EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
CHEQUE
CHEQUE ASSINADO EM BRANCO
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I- Quem voluntariamente emite um título cambiário assinado e em branco, entregando-o a terceiro, dever suportar o risco inerente a essa actuação.
II- A assinatura aposta no cheque em branco e a sua posterior entrega a terceiro determinam para o signatário um vínculo jurídico, traduzido na manifestação de vontade de constituição da obrigação cambiária, completada, definida e quantificada com o preenchimento.
III- Tendo o portador imediato (aquele que recebeu o título directamente do subscritor – in casu, o pai da executada), informado o tomador (exequente) de que recebera autorização da executada para entregar um cheque por ela assinado e em branco, bem como para o preenchimento nos termos acordados entre este portador e o mandatário da exequente, o cheque tem plena validade e eficácia como título executivo.
IV- Tal como se conclui no acórdão uniformizador do STJ, de 14.05.1996, a questão deverá ser resolvida à luz dos princípios gerais consignados nos artigos 342.º e 343.º do Código Civil, dado que, sendo o preenchimento abusivo do cheque, segundo o artigo 13.º da LUC, motivo de oposição ao tomador, e tendo a procedência de tal oposição, como consequência, julgar-se o cheque nulo, extinguindo ou impedindo o direito de acção do tomador, materialmente, tal preenchimento tem a natureza de excepção peremptória, sendo certo que o facto de essa excepção dever ser invocada em processo de execução por meio de oposição não lhe retira ou altera essa natureza.
V- Decorre do exposto que recai sobre a executada, subscritora e emitente do cheque, o ónus de provar: que o portador imediato do título, seu pai, entregou o cheque contra a vontade da executada, com conhecimento desse facto por parte da exequente; ou que a exequente preencheu abusivamente o cheque, não respeitando o acordo celebrado com o portador imediato (pai da executada).

Texto Integral


Processo n.º 355/11.1TBPVZ-A.P1


Sumário do acórdão:
I. Quem voluntariamente emite um título cambiário assinado e em branco, entregando-o a terceiro, dever suportar o risco inerente a essa actuação.
II. A assinatura aposta no cheque em branco e a sua posterior entrega a terceiro determinam para o signatário um vínculo jurídico, traduzido na manifestação de vontade de constituição da obrigação cambiária, completada, definida e quantificada com o preenchimento.
III. Tendo o portador imediato (aquele que recebeu o título directamente do subscritor – in casu, o pai da executada), informado o tomador (exequente) de que recebera autorização da executada para entregar um cheque por ela assinado e em branco, bem como para o preenchimento nos termos acordados entre este portador e o mandatário da exequente, o cheque tem plena validade e eficácia como título executivo.
IV. Tal como se conclui no acórdão uniformizador do STJ, de 14.05.1996, a questão deverá ser resolvida à luz dos princípios gerais consignados nos artigos 342.º e 343.º do Código Civil, dado que, sendo o preenchimento abusivo do cheque, segundo o artigo 13.º da LUC, motivo de oposição ao tomador, e tendo a procedência de tal oposição, como consequência, julgar-se o cheque nulo, extinguindo ou impedindo o direito de acção do tomador, materialmente, tal preenchimento tem a natureza de excepção peremptória, sendo certo que o facto de essa excepção dever ser invocada em processo de execução por meio de oposição não lhe retira ou altera essa natureza.
V. Decorre do exposto que recai sobre a executada, subscritora e emitente do cheque, o ónus de provar: que o portador imediato do título, seu pai, entregou o cheque contra a vontade da executada, com conhecimento desse facto por parte da exequente; ou que a exequente preencheu abusivamente o cheque, não respeitando o acordo celebrado com o portador imediato (pai da executada).


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
B…., Lda, instaurou contra C…., a acção executiva comum para pagamento de quantia certa, que corre termos no Tribunal Judicial da Póvoa do Varzim com o n.º 355/11.1TBPVZ, apresentando como título executivo um cheque com o valor de € 5.010,17, alegando no requerimento executivo, em síntese: foi celebrado um acordo[1] no âmbito do processo n.º 2781/10.4TBPVZ; nos termos do referido acordo foi entregue o cheque ora dado à execução, que veio a ser devolvido por falta de provisão.
A executada C.... deduziu oposição à execução, requerendo que a mesma seja julgada extinta.
