º Nessa altura foi logo comunicado à A. que deveria ser novamente observada por um médico, quando fizesse novo penso e quando tirasse os pontos. 94º Mesmo que sejam realizados os testes de funcionalidade, as lesões nos tendões nem sempre são detectáveis.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Já se referiram em cima as questões que importa apreciar e decidir.
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Comecemos por nos debruçar sobre a questão do enquadramento jurídico da factualidade em sede de responsabilidade civil (médica).
Entendeu o Tribunal Recorrido que essa Responsabilidade médica assumiria natureza contratual.
Os Recorrentes defendem, agora(1), que se deve antes entender que se trata de um caso de responsabilidade extracontratual.
A importância da diferença de enquadramento resulta, como é sabido, do facto de no caso da responsabilidade contratual se presumir a culpa do devedor (do médico), atento o disposto no art. 799º do CC- o que já não sucede na responsabilidade extracontratual onde incumbirá ao lesante alegar e provar que se encontra preenchido o pressuposto da culpa.
O fundamento da divergência dos Recorrentes decorre do facto dos actos médicos aqui praticados (ou omitidos) terem sido efectuados no estabelecimento hospitalar (Hospital Y), da propriedade da Ré SCM, instituição que, de acordo com o seu Estatuto, é uma IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social, enquadrada no regime estabelecido no Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo Decreto-Lei nº119/83, de 25 de Fevereiro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 172-A/2014 de 14/8 e da Lei de Bases da Economia Social, prevista no Decreto-Lei n.º138/2013, de 9 de Outubro), fazendo ainda parte integrante do SNS (SNS) (Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro), conforme o Portal acessível a todos os cidadãos através do link www.sns.gov.pt.
Entendem, assim, os Recorrentes que esta configuração jurídica do estabelecimento hospitalar implica que não se trata de um estabelecimento privado ou clinica privada de saúde.
E assim sendo, quando a Autora se deslocou ao serviço de urgência do referido Hospital Y, não foi estabelecido qualquer contrato de prestação de serviços, pois o corpo clínico tinha obrigação de lhe prestar os cuidados médicos, independentemente até do pagamento de qualquer taxa moderadora.
Concluem que a alegada responsabilidade civil só poderia ter natureza extracontratual em virtude da inexistência de um vínculo jurídico entre a suposta vítima e o alegado lesante.
Cumpre decidir.
Em primeiro lugar, importa dizer que se vem entendendo que, neste domínio médico, se pode verificar um “concurso ou cúmulo de responsabilidades…”, isto é, “… o mesmo facto pode constituir uma violação do contrato e um facto ilícito“ (2).
Hoje, no entanto, é aceite, na maioria da doutrina e jurisprudência, que a responsabilidade decorrente da lesão da saúde causada por médico assumirá a natureza de responsabilidade contratual, quando entre o doente e o médico tenha sido estabelecido um contrato de prestação de serviços médicos.
Assim, em princípio, a questão da responsabilidade médica só assumirá a natureza de responsabilidade civil extracontratual quando não exista uma relação contratual, e se tenha verificado a existência de uma violação de direitos absolutos como são os direitos do doente à saúde e à vida (3).
Assim, como se refere no ac. da RL de 24.4.2007 (4):
“Casos há, porém, «em que a actuação ilícita do médico, causadora de resultados danosos para o doente, pode configurar uma situação de responsabilidade extracontratual».
«Assim, p. ex., no caso de um médico prestar assistência a uma pessoa inanimada ou a um incapaz cujo representante legal não conhece ou, de todo, não pode contactar».
E «o mesmo se diga daquelas situações em que o médico que pratica certo facto lesivo é agente de um serviço público (caso não se aceite a natureza contratual da responsabilidade das instituições e serviços públicos de saúde) ou daquelas outras em que determinada actuação médica, por força da ilicitude do acto e da culpa do agente, configura determinado tipo legal de crime (v.g., ofensas corporais, homicídio negligente, prática ilegal de aborto, revelação de siligo profissional)».
«Isto para já não falar dos casos em que o contrato médico é nulo por ilicitude do objecto (v.g., uma intervenção experimental extremamente arriscada sem fim curativo) ou de certas situações de responsabilidade dos médicos perante terceiros (50) (v.g., emissão de um atestado que não corresponde à verdade) ou, por fim, de todas aquelas situações em que os danos provocados pelo médico no decurso do tratamento nenhuma conexão funcional têm com ele (v.g., destruição dum quadro provocada pela explosão de uma mistura inflamável manipulada pelo médico, subtracção de valores aquando de uma visita ao domicílio)».
Segundo ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, «também, e em relação ao próprio doente, o médico apenas pode ser responsabilizado extracontratualmente, se a sua actuação, violadora dos direitos do doente e culposa, se processou à margem de qualquer acordo existente entre ambos, o que acontecerá em todos os casos em que o médico actue em situações de urgência que não permitem qualquer hipótese de obter o consentimento, o acordo do doente».
Também para CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, «a responsabilidade delitual constitui meio exclusivo, quando contrato não haja, e concorre com a responsabilidade contratual, quando o médico viola um direito subjectivo absoluto incidente sobre a vida ou a saúde do paciente». Porém, «a violação de outros direitos, designadamente de natureza patrimonial, só é ressarcível em sede contratual»
Na mesma linha, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA sustenta que a responsabilidade civil médica «é contratual quando existe um contrato, para cuja celebração não é, aliás, necessária qualquer forma especial, entre o paciente e o médico ou uma instituição hospitalar e quando, portanto, a violação dos deveres médicos gerais representa simultaneamente um incumprimento dos deveres contratuais»; «em contrapartida, aquela responsabilidade é extracontratual quando não existe qualquer contrato entre o médico e o paciente e, por isso, quando não se pode falar de qualquer incumprimento contratual, mas apenas, como se refere no art. 483º, nº 1, do Código Civil, da violação de direitos ou interesses alheios (como são o direito à vida e à saúde)».
Em conclusão: «a natureza da responsabilidade médica não é unitária e (...), ao lado de um quadro contratual que constitui a regra, deparamos com situações múltiplas, em que a natureza delitual da responsabilidade é absolutamente indiscutível»”
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Dentro destas considerações gerais, importaria, pois, averiguar, no caso concreto, se entre os Réus e a aqui Autora se estabeleceu um contrato de prestação de serviços médicos.
O Tribunal Recorrido, quanto a esta questão, após explanar as diversas teses -aqui também sinteticamente apresentadas- concluiu o seguinte:
“… a Autora invoca, o que se provou, que na sequência de sinistro doméstico que lhe provocou ferida inciso contusa na mão esquerda se deslocou ao serviço de urgência do Hospital réu a fim de receber tratamento médico, tendo sido admitida. (pontos a e b) da matéria supra.
Estabeleceu-se deste modo um contrato de prestação de serviços entre a A. e o Hospital, cfr. Artigo 1154º do CC.
É que, pelo simples facto de ter o seu estabelecimento hospitalar aberto ao público o primeiro réu encontra-se numa situação de proponente contratual.
Por sua vez, o doente que aí se dirige, necessitando de cuidados médicos, está a manifestar a sua aceitação a tal proposta.
Estamos, pois, no domínio da responsabilidade contratual.”
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Ora, olhando para a argumentação do Tribunal Recorrido, a verdade é que se nos afigura que não foi ponderada a questão de saber qual era o Estatuto jurídico do estabelecimento hospitalar (Hospital Y) - propriedade da Ré SCM- a que a Autora recorreu quando se viu confrontada com as lesões domésticas que motivaram a sua deslocação ao Hospital.
Com efeito, provavelmente porque a Ré SCM não esclareceu essa questão em Primeira Instância, o Tribunal Recorrido partiu do princípio que o Hospital em causa desenvolvia a sua actividade no âmbito do sector privado, pelo que, de uma forma lógica, e em consonância com a mais avisada Doutrina e Jurisprudência que cita, concluiu que teria sido celebrado um contrato de prestação de serviços médicos entre a Autora e o Hospital.
Sucede que, contrariamente a essa suposição, a verdade é que o Hospital em causa, sendo propriedade da Ré SCM -instituição que, de acordo com o seu Estatuto, é uma IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social, enquadrada no regime estabelecido no Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo Decreto-Lei nº119/83, de 25 de Fevereiro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 172-A/2014 de 14/8 e da Lei de Bases da Economia Social, prevista no Decreto-Lei n.º138/2013, de 9 de Outubro) - faz parte integrante do SNS (SNS) (Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro), conforme o Portal acessível a todos os cidadãos através do link www.sns.gov.pt.
Ora, se tivermos em conta esta factualidade (cfr. art. 5º, nº 2, al. c) do CPC), temos que entender que a solução defendida pelo Tribunal Recorrido não pode aqui ser acolhida.
Na verdade, pertencendo o estabelecimento hospitalar aqui em causa ao SNS (SNS), a aqui Autora, quando decidiu utilizar os serviços médicos prestados por aquele, fê-lo na qualidade de utente do referido SNS- como aliás resulta claro, por exemplo, dos documentos nº 1 e 37 juntos com a petição inicial.
Com efeito, quem recorre a um estabelecimento de saúde público fá-lo ao abrigo de uma relação jurídica administrativa de ‘utente’, modelada pela lei, submetida a um regime jurídico geral estatutário, aplicável, em igualdade, a todos os utentes daquele serviço público, que define o conjunto dos seus direitos, deveres e obrigações e não pode ser derrogado por acordo, com introdução de discriminações positivas ou negativas. Não o faz, portanto, na qualidade de parte contratante, ainda que num hipotético contrato de adesão ou ao abrigo de relações contratuais de facto (5).
Ou seja, o utente do SNS, nada contrata com o Hospital Y, antes aí acede aos cuidados de saúde publicamente financiados, porque aí foi referenciado no âmbito do sistema público, como acederia num qualquer outro hospital do SNS caso para aí se tivesse dirigido.
Por outras palavras, quem recorre a um estabelecimento de saúde privado, que integra a rede nacional de prestação de cuidados de saúde, tal como o fez a Autora desta acção, fá-lo na qualidade de utente do SNS.
Assim, no presente caso, surge-nos de um lado a Autora, utente do SNS, que acedeu aos cuidados de saúde prestados no Hospital da Y, publicamente financiados.
Do outro lado, surge-nos a Ré, SCM, proprietária do “Hospital Y”, pessoa colectiva de direito privado, de utilidade pública, integrado no SNS.
Como é sabido, a prestação dos cuidados de saúde é efectuada por serviços e estabelecimentos do Estado ou, sob fiscalização deste, por outros entes públicos ou por entidades privadas, sem ou com fins lucrativos (cfr. Lei de Bases da Saúde).
A SCM é pessoa colectiva de direito privado e de utilidade pública administrativa. Está sujeita a tutela, exercida pelo membro do Governo que superintende na área da segurança social e no âmbito dos seus fins estatutários diz-se que desenvolve as actividades de serviço ou interesse público que lhe sejam solicitadas pelo Estado ou outras entidades públicas.
Ora, neste contexto, achando-se em causa o eventual pagamento à Autora de uma indemnização que seria eventualmente devida por causa de acto médico a que foi submetida no estabelecimento hospitalar da Ré, e no âmbito do SNS, é de concluir que a referida relação utente/ médico/ hospital não assume natureza contratual.
Nesta conformidade, tendo em conta o explanado, julga-se que a pretensão da Autora deverá ser enquadrada no âmbito da responsabilidade extracontratual (arts. 483º e ss. do CC).
O presente Tribunal nunca estaria impedido de proceder à alteração da qualificação jurídica dos factos (cfr. art. 5º, nº 3 do CPC) (6), mas, de qualquer forma, sempre importa atender a que a Autora na petição inicial, embora tenha deduzido a título principal a sua pretensão, enquadrando-a na responsabilidade contratual, não deixou de invocar, subsidiariamente, a responsabilidade extracontratual- v. itens 90 e 91 da petição inicial.
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Aqui chegados, importa ressaltar aqui o que atrás já ficou dito.
É que o enquadramento da pretensão indemnizatória da Autora no âmbito da responsabilidade civil extracontratual poderia implicar uma consequência importante quanto à repartição do ónus da prova, que é a da aplicação do art. 342º, nº 1 do CC, de onde decorre que passaria a caber à Autora fazer a prova dos factos constitutivos do seu alegado direito à indemnização (não beneficiando da presunção de culpa do devedor de que beneficiaria caso estivéssemos no âmbito da Responsabilidade contratual – art. 799º do CC).
Sucede que “… entre nós, a generalidade da doutrina e da jurisprudência propende para entender que, salvo em casos excepcionais (como, por exemplo, quando sejam empregues pelos médicos meios perigosos, designadamente aparelhos de ressonância magnética, de anestesia, de hemodiálise, incubadoras, etc. – hipóteses em que incumbirá ao médico que deles fez uso provar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias, nos termos do artigo 493º, nº 2, do Código Civil), a presunção de culpa do devedor consagrada no art. 799º, nº 1, do Código Civil não tem lugar no domínio da responsabilidade civil médica. Isto porque «não recai sobre o médico, em regra, qualquer obrigação de resultado, pelo que o ónus da prova da culpa é determinado exclusivamente pelo regime da responsabilidade extracontratual - Manuel Rosário Nunes in “O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil por Actos Médicos”, 2005, pp. 48 a 56 “ (7).
Aqui chegados, pode-se, assim, concluir que a responsabilidade civil médica aqui em aplicação deverá assumir a natureza extracontratual, não sendo tal (novo) enquadramento jurídico decisivo para a discussão da causa, tendo em conta que se deve entender que, nestes casos, mesmo que se mantivesse a natureza contratual da responsabilidade, incumbiria à Autora o ónus de prova do pressuposto da culpa (8).
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2-Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Nesta sede, e antes do próprio objecto da impugnação de facto, cumpre tecer algumas considerações prévias, em ordem a evitar quaisquer equívocos quanto à impugnação da decisão de facto em sede de recurso e quanto à actividade jurisdicional que é suposto ser levada a cabo por este tribunal superior.
Explicitando.
Nesta matéria, consigna, como é consabido, o art. 640º, n.º 1 do CPC que, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.»
Por outro lado, ainda, dispõe o n.º 2 do mesmo art. 640º que :
a)- quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
À luz do regime exposto, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes (9), “quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:
-em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
-quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles meios de prova que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados;
-relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
- o recorrente deve ainda deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos;
Com efeito, tendo por referência a comparação entre a primitiva redacção do art. 712º do anterior CPC e o actual art. 662º, a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era antes excepcional, acabou por ser assumida, como função normal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra.
Todavia, ao impor ao recorrente o cumprimento dos aludidos ónus, nesta sede, visou o legislador afastar «soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente.»
Destarte, importa referir que em sede de impugnação da decisão da matéria de facto pelo tribunal superior, não está (nem pode estar) em causa a repetição do julgamento e a reapreciação de todos os pontos de facto (e a respectiva motivação), mas apenas e só a reapreciação pelo tribunal superior (e a formação da sua própria convicção - à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) dos concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido.
De facto, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância dos citados ónus.
Concluindo, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes (10), esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) “ … vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente ”, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.»
Mais, ainda, é também relevante salientar que quanto ao recurso da decisão da matéria de facto não existe a possibilidade de despacho de convite ao seu esclarecimento ou aperfeiçoamento, sendo este tipo de despacho reservado apenas e só para os recursos em matéria de direito (11).
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Aqui chegados, poder-se-ia concluir, em princípio, que, como resulta do corpo das alegações e das respectivas conclusões, os Autores/ Recorrentes teriam logrado impugnar a decisão da matéria de facto, tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPC, pois que, fazem referência aos concretos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados, indicam os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por eles propugnados, a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida e ainda as passagens da gravação em que se funda o recurso (nº 2 al. a) do citado normativo).
