PROCESSO URGENTE
COMPROVATIVO
PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO
JUSTIFICAÇÃO PARA A APRESENTAÇÃO
Sumário

I - Embora a lei não enumere as situações de urgência que justificam a recepção da petição inicial com a simples comprovação de haver sido requerido o pedido de apoio judiciário, as situações de urgência deverão ser aferidas pelos efeitos da citação.
II - A citação é urgente quando obste à preclusão do direito que com ela se visa acautelar.

Texto Integral

Proc. nº 129/12.2TBCDR.P1
Castro Daire

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Recorrentes: B… e mulher, C….
Recorrida: D…, S.A.

1. No Tribunal Judicial de Castro Daire B… e mulher, C… intentaram contra D…, S.A., a presente acção especial de prestação de contas.
Sem prejuízo na sua essência, alegaram:
Haver celebrado com a requerida, respectivamente em 19/5/98 e 7/12/2004, dois contratos de mútuo nos montantes de esc. 12.000.000$00 (€ 59.855,00) e de € 39.000,00, ambos garantidos por hipoteca.
Por apenso à execução com o nº 397/04.3TBCDR que, contra si, correu no Tribunal Judicial de Castro Daire, a requerida reclamou créditos no montante de € 46.780,41 e de € 37.550,07 e foi-lhe adjudicada, pelo valor de € 76.750,00, a casa de habitação dos requerentes, objecto da hipoteca.
Com esta adjudicação a requerida ficou ressarcida de todo o (...) crédito reclamado, mas os requerentes continuaram a pagar várias prestações dos empréstimos que aquela, apesar de já se encontrar totalmente paga, foi recebendo.
Assim, como os requerentes não sabem quanto pagaram a mais, pretendem que a requerida preste contas de todas as quantias que recebeu deles.
Entretanto, a requerida intentou uma execução para a entrega do imóvel que lhe foi adjudicado e os requerentes pretendem requerer a suspensão da instância executiva até à decisão final da presente acção, onde se deve apurar “se os AA são devedores ou credores da Ré”.
Concluíram pedindo a citação da requerida para prestar contas e requereram a final:
Devido à urgência que têm em pedir a suspensão da instância daqueles autos de execução (…), em virtude de terem sido notificados para entregar no prazo de 10 dias a casa de habitação adjudicada à R., requerem que se proceda à citação desta sem lhes ter sido ainda concedido a protecção jurídica, a qual foi requerida, conforme se vê dos documentos que juntam.
Juntaram à petição inicial documentos comprovativos de haverem requerido apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

2. Sobre a petição recaiu o seguinte despacho:
“Compulsados os autos verifica-se que os autores acompanharam a petição inicial com o comprovativo da entrega de requerimentos para protecção jurídica no Centro Distrital de Segurança Social de Viseu – Serviço Local de Castro Daire (cf. fls. 12 e 14).
Nos termos do disposto nos artigos 463.º, n.º 1 e 467.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.
O documento comprovativo da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça, não se confunde com o documento comprovativo da apresentação do respectivo requerimento junto dos serviços da Segurança Social, cuja junção apenas é admitida nas situações previstas no artigo 467.º, n.º 5 do Código de Processo Civil ou com a apresentação de contestação, nos termos do artigo 486.º-A, n.os 1 e 2 do mesmo Código.
Invocam os autores uma situação de urgência porque têm de pedir a suspensão da instância da execução n.º 397/04.3TBCDR, na qual alegam ter sido determinada a entrega de um imóvel à ré, a quem foi adjudicado, tendo os autores continuado a pagar prestações relativo ao empréstimo cujo incumprimento originou aquela execução, estando a ré ressarcida de todo o seu crédito.
Independentemente das contas que os autores pretendam ver esclarecidas pela ré, não se detecta qualquer fundamento para a suspensão da instância executiva a que aqueles se referem decorrente da instauração da presente acção e, nessa medida, qualquer razão de urgência para admitir a presente petição sem o cumprimento da obrigação de apresentar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.
Com efeito, e sem entrar na apreciação do mérito da presente acção, são os autores que alegam que a habitação foi adjudicada à ré no referido processo de execução, decorrendo já as diligências para a sua entrega coerciva, o que leva a concluir que as decisões judiciais em causa terão já transitado em julgado, não tendo a instauração ou mesmo a procedência da presente acção especial a virtualidade de fazer regressar aquela habitação à esfera jurídica dos autores, podendo, quando muito, dar origem ao apuramento de um saldo credor a favor dos autores, na relação jurídica que alegam manter com a ré (cf. artigo 1014.º do Código de Processo Civil).
Nestes termos, não se verificando uma razão de urgência atendível que justifique a citação urgente ou a apresentação da petição inicial acompanhada apenas do documento comprovativo do pedido de apoio judiciário requerido, mas ainda não concedido, nos termos dos artigos 467.º, n.º 5 e 478.º do Código de Processo Civil, determinam os artigos 474.º, al. f) do mesmo Código e 15.º-A da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, introduzido pela Portaria n.º 471/2010 de 8 de Julho, que a secretaria devia ter recusado o recebimento da petição inicial.
Não o tendo feito, suscitando-se de imediato a intervenção judicial, em face do alegado pelos autores na petição inicial, deverá procede-se agora ao desentranhamento da petição inicial (deixando-se cópia no seu lugar), de acordo com o procedimento previsto no artigo 15.º-A, n.º 4 da referida Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, sem prejuízo do benefício que lhes é concedido nos termos do artigo 476º do Código de Processo Civil.
Custas do incidente pelos autores, que se fixam em 1 UC (cf. artigo 7.º, n.os 4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais)
Notifique.”