Alegou a executada/opoente, em síntese: a exequente não é portadora legítima do cheque dado à execução, que dele se apropriou de forma ilícita; também não celebrou qualquer negócio com a exequente, com base no qual fosse emitido o cheque que serve de título à presente execução e tão pouco assumiu a obrigação de pagamento de dívidas de terceiros para com a exequente, pelo que nada lhe deve uma vez que não preencheu nem emitiu o cheque a favor de D…., seu pai, com o valor de € 5.010,17 e com data de 2011/01/15; possui um estabelecimento comercial denominado “E….”, loja de venda ao público de artigos de tapeçaria e cortinados, sita na Rua …., nº …, na cidade da Póvoa de Varzim e aí trabalha D...., o seu pai; para a eventualidade de ali não se encontrar e ser necessário efectuar qualquer pagamento na aquisição de mercadorias para venda na loja, tinha a executada guardados nesta loja dois cheques da sua conta do Banco …. por si assinados em branco, com o nº 3100000110 e o nº 4000000109, cheques esses que só deveriam ser preenchidos pelo seu pai da executada e por ele entregues a fornecedores da loja, mediante ordem expressa sua; não existiu acordo de pagamento entre a executada e a exequente no processo nº 2781/10.4 PVZ, do 3º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, no âmbito do qual a executada haja emitido e entregue o cheque com o nº 4000000109, da conta nº 22762637020 do Banco …, no montante de € 5.010,17; tão pouco o seu pai tinha qualquer dívida com a exequente que justificasse o preenchimento e entrega desse cheque à exequente para pagamento do montante de € 5.010,17; de igual forma o cheque não foi por si emitido a favor de D...., seu pai, nem por ela lhe foi entregue para efectuar qualquer pagamento, a quem nada devia, tendo sido extorquidos no seu estabelecimento pela exequente no dia 15/12/2010, mediante a ameaça aí exercida sobre o empregado do estabelecimento D...., para que lhe entregasse aqueles cheques, um preenchido no valor de € 455,47 e o outro no valor de € 5.010,17, se não, carregava e levava consigo toda a mercadoria existente naquela loja; a fim de evitar que levassem todos os bens existentes na loja, cujo valor ascendia a cerca de € 25.000,00, o que, em seu entender, acarretaria a ruína do estabelecimento comercial da opoente, o mesmo empregado da executada viu-se obrigado a entregar os dois cheques ao advogado da exequente, assinados em branco pela opoente; tendo o advogado da exequente preenchido os dois cheques, o primeiro com o nº 3100000110, no montante de € 455,47, com data de 15/12/2010, e o segundo com o nº 4000000109, no montante de € 5.010,17, com data de 15/01/2011, ora dado à execução; não tendo a opoente dado o seu acordo a que o representante da exequente preenchesse no cheque o nome do beneficiário nem o montante a pagar pelo cheque e a data nele aposta, o preenchimento do cheque é abusivo, tendo a exequente adquirido o cheque de má-fé.
Deduziu ainda a executada/opoente oposição à penhora nos termos do disposto no art. 863º-A, nº 1, al. a), do CPC, quanto à extensão de bens penhorados, em virtude do seu valor exceder em muito a dívida exequenda acrescida das custas prováveis pois tomando por base o valor de aquisição para comercialização na loja da executada das mercadorias penhoradas, ou seja, o seu valor de custo da loja, conforme indicado na listagem composta de seis folhas, mostram-se suficientes para assegurar o pagamento da quantia exequenda e custas prováveis os bens penhorados enumerados na primeira folha e os nove primeiros da segunda folha, exceptuado o terceiro mencionado nesta folha.
Conclui pedindo: que seja declarada a má-fé da exequente na aquisição do cheque dado à execução, julgando-se a excepção do preenchimento abusivo do cheque procedente por provada e a executada absolvida do pedido, e que se ordene a restituição do cheque à executada; que o endosso do cheque seja declarado negócio simulado, julgando-se a oposição à execução procedente, por provada, e que em consequência, seja a executada absolvida do pedido; que seja considerada procedente, por provada, reduzindo-se a penhora aos bens estritamente necessários conforme supra indicado na listagem junta e ordenando-se a devolução dos bens penhorados que excedem o montante necessário para assegurar o pagamento da quantia exequenda e custas prováveis.
Notificada para contestar, veio a exequente fazê-lo nos termos constantes de fls. 52 e seguintes, impugnado os factos alegados no requerimento de oposição.
Alegou, em síntese a exequente na sua contestação: a exequente propôs contra D.... um procedimento de injunção que sob o nº 253164/10.1YIPRT correu os seus termos no Balcão Nacional de Injunções; ao referido requerimento de Injunção foi aposta fórmula executória; com base nesse título executivo foi proposta a competente acção executiva, que sob o nº 2781/10.4TBPVZ corre os seus termos no 3º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim; o Sr. D.... sempre se dedicou ao comércio a retalho de tapeçarias, cortinados, estores, papéis de parede e demais artigos destinados à decoração de interiores, em estabelecimentos especializados; a exequente tinha conhecimento de que o aí executado, D...., pai da ora opoente, havia transferido os bens móveis que compunham o imobilizado do seu anterior estabelecimento comercial para um novo estabelecimento, sito na Rua …, nº …, Póvoa de Varzim, onde desenvolvia a sua actividade; tal facto foi comunicado à Exª. Agente de Execução designada no referido processo executivo; no dia 15 de Dezembro de 2010, a Exª. Agente de Execução dirigiu-se ao referido estabelecimento comercial, acompanhada do advogado subscritor da contestação, da força policial requisitada para o efeito e dos meios necessários à realização da diligência, no sentido de levar a cabo a diligência de penhora de bens móveis não sujeitos a registo; chegados ao local, todos os presentes se depararam com o executado, o Sr. D...., no interior do dito estabelecimento, o que confirmou as informações prestadas; a Agente de Execução de imediato estabeleceu contacto com o aí executado, informando-o do propósito da sua presença no local, bem como das alternativas à sua disposição, ou seja, o pagamento da dívida exequenda e demais custas do processo ou a realização da diligência de penhora, com a consequente remoção dos bens penhorados, porquanto se encontravam à sua disposição os meios necessários à realização da diligência; o executado começou então a afirmar que o estabelecimento comercial em causa não era sua propriedade, bem como não o eram os bens móveis que se encontravam no seu interior, afirmando que eram propriedade da sua filha; o aí executado manifestou depois a vontade de proceder ao pagamento da dívida; o acordo proposto pela exequente passaria pela fixação do montante em dívida, correspondente à dívida exequenda acrescida das demais custas, despesas e encargos com o processo, em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas; a Agente de Execução entretanto informou as partes que o montante global em dívida se cifrava, à data da diligência, em € 5 465,65; o executado afirmou que a única pessoa que poderia resolver tal situação seria a ora opoente, tendo informado que detinha na sua posse dois cheques desta, apenas assinados, sendo a única forma de resolver a situação; foi então proposto que fosse emitido um cheque no valor de € 455,47 com a data da realização da diligência, sendo entregue um outro, com o valor remanescente em dívida, para a data da segunda prestação, podendo o Executado substituir tal cheque por outros onze, com o valor unitário de € 455,47, para as datas exactas das prestações acordadas; o executado entrou então em contacto com a ora opoente, no sentido de obter a sua concordância para o preenchimento e entrega dos cheques; a ora opoente, segundo informação do executado, anuiu na celebração do acordo nos termos propostos e na entrega dos cheques, conforme acordado; o pai da opoente solicitou ao advogado da exequente que procedesse ao preenchimento dos cheques; tal preenchimento foi feito em conformidade com a solicitação, perante todos os presentes.