Importa, no entanto, desde já, anotar que os Recorrentes realizam esta tarefa de uma forma deficiente, já que, tendo concretizado a matéria de facto que pretendiam impugnar, e indicando a decisão que devia ser proferida, não retiram dessa pretendida alteração, as necessárias consequências quanto a um conjunto de factos sobre os quais o presente Tribunal, na ausência de impugnação especificada, está impedido de se pronunciar.
Com efeito, veja-se que os Recorrentes não impugnam especificadamente os seguintes factos que são absolutamente incompatíveis com as alterações da matéria de facto que pretendem ver realizadas.
Assim, os Recorrentes não impugnam de uma forma especificada:
-o ponto 63 da matéria de facto provada de onde decorre que as Sequelas da lesão da Autora foram provocadas pelo facto dos RR. não terem feito qualquer tratamento aos tendões quando a atenderam.
e, quanto à matéria de facto não provada:
- os Recorrentes não impugnam, de uma forma especificada, os seguintes pontos: -86º A referida triagem foi efectuada sob supervisão do médico responsável, o R. Dr. F. L.. 87º Que depois de verificar o ferimento que a A. apresentava na palma da mão esquerda, ordenou que o mesmo fosse suturado. 89º Tendo actuado sempre sob a supervisão do R. Dr. F. L.. 91º Quer o R. o médico, quer a R. enfermeira, realizaram à A. testes de funcionalidade dos dedos da mão afectada. 92º Nessa altura foi logo comunicado à A. que deveria ser novamente observada por um médico, quando fizesse novo penso e quando tirasse os pontos. 94º Mesmo que sejam realizados os testes de funcionalidade, as lesões nos tendões nem sempre são detectáveis.
Ora, não tendo impugnado, de uma forma especificada, esta matéria de facto, o presente Tribunal, como se referiu, está impedido de alterar esta factualidade considerada provada e não provada pelo Tribunal Recorrido.
Decorre, pois, do Recurso apresentado que os Recorrentes limitam-se a indicar como concretos pontos da matéria de facto que pretendem impugnar os factos provados que indicam, mas no que concerne às consequências que tais alterações propugnadas poderão produzir na restante matéria de facto provada (nomeadamente no ponto 63) e nos factos não provados, os Recorrentes nenhuma impugnação deduzem.
Ora, é patente e manifesto que, ao não indicarem no Recurso esse concretos pontos da matéria de facto provada e não provada cuja alteração necessariamente teriam que também ter propugnado- porque como se disse trata-se de matéria de facto absolutamente incompatível com a Impugnação especificada efectivamente deduzida- tem que se entender que os Recorrentes cumpriram de uma forma deficiente o ónus que lhe era imposto pelo art. 640º, nº 1 do CPC,
E esse cumprimento deficiente desse ónus de Impugnação imporia que o presente Tribunal ficasse impedido de se pronunciar sobre os concretos pontos da matéria de facto que os Recorrentes, apesar de tudo, indicam nas suas conclusões.
Na verdade, os referidos pontos da matéria de facto (que se mantêm inalterados, face à não impugnação especificada dos Recorrentes) são totalmente incompatíveis com a matéria de facto que com o presente Recurso, os Recorrentes pretendiam ver alteradas nesta sede da Impugnação da matéria de facto.
Assim, compulsado o teor do Recurso apresentado, constata-se inequivocamente que os Recorrentes, bem sabendo que a realidade processual que se acaba de afirmar se verificava, em vez de indicarem os concretos pontos da matéria de facto provada que pretendem ver alterados na sequência dos meios de prova que apresentam e analisam no seu Recurso (e na sequência das alterações que pretendem introduzir na matéria de facto), deixam por impugnar aquele conjunto de factos atrás evidenciado sobre os quais o Tribunal não se pode pronunciar e que são incompatíveis com a Impugnação deduzida.
Ou seja, mesmo que se entendesse, por exemplo, que da prova produzida, conforme defendem os Recorrentes, teria resultado que :
“O Réu F. L., no dia 18/10/2008, a data do episódio de urgência realizou à Autora os testes de funcionalidade não tendo detectado, nessa data, qualquer perda de mobilidade dos dedos da mão esquerda.”
… esta alteração da matéria de facto era absolutamente incompatível com a matéria de facto que se mantém como provada (por não haver impugnação especificada) na decisão:
ponto 63 : as Sequelas da lesão da Autora foram provocadas pelo facto dos RR. não terem feito qualquer tratamento aos tendões quando a atenderam.
e com a matéria de facto que se mantém como não provada (por não haver impugnação especificada) na decisão: 91º Quer o R. o médico, quer a R. enfermeira, realizaram à A. testes de funcionalidade dos dedos da mão afectada. 94º Mesmo que sejam realizados os testes de funcionalidade, as lesões nos tendões nem sempre são detectáveis.
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De referir, que não incube ao presente Tribunal essa tarefa de conciliação da matéria de facto impugnada com aquela que, não impugnada, se mantem provada (ou não provada) -conforme expressamente decorre do que ficou exposto em cima.
Na verdade, incumbia aos Recorrentes indicar (todas) as alterações que sobre a matéria de facto se produziriam, na sequência da sua impugnação da matéria de facto, não podendo essa tarefa ser atribuída ao presente Tribunal.
Aqui chegados, torna-se evidente que, sendo a matéria de facto não concretamente impugnada pelos Recorrentes, em alguma medida (desconhece-se em que medida os Recorrentes assim o consideram), incompatível com a matéria de facto (provada e não provada) que pretendiam impugnar, e estando o Tribunal de Recurso impedido de se pronunciar sobre concretos pontos da matéria de facto que não tenham sido impugnados, aquela impugnação da matéria de facto apresentada pelos Recorrentes cumpre, de uma forma deficiente, os requisitos legais da sua admissão.
E que assim é decorre, em última análise, do facto de, não tendo indicado quais são esses concretos pontos da matéria de facto que entendem dever ser alterados (como consequência da impugnação especificada que deduzem), a própria Recorrida ficar, com essa conduta processual dos Recorrentes, impedida de exercer o princípio do contraditório (art. 3º do CPC) quanto a essas questões concretas (não indicadas pelos Recorrentes), pois que desconhecendo quais são os pontos da matéria de facto provada concretamente questionados pelos Recorrentes, não pode a Recorrida contra-alegar quanto a esses factos (que não sabe quais são), nem nessa medida apresentar a sua argumentação, e bem assim efectuar a análise crítica dos meios de prova produzidos sobre cada um dos pontos da matéria de facto cuja alteração necessariamente teria que resultar da eventual procedência da Impugnação deduzida pelos Recorrentes.
Assim, além de não incumbir ao presente Tribunal a tarefa que os Recorrentes pretenderam atribuir-lhe- mas sim aos Recorrentes- e não podendo o Tribunal pronunciar-se senão sobre os pontos da matéria de facto concretamente questionados, mais do que tudo isto, o que a pretensão recursiva dos Recorrentes verdadeiramente põe em causa é o exercício do princípio do contraditório por parte da Recorrida.
Assim, não tendo os Recorrentes efectuado essa concretização das questões de facto que, em consequência da impugnação, teriam que ser alterados, e não incumbido, como se disse, ao Tribunal de Recurso retirar as eventuais consequências da procedência da Impugnação sobre a matéria de facto não impugnada (por forma a compatibilizá-la), pode-se, de uma forma linear, concluir que os Recorrentes cumpriram, de uma forma deficiente, os ónus da impugnação da matéria de facto que se lhes impunham, pelo que, só por aí, o Recurso, nesta parte da Impugnação da matéria de facto, deveria soçobrar.
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De qualquer forma, mesmo que se entendesse que estariam cumpridos aqueles ónus e, portanto, que nada obstaria ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, sempre importaria referir o seguinte.
Como decorre do exposto, os Autores/ apelantes não concordam com a decisão sobre a fundamentação factual relativa aos factos dados como provados pelo Tribunal de Primeira Instância constantes dos pontos 3º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 14º, 17º, 18º, 21º, 20º, 70º, 71º e 72, considerando que os mesmos devem ser considerados como não provados.
Quid iuris?
Importa, antes de entrar directamente na apreciação das discordâncias alegadas pelos Recorrentes, reforçar o que ficou dito quanto ao âmbito de apreciação da matéria de facto que incumbe ao Tribunal da Relação em sede de Recurso.
Como se referiu, o âmbito dessa apreciação não contende com a ideia de que o Tribunal da Relação deve realizar, em sede de recurso, um novo julgamento na 2ª Instância, prescrevendo-se tão só “ … a reapreciação dos concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados… “ (12).
Assim, o legislador, no art. 662º, nº1 do CPC, “ … ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios… pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise… “ (13).
Destas considerações, resulta, de uma forma clara, que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros:
a) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b) sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c) nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes) (14).
Dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição (15), está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.
Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição (16).
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (17).
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância (18).
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” (19).
Importa, porém, não esquecer porque, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança (20), no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância.
*
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão aos Réus apelantes, neste segmento de recurso que tem por objecto a impugnação da matéria de facto, nos termos por eles pretendidos.
Conforme já se referiu, importa que o Tribunal se pronuncie sobre a impugnação da matéria de facto, fundada no alegado erro na apreciação da prova, entendendo os Recorrentes/ RR. que, em face da prova produzida:..
- a matéria de facto vertida nos factos assentes com os números 3º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º e 14º, deve ter resposta negativa.;
- a matéria de facto vertida nos factos assentes com os números 17º, 18º e 21º, deve ter resposta negativa.
- a matéria de facto vertida nos factos assentos com os números 20º, 70º, 71º e 72, deve ter resposta negativa.
*
A primeira factualidade impugnada contende com o momento do atendimento da Autora no estabelecimento hospitalar pertencente à Ré SCM.
O que se discute são os procedimentos que, naquele momento, foram efectuados.
Na verdade, ficou provado que nos pontos 3º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º e 14º da matéria de facto que:
- a Autora foi atendida pela Sra. Enfermeira P. F. que, de imediato, realizou a sutura da lesão que a Autora apresentava sem a supervisão de qualquer médico.
- esta Sra. Enfermeira, em nenhum momento, realizou o teste de funcionalidade dos dedos com vista a detectar uma possível lesão nos tendões, ou fez qualquer tratamento aos tendões;
- só depois de realizada a sutura é que a Autora foi observada pelo Réu Dr. F. L. que, por sua vez, também não realizou o teste de funcionalidade dos dedos.
Porque se encontra intimamente conexionada com aquele momento junta-se aqui também a apreciação da impugnação da matéria de facto constante dos pontos 17, 18 e 21 da matéria de facto provada, pois que aí apenas se questiona se o Réu Dr. F. L., naquele momento (e posteriormente) não procedeu a qualquer teste de funcionalidade da mão esquerda da Autora, e consequentemente não detectou a lesão nos tendões sofrida pela Autora.
Entendem os Recorrentes que não foram esses os procedimentos que resultaram da prova produzida, já que o Réu Dr. F. L. supervisionou a actuação da Sra. Enfermeira, em todos os momentos, e realizou o teste de funcionalidade dos dedos.
Nessa sequência defendem a alteração da matéria de facto nos seguintes termos:
“- O Réu Dr. F. L., na sua qualidade de médico observou e diagnosticou o ferimento apresentado pela Autora no referido episódio de urgência.
- Descreveu o ferimento da Autora na ficha clínica da urgência como “Ferida corto-contusa, eminência hipotenar esquerda.”
- E, posteriormente, deu ordem à enfermeira para suturar a ferida.
- O Réu F. L., no dia 18/10/2008, a data do episódio de urgência realizou à Autora os testes de funcionalidade não tendo detectado, nessa data, qualquer perda de mobilidade dos dedos da mão esquerda.”
*
Quanto a esta matéria de facto, o Tribunal fundamentou a sua decisão da seguinte forma:
(incluindo-se a fundamentação geral com pertinência para a matéria de facto aqui em discussão)
“No que respeita aos factos provados o Tribunal formou a sua convicção com base na prova produzida que analisou no seu todo com recursos às regras de experiência comum e em concreto:
E no tocante à prova documental foi ponderado:
- O teor da declaração médica a fls. 44 emitida a 19.01.2009 solicitando uma consulta à A. para orientação terapêutica e informando que a mesma apresenta retracção marcada do tendão flexar do D5 (…) sem movimento(…)
- o teor da ficha clinica da Autora de 18.10.2008, onde consta de fls. 24 dos autos e cujo teor na janela destinada a à observação clinica apenas refere : ferida corto-contusa (…) e nos actos praticados sutura e penso. Na janela destinada aos actos de enfermagem está documentado: “ferida provocada por pau de esfregona que partiu -plástico por fora alumínio por dentro -ferida corto contusa suturada com oito pontos. Efectuada desinfecção e penso compressivo.
Não obstante a versão apresentada pelo Reu – que foi feito o teste de funcionalidade à autora
Pela autora foi apresentada versão diametralmente oposta, negando veementemente ter sido feito qualquer teste, limitando-se a sua ida á urgência à desinfecção da ferida, sutura e colocação de penso.
Acresce que não consta da ficha clinica que à Autora tivesse sido efectuado teste de funcionalidade aos dedos.
Sendo certo que todos os actos clínicos e de enfermagem, de diagnóstico, exames e tudo quanto releve para o paciente deve constar da sua ficha clinica como impõe ao artigo 100º do Código Deontológico e é prática comum entre os médicos.
Tendo ficado documentada lesão da Autora, a sua extensão, o tratamento efectuado e não constando o referido exame conclui-se que o mesmo não terá sido realizado, tanto mais que tratando-se de um acto médico sem especial imparidade não é de aceitar razoavelmente e de acordo com as regras da experiencia comum na ausência daquele meio que o R. Drº F. L. tenha tal memória.
Assim este documento conjugadamente com a valoração da prova testemunhal e declarações de parte serviu à convicção do tribunal quanto à matéria dos pontos 4º (uma vez que a sutura demandou oito pontos) 6º,7º e 8º, 10º, 11º, 17ºe 88º, 18º, 20º e 21º. (…)
(…)
O relatório do Conselho Médico Legal mormente da conjugação das respostas dadas aos quesitos da Autora: (5º) “atendendo a que se tratava de uma ferida inciso contusa na região dos tendões flexores era obrigação do médico ter observado e explorado a ferida antes de delegar na enfermeira o acto de suturar. Essa avaliação clinica e funcional, fundamental e indisponível faz parte da boa prática médica”. (8º) “essa competência de avaliação funcional é clinica e portanto deveria ter sido efectuado pelo médico” (9º) (…) “desde o início” (…) (14º)” a doente ficou com sequelas funcionais no 5º dedo da mão esquerda por lesão dos tendões flexores do mesmo”
E no mesmo relatório aos quesitos dos RR o Conselho Médico respondeu ao (8º) a detecção das lesões dos tendões flexores da mão é exequível por avaliação directa o que não foi realizado ou por testes de funcionalidade que implicam tão só avaliar a capacidade de flexão activa dos dedos” e (9º) que as lesões da Autora não poderiam ter aparecido posteriormente fora do contexto de uma doença inflamatória crónica”
Também este parecer respondeu que a rotura inicial deve ter sido parcial e depois ter evoluído para total (…) que as lesões tendinosas com reconstruções tardias como no caso em apreço podem ter resultados funcionais pouco satisfatórios.”