3. É deste despacho que os requerentes interpuseram o presente recurso que concluíram assim:
“1 - Os recorrentes estavam em negociações com a recorrida para que esta lhes transferisse o direito de propriedade da casa de habitação para a qual tinham contraído um empréstimo;
2 – Tal casa de habitação foi adjudicada à recorrida na reclamação de créditos que efectuou na execução 397/04.3TBCDR;
3 – Apesar daquela adjudicação os recorrentes continuaram a pagar à recorrida a prestação mensal que tinham acordado e encetaram com ela negociações, para que o direito de propriedade lhes fosse transferido;
4 – Como não sabem quais as quantias que entregaram à recorrida, propuseram a presente prestação de contas, pedindo ao mesmo tempo a suspensão da instância daquela execução;
5 – Tal basta para que justificando a urgência da presente acção, com o pedido de suspensão da instância daquela execução, porquanto tinham sido notificados para a entrega da sua casa de habitação no prazo de 10 dias, conforme documento que juntaram.
6 – Perante este exíguo prazo de 10 dias viram-se obrigados a juntar comprovativo do requerimento de protecção jurídica, o que se reputa suficiente para justificar o não pagamento prévio da taxa de justiça, uma vez que a lei o prevê para questões urgentes, como é o caso presente.
7 – Violou, assim, o douto despacho recorrido as disposições no mesmo citadas e demais legislação aplicável.
Termos em que e nos melhores de direito, sempre com o Mui Douto suprimento de V. Exªs, deve ser revogado o douto despacho recorrido, ordenando-se o prosseguimento dos presentes autos, com a citação da recorrida e determinando-se a suspensão do pagamento das taxas de justiça até despacho da entidade administrativa competente, pois, assim se decidindo, se fará justiça.”
Não houve lugar a resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

4. Objecto do recurso.
Considerando as conclusões do recurso e o disposto nos artºs. 684º, nº3 e 685º-A, nº1, ambos do Código de Processo Civil, a única questão que reclama decisão consiste em determinar se a petição inicial deverá ser recebida com a simples comprovação de haver sido requerido o pedido de apoio judiciário.

5. Fundamentação.
5.1. Os factos.
Os factos a considerar são os referidos em 1.

5.2. O direito.
Todos os processos estão, em princípio, sujeito a custas e estas abrangem a taxa de justiça e os encargos (artºs 1º, nº1 e 3º, nº1, do Regulamento das Custas Processuais).
A excepção decorre do chamado sistema de acesso ao direito; carecendo a parte de insuficiência de meios económicos para exercer a defesa dos seus direitos, o Estado assegura-lhe o acesso aos tribunais, designadamente pela concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (artºs 1º, nº1 e 16º, nº1, al. a), da Lei nº 34/2004, de 29/7, alterada pela Lei nº 47/2007, de 28/8).
Por assim ser, a apresentação de uma qualquer petição em juízo deve ser acompanhada do comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão de apoio judiciário e a falta de ambos os documentos constitui motivo de recusa do recebimento da petição inicial, a exercitar pela secretaria e a sindicar pelo juiz do processo (artºs 474º, al. f) e 475º, ambos do Código de Processo Civil, CPC).
Procedimento que tem excepções. Sendo requerida a citação nos termos do artº 478º, faltando, à data da apresentação da petição em juízo, menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência, deve o autor apresentar documento comprovativo do pedido de apoio judiciário requerido mas ainda não concedido – artº 467º, nº5, do CPC.
O autor pode, assim, limitar-se a anexar à petição, documento comprovativo de haver requerido o apoio judiciário, sem que esta possa ser recusada, nos seguintes casos:
- se à data da sua apresentação em juízo faltar menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade (artº 331º, do CC);
- sendo requerida a citação com precedência da distribuição e o juiz considere justificada a precedência (artº 478º e 234º, nº4, al. f), ambos do CPC);
- ocorrendo outra situação de urgência.