Foi proferido despacho saneador tabelar (fls. 69) com dispensa de prolação do despacho de condensação “atenta a simplicidade da matéria de facto controvertida”[2].
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo o Tribunal decidido a matéria de facto sem reclamações (fls. 189 a 200), após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Em face do exposto, e sem necessidade de outras considerações, ao abrigo das citadas disposições normativas e ainda do disposto no artigo 817.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, julgo a oposição à execução e à penhora deduzida pela executada, C.... totalmente improcedentes, por não provadas, mantendo-se a Executada como obrigada na execução».
Não se conformou a opoente e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações que culmina com as seguintes conclusões:
1ª – Entende a recorrente que ao acolher apenas os depoimentos das testemunhas da exequente prestados em audiência de julgamento, a Mma. Juíza a quo fez errada apreciação da prova produzida que impunha decisão contrária, que pretende ver alterada ao abrigo do disposto no art. 712º, nºs 1, als. a) e b) e 2, do CPC;
2ª – A testemunha F…., agente de execução, é uma das pessoas visadas e verdadeiramente interessada no desfecho dos autos por força da sua actuação no estabelecimento da executada quando aí se deslocou para efectuar a penhora com remoção dos bens do estabelecimento da executada, sendo um dos denunciados no processo crime nº 2289/10.8 TAPVZ, pelo que o seu depoimento não pode ser considerado sincero e isento, conforme se refere na sentença recorrida;
3ª – A testemunha G…. é sócio da exequente, empresa familiar de que é sócia-gerente a irmã, e declarou ser o responsável pela parte comercial da empresa, pelo que o seu depoimento deve ser considerado verdadeiramente interessado;
4ª – O depoimento da testemunha H…., contabilista da executada, pela forma como foi prestado pela testemunha e do conhecimento que revelou deveria ter merecido credibilidade e aceitação do tribunal recorrido;
5ª – A testemunha D…., trabalhador do estabelecimento comercial da executada, pela forma como o seu depoimento foi prestado deveria igualmente ser acolhido pelo tribunal recorrido em conjugação com os documentos constantes dos autos e os demais depoimentos das testemunhas, bem como o da testemunha I…. relativamente à matéria de que revelou conhecimento;
6ª – A prova produzida em audiência de julgamento, conjugada com os documentos citados na douta sentença recorrida, impõe que da matéria julgada provada seja excluído o seguinte facto: No âmbito do acordo de pagamento celebrado no processo que sob o nº 2781/10.4 TBPVZ corre termos no 3º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, foi entregue um cheque sacado ao Banco …, com o nº 4000000109, da conta nº 22762637020 no montante de € 5.010,17, cfr. teor de fls. 5 e 6 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e em virtude de não terem sido cumpridas as condições do referido acordo, foi apresentado esse cheque a pagamento.