(…)
No tocante à demais prova, designadamente a testemunhal e declarações de parte, serviu, conjugadamente com a prova por documentos, para responder à matéria de facto provada e, bem assim, na sua ausência, ou contrariedade ao perguntado, quanto à matéria de facto não provada sendo certo que o depoimento de parte confessório foi efectuada a assentada correspondente.
Deste modo,
O réu Dr. F. L. prestou depoimento de parte à matéria de facto vertida nos factos1, 2, 3, 12 a 19 e 95.
Confessou os factos 12º e 15º (vide acta)
Prestou ainda declarações de parte.
Disse o reu que depois da triagem ter sido feita pela enfermeira e ter desinfectado a ferida viu a Autora na sala de enfermagem.
Fez o teste de funcionalidade.
Não se recordando porém se foi ordenado por si ou pela enfermeira.
Depois deu ordem para suturar a ferida que foi levada a cabo pela enfermeira P. F., não se recordando se com a sua supervisão.
Mais confirma que esteve no seu gabinete com a Autora já depois de suturada e com penso, pensa que receitou, como é habitual em caso semelhantes analgésico – benuron e antibiótico e disse para segunda feira ser vista por um medido e onde a Autora lhe relatou com pormenor o acidente.
Confirmou ter manuscrito o documento junto a fls. 24 – na janela do diagnóstico.
Confirmou ainda ter manuscrito o verso do documento junto em audiência de discussão e julgamento esclarecendo que não se recorda onde o escreveu, sequer se na presença da Autora, que por regra tal lhe é pedido para ser apresentado junto das companhias de seguro, até porque é médico de medicina do trabalho, acrescentou ainda que o faz de forma muito simples e automática.
Esclareceu que que no segundo paragrafo depois de escrever que desconhecia se era destra ou canhota, escreveu que por consulta da ficha …. E rubricou, o que induz ter sido em dois momentos e também no hospital por naquela constar que consultou a ficha.
Este depoimento não foi suficiente, para fundamentar outra resposta aos pontos 17º e 18º da matéria de facto e bem assim não conduziu a uma certeza fundamentada que permita na conjugação com toda a demais prova responder de outro modo que não o negativo aos pontos 28º , 86º, 87º, 89º, 91º e 92º da matéria de faco que na ausência de meio de prova convincente se tiveram por não provados.
Na verdade tais declarações não têm correspondência no relatório e ficha clinica e bem assim no estado posterior da lesão da Autora, uma vez que ficou provado esta lesão teria sido detectada caso contrariamente ao que afirmou, tivesse sido por si efectuado o exame funcional (cfr. depoimento da testemunha A. O. que declarou “ o dedo flete ou não flete” e P. M., ambos médicos, e bem assim o próprio relatório do CMLegal).
Também a Autora I. F. prestou depoimento de parte tendo confessou os factos 84, 85º, 93 e 95 (vide actas)
Prestou declarações de parte.
De forma objectiva, calma que nos pareceu sincera e verdadeira disse ao tribunal que se magoou na mão em casa com a esfregona, o corte era profundo, pelo que embrulhou a mão com um pano e foi para o hospital com o marido, ai chegada foi-lhe franqueada a entrada e conduzida à sala de enfermagem, onde só esteve com a enfermeira que logo que desinfectou a ferida e conseguiu ver lhe disse que “ estava feio” depois suturou-a, colocou penso e mandou-a ir falar com o médico, estranhando perguntou “um qualquer?” ao que a mesma respondeu afirmativamente.
No corredor abordou o Autor (será o Réu Dr. F. L.), que a mandou entrar para consulta que não demorou mais de dez minutos, o seu gabinete, tendo este sido o primeiro momento que esteve com o médico.
Referiu de forma serena e desinteressada que o Réu em momento algum viu a ferida e que se mostrou surpreendido com o número de pontos, mas não retirou o penso nem a mandou mexer a mão ou qualquer teste de funcionalidade, não marcou consulta, nem a mandou ver médico, apenas lhe disse que devia tirar os pontos e mudar o penso no centro de saúde ou numa clinica à sua escolha decorridos 15 dias. Não receitou qualquer medicamento, apenas recomendou se tivesse dores que tomasse “benuron”.
Esclareceu a instâncias dos RR que não se recorda se ao tempo do acidente e nos momentos que logo se seguiram mexia o dedo.
Voltou a estar com o Médico Réu, três semanas depois do acidente no hospital para accionar o seu seguro de acidentes pessoais que impunha que o preenchimento pelo médico que a viu, foi por tal motivo ao hospital, nessa altura já não tinha pontos mas o 5º dedo da mão estava dobrado, quando o Médico Réu a viu perguntou-lhe “não foi vista por mim pois não?” o que a fez de imediato estranhar
Teve muitas dores por isso 5 dias depois do acidente foi ao centro de saúde queixando-se que o dedo estava a dobrar.
Passado uma semana foi a consulta no centro de saúde –dr. S. F.- já estava marcada, que também não se apercebeu da lesão e aconselhou fisioterapia, embora não tivesse iniciado de logo de imediato porque preferiu ter uma segunda opinião, que colheu depois em consulta na CV.
Tirou os pontos no Centro de Saúde
Iniciou fisioterapia.
Usou tala.
Mudou local da fisioterapia, fez na Clinica em Creixomil e na Clinica do Dr M. M..
Suspendeu a fisioterapia por indicação do Dr. M. M..
Foi aconselhada pelo Dr. M. M. a fazer cirurgia que marcou no hospital em Braga, mas foi adiada por duas vezes pelo que decidiu ir para Coimbra
E só quando foi operada pelo Dr. P. M. em Março de 2010 soube que tinha tido uma lesão no tendão.
Fez três operações com o Dr. P. M. sem sucesso. Sugeriu ainda uma 4ª operação para ficar com o dedo dobrado, mas recusou.
(…)
O seu depoimento sustenta a convicção do tribunal, designadamente, quanto aos factos, 84º, 85º, 2º a 6º a 10º, 11º 16º a 18º, 20º e 46º, e bem assim a matéria referente aos tratamentos, consultas, cirurgias aqui conjugados com a demais prova a saber a documental e danos sofridos pela autora mormente os constantes dos pontos, 65º a 69º, e 73º a 82º da matéria assente.
-Dr. P. M., médico ortopedista no Hospital de Coimbra depôs com isenção e objectividade confirmou que a Autora foi sua paciente entre 2010-2012.
Viu a Autora pela primeira vez na consulta no Hospital de Coimbra já decorridos cerca de 17 meses depois do acidente apresentava rigidez e inflexão pelo que sugeriu cirurgia de reconstrução da zona flexor do dedo.
Fez no total 3 cirurgias em Março, Julho e Novembro de 2010 todas sem sucesso. A Autora continua sem flexão e tem hipertensão em golpe de cisne.
São cirurgias com recuperações dolorosas. Ficou sempre internada dois a três dias
Esclareceu a propósito da lesão da Autora:
Que o tendão flexor do 5º dedo não funcionava. Desconhece em concreto a lesão até a própria causa. O que se deparou aquando da cirurgia foi uma secção fibrosa.
Não constatou secção ou corte do tendão, e não podia constatar decorrido 17 meses.
Mas se fosse lesão no tendão flexor a mesma seria facilmente tratada com reconstrução primária até três semanas depois da lesão. Que quando há ferida corto - contusa na zona da mão importa ver, para além do mais, se há lesão nos tendões, por diagnóstico clínico através de exame funcional e que no Hospital onde presta serviço é sempre função do médico.
O seu depoimento conjugado com a demais prova sustenta a resposta aos pontos 65º a 79º, 41º a 45º, 4º a 58º e 60º a 63º da matéria assente.
-AA, Marido da Autora que de forma objectiva e isenta, disse ao tribunal que estava em casa quando a sua mulher se magoou, tentou estancar o sangue e porque viu a profundidade do corte, decidiu embrulhar a mão com um pano e levá-la ao hospital, onde a mesma entrou directamente mantendo-se na entrada a preencher os dados da ficha de admissão.
A testemunha referiu ainda que a sua mulher saiu cerca de 20 minutos depois com a mão ligada e não teve de ir à farmácia comprar medicamentos.
Disse que a Autora sentiu muitas dores, foi ao médico do centro de saúde e que logo depois de ter tirado os pontos ficou com o 5º dedo sempre na posição de dobrado.
Fez por aconselhamento médico fisioterapia, e apesar de melhorar alguma coisa, manteve queixas de muitas dores.
Decidiram-se pela operação no hospital em Braga. Foi adiada duas vezes.
A Autora tinha um irmão que trabalhava no IPO em Coimbra, pelo que, decidiram marcar consulta no HOSPITAL, tendo sido seguida por ortopedista daquele hospital, onde foi operada três vezes num ano, sem sucesso.
Referiu ainda que só souberam da lesão em Coimbra, quando a Autora foi operada.
Hoje a Autora não tem força para pegar em objectos, esconde a mão, tem complexos, mesmo em reuniões de família. Antes do acidente era pessoa feliz, alegre.
O seu depoimento serviu conjuntamente com a demais prova para motivar o tribunal a responder na forma que consta supra à matéria de facto.
-A. O. 61 anos, médico Clinica Geral, responsável pelo serviço de urgência no Hospital X há 20 anos.
Referiu não conhecer a Autora, não ter estado no hospital no dia dos factos apenas ter tomado conhecimento em virtude do que lhe foi contado.
Refere que o protocolo seguido no hospital impõe que todos os doentes sejam vistos por médico antes de qualquer tratamento, apesar de serem vistos num primeiro momento por enfermeiros. Esclareceu ainda que o acto de sutura pode ser feito por enfermeiro.
Num caso de ferida corto contusa na mão – que definiu como zona muito sensível, como sucedeu com a Autora deve ser feito teste funcional procurando a flexão e extensão dos dedos da mão.
Não há outros exames complementares. Ou há flexão/extensão ou não há.
Referiu ainda se três semanas depois do acidente visse o paciente de ferida como a da Autora com dedo dobrado teria de fazer exames, pois não seria normal uma ferida superficial suturada ter tal consequência. Averiguava a causa.
Por fim esclareceu que ao tempo dos factos as prescrições medicamentosas no serviço de urgência não constavam da ficha de urgência.
O seu depoimento foi de molde a conjugadamente, com a prova documental e testemunhal, convencer o tribunal das respostas dadas à matéria de facto como ficou a constar supra.
- BB, 49 anos, enfermeiro a prestar serviço no hospital X referiu conhecer o Dr. F. L. e a enfermeira P. F., ainda que não estava no Hospital no dia dos factos e tomou conhecimento dos mesmos pelo que lhe foi dito.
As suas declarações foram no sentido das prestadas pelo Dr. A. O. e versaram sobre o protocolo do hospital em situações como a dos autos. (…)”
*
A primeira coisa que se tem referir, quanto a esta parte da impugnação da matéria de facto, é relembrar que, por não ter sido impugnada especificamente, mantém-se como provado que:
-o ponto 63 da matéria de facto provada, de onde decorre que as sequelas da lesão da Autora foram provocadas pelo facto dos RR. não terem feito qualquer tratamento aos tendões quando a atenderam.
e, quanto à matéria de facto não provada:
Não se provou que -86º A referida triagem foi efectuada sob supervisão do médico responsável, o R. Dr. F. L..
Não se provou que 87º Que depois de verificar o ferimento que a A. apresentava na palma da mão esquerda, ordenou que o mesmo fosse suturado.
Não se provou que 89º Tendo actuado sempre sob a supervisão do R. Dr. F. L..
Não se provou que 91º Quer o R. o médico, quer a R. enfermeira, realizaram à A. testes de funcionalidade dos dedos da mão afectada.
Não se provou que 92º Nessa altura foi logo comunicado à A. que deveria ser novamente observada por um médico, quando fizesse novo penso e quando tirasse os pontos.
Não se provou que 94º Mesmo que sejam realizados os testes de funcionalidade, as lesões nos tendões nem sempre são detectáveis.
Esta constatação, só por si, implicaria a improcedência da Impugnação deduzida.
*
De qualquer forma, sempre se dirá o seguinte, quanto à análise crítica da prova produzida que aqui se impõe efectuar (no hipotético pressuposto de que teria sido devidamente cumprido o ónus de impugnação previsto no art. 640º do CPC).
Como já se referiu, em sede de Impugnação da matéria de facto, importa reapreciar os meios de prova produzidos na presente acção quanto aos concretos pontos da matéria de facto questionados pelos Recorrentes.
Vejamos, então, se da prova produzida se pode, ou não, concluir de forma diferente daquela que foi a conclusão do Tribunal Recorrido.
Ora, adianta-se já que, tendo-se procedido à ponderação dos elementos probatórios pertinentes à averiguação da matéria de facto aqui questionada, ou seja, tendo-se procedido audição da prova produzida, nomeadamente dos depoimentos/declarações da própria Autora e do Réu Dr. F. L. e da prova testemunhal produzida e tendo em consideração a prova documental junta aos autos (mencionada na matéria de facto) e os juízos periciais e técnico-científicos (médicos) relatados na prova pericial e no parecer do Conselho médico-legal, da conjugação de todos estes elementos probatórios, a conclusão a que se tem chegar é justamente aquela a que chegou o Tribunal de Primeira Instância.
Na verdade, fazendo a análise crítica e conjugada dos aludidos elementos probatórios, não pode o presente Tribunal divergir do juízo probatório efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância.
Senão vejamos.
Insurgem-se os Recorrentes quanto ao facto de se ter valorado o depoimento/declarações da Autora em detrimento do depoimento/declarações do Réu, alegando, em síntese, que estaríamos numa situação em que “era a palavra de um contra a do outro”.
Defendem, aliás, os Recorrentes que as declarações de parte da Autora não podem ser valoradas da forma como o foram.
Antes de nos pronunciarmos sobre esta argumentação dos Recorrentes, importa esclarecer de que forma, à luz do CPC, as declarações das partes devem (podem) ser valoradas – o que é aplicável quer às declarações prestadas pela Autora, quer às declarações prestadas pelo Réu.
Como é sabido, a figura das declarações de parte é uma inovação do Novo CPC- art. 466º do CPC.
Ora, antes desta consagração legal, era pacífico que o depoimento de parte, na parte em que o depoente não confessa os factos que lhe são desfavoráveis, podia ser valorado pelo Tribunal em termos do princípio da livre apreciação da prova.
Com efeito, entendia-se que se era certo que o depoimento de parte era um meio processual destinado a provocar a confissão judicial, por outro lado, se mostrava ultrapassada a concepção restrita de tal depoimento vocacionada exclusivamente àquela obtenção, já que o mesmo tem um campo de aplicação muito mais vasto.
Como, entre outros, se referia no Ac. do STJ de 16.03.2011 (21), “… o Juiz no depoimento de parte não está espartilhado pelo escopo da confissão, podendo ali colher alguns elementos para a boa decisão da causa de acordo com o princípio da “livre apreciação da prova”… “.
Pois, na sequência de correspondente opção legislativa, a lei processual civil tinha feito florescer cada vez mais os poderes inquisitórios, em detrimento do princípio do dispositivo, com vista à maior aproximação do juiz à verdade material, sendo disso afloramento os arts. 6º, 7º, 411º e 452º, nº 1 do CPC.
Permite-se que o Tribunal, em qualquer altura do processo, possa determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento sobre factos que interessem à decisão da causa- cfr. resulta dos arts. 452, nº 1 e 607º, nº 1 do CPC.
Acrescendo que, do art. 463º, nº 1 do CPC, “a contrario”, resulta que quando a parte presta o seu depoimento não se visa exclusivamente a confissão.
Donde, há que concluir que nada obsta, a que o tribunal, na sequência dos poderes que tem de ouvir qualquer pessoa, incluindo as partes, por sua iniciativa, na busca da verdade material, tome em consideração, para fins probatórios, as declarações não confessórias da parte, as quais serão livremente apreciadas, nos termos do art. 607º, nº 5 do CPC.