É esta última que importa considerar, por ser a situação invocada pelos autores, importando, pois, determinar se ocorre, no caso, outra situação de urgência. A lei não enumera, é certo, as situações de urgência que justificam a recepção da petição inicial com a simples comprovação de haver sido requerido o pedido de apoio judiciário, mas um ponto temos por certo a situação de urgência reporta-se à citação e aos efeitos desta; ou seja, é urgente a citação quando o direito que com ela se visa acautelar decorra da sua efectivação ou, pelo menos, da sua atempada dedução em juízo; se a urgência a acautelar não depender da citação, a situação pode ser urgente, mas tal não significa que o seja a citação.
A citação tem efeitos substantivos e processuais; contam-se entre os primeiros, a cessação da boa fé do possuidor (artº 481º, al. a), do CPC), a interrupção da prescrição e, em certos casos, da caducidade (artº 323º, nº1, 1292º, e 2308º, todos do CC), a constituição do devedor em mora (artº 805º, nº1, do CC e 662º, nº2, al. b), do CPC) e traduzem-se os segundos, na estabilidade dos elementos subjectivos e objectivos da instância (artºs 481º, al. b) e 268º, ambos do CPC), a inadmissibilidade da propositura pelo réu de uma acção contra o autor com o mesmo objecto (artº 481º al. c), do CPC), a constituição da excepção da litispendência se o réu já tiver sido citado para outra acção idêntica (artº 499º, nº1, do CPC).
É o perigo de preclusão destes efeitos, mormente os substantivos, que a demora na concessão do apoio judiciário, já requerido, mas não deferido, poderia ocasionar que justifica a solução legal da recepção da petição sem o comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou da decisão que transfere para Comunidade tal encargo, por carência de meios do interessado.
Ora, os autores não identificam nenhum destes efeitos como justificativos da urgência que invocam e retiram esta duma alegada prejudicialidade entre a tramitação de uma acção executiva em que lhes foi determinada a entrega da casa de habitação e a citação nos presentes autos.
A urgência que invocam não é, assim, a urgência da citação, mas sim, como expressamente afirmam a “urgência que têm em pedir a suspensão da instância daqueles autos de execução”, ou seja, o que para si é urgente não é a citação nos presentes autos - com esta não visam acautelar a preclusão de um qualquer direito a exercer nestes - o que para si é urgente é a suspensão da instância dos autos de execução, a qual não decorre como efeito directo e imediato da citação que nestes requerem; dito de outro modo, ainda que a petição viesse a ser recebida nos termos que os autores preconizam, tal não significaria que obtivessem o resultado que visam, pela simples razão que mesmo reconhecendo-se-lhes a urgência da citação, a suspensão da instância executiva é uma questão diversa, cuja decisão implica a valoração de pressupostos diferentes e, como tal, independente da solução dos presentes autos.
Em suma, a pretensão formulada pelos autores pressupõe a urgência da citação e o fundamento que invocam não se reconduz a esta urgência e tanto basta para não se lhes reconhecer razão.

Ainda assim, e como se afirmou na decisão recorrida o processo especial de prestação de contas, cuja admissibilidade in casu se pressupõe por mera necessidade de raciocínio, destina-se a apurar e a aprovar as receitas obtidas e as despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que se venha a apurar (artº 1014º, do CPC) e pressupondo a suspensão da instância com fundamento na pendência de causa prejudicial, como pressupõe, que a decisão da causa a suspender esteja dependente do julgamento de outra já proposta (artº 279º, nº1, do CPC), não se vê como é que a eventual condenação no pagamento de um saldo que viesse a apurar-se nos presentes autos poderia condicionar, por deste depender, a entrega da casa de habitação ordenada numa acção executiva; ou seja, o motivo invocado pelos autores pela sua manifesta improcedência, não justificaria a recepção urgente da petição, ainda que fosse e como se viu não é, subsumível aos efeitos da citação.
Resta, pois, confirmar a decisão recorrida.

Sumário:
I – Embora a lei não enumere as situações de urgência que justificam a recepção da petição inicial com a simples comprovação de haver sido requerido o pedido de apoio judiciário, as situações de urgência deverão ser aferidas pelos efeitos da citação.
II – A citação é urgente quando obste à preclusão do direito que com ela se visa acautelar.

4. Decisão:
Delibera-se, pelo exposto, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.

Porto, 28/5/2013
Francisco José Rodrigues de Matos
Maria João Fontinha Areias Cardoso
Maria de Jesus Pereira