7ª – Aquele acordo não correspondeu à vontade real de D...., que nele figura como executado e que nada devia à exequente;
8ª – D.... procedeu à entrega dos dois cheques ao advogado da exequente e subscreveu o dito acordo por força da coação que sobre ele foi exercida, nessa altura, durante mais de duas horas, pelo advogado da exequente e pela agente de execução, apoiados pela presença no local do sócio da exequente - testemunha nos autos - juntamente com dois trabalhadores da exequente e uma viatura para efectuar a remoção dos bens do estabelecimento da executada;
9ª - No dia 15 de Dezembro de 2010, pelas 10,30 horas, a exequente, representada pelo advogado Dr. J…., um sócio-gerente e dois seus funcionários, acompanhados da agente de execução F...., deslocou para a porta do referido estabelecimento da executada uma viatura de transporte de mercadorias, a fim de efectuar uma penhora a este estabelecimento comercial, com remoção;
10ª - Os mesmos dirigiram-se a esse estabelecimento, sito na Póvoa de Varzim, e encontrando-se na loja D...., o referido advogado comunicou-lhe que vinham ali fazer a penhora dos bens do estabelecimento, com remoção;
11ª - Tendo o advogado da exequente informado D.... que se tratava de uma dívida à exequente do próprio D...., no valor de € 4.295,85, este comunicou ao advogado e simultaneamente à agente de execução que o acompanhava que o estabelecimento não lhe pertencia, mas que era da propriedade de C...., a executada;
12ª - Antes que os mesmos representantes da exequente efectuassem a penhora, o referido D.... chamou o contabilista do estabelecimento da executada, que, comparecendo na loja, informou-os que aquele estabelecimento com todo o seu recheio pertencia a C...., a executada, comprovando-o com a exibição da declaração do início da actividade e de facturas da mercadoria;
13ª - A executada possui um estabelecimento comercial denominado “E....”, loja de venda ao público de artigos de tapeçaria e cortinados, sita na Rua …, nº …, na cidade da Póvoa de Varzim, onde trabalha D...., pai da executada;
14ª - A executada tinha guardados no interior da loja mencionada em 3) dois cheques da sua conta do Banco … por si assinados em branco, com o nº 3100000110 e o nº 4000000109;
15ª - A fim de evitar que levassem os bens existentes na loja, o que, em seu entender, acarretaria a ruína do estabelecimento comercial da executada, sua filha, D.... entregou os dois cheques ao advogado da exequente, assinados em branco pela executada;
16ª - O advogado da exequente preencheu os dois cheques, o primeiro com o nº 3100000110, no montante de € 455,47, com data de 15/12/2010, e o segundo com o nº 4000000109, no montante de € 5.010,17, com data de 15/01/2011, ora dado à execução;
17ª – Mercê das ameaças prolongadas por mais de duas horas de que levariam todos os bens do estabelecimento, D.... completamente transtornado assinou no verso dos dois cheques, por ordem do advogado da exequente;
18ª - D.... apresentou a participação criminal que deu origem ao processo de inquérito nº 2289/10.8 TAPVZ, que se encontra pendente nos Serviços do Ministério Público da Póvoa de Varzim;
19ª - Nesta participação criminal feita por D.... contra o advogado da exequente e a agente de execução, o denunciante declara que não teve a menor intenção de usar os dois cheques para pagar o que fosse à firma B…., Lda, a quem nada deve e que só assinou e entregou os cheques porque a tal se viu obrigado pela actuação dos denunciados como única forma que teve de evitar que levassem da loja todas as mercadorias ali existentes, que ascendiam ao montante de € 25.000,00, o que acarretaria a ruina económica do estabelecimento e da sua proprietária, sua filha ;
20ª - A Agente de Execução de imediato estabeleceu contacto com D...., informando-o do propósito da sua presença no local, bem como das alternativas à sua disposição, ou seja, o pagamento da dívida exequenda e demais custas do processo ou a realização da diligência de penhora, com a consequente remoção dos bens penhorados, porquanto se encontravam à sua disposição os meios necessários à realização da diligência;
21ª - O Executado afirmou à agente de execução que o estabelecimento comercial em causa não era sua propriedade, bem como não o eram os bens móveis que se encontravam no seu interior;
22ª – A executada remeteu ao Banco … uma carta, por e-mail no dia 17/12/2010 e por fax no dia 20/12/2010, a comunicar-lhe para não pagar os dois cheques, incluído o cheque dado à execução nos autos, por os mesmos lhe terem sido extorquidos, previamente à apresentação do primeiro cheque à cobrança;
23ª – D.... sempre exerceu apenas a actividade profissional como sócio-gerente da firma K…., Lda, conforme consta dos documentos juntos aos autos;
24ª - Por não ter recolhido qualquer prova deve também ser eliminado o facto descrito no ponto 18 dos factos provados: Tal facto foi comunicado à Exª. Agente de Execução designada no referido processo executivo.
25ª – A executada não deu autorização para que o cheque fosse preenchido e entregue à exequente para pagamento da alegada dívida de D....;
26ª - O cheque dado à execução foi preenchido pelo representante da exequente à revelia e contra a vontade da executada, que nada devia e nada deve à exequente;
27ª - Não tendo a executada dado o seu acordo a que o representante da exequente preenchesse no cheque o nome do beneficiário nem o montante a pagar pelo cheque e a data nele aposta, o preenchimento do cheque é abusivo;
28ª - Não tendo a executada emitido o cheque em nome do beneficiário nele inscrito, nem o tendo entregue a este assinado em branco para o pagamento de uma dívida a ele ou à exequente, o preenchimento do cheque é completamente abusivo, por falta de acordo no seu preenchimento;
29ª - A exequente preencheu o cheque dado à execução inexistindo qualquer acordo da executada quanto ao seu preenchimento, bem sabendo a exequente que a executada não emitira o cheque a favor da pessoa que nele figura como endossante do mesmo;
30ª - A exequente tinha também conhecimento de que a executada não pôs o cheque em circulação nem autorizara a sua utilização na situação supra descrita;
31ª - Tendo-lhe sido entregue o cheque por D...., a exequente preencheu o nome deste como beneficiário, apôs-lhe a quantia pretendida e fez com que ele assinasse no verso do cheque, dando-lhe a aparência de cheque endossado;
32ª - A pedido da executada, o empregado do estabelecimento passou o telefone ao referido advogado e, postos os dois em conversação, sendo por este referido à executada que autorizasse a entrega de cheques seus para pagamento da mencionada dívida em que era executado D...., ela recusou-lhe tal autorização e o uso de cheques seus para o pagamento de dívidas que não eram suas;
33ª - A executada comunicou, de seguida, ao referido empregado do estabelecimento que recusara ao advogado da exequente a entrega de cheques seus para pagamento da dívida em causa, dizendo-lhe para não lhe entregar os cheques por ela assinados em branco, que se encontravam no estabelecimento
34ª - Recusada a entrega dos cheques pela executada, o advogado da exequente mandou realizar a penhora, insistindo a agente de execução em realizá-la;
35ª – A executada C.... não autorizou que o cheque dado à execução, tal como o primeiro cheque apresentado pela exequente à cobrança, que foram por ela assinados em branco e depositados no estabelecimento para pagamentos à Segurança Social e a fornecedores fossem preenchidos, como vieram a ser, pelo advogado da exequente e lhe fossem entregues para pagamento da dívida que a exequente pretendia cobrar;
36ª - Deve ser eliminado da matéria julgada como provada o facto vertido no ponto 33 dos factos provados: O D.... entrou então em contacto com a ora Oponente, no sentido de obter a sua concordância para o preenchimento e entrega dos cheques, a qual, segundo informação do D...., e após contacto telefónico estabelecido com a Executada, inicialmente recusou tal possibilidade, tendo entretanto, segundo informação do D...., anuído na celebração do acordo nos termos propostos, e na entrega dos cheques, conforme acordado.