A confissão e o depoimento de parte eram, pois, realidades jurídicas distintas, sendo este mais abrangente do que aquela, por ser um meio de prova admissível mesmo relativamente a factos que não sejam desfavoráveis aos depoentes, caso em que ficaria sujeito à livre apreciação do tribunal (22).
Pacífico era, assim, que as declarações, prestadas pelas partes, sob juramento, (cfr. art. 459º do CPC), podiam ser valoradas pelo tribunal para fundar a sua convicção acerca da veracidade de factos controvertidos favoráveis a qualquer delas, nomeadamente quando essas declarações fossem corroboradas por outros elementos probatórios constantes dos autos.
Ora, julga-se que este entendimento deverá ser transposto para a nova figura consagrada pelo Legislador no Novo CPC.
Na verdade, as declarações de parte previstas no art. 466º do CPC devem também ser entendidas como um meio de obtenção de prova, que pode ter como resultado declarações favoráveis ou desfavoráveis ao depoente (neste último caso poder-se-á aplicar o disposto no nº 3 do citado dispositivo legal, parte final – apreciação livre, salvo se as mesmas constituírem confissão).
“Se o depoente relata factos que lhe são favoráveis, está-se perante meio de prova não previsto no CC agora consagrado na lei adjectiva em homenagem ao direito à prova (porque ao depoente pode ser difícil ou mesmo impossível demonstrar certos factos- nomeadamente estados subjectivos- por via diversa da do próprio relato) e à finalidade da descoberta da verdade (porque as partes terão, muitas vezes, conhecimento privilegiado dos factos que alegam já que os praticaram ou presenciaram) e submetido, como os meios de prova em geral, ao princípio da livre apreciação da prova (art. 607º, nº 5)…” (23).
Ora, a apreciação que o Tribunal efectue das declarações prestadas, nomeadamente, quando as mesmas sejam favoráveis à própria versão da parte que depõe (no fundo, quando se limitem a confirmar o alegado pela parte na peça processual que apresentou), não pode deixar de ser efectuada com o máximo de cautelas, não devendo, obviamente, essas declarações de parte, dentro destas circunstâncias, merecer, em princípio, credibilidade se não se mostrarem corroboradas por outros meios de prova.
Como refere Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (24) “ a apreciação que o Juiz faça das declarações de parte é livre, nos termos do nº 3, mas, como esta liberdade não equivale a arbitrariedade, a apreciação importará, as mais das vezes, apenas como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas…”.
Já, Carolina Henriques Martins (25) assinala que “… não é material e probatoriamente irrelevante o facto de estarmos a analisar as afirmações de um sujeito processual claramente interessado no objecto em litígio e que terá um discurso, muito provavelmente, pouco objectivo sobre a sua versão dos factos que, inclusivamente, já teve oportunidade para expor no articulado.
Além disso, como já referimos, também não se pode esquecer o carácter necessária e essencialmente supletivo destas declarações que, na maior parte dos casos, servirá para combater uma fraca ou inexistente prestação probatória.
Caso se considere útil a audição da parte nesta sede quando coexistem outros meios de prova, propomos a sua apreciação como um princípio de prova, equivalente ao mencionado argomenti di prova italiano, que não deixará de auxiliar na persuasão do juiz, mas que apenas o fará em correlação com a restante prova já produzida contribuindo para a sua (des)credibilização, e apenas nesta medida.
Estas são as coordenadas fundamentais para a consideração das declarações de parte no nosso esquema probatório.”
Foi esse o entendimento também que se teve no ac. da RP de 20.11.2014 (26) onde se refere que “…a apreciação desta prova faz-se segundo as regras normais da formação da convicção do juiz. Ora, em relação a factos que são favoráveis à procedência da acção, o juiz não pode ficar convencido apenas com um depoimento desse mesmo depoente, interessado na procedência da acção, deponha ele como “testemunha” ou preste declarações como parte, se não houver um mínimo de corroboração de outras provas…(e mais à frente)… Ou seja, é necessária a corroboração de algum outro elemento de prova. A prova dos factos favoráveis aos depoentes não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos…”.
E também nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto onde se refere que:
- «As declarações de parte [artigo 466º do novo CPC] – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.”- 26.6.2014 (relator: António Ramos);
“…As declarações de parte que não constituam confissão só devem ser valoradas, favoravelmente à parte que as produziu, se obtiverem suficiente confirmação noutros meios de prova produzidos e/ou constantes dos autos.”- 17.12.2014 (relator: Pinto Santos).
É este, como decorre do exposto, o entendimento que aqui também acolhemos, e que, a seguir, aplicaremos no caso concreto (por forma a confirmar que foi esse o juízo probatório efectuado pelo Tribunal Recorrido).
Ora, quanto à factualidade aqui em discussão, não há dúvidas que da prova produzida (declarações de parte da Autora e do Réu Dr. F. L.) resultaram duas versões factuais absolutamente contraditórias entre si.
Nessa medida, a maior ou menor valoração das respectivas declarações de parte dependeria da maior ou menor corroboração que tais declarações obtiveram dos outros meios de prova produzidos.
Foi exactamente esse o percurso efectuado pelo Tribunal Recorrido.
Na verdade, perante duas versões fácticas absolutamente contraditórias (e não tendo tais factos sido presenciados por qualquer outra testemunha que tenha sido ouvida no processo), a prova do que se passou no momento do atendimento só podia resultar das declarações prestadas pela Autora ou pelo Réu.
Como se disse em cima, é justamente este um dos casos típicos em que as declarações de parte, enquanto meio de prova, poderão assumir algum valor probatório (desde que corroborado por outros meios de prova).
Trata-se, de facto, de um caso em que as partes têm um conhecimento privilegiado dos factos que alegam, já que os praticaram (sendo que, no caso concreto, outros depoimentos testemunhais directos e presenciais não foram obtidos).
Nessa medida, podendo ser valoradas as declarações de parte, a sua maior ou menor valoração dependerá, como se disse, da sua maior ou menor corroboração por outros meios de prova, tudo em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.
Ora, no caso concreto, julga-se que, como bem entendeu o Tribunal Recorrido, as declarações de parte prestadas pela Autora, quanto ao momento do atendimento no serviço de urgência da Ré, merecem maior credibilidade do que as prestadas pelo Réu.
Com efeito, estas declarações da Autora, contrariamente à versão apresentada pelo Réu, mostram-se corroboradas pelo documento nº 1 junto com a petição inicial.
Na verdade, resulta do teor desse documento (ficha clínica de admissão na urgência datada de 18.10.2008), que:
- no quadro destinado a apor as observações clinicas efectuadas pelo Médico que presidiu ao acto médico se refere : “ferida corto-contusa (…) e actos praticados “sutura e penso.”;
- no quadro destinado aos actos de enfermagem está inscrita a seguinte menção: “ferida provocada por pau de esfregona que partiu -plástico por fora alumínio por dentro -ferida corto contusa suturada com oito pontos. Efectuada desinfecção e penso compressivo.”
Ora, conforme se pode retirar da leitura deste documento, em nenhum dos seus quadros se mostra mencionado o facto de ter sido realizado o aqui questionado teste de funcionalidade que, segundo os depoimentos prestados pelas testemunha médicas (v., por todos, o depoimento da testemunha Dr. P. M.), e decorre dos pareceres técnico-científicos (médicos) juntos aos autos, constituía um acto obrigatório a ser praticado em casos de lesão como aquele que era apresentado ao Réu.
Na verdade, refere esta testemunha em resposta à instância do Mandatário da Autora que :
“Mandatário: Mas, portanto, a questão que se põe é esta: tendo em conta que a senhora como se apresentou no hospital logo que teve a lesão - e ela dirigiu-se imediatamente para o hospital, penso que não há dúvidas disso - o que é que se impunha fazer? É uma senhora que aparece com a mão cheia de sangue, pronto com uma perfuração visível… qual é o procedimento normal a fazer a isto? O senhor doutor como médico o que é que faria? Que triagem é que faria?
P. M.: Obviamente que é feita uma 1.ª avaliação para se chegar a um diagnóstico. Perante uma lesão… uma ferida recta na palma da mão, há que investigar lesões dos órgãos que estão geralmente afectados, portanto, excluir fracturas, excluir lesões nervosas e tendinosas. São assim as grandes lesões que há a fazer e depois dessa avaliação e chegando ao diagnóstico de uma lesão dos tendões flexores há que fazer a reparação desses tendões flexores. É uma cirurgia que não necessita ser feita no serviço de urgência, pode ser feita no espaço e adiada durante alguns dias, mas tem sempre melhor prognóstico quando realizada nos primeiros tempos, portanto, nas primeiras 2 ou 3 primeiras semanas, será sempre o tempo óptimo.
Mandatário: Portanto, o senhor doutor, voltando à… no caso concreto se estivesse no hospital o que é que mandava… concretamente o que é que fazia a esta senhora?
P. M.: O que é que fazia no serviço de urgência?
Mandatário: Sim. Porque é que mandava… ou o que é que mandava fazer?
P. M.: Se houvesse… portanto, se eu estou de urgência e tenho uma lesão dos tendões flexores, passo à reparação cirúrgica logo no imediato se houvesse possibilidade de a levar ao bloco.
Mandatário: E para chegar lá? E para chegar lá? Imaginamos que o senhor doutor ainda não sabe se há lesões, o que é que faria neste caso concreto? Vê uma senhora com a mão toda ensanguentada, uma perfuração, o que é que fazia para ver se há tendões feridos, contundidos… o que é que o senhor doutor faria? Que exames de diagnóstico é que faria? Que triagem é que faria?
P. M.: Apenas o exame objectivo. Eu chego ao diagnóstico sem exames a mais que não seja o exame objectivo. Apenas um Raio-X para excluir fracturas. Se o mecanismo estivesse em causa pudesse suscitar alguma dúvida de fractura ou de corpo estranho presente. Fora isso, para a lesão tendinosa não preciso de nenhum exame.
Mandatário: Mas faz triagem?
P. M.: Faço a avaliação do dedo, a observação do dedo, sim.
Mandatário: Faz observação. Essa observação é necessariamente… tem que ser feita necessariamente por um ortopedista, correto? Ou por um médico
P. M.: Tem que ser feita, eu diria, por quem está a fazer o diagnóstico da situação. Portanto, o ortopedista, como especialidade, sim, terá obrigação de fazer esse diagnóstico, saber fazer esse diagnóstico, mas não é necessário nenhum ortopedista para diagnosticar, ainda que depois para fazer o tratamento, provavelmente necessitará de ser feito por ortopedista ou cirurgião plástico que se dedica à cirurgia da mão, mas para o diagnóstico não há necessidade de ser um ortopedista. Qualquer médico que faça a avaliação inicial e que como o diagnóstico é clínico, não necessita de outros exames…”.
Por outro lado, como expressamente se menciona no relatório do Conselho médico-legal: “ quesitos da Autora - (5º) “atendendo a que se tratava de uma ferida inciso contusa na região dos tendões flexores era obrigação do médico ter observado e explorado a ferida antes de delegar na enfermeira o acto de suturar. Essa avaliação clinica e funcional, fundamental e indisponível faz parte da boa prática médica”. (8º) e (9º) “essa competência de avaliação funcional é clinica e portanto deveria ter sido efectuado pelo médico” (9º) (…); quesitos dos RR. - (8º) a detecção das lesões dos tendões flexores da mão é exequível por avaliação directa o que não foi realizado ou por testes de funcionalidade que implicam tão só avaliar a capacidade de flexão activa dos dedos”.
Ora, se assim é, não há dúvidas que no caso concreto, perante as lesões que a Autora apresentava, se tivessem sido seguidas as boas práticas, um médico medianamente competente e avisado, teria necessariamente realizado o aludido teste.
E tendo-o realizado seria expectável que o resultado que tivesse obtido ficasse mencionado na ficha clínica de admissão, pois que tal é imposto pelo artigo 100º do Código Deontológico e é prática comum entre os médicos no sentido de ir ficando mencionado no processo clínico todo o historial clínico do doente.
Assim, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, esta omissão da menção da realização do teste de funcionalidade, indicia claramente que tal teste não terá sido realizado pelo aqui Réu, corroborando-se, por essa via, a versão fáctica carreada para o processo pela Autora que declarou precisamente que esse teste não foi efectuado.
Evidentemente, não tem qualquer acolhimento legal a tese dos Recorrentes, retirada da não impugnação do documento nº1 (que foi junto pela Autora!), de que os factos aqui em discussão (nomeadamente, a sua versão fáctica) estariam provados por “confissão extrajudicial dotada de força probatória plena”.
Não se entende, aliás, esta argumentação dos Recorrentes, pois que do teor do documento não resulta, de forma alguma, que o Réu nele tenha mencionado que tenha observado previamente a doente e que “…tenha dado ordem à enfermeira para suturar a ferida… “
Na verdade, desse documento nº 1 não resulta qualquer confissão com aquela natureza, antes deve o mesmo ser valorado no âmbito da prova documental, sendo certo que a Autora obviamente não impugna a sua autoria, nem o seu próprio conteúdo.
A questão que se coloca não tem a ver com esse tipo de considerandos.
Na verdade, do que se trata aqui é apenas de interpretar o teor do documento, tendo em conta as menções que nele constam, por forma a concluir-se (ou não) que dele decorre que o aludido teste de funcionalidade- obrigatório segundo as boas práticas da medicina- foi ou não realizado.
Improcede, pois, também esta argumentação.
Também não se pode acolher a pretensão dos Recorrentes de valorar o que ficou mencionado no relatório pericial como tendo sido dito pela Autora nessa diligência pericial.
Trata-se obviamente de uma menção que não pode ser valorada nesta sede, já que não é um meio de prova processualmente admitido em processo civil.
O que pode ser valorado em termos probatórios são os juízos e conclusões periciais que os Peritos tenham vertido no respectivo relatório, e não as declarações prestadas pelos sujeitos à perícia perante os Srs. Peritos.
Finalmente, também não se verifica existir qualquer contradição entre o que a Autora declarou quanto ao momento em que se apercebeu da limitação da funcionalidade do 5º dedo mínimo da sua mão esquerda e os diversos registos clínicos juntos aos autos, e o depoimento da testemunha AA, marido da Autora (que quanto às queixas da Autora foi, aliás, impreciso e vago, referindo apenas que aquela tinha dores, mas desconheciam a causa das mesmas- dai que não tenham reclamado numa fase inicial dos serviços médicos prestados pelos RR.)
Aqui chegados, refutada toda a argumentação dos Recorrentes, pode-se assim concluir que bem andou o Tribunal Recorrido em valorar as declarações de parte da Autora- em detrimento da versão fáctica insustentável apresentada pelo Réu- já que as mesmas se mostram corroboradas pelos demais elementos probatórios produzidos no processo e não se mostram contraditadas por quaisquer outros meios de prova.
Improcede, pois, a Impugnação da matéria de facto nesta parte.
*
Finalmente, quanto à restante impugnação da matéria de facto, contende ela com o seguinte facto: -saber se a lesão que a Autora sofreu- derivada do acidente doméstico descrito no ponto 20- tivesse sido detectada no dia 18 de Outubro 2008, nas urgências do Hospital Y, teria sido possível o seu tratamento e cura sem sequelas?
Entendem os Recorrentes que esta factualidade não pode ser dada como provada, porque
- a Autora no momento do primeiro atendimento não apresentava qualquer perda de funcionalidade no dedo mínimo da mão, já que essa perda só começou a surgir três semanas a um mês depois do acidente, quando o dedo começou a dobrar;
-a Autora não alertou os profissionais que intervieram na urgência de qualquer limitação no dedo;
-não há meios de prova (prova pericial e depoimentos das testemunhas médicas) demonstrativos de que, na altura da admissão, a Autora já tinha a perda de funcionalidade do dedo (nem há prova de que, nessa altura, o tendão flector do 5º dedo estivesse seccionado de modo a não permitir a flexão do mesmo);
- o Réu, em face da análise dos sintomas revelados pela Autora, na data do acidente, fez o diagnóstico e deu início ao tratamento mais adequado à patologia clinica evidenciada, em conformidade com a avaliação obtida.
Conclui, pois, que esta factualidade deve ser dada como não provada.
*
Quanto a esta matéria de facto, o Tribunal fundamentou a sua decisão da seguinte forma:
“As respostas aos pontos 21º 70º 71º e 72º, resultam da ponderação global do relatório do CML e das respostas dadas pela testemunha Drº A. O. e demais prova conjuntamente valorada.”
*
Cumpre apreciar a Impugnação da matéria de facto, tendo em conta o que em cima já se referiu, quanto à tarefa que é imposta ao Julgador neste âmbito.
A primeira coisa que se tem referir, quanto a esta parte da impugnação da matéria de facto, é relembrar que, por não ter sido impugnada especificamente, mantém-se como provado que:
-o ponto 63 da matéria de facto provada de onde decorre que as Sequelas da lesão da Autora foram provocadas pelo facto dos RR. não terem feito qualquer tratamento aos tendões quando a atenderam.
e, quanto à matéria de facto não provada:
Não se provou que -86º A referida triagem foi efectuada sob supervisão do médico responsável, o R. Dr. F. L..
Não se provou que 87º Que depois de verificar o ferimento que a A. apresentava na palma da mão esquerda, ordenou que o mesmo fosse suturado.
Não se provou que 89º Tendo actuado sempre sob a supervisão do R. Dr. F. L..
Não se provou que 91º Quer o R. o médico, quer a R. enfermeira, realizaram à A. testes de funcionalidade dos dedos da mão afectada.
Não se provou que 92º Nessa altura foi logo comunicado à A. que deveria ser novamente observada por um médico, quando fizesse novo penso e quando tirasse os pontos.
Não se provou que 94º Mesmo que sejam realizados os testes de funcionalidade, as lesões nos tendões nem sempre são detectáveis.
*
Esta constatação, só por si, implicaria a improcedência da Impugnação deduzida.
*
Conforme decorre do exposto, a questão que se mostra controvertida diz respeito apenas a um juízo técnico-científico (médico), pelo que os elementos probatórios relevantes para a discussão desta factualidade necessariamente terão que assumir igual natureza.
Perguntava-se, neste ponto, se a lesão que a Autora sofreu- derivada do acidente doméstico descrito no ponto 20- tivesse sido detectada no dia 18 de Outubro 2008, nas urgências do Hospital Y, teria sido possível o seu tratamento e cura sem sequelas.
O Tribunal Recorrido respondeu afirmativamente a esta pergunta.
Ora, a nosso ver, é patente que essa era a única resposta possível em face dos meios de prova produzidos.
Na verdade, todos os meios de prova, nomeadamente, aqueles que se pronunciam apresentando aqueles conhecimentos médicos, concluíram exactamente no sentido considerado provado pelo Tribunal Recorrido.
Assim,
- o relatório do Conselho Médico Legal – fls. 374 e ss. -conclui que: “respostas aos quesitos da Autora: “ (18º) Esta omissão e o não tratamento do tendão afectado é causa necessária e directa das sequelas que a Autora apresenta? Sim.”; respostas aos quesitos dos RR. “(8º) a detecção das lesões dos tendões flexores da mão é exequível por avaliação directa o que não foi realizado ou por testes de funcionalidade que implicam tão só avaliar a capacidade de flexão activa dos dedos” e (9º) (se as lesões da Autora não poderiam ter aparecido posteriormente na sequência de outros traumatismos?) Fora do contexto de uma doença inflamatória crónica, a resposta é não”. (15) Caso existam, tais lesões são irreversíveis ? (…) Como já referido no quesito anterior as reconstruções tendinosas tardias em particular dos tendões flexores da mão, como no caso em apreço podem ter resultados funcionais pouco satisfatórios.” (complementado pelos esclarecimentos de fls. 390)
- a testemunha P. M., medico ortopedista, concluiu: “chegando ao diagnóstico de uma lesão dos tendões flexores há que fazer a reparação desses tendões flexores. É uma cirurgia que não necessita ser feita no serviço de urgência, pode ser feita no espaço e adiada durante alguns dias, mas tem sempre melhor prognóstico quando realizada nos primeiros tempos, portanto, nas primeiras 2 ou 3 primeiras semanas, será sempre o tempo óptimo….”.
O relatório pericial (Primeira Perícia) não se pronuncia sobre os factos constantes do ponto aqui questionado (pronuncia-se apenas “que não será fácil o Tribunal provar que na admissão da Sra. I. F. no SU do Hospital… o tendão flector do 5º dedo da mão esquerda estava seccionado…(sic)”- o que não é a factualidade que no ponto aqui impugnado importa discutir- importa, aliás, referir, que não se compreende o alcance da pronúncia do Sr. Perito que extravasa o âmbito do que lhe foi solicitado em sede de prova pericial- de qualquer forma, tal impertinência (jurídica), mostra-se corrigida nos esclarecimentos prestados a fls. 296 e ss.).
Aliás, nesta sequência, resta acrescentar que os Recorrentes também colocaram o enfoque da sua impugnação na questão de, alegadamente, não haver meios de prova (prova pericial e depoimentos das testemunhas médicas) demonstrativos de que, na altura da admissão, a Autora já tinha a perda de funcionalidade do dedo (nem à prova de que, nessa altura, o tendão flector do 5º dedo estivesse seccionado de modo a não permitir a flexão do mesmo), mas a verdade é que o ponto impugnado não diz respeito a essa factualidade.
Na verdade, o que se “pergunta” nos pontos impugnados é tão-só saber se a lesão tivesse sido detectada no dia 18 de Outubro 2008, nas urgências do Hospital Y, teria sido possível o seu tratamento e cura sem sequelas- e não, saber se a doença existia na data da admissão na urgência, facto que se mostra vertido noutros pontos da matéria de facto (por ex. o ponto 63 não impugnado e os pontos 5 e 94 dos factos não provados também não impugnados).
É, pois, totalmente impertinente a argumentação dos Recorrentes para o apuramento da resposta positiva dada ao ponto da matéria de facto aqui questionado.
Uma última nota para dizer que, quanto ao relatório da segunda perícia, também não responde à questão que era colocada neste ponto da matéria de facto (Menciona-se expressamente o seguinte: “Não está ao alcance do perito, uma resposta a esta questão”- fls. 332, v.)
Improcede, pois, também, esta parte da Impugnação da matéria de facto.
*
Assim, em face do exposto, e da análise crítica e conjugada de todos os elementos probatórios, pode o presente Tribunal concluir que o juízo fáctico efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância mostra-se conforme, em geral, com a prova produzida.
Na verdade, da valoração conjugada dos elementos probatórios produzidos, resulta que, contrariamente ao que pretendem os RR., estes não lograram provar as alterações que pretendiam introduzir na factualidade.
Bem pelo contrário, a Autora, incumbindo-lhe o ónus da prova, nesta sede, logrou provar toda a factualidade subjacente ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil médica (extracontratual) - art. 483º do CC; cfr. também art. 487º do CC.
Aqui chegados, pode-se, assim, concluir quanto à presente Impugnação da matéria de facto que, à luz do antes exposto, e com base nos meios de prova antes citados, a convicção (autónoma) deste tribunal, em sede de reapreciação da matéria de facto é, em absoluto, coincidente com a que formou o tribunal recorrido, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém na íntegra.
Na verdade, e não obstante as críticas que lhe são dirigidas pelos ora Recorrentes, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados um qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência.
Ao invés, a convicção do julgador colhe, a nosso ver, completo apoio nos ditos meios de prova produzidos, sendo, portanto, de manter a factualidade provada, tal como decidido pelo tribunal recorrido.
Conclui-se, pois, que compulsada a prova produzida, tendo em conta as regras do ónus da prova, e conjugando todos os elementos probatórios atrás mencionados, não podem restar dúvidas que os impugnados factos constantes da matéria de facto provada devem manter-se inalterados, confirmando-se a análise crítica efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância quanto a essa factualidade
Em consequência, improcede a apelação nesta parte.
*
Aqui chegados, importa verificar se, independentemente de não se ter procedido à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelos Recorrentes, deve manter-se a apreciação de mérito efectuada pela Decisão Recorrida, em face da matéria de facto dada como provada.
Ora, ponderando essa questão, é evidente que, não existindo qualquer modificação na matéria de facto considerada provada, nenhuma crítica pode ser apontada à decisão de mérito proferida pelo Tribunal de Primeira Instância quanto à afirmação dos pressupostos da responsabilidade civil (com o esclarecimento atrás exposto, quanto à natureza jurídica dessa responsabilidade) - facto voluntário, ilícito e culposo; nexo de causalidade entre os factos e os danos; e existência de danos- art. 483º do CC.
Nessa medida, não há dúvidas que o aqui Réu Médico (e a Ré SCM- cfr. art. 500º do CC) pode(m) ser responsabilizado(s), em termos de responsabilidade médica (extracontratual), por estarem preenchidos aqueles pressupostos estabelecidos no art. 483º do CC, cuja prova incumbia à Autora e que esta logrou efectuar.
Na verdade, o ponto de partida essencial para qualquer acção de responsabilidade médica é a desconformidade da concreta actuação do Réu (médico) no confronto com aquele padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes na altura.
A prova dessa conduta desconforme com as “leges artis”, merecedora de reprovação à luz de um concreto e adequado desempenho profissional (ilicitude), nas concretas circunstâncias, compete ao lesado/doente.
Assim, ao lesado/doente - à aqui Autora- incumbia a prova de que um certo diagnóstico, tratamento ou intervenção foi omitido e que essa omissão conduziu ao dano, ou seja, se outro acto médico tivesse sido (ou não tivesse sido) praticado, teria levado à cura, atenuado a doença, evitado o seu agravamento.
Ora, no caso concreto, não há dúvidas que a omissão da realização do teste de funcionalidade por parte do Réu Médico e a falta de supervisão da actividade autonomamente desenvolvida pela Sra. Enfermeira transfere a sua conduta nos termos expostos para o campo da ilicitude.
Na verdade, para o efeito do preenchimento deste requisito da ilicitude, a Autora teria que provar que, no caso concreto, o Réu Dr. F. L. poderia e deveria ter, nas circunstâncias aqui em causa, agido de maneira diferente.
Teria que provar que o Réu “… procedeu por forma diferente daquela em que em idênticas circunstâncias teria actuado qualquer médico prudente … “ (27).
Assim, para este efeito não bastará a afirmação de que não foi atingido determinado resultado médico (até porque a obrigação do médico não é uma obrigação de resultado, mas sim de meios).
Antes, o que é determinante para a afirmação da prática de um facto ilícito, neste âmbito, é o facto de o médico não ter actuado com a diligência normal do clássico “bom pai de família” (no domínio médico).
Para funcionar a responsabilidade médica, necessário se torna que se verifique uma desconformidade da concreta actuação do médico, no confronto com o padrão de conduta profissional exigível a um profissional medianamente competente e prudente.
Para isso, os médicos devem agir segundo as exigências da referida “leges artis” e com os conhecimentos científicos então existentes, actuando de acordo com um dever objectivo de cuidado, assim como certos deveres específicos, como seja o dever de informar sobre tudo o que interessa à saúde e aos riscos da intervenção, e o dever de empregar técnica adequada, que pode prolongar-se no pós-operatório.
No caso concreto, não há dúvidas que a omissão da prática dos aludidos actos médicos por parte do Réu (não realização do teste de funcionalidade e falta de supervisão da actividade desenvolvida pela Sra. Enfermeira), permite dar como preenchido este pressuposto da responsabilidade civil.
Uma vez demonstrada, pelo lesado/doente, essa desconformidade objectiva, consubstanciadora da prática de um (f)acto ilícito, torna-se ainda necessário provar que o médico (o aqui Réu) agiu com culpa.
Ora, em geral, a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas do caso, se conclua que ele podia e devia ter agido de outro modo.
Esta censura pode ter lugar a título de dolo, ou sob a forma de negligência.
Na culpa sob a forma de negligência, a censura funda-se na circunstância de o lesante não ter agido com o cuidado, com a diligência, com o zelo exigíveis para executar a conduta que é necessária ao cumprimento dos seus deveres (28).
A culpa deve ser apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, nos termos do art. 487º, nº 2 do Cód. Civil, o que significa que se trata de uma apreciação não em concreto, tendo em vista o comportamento habitual do lesante, mas sim em abstracto.
Também no domínio da responsabilidade por prestação de cuidados de saúde ou responsabilidade médica, a culpa é aferida pelo zelo, pelas qualidades, pelo discernimento que, em cada caso concreto, teria tido um médico ou outro profissional desta área normalmente competente e cuidadoso, um profissional que, sem ter de ser excepcionalmente competente, atinja, pelo menos, o nível médio dos da sua classe.
Daí que deva agir “de acordo com o cuidado, a perícia e os conhecimentos compatíveis com os padrões por que se regem os médicos sensatos, razoáveis e competentes do seu tempo», exigindo-se-lhe que actue com «aquele grau de cuidado e competência que é razoável esperar de um profissional do mesmo ofício (especialista ou não especialista), agindo em semelhantes circunstâncias”.
Por conseguinte, actuará com negligência, o médico que não exercite todo o seu zelo, nem ponha em prática toda a sua capacidade técnica e científica na execução das suas tarefas para proporcionar a cura ao doente, ou para lhe proporcionar os serviços médicos adequados.
De acordo com os factos acima elencados, tem que se concluir que o Réu agiu com culpa, a título de negligência, porquanto não agiu com o zelo e diligência que era exigível a um qualquer médico medianamente competente e cuidadoso, uma vez que omitiu a realização do teste de funcionalidade- que nas circunstâncias apuradas era obrigatório- e não supervisionou a actuação da Sra. Enfermeira, conforme impunham as leis da “arte” e ciências médicas (29).
Nesta conformidade, agindo da forma como actuou, nas circunstâncias em que o fez, era-lhe exigível que tivesse agido doutro modo, sendo pois uma conduta reprovável, por ter agido daquela forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso, isto é, realizando o referido teste de funcionalidade, supervisionando a actividade da Sra. Enfermeira e efectuando o consequente diagnóstico e tratamento.
Finalmente, não há dúvidas que a actuação ilícita e culposa do Réu Médico produziu os danos valorados pelo Tribunal Recorrido e que resultaram daquela actuação em termos de causalidade adequada.
Como é sabido, nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito são incluídos na responsabilidade do agente, mas apenas os resultantes do facto, os causados por ele.
Por conseguinte, a obrigação de reparar um dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo, de tal forma que o facto ilícito, causador da obrigação de indemnizar, deva ser a causa do dano.
De acordo com a unanimidade da jurisprudência e da doutrina, o Código Civil adoptou, no seu art. 563º, a designada doutrina da causalidade adequada.
Segundo este preceito legal «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
Segundo Galvão Teles (30), “…determinada acção ou omissão será causa adequada de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar”.
Daqui resulta, pois, que, de acordo com a teoria da adequação, só pode considerar-se “como causa do dano aquela circunstância que, dadas as regras da experiência e o circunstancialismo concreto em que se encontrava inserido o agente (tendo em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis) se mostrava como apta, idónea ou adequada a produzir esse dano”.