37ª - Contrariamente ao referido na sentença recorrida, a executada não assumiu o pagamento da alegada dívida do pai à exequente;
38ª - O mandatário da exequente preencheu o cheque a favor de D.... à revelia e contra a vontade da executada, a quem ordenou que o assinasse no verso para dessa forma o mesmo ser endossado à exequente;
39ª - Não tendo a executada dado o seu acordo a que o representante da exequente preenchesse no cheque o nome do beneficiário nem o montante a pagar pelo cheque e a data nele aposta, o preenchimento do cheque dado à execução deve ser considerado abusivo;
40ª - Não tendo a executada emitido o cheque em nome do beneficiário nele inscrito, nem o tendo entregue a este assinado em branco para o pagamento de uma dívida a ele ou à exequente, o preenchimento do cheque é completamente abusivo, por falta de acordo quanto ao seu preenchimento.
41ª - Sabendo a exequente que a executada não emitira o cheque a favor da pessoa que nele figura como endossante e não autorizara a utilização desse cheque para o pagamento à exequente da divida constante do auto de penhora de fls. 148, a exequente adquiriu e apossou-se do cheque de má-fé.
42ª - Nos termos do nº 2 do art. 1261º do C.C., “Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o seu possuidor usou de coação física ou coação moral” e prescreve o nº 3 do art. 1260º do mesmo código que “A posse adquirida por violência é sempre considerada de má-fé”.
43ª - Nos termos do nº 1 do art. 255º do C.C., a declaração negocial emitida por D.... perante a agente de execução e o advogado da exequente foi feita sob coação moral porque determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração, conforme resulta do facto dado como provado no ponto 9 da factualidade provada.
44ª - Ao julgar provado o facto descrito no ponto 1 dos factos provados, de que No âmbito do acordo de pagamento celebrado no processo que sob o nº 2781/10.4 TBPVZ que corre termos no 3º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, foi entregue um cheque sacado ao Banco …., com o nº4000000109, da conta nº22762637020 no montante de € 5.010,17, o tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 255º, 1260º e 1261º, todos do C.C.
45ª - Tendo a exequente adquirido o cheque de má-fé e preenchido o mesmo abusivamente, a executada opôs-lhe a excepção do preenchimento abusivo, nos termos do art. 13º da L.U. sobre cheques.
46ª - Ao declarar-se na sentença recorrida que, no caso em análise, o cheque teria sido entregue à exequente e que não houve qualquer acordo prévio acerca do preenchimento de tal cheque, o tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no art. 13º da L.U sobre cheques.
47ª - Tendo adquirido o cheque dado à execução de má-fé, a exequente está obrigada a restitui-lo à executada e tendo o tribunal recorrido decidido em sentido contrário, violou o disposto no art. 21º da L.U. sobre cheques.
48ª - Na oposição à penhora, a executada alegou que, tomando por base o valor de aquisição para comercialização na loja da executada das mercadorias penhoradas, ou seja, o seu valor de custo da loja, conforme indicado na listagem de fls. 24-28 e 33, que está admitida na sentença recorrida como um dos documentos de prova não impugnados, mostram-se suficientes para assegurar o pagamento da quantia exequenda e custas prováveis os bens penhorados enumerados na primeira folha e os nove primeiros da segunda folha, excepto o terceiro desta folha.
49ª - Porque os bens penhorados totalizam o valor de € 11.544,72, a preços de aquisição das mercadorias pelo comerciante, a que corresponde um valor de venda de mercado de € 23.648,82, a executada peticionou a redução dos bens penhorados aos que indicou como suficientes para assegurar o valor reclamado nos autos, sendo-lhe devolvidos os restantes.
50ª - Somados os valores dos bens penhorados indicados na listagem de fls. 24-27 e 33 como preço de custo de cada uma das mercadorias aí descritas, obtêm-se as referidas somas, que constam do documento de fls. 28.