Mas para que um facto deva considerar-se causa (adequada) dos danos sofridos por outrem é preciso que tais danos constituam uma consequência normal, típica, provável dele, exigindo-se, assim, que o julgador se coloque na situação concreta do agente para a emissão da sua decisão, levando em conta as circunstâncias que o agente conhecia e aquelas circunstâncias que uma pessoa normal, colocada nessa situação, conheceria.
Trata-se daquela operação que costuma designar-se por prognose póstuma ou juízo abstracto de adequação e com ela pretende evitar-se que se responsabilize o agente por danos que se produziriam em consequência de um conjunto de circunstâncias atípicas, anormais e imprevisíveis, que não conhecesse ou podia conhecer (31).
A fórmula usada no art. 563º do CC “deve, assim, interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz adequada desse efeito” (32).
Relativamente a este pressuposto da responsabilidade civil, também competirá ao lesado/doente a prova do nexo causal entre o acto médico (praticado ou omitido) e o dano, porquanto esse nexo causal é um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, constituindo um dos requisitos do direito que o lesado/doente, como credor de tal obrigação, pretende accionar, com vista ao ressarcimento dos danos por si sofridos.
Caber-lhe-á demonstrar que foi produzido um resultado que não se verificaria se outro fosse o acto médico efectivamente praticado ou omitido (33).
Ora, no caso concreto, tal decorre do, já por mais de uma vez citado, ponto 63 da matéria de facto, onde ficou provado –sem impugnação dessa matéria de facto no presente Recurso- que: “as Sequelas da lesão da Autora foram (exclusivamente, acrescentamos nós) provocadas pelo facto dos RR. não terem feito qualquer tratamento aos tendões quando a atenderam.”
Finalmente, importa dizer que está, também, verificado o pressuposto “existência de danos”, matéria em que entraremos de seguida, pois que os Recorrentes põem em causa os montantes fixados a título de indemnização.
4. Quantum indemnizatório.
Os Recorrentes, independentemente dos anteriores fundamentos do Recurso, não deixam de questionar os montantes indemnizatórios atribuídos pelo Tribunal recorrido considerando que:
- Quanto ao dano biológico, defendem os RR que a sentença recorrida “esqueceu “ o facto de “a Autora/Apelada receber antecipadamente o montante da indemnização que teria direito a receber até ao final da sua vida”, pelo que “deverá ser deduzido o valor do benefício respeitante à recepção antecipada de capital, redução que na jurisprudência tem oscilado entre os 10% e os 33%. Pelo exposto ao valor global de € 11.854,00, deverá ser deduzido um montante nunca inferior a 25%, fixando-se em € 8.890,50 (oito mil oitocentos e noventa euros e cinquenta cêntimos).
Cumpre decidir.
Compulsada a decisão recorrida constata-se, efectivamente, que no cálculo efectuado para apuramento da quantia indemnizatória devida a este título, não foi tido em consideração esse factor.
Na verdade, da fundamentação de direito da sentença constam apenas as seguintes considerações:
“Ficou a padecer de uma IPP de 3%.
Ponderamos que a Autora auferia o montante de 560,00 euros hoje em dia situado em 587,96 euros conforme ponto 82º da matéria de facto.
Nesta senda é de atender à idade média da esperança de vida que se situa nos 80 anos.
Entendemos por isso que é adequada a indemnização de (80-32)= 48 x [(14x587,96) x3%] valor global de 11.854,00”.
*
Ora, é pacífico, em termos Jurisprudenciais, que nestes cálculos indemnizatórios deverá ser ponderado o chamado “benefício da antecipação do pagamento da indemnização”.
Vejamos, então, como deve ser efectuado o cálculo da indemnização que na presente a acção deve ser atribuída à Autora, a este título.
De uma forma geral, saber como ressarcir este dano (da perda de capacidade de ganho), actualmente, é um problema que não tem uma solução única, sendo sempre aleatório o recurso a tabelas financeiras ou outros prognósticos, para calcular ou estimar tais danos como bem já se referia no ac. do STJ de 8.6.93 (34).
Pode dizer-se, em geral, que o princípio orientador no encontro desse montante indemnizatório desse dano tem sido o seguinte: - Partindo do tempo provável de vida do lesado e do rendimento que auferia à altura do acidente ou actualmente (para a hipótese do vencimento ter sido actualizado) - ou do rendimento que previsivelmente poderá vir a obter-, dever-se-á encontrar um acervo de capital que, pelo seu rendimento e pela utilização do próprio capital, continue a garantir ao lesado a disponibilidade do valor pecuniário ou a capacidade para obter utilidades futuras ou a capacidade de manutenção de expectativas de aquisição de bens, que deixou de ter por via do acidente, por forma a que o montante indemnizatório se esgote em tempo normal da vida activa (35).
Foi esse, também, o critério que a sentença de Primeira Instância aplicou (36), mas ao fazê-lo não ponderou o facto- aqui questionado pelos Recorrentes- de a indemnização, dever compreender um capital que se esgote em tempo normal da sua vida activa, sem prejuízo da eventual necessidade de efectuar uma correcção desse capital em virtude do recebimento imediato da totalidade do capital indemnizatório, sob pena de se propiciar um enriquecimento injustificado à custa do lesante.
Ora, este último factor não foi efectivamente ponderado na decisão recorrida.
Assim, acrescentando esse factor ao cálculo indemnizatório efectuado pelo Tribunal Recorrido, tendo em conta a factualidade dada como provada, os critérios legais e jurisprudenciais que vêm sendo seguidos, e aplicando os juízos de equidade, afigura-se ao presente Tribunal que deverá aqui ser ponderada um factor de ¼ de redução da indemnização por força do referido benefício da antecipação do pagamento da indemnização.
Não há dúvidas, assim, que os Recorrentes têm razão, pelo que atendendo à idade da Autora (e ao consequente período de antecipação de que a mesma por esse facto beneficia), deverá o cálculo da indemnização sofrer uma redução de 1/4.
Nesta conformidade, julgando-se procedente a Apelação nesta parte, decide-se reduzir a indemnização fixada a este título para o montante de 9.000 € (valor arredondado para cima).
Nesta sequência, num cálculo simples, obteríamos, então, o seguinte valor:
- 9.000 € (nove mil euros), o qual se julga ser mais adequado e proporcional ao dano sofrido pela Autora.
(valor que resulta dos seguintes cálculos: (48 x [(14x587,96) x3%= 11.854 €, quantia que devidamente corrigida pelo aludido factor (recebimento imediato da totalidade do capital- redução de 1/4 (arredondada para cima) – tendo em conta a idade da Autora) conduz, assim, à conclusão de que a indemnização que aqui deve ser atribuída, como já se referiu, deve ser reduzida para o montante de 9.000€ (nove mil euros).
Nesta conformidade, julga-se, nesta parte, procedente o Recurso de Apelação dos Recorrentes/RR..
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- Quanto aos danos não patrimoniais, defendem os Recorrentes que a decisão recorrida não ponderou devidamente as circunstâncias do caso, nomeadamente:
- o facto de a Autora/Apelada ter sido a única causadora do acidente doméstico.
-o facto de que mesmo que as lesões tendinosas tivessem sido detectadas logo no dia 18/Outubro/2008, a Autora sempre teria que ser sujeita a uma ou mais intervenções cirúrgicas e tratamentos conexos como a fisioterapia, com os respectivos inconvenientes, dores e dano estético resultantes da cirurgia;
- o facto de se tratar de uma IPP de 3%, compatível com o exercício da sua actividade profissional habitual.
- o facto de se tratar de uma lesão do dedo mínimo da mão esquerda, quando a Autora é destra, pelo que, tais sequelas têm uma repercussão muito reduzida nas suas actividades da vida diária, familiar e social.
Concluem que o valor de € 30.000,00 (trinta mil euros) atribuído à Autora/Apelada é manifestamente desadequado e exagerado, em face das especificidades, circunstâncias, sequelas sofridas, e tendo em conta os valores atribuídos pelos nossos Tribunais em caso idênticos, pelo que deve o mesmo ser reduzido para valores que nunca deverão ser superiores a € 5.000,00 (cinco mil euros).
Cumpre decidir
Conforme decorre da fundamentação da sentença proferida, o Tribunal Recorrido procurou ponderar, de uma forma adequada e equitativa, os factos provados, de forma a obter uma indemnização compensatória justa para o caso concreto.
Importa, então, verificar se os montantes indemnizatórios atribuídos, a este título, pecam por excesso, conforme defendem os Recorrentes, tendo em conta os critérios que vêm sendo apontados, para o efeito, pela Jurisprudência.
Quanto aos danos não patrimoniais alegados, com pertinência para o que aqui se discute, ficou provado que:
A. No dia 18.10.2008, cerca das 15:30h, a Autora encontrava-se na sua residência, e enquanto desempenhava tarefas de limpeza, partiu o cabo de uma “esfregona”. B. Nessa sequência, o cabo, que por dentro era de aço, atingiu a Autora provocando-lhe um ferida corto-contusa na mão esquerda.
20º e 70º A esfregona atingiu os tendões da mão esquerda da Autora C. A Autora, cheia de dores, dirigiu-se, imediatamente, às urgências do Hospital Y.
22º e 23º A Autora (após ter sido atendida pelos RR.) continuava a ter dores insuportáveis, pelo que consultou, no mês de Novembro de 2008, o seu médico de família, Dr. S. F. no Centro de Saúde, Guimarães
24º que a aconselhou a fazer fisioterapia.
25º (…) sem, porém, ter conhecimento de que a mesma havia lesionado o tendão.
26º Em 3 de Dezembro de 2008, a Autora foi a uma consulta de ortopedia, na clínica CV, em Guimarães, onde colheu a opinião de outro médico ortopedista.
27º Que a aconselhou a colocar uma tala no dedo mínimo da mão esquerda.
30º e 31º Na sequência deste conselho médico que a Autora começou a fazer fisioterapia nas “TT” em Guimarães.
32º (…) que fez no período compreendido entre 15.12.2008 a 15.01.2009.
33º e 34º No dia 19.01.2009, a Autora foi à consulta com o Dr. M. M., na Clínica A em Guimarães.
35º O Dr. M. M., após constatação de que a fisioterapia não estava a dar resultado, e o 5º dedo (mínimo) estava até a piorar, mandou interromper as sessões de fisioterapia.
36º E aconselhou a Autora a ser operada à mão esquerda.
39º (…) A Autora deslocou-se por duas vezes ao Hospital, em Braga
41º Tendo optado por ir ao Hospital de Coimbra. G. A Autora foi atendida neste HOSPITAL, no dia 26.02.2010, em consulta com o Dr. P. M.. H. Apenas nesta consulta foi detectada a lesão nos tendões da Autora.
42º Aí o Dr. P. M., após ter observado a Autora, diagnosticou que a mesma padecia de sequela de uma ferida palmar do 5º dedo, na zona II, com flexo acentuado do dedo da mão esquerda.
43º O Dr. P. M. concluiu que o procedimento mais adequado à cura da Autora era proceder à reconstrução do flexor da mão. 44º Operação cirúrgica essa a que a Autora se submeteu em 16 de Março de 2010.
45º Tendo para o efeito a Autora sido internada no dia 15 e recebido alta no dia 18 de Março.
46º Passados 15 dias, a Autora tirou os pontos no CS.
49º Uma vez que a reconstrução do flexor não foi possível na primeira operação, na tentativa de corrigir a rigidez de que sofria na mão e reconstruir o flexor, a Autora foi novamente operada, no dia 06.07.2010, nos Hospital, em Coimbra.
50º Teve alta no dia 8 do mesmo mês.
52º No dia 30 de Agosto de 2010, como a mão esquerda da Autora se apresentava em concha, consultou o Dr. M. M., na clínica A.
53º Que a aconselhou a fazer mais sessões de fisioterapia.
54º O que fez desde Setembro de 2010 até fins de Outubro de 2010.
55º A Autora em 2 de Novembro de 2010 foi novamente operada nos Hospital, em Coimbra.
56º Onde esteve internada 1 dia.
57º Após a terceira operação a Autora tirou os pontos e continuou a fazer fisioterapia na Clínica A.
58º Em 27 de Abril de 2011 a Autora foi à consulta com o Dr. P. M. nos Hospital, em Coimbra
59º E este declarou-lhe que as sequelas da lesão estavam irreversíveis.
60º Não obstante os tratamentos e cirurgias a que se submeteu, a Autora ficou com uma sequela de lesão de tendões flexores na Zona II de Bunnel, do 5º dedo da mão esquerda.
61º Rigidez de IFD e IFP, com dedo na palma da mão – lesão de polia A4.
62º Sequelas essas que são irreversíveis.
63º E que foram provocadas pelo facto dos RR. não terem feito qualquer tratamento aos tendões quando a atenderam.
64º Tais sequelas determinam para a Autora uma IPP de 3 %. 65º Actualmente, a Autora, por causa das sequelas de que ficou a padecer, ficou impedida de executar algumas tarefas domésticas com a mão esquerda como segurar em batatas para descascar ou num naco de carne para cortar.
66º Permanecendo hoje com o dedo em extensão.
67º Ainda hoje a Autora sofre de graves dores na mão esquerda, tem grande dificuldade de flexão do 5º dedo dessa mão
68º E quando apoiada o facto descrito em 66, causa um transtorno estético.
69º Uma vez que o dedo está deformado e rígido
73º e 74º (parcialmente) Por causa dessas sequelas das lesões a Autora experimenta sentimentos de frustração, tristeza e angústia, complexos e tenta ocultar o dedo mínimo da mão esquerda.
75º (parcialmente) Durante os tratamentos e sessões de fisioterapia a que se submeteu, a Autora sentiu imensas dores, incómodos e desgostos.
76º As três intervenções cirúrgicas causaram-lhe stress, depressão, complexos e tristeza. I- Era aconselhável, na situação em que se encontrava a Autora, que se procedesse a um teste de funcionalidade dos dedos.
71º e 72º Se a lesão que a Autora sofreu tivesse sido detectada no dia 18 de Outubro 2008, nas urgências do Hospital Y, teria sido possível o seu tratamento e cura sem sequelas L. A Autora I. F. nasceu a 29 de Maio de 1976 – cfr. assento de nascimento de fls. 110.
80º À data do sinistro a Autora exercia, sem nenhum esforço, a profissão de escriturária.
81º Por conta da empresa “Mediação Imobiliária de F. F., lda”
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Em resumo, e conforme consta do(s) relatório(s) pericial(is) do IML, sofreu dores quantificáveis no grau 4 numa escala ascendente de sete graus.
Além disso, menciona-se, no relatório pericial, que a Autor sofreu um Dano estéticode grau 3 numa escala de 7 graus de gravidade”.
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Nos termos do art. 496º do CC, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais apenas se devem atender aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A gravidade a que faz alusão o preceito legal mede-se por um padrão objectivo, de normalidade, de bom senso prático, de criteriosa ponderação das realidades da vida, o que afastará, à partida, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais decorrentes de sensibilidades particularmente embotadas ou especialmente requintadas, ou seja anormais ou incomuns (37).
Por outro lado, ainda, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que, em face das circunstâncias concretas do caso, justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.
No caso em apreço, não existem dúvidas (que não se mostram, aliás, suscitadas por qualquer uma das partes, em particular pelos Réus) que as consequências dos actos médicos (negligentes) omitidos/ sinistro relativamente à Autora se revestem de especial gravidade, sendo, por isso, justificativas, portanto, do seu ressarcimento, a título de danos não patrimoniais.
O que está em discussão é a sua fixação em termos de quantitativo pecuniário.