51ª - Os valores constantes desses documentos não foram impugnados, tendo sido impugnadas nesses documentos apenas as anotações manuscritas que praticamente se limitam às somas dos preços dos artigos penhorados em cada uma das folhas do documento, que, no entanto, devem ser admitidas por corresponderem à soma aritmética dos preços aí indicados.
52ª - Ao declarar na sentença recorrida que, no caso em apreciação, não se verifica nenhuma situação de impenhorabilidade nem qualquer dos restantes fundamentos, uma vez que não existe qualquer responsabilidade subsidiária relativamente aos bens que devam responder pela divida exequenda e não existe qualquer impenhorabilidade especifica ou convencional no bem penhorado ou qualquer indisponibilidade, na medida em que não foi alegado tal fundamento, o tribunal recorrido violou o disposto no art. 863º-A, nº 1, al. a) - 2ª parte, do CPC.
53ª - Declarando também na sentença recorrida que a presente oposição sempre improcederia face à total ausência de prova do alegado pela executada, sendo que era a si a quem incumbia o ónus probatório e considerando as razões acima apontadas para a improcedência da oposição à execução, o tribunal fez errada apreciação da prova supra referida, violando, por erro de interpretação e de aplicação, igualmente o disposto no art. 863º-A, nº 1, al. a) - 2ª parte, do CPC.
A exequente não apresentou resposta às alegações de recurso.
II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) apreciação do recurso da matéria de facto; ii) apreciação do mérito do recurso, através da integração jurídica da factualidade provada, considerando: a) o acordo de preenchimento e o respectivo ónus probatório no que concerne à sua inexistência ou à sua violação (preenchimento abusivo); b) o invocado excesso de penhora.

2. Recurso da matéria de facto
2.1. Questão prévia: delimitação do objecto do recurso
O artigo 685.º-B do Código de Processo Civil faz impender sobre o recorrente que impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de “obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição”: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
A recorrente, com o devido respeito, perde-se em considerações nas suas conclusões de recurso, incumprindo manifestamente o dever de sintetização previsto no n.º 1 do artigo 685.º-A do CPC[3], repetindo a alegação que formulou no requerimento inicial, como se a instância recursória não fosse mais do que a repetição das questões enunciadas na acção ou no incidente onde foi proferida a decisão sob censura.
Constitui entendimento pacífico que, face ao que estipula o art. 685.º-A do CPC, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, acabando por exercer uma função semelhante à do pedido na petição inicial ou à das excepções na contestação.
Decorre do exposto que, salvo quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que, além disso, não se encontrem cobertas pelo caso julgado, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal, sob cominação de nulidade, nos termos dos arts. 716.º e 668.º, n.º 1, al. d)[4].
Como refere Fernando Amâncio Ferreira[5], se o recorrente, ao explanar os fundamentos da sua alegação, defender que determinada decisão deve ser revogada ou alterada, mas nas conclusões omitir a referência a essa decisão, o objecto do recurso deve considerar-se restringido ao que estiver incluído nas conclusões[6].
Ora, do imenso e prolixo acervo conclusivo, face à exigência do artigo 685.º-B do CPC, concluímos que a recorrente impugna apenas três factos provados[7]: os referenciados nas conclusões 6.ª (referente ao facto provado n.º 1)[8], 24.ª (referente ao facto provado n.º 18) e 36.ª (referente ao facto provado n.º 33).
A factualidade em apreço é a seguinte:
1. No âmbito do acordo de pagamento celebrado no processo que sob o n.º 2781/10.4TBPVZ que corre termos no 3º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim [em que é exequente a mesma destes autos e executado D.... (fls. 63)], foi entregue [pelo aí executado D.... (pai da ora executada)] um cheque sacado ao Banco …., com o n.º 4000000109, da conta n.º 22762637020 no montante de € 5.010,17, cfr. teor de fls. 5 e 6 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e em virtude de não terem sido cumpridas as condições do referido acordo, foi apresentado o pagamento o cheque supra indicado que foi devolvido por falta de provisão.
18. Tal facto foi comunicado à Exª. Agente de Execução designada no referido processo executivo[9].
33. O D.... entrou então em contacto com a ora Oponente, no sentido de obter a sua concordância para o preenchimento e entrega dos cheques, a qual, segundo informação do D...., e após contacto telefónico estabelecido com a Executada, inicialmente recusou tal possibilidade, tendo entretanto, segundo informação do D...., anuído na celebração do acordo nos termos propostos, e na entrega dos cheques, conforme acordado.
Como adiante melhor se demonstrará, a impugnação dos factos n.º 1 e 18 por parte da opoente/executada não tem qualquer relevância para a boa decisão do recurso.
A impugnação da matéria de facto é necessariamente instrumental, só se justificando o seu conhecimento quando do provimento da pretensão do recorrente possa também resultar alguma alteração ao nível dos fundamentos de direito.
Como refere Abrantes Geraldes[10], o juiz deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados.
Assim, a impugnação da matéria de facto é necessariamente instrumental, só se justificando o seu conhecimento quando do provimento da pretensão do recorrente possa também resultar alguma alteração ao nível dos fundamentos de direito.
No caso em apreço, a impugnação que a recorrente faz da factualidade referida, qualquer que seja a resposta que este tribunal venha a dar a tal questão (mantendo esses factos como provados ou respondendo não provado), nenhuns reflexos terá em sede de solução jurídica do caso.
Neste circunstancialismo, e como se aprofundará em sede de análise jurídica e de integração normativa da factualidade, o conhecimento do acerto ou não das respostas dadas pelo tribunal de 1.ª instância aos factos n.º 1 e n.º 18 revela-se destituído de qualquer interesse, porquanto, seja qual for a decisão que este tribunal viesse a tomar sobre essa matéria, a mesma nenhuns reflexos teria sobre a posição jurídica da recorrente.
Em suma, o conhecimento da impugnação nesse segmento específico traduzir-se-ia na prática de acto inútil, legalmente proibida (artigo 137º do Código de Processo Civil).
É tempo de reapreciar a prova produzida sobre o facto 33.º.
Sobre este facto (saber se a executada deu autorização a seu pai para preencher os cheques por si assinados, que este tinha na sua posse), apenas poderiam revelar algum conhecimento as testemunhas que se encontravam no local: o próprio D....; o contabilista H….; a Agente de Execução F.... e os agentes da PSP chamados ao local pela Agente de Execução – testemunhas L…. e M…..
A testemunha D...., pai da recorrente, prestou um depoimento confuso, que deixa tudo por esclarecer.
Vejamos.
Começou por afirmar que se lembrou de que tinha consigo dois cheques assinados pela filha, para fazer pagamentos, tendo telefonado à filha a perguntar se os podia utilizar, ao que esta respondeu negativamente.
Afirmou depois que durante a realização da penhora recebeu um telefonema da filha mais velha e outro da esposa, que lhe disseram para não utilizar os cheques, dizendo-lhe a esposa: “não sejas tolo … não passas cheque nenhum”.
E concluiu: “estava muito nervoso … não sei o que me deu … senti-me ameaçado … assinei os papéis … nem sei o que assinei”.
O que se estranha neste depoimento, à luz das regras da experiência comum, é o facto de, depois da alegada recusa da filha (recorrente) e dos alegados avisos da outra filha e da esposa, a testemunha, ainda assim, ter autorizado o preenchimento, como se provou sem impugnação[11].
As testemunhas L.... e M...., os agentes da PSP chamados ao local pela Agente de Execução, nada revelaram saber.
O contabilista H.... declarou que foi chamado ao local por D.... e que ali se deslocou depois de ter ido ao escritório buscar a declaração de início de actividade para fazer prova de que os bens que se encontravam no estabelecimento eram da filha de D.... (executada).
Afirmou a testemunha: que D.... lhe pediu para falar com a executada e que esta lhe disse que “não pagava nada pelo pai, porque não tinha nada a ver com aquilo”; que D.... ligou uma primeira vez para a filha, e que esta não lhe terá dada autorização para preencher os cheques; que depois de falar novamente com o advogado presente e com a solicitadora, D.... voltou a ligar para a filha, “esteve numa parte mais longe a falar com a filha”, não sabendo a testemunha “exactamente o que disseram um ao outro”, e que “às tantas o Senhor D.... aproximou-se do balcão que tem uma gaveta e tirou um livro de cheques” esclarecendo depois que se tratava de uma capa plástica, concluindo: “o livro de cheques estava na mão do advogado; quando saí, ele estava com os cheques em cima da mesa”.
Em contra-instância, a testemunha afirmou repetidamente que não ouviu as conversações, quer entre D.... e a sua filha (executada), quer entre D.... e o mandatário da exequente.
A testemunha avançou ainda uma informação curiosa: declarou que enquanto contabilista contactava mais com D.... do que com a filha, esclarecendo depois que o seu habitual interlocutor agia na qualidade de “um moço de recados”.
O depoimento desta testemunha afigurou-se-nos comprometido e parcial, revelando uma “memória selectiva” dos factos que presenciou.
A testemunha F.... é Agente de Execução e, convém recordar o seu estatuto, face ao que consta das conclusões de recurso, onde com algum desprimor o mesmo se desvaloriza nestes termos: “A testemunha F...., agente de execução, é uma das pessoas visadas e verdadeiramente interessada no desfecho dos autos por força da sua actuação no estabelecimento da executada quando aí se deslocou para efectuar a penhora com remoção dos bens do estabelecimento da executada, sendo um dos denunciados no processo crime nº 2289/10.8 TAPVZ, pelo que o seu depoimento não pode ser considerado sincero e isento” (conclusão 2.ª).
O facto de a executada ter apresentado queixa contra a solicitadora não a torna de imediato persona non grata sem credibilidade perante o Tribunal. Seria perigoso o entendimento contrário, porque permitiria com a maior facilidade afastar um depoimento incómodo ou retirar-lhe toda a credibilidade, bastando uma simples queixa.
Como refere José Lebre de Freitas[12] “o solicitador de execução é um misto de profissional liberal e funcionário público, cujo estatuto de auxiliar de justiça implica a detenção de poderes de autoridade no processo executivo”.
Ouvimos o depoimento da Exma. Senhora Solicitadora de Execução, e não o achámos parcial, antes, concordando com a sentença neste segmento, afigurou-se-nos “sincero, claro e isento”.