Nesta matéria, em primeiro lugar, é de notar que, estando em causa a lesão de interesses imateriais (isto é que não atingem de forma directa ou imediata o património do lesado), o objectivo, em termos de ressarcimento, não é (nem pode ser), face à sua evidente impossibilidade, a reconstituição natural da situação anterior ao sinistro, ou, face à insusceptibilidade da sua avaliação pecuniária, a fixação de um montante pecuniário equivalente ao «mal» sofrido, mas será apenas atenuar, minorar ou, de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado.
Neste sentido, refere, ainda, o Prof. Antunes Varela (38), que “…ao lado dos danos pecuniariamente avaliáveis, há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.”.
Na verdade, o dano não patrimonial pode assumir vários modos de expressão: o chamado quantum doloris, que se reporta às dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos (nele se considerando a extensão e a gravidade das lesões, e a complexidade do seu tratamento clínico); o dano estético, prejuízo anátomo-funcional e que se refere às deformidades e aleijões que perduraram para além do processo de tratamento e recuperação da vítima; o prejuízo de distracção ou passatempo, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, como a renúncia a actividades extraprofissionais, desportivas ou artísticas; o prejuízo de afirmação social, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra da «alegria de viver»; o prejuízo da saúde geral e da longevidade, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o prejuízo juvenil, que afecta os sinistrados muito jovens que ficam privados das alegrias próprias da sua idade; o prejuízo sexual, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; e o prejuízo da auto-suficiência, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária (39).
Assim, nestas hipóteses, o que está em causa é a fixação de um benefício material/pecuniário (único possível) que se traduza, pelas utilidades, prazeres ou distracções que proporciona - porventura, de ordem espiritual -, numa compensação ou atenuação pelos bens imateriais antes referidos da pessoa humana (o lesado), atingidos pelo evento.
Nesta conformidade, e como se salienta no AC STJ de 7.04.2016 (40), a compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, não pode – por definição – ser feita através da teoria ou fórmula da diferença prevista no art. 566º, n.º 2 do CC.
Ao invés, o montante da indemnização, nos termos do art. 496º, n.º 3 e 494º do CC, deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do lesante, à situação económica do lesante e do lesado, às demais circunstâncias do caso que se lhe afigurem relevantes, nomeadamente, por assim o imporem os princípios da proporcionalidade e igualdade, os critérios e valores usualmente acolhidos na jurisprudência em casos similares (41).
Com efeito, como se refere no AC STJ de 18.06.2015 (42), “…não podendo apurar-se o valor exacto de tais danos, atenta a sua natureza, o respectivo montante deverá ser fixado pelo tribunal segundo critérios de equidade (…), fazendo apelo a todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (…) e tendo em atenção a extensão e gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso.”
E, ainda, prossegue o referido douto aresto, “…nos parâmetros gerais a ter em conta considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Abril de 2012 (proc. n.º 3046/09.0TBFIG.S1, acessível em www.dgsi.pt) serem ainda de destacar a nossa […] nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar…“.
No entanto, como se adverte no AC STJ de 17.12.2015 (e nos variadíssimos arestos ali elencados que tem conhecido desta matéria e que nos escusamos aqui a repetir), a utilização de critérios de equidade não deve impedir que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias de cada caso concreto.
Por outro lado, ainda, é de referir que, conforme se colhe da mesma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o recurso à equidade não pode, nem deve conduzir à arbitrariedade, não devendo os tribunais “…contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito civil que a afirmação destes vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição…” (43).
Por último, é ainda de referir, nesta sede, que à obrigação indemnizatória, a título de danos não patrimoniais, se deve reconhecer, não só um papel de reparação ou compensação, mas também um papel de censura ou punitivo do agente do facto lesivo. Com efeito, como se refere no AC STJ de 30.10.96, BMJ 460º, 444 (referido no AC STJ de 26.01.2016) “…no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização tem uma natureza acentuadamente mista, pois visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada, não lhe sendo, porém, estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente…”.
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Aqui chegados, importa aplicar estes critérios legais ao caso concreto, e verificar, nomeadamente, se o Tribunal de Primeira Instância se ateve, na fixação da indemnização que atribui a título de danos não patrimoniais, a estes critérios.
Ora, ponderada toda a factualidade atrás respigada, tendo presente o regime jurídico que previamente se expôs, e os valores que a jurisprudência vem atribuindo mais recentemente em casos de similar nível de gravidade ou em casos de maior gravidade em termos comparativos com o dos autos, tem que se concluir que é mais adequada, no caso concreto, atribuir a quantia de 20.000 € (vinte mil euros) quantia que corresponde ao montante equitativo mais proporcional aos danos não patrimoniais sofridos pela Autora, dentro dos critérios assinalados pelos arts. 496º e 494º do CC (44).
Nesta ponderação não se pode de deixar de concordar que o presente caso merece, em termos de atribuição de indemnização a este título, uma ponderação ligeiramente inferior, porque, efectivamente, não nos podemos esquecer que a intervenção médica negligentemente oferecida à Autora pelo Réu Dr. F. L. (e pela Ré SCM) ocorreu na sequência de um anterior acidente doméstico de que foi vítima a Autora e que, obviamente, contribui para as lesões, dores e sofrimento de que aquela veio a padecer.
Trata-se de uma circunstância especial do presente caso que se julga dever aqui ser ponderada no sentido de reduzir o quantitativo compensatório que aqui deve ser fixado.
Já quanto aos demais factores evidenciados pelos Recorrentes, julga-se que os mesmos foram já devidamente ponderados na decisão recorrida.
Assim, sem prejuízo de aqui também se valorizar essa factualidade, a verdade é que, tendo em consideração os valores que vêm sendo atribuídos em casos semelhantes (v. nota), tal ponderação apenas pode permitir que a indemnização a atribuir atinja o valor de 20.000 €, sendo, a nosso ver, excessiva a valoração efectuada pelo Tribunal Recorrido.
Para essa conclusão contribui também o facto de:
- se ter apurado um défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos (em 100).
- as sequelas serem compatíveis com o exercício da actividade habitual da Autora, mas implicam esforços suplementares;
-o quantum doloris ter sido fixado no grau 4 numa escala de 7 graus;
-e o dano estético no grau 3 numa escala de 7 graus.
Nesta conformidade, e ponderando globalmente todos estes factores, julga-se, assim, efectivamente, que a quantia de 20.000 € (vinte mil euros) é aquantia que corresponde ao montante equitativo mais proporcional e adequado aos danos não patrimoniais sofridos pela Autora, dentro dos critérios assinalados pelos arts. 496º e 494º do CC
Julga-se, pois, procedente o Recurso dos Réus, nesta parte.
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Em conclusão, revoga-se parcialmente a decisão recorrida, e alteram-se as seguintes parcelas indemnizatórias:
- € 9.000 (nove mil quinhentos euros), a título de danos patrimoniais futuros (perda da capacidade de ganho).
- e € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos não patrimoniais, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida.
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Finalmente, uma última palavra, para a pretensão dos Recorrentes relativa à responsabilização da Ré Seguradora.
Entendem os Recorrentes que
“ 99º A cláusula quanto à “Validade Temporal” do seguro prevê dois prazos distintos. 100ª- Um prazo relativo à “responsabilidade civil profissional” e outro relativo à “responsabilidade civil exploração”. 101ª- Se é certo que as “consequências” que não sejam reclamadas ao Segurado ou à Seguradora a título de “responsabilidade civil profissional” no prazo máximo de um ano, contado da ocorrência, são excluídas da cobertura do seguro, a verdade é que relativamente à “responsabilidade civil exploração” o seguro cobre os riscos das reclamações feitas durante o período de vigência da Apólice. 102ª- Ora, a Ré SCM é demandada na presente acção na sua qualidade de proprietária e exploradora do Hospital Y, no qual a Autora foi atendida no serviço de urgência. 103ª- Nesta sua qualidade, a Ré, SCM tinha a sua “responsabilidade civil exploração” transferida para a seguradora Chamada, que garantia as reclamações durante o período de vigência da Apólice em consequência de eventos ocorridos durante esse mesmo período. 104ª- Da análise das condições particulares da apólice de seguro em causa, junta como Documento nº 1 da sua contestação, facilmente se verifica que a apólice vigora desde 01.01.2004, pelo período de “um ano e seguintes” com a última alteração em 19.01.2011. 105ª- Assim, tendo a acção sido intentada em 05/Setembro/2011, (nono mês após a renovação da apólice) a referida apólice cobria os riscos que a Ré corria com a exploração do Hospital Y, pelo que, contrariamente ao decidido, existia um seguro plenamente válido, que responsabiliza a Companhia de Seguros A, pela eventual condenação da Ré SCM, pelo que a douta sentença deverá ser revogada quanto à decisão que absolveu a Chamada Companhia de Seguros A.”
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Com interesse para o que aqui se discute, importa dizer que a Ré Seguradora nas suas contra-alegações veio defender, por seu lado, que:
“Com o devido respeito, nunca um recurso, neste particular, teve tão pouca razão de ser. Chega a ser impressionante a falta de razão dos demandados recorrentes.
(…) Daí que a censura do recurso, neste particular, se revele algo, no mínimo, incompreensível.
Relembremos quais as coberturas de um seguro de responsabilidade civil exploração.
O seguro de responsabilidade civil exploração é um seguro que se destina a salvaguardar o risco relacionado com o aspecto estático da empresa, ou seja, com as instalações da empresa (terrenos, edifícios e equipamentos) e o risco relacionado com o aspecto dinâmico da empresa, ou seja, com a actividade da empresa propriamente dita, decorrente da produção de bens, da execução de trabalhos, da prestação de serviços, das actividades acessórias e complementares (cantinas, parques de estacionamento, armazéns, etc.).
Por sua vez, o seguro de responsabilidade civil profissional é um seguro que garante a cobertura de capital pelos prejuízos causados a terceiros por erros, omissões ou negligência no exercício da actividade profissional, sempre que estes resultem em pedidos de indemnização.
Ora, a Douta Sentença assenta, sem margem para dúvidas, na responsabilidade civil profissional, quer do médico que assistiu a demandante, quer do hospital para o qual esse médico trabalhava, ou prestava serviço.
(…) Pelo exposto, a demandada Irmandade da SCM é demandada, e condenada, pela responsabilidade civil profissional de um dos seus colaboradores.
(…) Deverão, assim, ser julgadas improcedentes as Conclusões nºs 97º a 105º, inclusive, todas do recurso apresentado pelos demandados recorrentes.
NESTES TERMOS, e nos melhores de direito aplicáveis, que V. Exªs doutamente suprirão, mantendo a absolvição da interveniente, deve o recurso dos demandados recorrentes ser julgado improcedente”
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Cumpre decidir.
Com pertinência para o que aqui discute pode-se respigar a seguinte matéria de facto provada: M. A SCM na qualidade de proprietária, que é, do Hospital Y, celebrou com a Companhia de Seguros A S. A., contrato de seguro, através da apólice nº 0001060..., pelo qual transferiu para a referida seguradora a responsabilidade civil profissional do seu corpo clínico – cfr. doc. de fls. 125 e ss com o capital de 500.000,00 euros.
- consta da cláusula 2ª (objecto do seguro/ âmbito de cobertura) o seguinte:
“2- Em conformidade com o disposto no ponto anterior, a Seguradora garante o pagamento das indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Proponente, em consequência de danos patrimoniais e/ou não patrimoniais decorrentes exclusivamente de lesões materiais ou corporais causadas involuntariamente a pacientes ou a terceiros em geral, em consequência das circunstâncias a seguir descritas:
a) na sua qualidade de proprietário, arrendatário ou usufrutuário de móvel destinado à actividade do hospital;
b) pelo mobiliário ou outros equipamentos existentes no imóvel afecto à actividade do segurado;
c) pela utilização de material de uso médico, incluindo aparelhos de raio x desde que utilizados exclusivamente para diagnóstico, excluindo no entanto, danos genéticos;
d) por danos resultantes da queda total ou parcial de tabuletas, anúncios luminosos e toldos;
e) Fica ainda garantida a responsabilidade civil profissional do corpo clínico (médicos, paramédicos e enfermeiros) que compõem o quadro próprio do estabelecimento de saúde, seja a relação laboral titulada por contrato de trabalho, sem termo, a termo ou outro, enquanto exerça actividade em nome e ao serviço do segurado;
(…). N. Consta da cláusula inserta nessa apólice sob a epígrafe “Validade Temporal”:
«Responsabilidade Civil Exploração:
A garantia concedida pelo presente contrato, só cobre as reclamações feitas durante o período de vigência da Apólice, em consequência de eventos ocorridos durante esse mesmo período.
Responsabilidade Civil Profissional:
A cobertura deste contrato garante os danos ocorridos durante o período de vigência da apólice por erros profissionais cometidos durante esse mesmo período, cujas consequências sejam reclamadas ao Segurado ou à Seguradora até ao prazo máximo de um ano a contar da ocorrência.»
O. Consta ainda da cláusula inserta nessa apólice sob a epígrafe “Franquias”:
«Responsabilidade Civil Exploração:
10% do valor de cada sinistro indemnizável, no mínimo de € 500,00.
Responsabilidade Civil Profissional:
10% do valor de cada sinistro indemnizável, no mínimo de € 1.500,00.»
*
Importa aqui estabelecer a distinção entre o âmbito de cobertura da responsabilidade civil transferida para a Ré Segurado por força de cada uma das citadas cláusulas.
Na verdade, na cláusula 2ª, als. a) a d) do contrato de seguro prevê-se a transferência da chamada responsabilidade civil exploração que é um seguro que se destina a salvaguardar o risco relacionado com o aspecto estático da empresa, ou seja, com as instalações da empresa (terrenos, edifícios e equipamentos) e o risco relacionado com o aspecto dinâmico da empresa, ou seja, com a actividade da empresa propriamente dita, decorrente da produção de bens, da execução de trabalhos, da prestação de serviços, das actividades acessórias e complementares (cantinas, parques de estacionamento, armazéns, etc.).
Já na cláusula e) prevê-se o seguro de responsabilidade civil profissional que é um seguro que garante a cobertura de capital pelos prejuízos causados a terceiros por erros, omissões ou negligência no exercício da actividade profissional, sempre que estes resultem em pedidos de indemnização.
Ora, no caso concreto, tendo em conta a factualidade dada como provada (e a causa de pedir definida pela Autora na petição inicial) é inequívoco que apenas está “em jogo” esta última cobertura do Seguro.
Na verdade, a responsabilidade civil médica aqui imputada aos RR. não decorre de qualquer uma das circunstâncias previstas nas als. a) a d) da citada cláusula contratual onde se previa o âmbito de cobertura atinente à responsabilidade civil de exploração do estabelecimento hospitalar pertencente à Ré.
Mas sim, como se julga ser fácil de entender, tendo em conta o teor das cláusulas acima transcritas, da responsabilidade civil profissional (do Réu médico).
Nessa medida, bem andou o Tribunal Recorrido em não atender ao prazo de validade de vigência do contrato de seguro estabelecido para o âmbito de cobertura do Seguro de responsabilidade civil exploração- cfr. cl. 2ª, al. e) e cláusula da “Validade temporal”.
Tanto basta para julgar improcedente a argumentação dos Recorrentes.
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III- DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
-o Recurso interposto pelos RR/Recorrentes parcialmente procedente, e, em consequência, decide-se alterar a decisão nos seguintes termos:
1) Condenar os RR. Hospital X e F. L., solidariamente, a pagar à Autora: a)- a quantia de 2.316,66 euros referentes a danos patrimoniais acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação e até efectivo pagamento b)- a quantia global de 29.000,00 (vinte e nove mil euros) referente a dano biológico (9,000 euros) e danos não patrimoniais (20.000,00 euros) acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data desta sentença e até efectivo pagamento. c) Relegar para ulterior liquidação o montante referente às perdas salariais sofridas pela Autora no período de baixa médica que decorreu entre Março de 2010 e Fevereiro de 2011. 2) Do mais peticionado, vão os RR absolvidos. 3) Vai ainda totalmente absolvida a Ré P. F. e Interveniente principal Companhia de Seguros A S. A..
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Custas pelos Recorrentes e pela Recorrida/Autora na proporção de 3/4 e 1/4, respectivamente (artigo 527.º nº 1 do CPC);
*
Guimarães, 2 de Novembro de 2017
(Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha)
(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)
(Dr. José Alberto Moreira Dias)
1. Poder-se-ia aqui pensar em entender que os Recorrentes estariam a apresentar uma questão nova insusceptível de ser apreciada em sede de recurso. No entanto, tratando-se de uma questão de alteração da qualificação jurídica dos factos, sempre o presente Tribunal poderia efectuar essa ponderação, de uma forma oficiosa, ao abrigo do disposto no art. 5º, nº 3 do CPC. 2. Sinde Monteiro e Figueiredo Dias, in “Responsabilidade médica em Portugal “, Bmj 332 , pág. 40. 3. V. sobre os entendimentos históricos do enquadramento jurídico da intervenção médica a nível penal e civil, BMJ-Janeiro de 1984, pág.67 e ss e Estudos de António Silva Henriques Gaspar - in CJ - Ano III – 1978 - Tomo I, pág. 335 e ss e Álvaro da Cunha Rodrigues - Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos - In Direito e Justiça - Volume XIV, tomo 3-2000. No mesmo sentido, v. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA., in “Os Contratos Civis de prestação de serviço médico” , in Direito da Saúde e da Bioética , AAFDL “., quando refere que , «a responsabilidade delitual constitui meio exclusivo, quando contrato não haja, e concorre com a responsabilidade contratual, quando o médico viola um direito subjectivo absoluto incidente sobre a vida ou a saúde do paciente». Porém, «a violação de outros direitos, designadamente de natureza patrimonial, só é ressarcível em sede contratual») 4. (relator: Rui Vouga), in Dgsi.pt. 5. V. Freitas do Amaral, «Natureza da Responsabilidade Civil por Actos Médicos Praticados em Estabelecimentos de Saúde», in Direito da Saúde e Bioética, págs. 123, ss.; e Guilherme de Oliveira, in RLJ, Ano 125, p. 34. 6. V. por exemplo, o ac. da RP de 11.9.2012 (relator: Maria Cecília Agante), in Dgsi.pt 7. Ac. da RL de 24.4.2007 (relator: Rui Vouga), in Dgsi.pt. 8. De qualquer modo, importa atender que sem prejuízo do referido ónus da prova do pressuposto culpa recair, nesta sede, sobre o lesado, sempre se terá que ponderar a hipótese de se poderem extrair dos factos provados presunções judiciais ou naturais. V. neste sentido, por exemplo, o ac. da RL de 16.5.2013 (relator: Pedro Martins), in dgsi.pt onde se concluiu:” Provado (pelo lesado, como lhe competia) o nexo de causalidade (ainda no plano naturalístico) entre uma intervenção cirúrgica e as lesões sobrevindas em nervos da autora (que não eram objecto daquela operação), presume-se, natural ou judicialmente, que a intervenção não foi feita com o cuidado devido e que tal se deveu a culpa do cirurgião, cabendo a este ou provar que as lesões provocadas não tiveram nada a ver com uma actuação deficiente (afastando a ilicitude), ou que conformou a sua conduta à de um cirurgião medianamente diligente e prudente, colocado nas mesmas circunstâncias (afastando a culpa).” 9. In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 139-140; 10. In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133; 11. Vide, neste sentido, por todos, A. Geraldes, págs. 141. 12. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133; 13. v. Ac. do Stj de 24.9.2013 (relator: Azevedo Ramos) publicado na DGSI e comentado por Teixeira de Sousa, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 44, págs. 29 e ss.; 14. Pode inclusivamente, verificados determinados requisitos, ordenar a renovação da prova (art. 662º, nº2, al a) do CPC) e ordenar a produção de novos meios de prova (al b)); 15. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “; 16. De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”- Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273). 17. Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348. 18. Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt. 19. Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt. 20. Segundo Ana Luísa Geraldes, in “ Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto” (nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas) Vol. I, pág. 609 “ Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte… “; no mesmo sentido, v. Miguel Teixeira de Sousa, in “Blog IPPC” (jurisprudência 623- anotação ao ac. da RC de 7/2/2017) onde refere: “É verdade que os elementos de que a Relação dispõe não coincidem -- nomeadamente, em termos de imediação -- com aqueles que a 1.ª instância tinha ao dispor para formar a convicção sobre a prova do facto. No entanto, isso não significa que, como, aliás, o STJ tem unanimemente entendido, nem que a Relação esteja dispensada de formar uma convicção própria sobre a prova do facto, nem que funcione uma presunção de correcção da decisão recorrida. Importa, pois, verificar quais os elementos que devem ser considerados pela Relação para a formação da sua convicção sobre a prova produzida. Quanto a estes elementos, há uma diferença entre a 1.ª instância e a Relação: a 1.ª instância apenas dispõe dos meios de prova; a Relação dispõe daqueles meios e ainda da decisão da 1.ª instância. Como é claro, esta decisão, cuja correcção incumbe à Relação controlar, não pode ser ignorada por esta 2.ª instância. É neste sentido que se pode afirmar que, no juízo sobre a confirmação ou a revogação da decisão da 1.ª instância, a Relação pode utilizar um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação. Correspondentemente, a decisão deve ser revogada se a mesma se situar fora desta margem.”; 21. In Dgsi.pt; 22. Cfr., referem entre outros, o Ac. do STJ de 02.10.2003 in www.dgsi.pt e Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 573. Ainda, no sentido de que os simples esclarecimentos ou afirmações que não possam valer como confissão podem valer como elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do Tribunal, podem ver-se, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 387, Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 248, Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. II, pág. 211 e os Acs. do STJ, todos disponíveis in www.dgsi.pt, de 5.11.2008, de 21.01.2009, 10.12.2009, e de 20.01.2004; 23. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in “CPC anotado”, Vol. II, pág. 307. 24. “CPC anotado”, Vol. II, pág. 309. No mesmo sentido, Lebre de Freitas, in “A acção declarativa comum à luz do CPC de 2013”, pág. 278 “… importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outras não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas…”. 25. “Declarações de Parte”, p. 58 26. In Dgsi.pt (relator: Pedro Martins). V., no mesmo sentido, o ac. da RE de 6.10.2016 (relator: Tomé Ramião), in dgss.pt que mereceu alguma precisão terminológica por parte do Prof. Teixeira de Sousa, in “Declarações de parte; relevância probatória; graus de prova”, anotação -Jurisprudência 536, no Blog IPCC, disponível na Internet. Em sentido diferente, Luís Filipe Pires de Sousa, in “ As declarações de parte. Uma síntese.”, disponível na internet, dizendo, em síntese, que “: (i) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (ii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente. Em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação”. 27. v. o ac. da RC de 20.10.1978, in Cj t. 4, pág.1166 28. Conforme se pode ler no Ac. do STJ, datado de 4-3-2008, in CJ, 2008, T. 1, pág. 134, “na actividade médica, na prática do acto médico, tenha ele natureza contratual ou extracontratual, um denominador comum é insofismável – a exigência de prestação que observe os deveres gerais de cuidado”. 29. As chamadas «leges artis» que são aqui entendidas como o conjunto de regras da arte médica, isto é, das regras reconhecidas pela ciência médica em geral como as apropriadas à abordagem de um determinado caso clínico, na concreta situação em que tal abordagem ocorre (neste sentido, os Acs do STJ de 27.11.2007 e da RP de 20.07.2006 e de 11.09.2012, disponíveis in Dgsi.pt. 30. Citado por Antunes Varela/ Pires de Lima, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 578. 31. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”., pág. 862-865 32. Antunes Varela/ Pires de Lima, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 579. 33. V. neste sentido, os Acs. do STJ de 22.05.2003 e de 18.09.2007, in dgsi.pt. 34. In CJ do Stj T II, pág. 138. 35. Cfr. Vaz Serra, in Bmj nº 84, pág. 253 e acs. Do Stj de 18/1/79, 8/5/86, 15/5/86 in respectivamente Bmj 283, pág. 275; e 357, pág. 396 e 412. Mais recentemente, v. os acs. da RP de 14.07.2010 (relator: Maria Eiró) e do Stj de 7.2.2013 (relator: Maria dos Prazeres Beleza), in Dgsi.pt. 36. “…A jurisprudência dominante tem-se firmado no sentido de a indemnização dever ser calculada em atenção ao tempo provável de vida do lesado, por forma a representar um capital que, com os rendimentos gerados e com a participação do próprio capital, compense, até ao esgotamento, o lesado dos ganhos do trabalho que, durante esse tempo, perdeu (acórdãos de 17.2.92, BMJ, nº 420-414, de 31.3.93, BMJ, nº 425-544, de 8.6.93, CJ-STJ, ano I, tomo II, p. 138, de 11.10.94, CJ-STJ, ano II, tomo II, p. 89, de 12.6.97, Proc. nº 95/97, de 6.10.98, Proc. nº 728/98, e de 3.12.98, Proc. nº 892/98). A esta orientação jurisprudencial subjaz o propósito de assegurar ao lesado o rendimento mensal perdido, compensador da sua incapacidade para o trabalho, encontrando para tanto um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante todo o período de vida activa.--- Não obstante, reconhece-se que nenhum dos critérios que vêm sendo propostos é infalível, pelo que deverão ser tratados como meros instrumentos de trabalho com vista à obtenção da justa indemnização, justificando-se, assim, que o seu uso seja temperado com um juízo de equidade, nos termos do nº 3 do artigo 566º do CC (acórdãos de 5.5.94, CJSTJ, ano I, tomo II, p. 86, de 11.10.94, de 28.9.95, CJSTJ, ano 1995, tomo 3, p. 36, de 21.11.96, Proc. nº 291/96, de 25.11.98, Proc. nº 443/98, e de 15.12.98, Proc. nº 827/98).--- (…) Desde logo, há que considerar que o recebimento imediato da totalidade do capital indemnizatório poderá, se não sofrer qualquer correcção, propiciar um enriquecimento injustificado à custa do lesante - Ac. S.T.J. de 16/03/99, C.J., Ac. S.T.J., Ano VII, Tomo I, pag. 167, maxime a fls. 169. Importa ainda levar em conta (e tal é realçado no Acórdão do STJ de 5/07/07, in www.dgsi.pt não ser razoável ficcionar que ao final da vida activa do lesado corresponde o desaparecimento da vida física e com ela todas as necessidades, pelo que sem embargo de se aceitar que aos 65 anos termine a vida laboral activa, deverá considerar-se a idade que hoje corresponde à esperança de vida dos portugueses do sexo feminino (já superior a oitenta anos). No critério que usaremos atenderemos assim a que a esperança de vida dos portugueses do sexo feminino é, pelo menos, de 80 anos e que a autora, com 56 anos de idade – nascida em Março de 1957 –, tinha à sua frente, desde a data do acidente 24 anos de esperança de vida. Atenderemos também ao facto de a autora, à data do evento lesivo, se dedicar às lides domésticas na sua própria habitação.--- Partiremos da taxa de juro de 4% (em termos de prognose realizada neste momento pode considerar-se que as taxas de juros se venham a estabilizar até próximo dos 4% - líquidos - que se trata de um critério meramente orientador), considerando-se o valor de global 2,00% para a inflação e para correcção relativa a ganhos de produtividade e progressão na carreira. Não se considerará relevante o fenómeno de deflação próprio de épocas de crise económica que se acredita transitório e reversível… “. V. ainda, no mesmo sentido, o recente ac. do Stj de 30.3.2017 (relator: Olindo Geraldes), in dgsi.pt. 37. Vide, neste sentido, por todos, Prof. Antunes Varela, “ Das Obrigações em Geral ”, I volume, pág. 576; 38. “ Das Obrigações em Geral ”, I volume, 6ª edição, pág. 571; 39. V. Ac. da RG, de 10.10.2013 (relator: Helena Melo), in dgsi.pt. 40. In Dgsi.pt; 41. Vide, neste sentido, AC STJ de 28.01.2016, (relator Maria Graça Trigo), AC STJ de 26.01.2016 (relator: Fonseca Ramos), AC STJ de 1.01.2016, (relator: Lopes do Rego), AC STJ de 17.12.2015, (relator Maria Beleza), ou, ainda, AC STJ de 18.06.2015, (relator Fernanda Isabel Pereira), disponíveis in www.dgsi.pt. 42. In Dgsi.pt 43. Vide, por todos, neste sentido, AC do STJ de 31.01.2012 (relator Nuno Cameira), AC STJ de 31.05.2012 (relator Maria Beleza), além dos citados AC STJ de 7.04.2016, AC STJ de 17.12.2015 e AC STJ de 18.06.2015, disponíveis in dgsi.pt. 44. Tiveram-se, por exemplo, em consideração os valores jurisprudenciais que têm vindo a ser fixados recentemente nos tribunais superiores: por Ex no ac. RP 21.9.2010: grau 5 (12.000 €); no Ac. do Stj de 17-11-2005, em www.dgsi.pt - € 10.000 por danos sofridos por uma enfermeira de profissão no início da carreira, que ficou afectada de incapacidade geral permanente de 5%, tendo sofrido abalo psicológico, angústia e ansiedade, intervenção cirúrgica, dores, inclusive nas mandíbulas, ainda subsistentes ao mastigar alimentos duros, arrepios e sensação de insegurança, e que ficou com cicatrizes no lábio e no queixo inferiores, o que lhe altera a fisionomia e a desfeia em grau 2 numa escala de 0 a 7; no ac. RP de 23.2.2010: ”… Prevendo a lei que a indemnização por danos não patrimoniais seja fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias do caso concreto e os valores fixados pela jurisprudência em situações semelhantes (arts. 496.°, n.° 3, e 8.°, n.° 3, do Código Civil), a quantia de 12.500,00€ mostra-se proporcionalmente ajustada a compensar os danos não patrimoniais sofridos pela lesada, que tinha à data 41 anos de idade e sofreu um quadro lesivo caracterizado por luxação do ombro direito com limitação da mobilidade entre os 90º e os 110º, um quantum doloris avaliado no grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade ascendente, 3 consultas hospitalares, tratamentos de fisioterapia por período não inferior a 2,5 meses e IPG de 1O%, que lhe exige maior esforço do braço esquerdo para desenvolver as mesmas tarefas que antes fazia… “;ac. da RP 14.7.2010 (relator: João Proença)”… Demonstrou-se que o A. sofreu fractura segmentar dos ossos da perna direita, apresenta sequelas permanentes no membro inferior direito que lhe provocam rigidez e dores matinais e dores residuais do joelho e tornozelo direito, ao deslocar-se e quando faz esforços, causando-lhe uma incapacidade parcial permanente geral de 8%. Evidencia ainda cicatrizes cirúrgicas e de escoriações naquelas regiões, de comprimento compreendido entre 3 e 6 cm de largura, que provocam dano estético quantificável com grau 1, na escala de 1 a 7. Sofreu ainda dores intensas, que persistem com as mudanças climatéricas, e mudança de humor em consequência do acidente, tendo sido, por isso, seriamente atingido no seu bem estar psico-físico, devendo ser fixada em € 15.000 a indemnização pelos danos não patrimoniais…”;