A Solicitadora de Execução começou por afirmar: que “havia conhecimento” de que D.... teria transferido para aquele estabelecimento, aberto em nome da filha, bens e mercadorias que deveriam responder por dívidas contraídas noutro estabelecimento onde vendia exactamente o mesmo tipo de bens, pelo que se deslocou ao local, tendo pedido as facturas que demonstrassem a aquisição dos bens por parte da filha (ora executada) estando determinada a penhorar e a remover apenas os bens relativamente aos quais não houvesse prova de aquisição por terceiro; que D.... se exaltou o que a levou a convocar a autoridade policial; que entre D.... e o advogado da exequente que se encontrava presente foi feito um acordo; que no âmbito desse acordo, D.... falou nos cheques que tinha, assinados pela sua filha; que o mesmo D.... telefonou à filha, dizendo depois que esta não autorizava a utilização dos cheques; que depois de novas conversações, em que ficou determinado o valor exequendo acordado, telefonou novamente à filha; e que após esse telefonema D.... disse aos presentes que a filha tinha permitido que entregasse os cheques; que D.... estava nervoso, tinha receio de se enganar no preenchimento porque se tratava dos dois únicos cheques; que por essa razão pediu ao advogado para os preencher, tendo dado o seu expresso consentimento para o efeito; que os cheques foram preenchidos pelo advogado a pedido de D...., com base no acordo a que tinham chegado.
Esta testemunha foi muito segura na afirmação de que, apesar de não ter ouvido o conteúdo do segundo telefonema (o que é óbvio), depois desse contacto D.... informou que a filha autorizava a entrega dos cheques.
É importante recordar nesta parte, que a exequente nada refere no requerimento executivo, quanto ao pacto de preenchimento do cheque, que lhe foi entregue em branco por terceiro (que não o sacador). É mais tarde, perante a oposição da executada, que vem alegar nos artigos 50.º a 53.º da contestação: «50. A Exequente enquanto portadora do cheque, não o adquiriu de má fé, nem sequer com falta grave; 51. motivo pelo qual à Exequente não poderá ser oposto um qualquer preenchimento abusivo da parte do beneficiário/endossante; 52. Segundo indicação do Sr. D...., a Oponente anuiu no preenchimento do cheque, nos exactos termos em que foi preenchido; 53. bem como na entrega do cheque à Exequente, para os fins a que essa entrega se destinou».
Em suma, o facto alegado pela exequente (submetido a prova) não consiste na autorização de preenchimento do cheque, mas sim na afirmação de que o pai da executada informou a exequente de que a sua filha (executada) teria dado autorização. O facto aqui não é a autorização da sacadora/executada, mas sim a informação prestada por terceiro, de que a sacadora aceitava o preenchimento.
E da prova produzida podemos concluir que o pai da executada, depois do segundo telefonema, informou as pessoas presentes no local, de que a filha tinha autorizado a entrega do título?
Pensamos que sim, convicção que resulta, não só das contradições do depoimento de D...., das ambiguidades do depoimento do contabilista e da assertiva afirmação da Agente de Execução, mas também de toda a prova produzida, lida e interpretada à luz das regras da experiência comum.
Veja-se a coerência lógica e sequencial do comportamento de D....: 1.º D.... telefona à filha e informa que esta não autoriza; 2.º seguem-se negociações com o advogado da exequente; 3.º D.... volta a telefonar à filha; 4.º depois do telefonema, informa que esta, finalmente, autorizou; 5.º logo a seguir entrega os cheques ao advogado da exequente.
Não podem restar dúvidas de que o segundo telefonema (que ninguém ouviu), se destinava a insistir para que a filha autorizasse a entrega do cheque. Ora, depois deste telefonema e ao contrário com o que tinha acontecido na sequência do contacto anterior, D.... entrega os cheques (este é um facto que ninguém questiona), o que, em coerência, só podia acontecer depois de informar que afinal a filha autorizava.
Repete-se, é este o facto: a informação de que a filha autorizou, e nenhum sentido ou coerência teria a entrega do cheque por D.... sem essa prévia informação, já que antes tinha dito que não podia entregar porque a filha recusava.
Questão diversa é saber se a filha efectivamente autorizou. Mas essa questão, como já se referiu, não está em debate nos autos porque não foi alegada.
Decorre do exposto, que não merece censura a decisão do Tribunal sobre o facto 33.º: «O D.... entrou então em contacto com a ora Oponente, no sentido de obter a sua concordância para o preenchimento e entrega dos cheques, a qual, segundo informação do D...., e após contacto telefónico estabelecido com a Executada, inicialmente recusou tal possibilidade, tendo entretanto, segundo informação do D...., anuído na celebração do acordo nos termos propostos, e na entrega dos cheques, conforme acordado».
Improcede o recurso nesta parte.

3. Fundamentos de facto
É a seguinte a factualidade considerada provada nos autos:
1. No âmbito do acordo de pagamento celebrado no processo que sob o n.º 2781/10.4TBPVZ que corre termos no 3º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim [em que é exequente a mesma destes autos e executado D.... (fls. 63)], foi entregue [pelo aí executado D.... (pai da ora executada)] um cheque sacado ao Banco …., com o n.º 4000000109, da conta n.º 22762637020 no montante de € 5.010,17, cfr. teor de fls. 5 e 6 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e em virtude de não terem sido cumpridas as condições do referido acordo, foi apresentado o pagamento o cheque supra indicado que foi devolvido por falta de provisão.
2. O cheque mencionado em 1) foi dado à execução no âmbito da execução n.º 355/11.1TBPVZ relativamente aos quais os presentes autos correm por apenso.
Da oposição:
3. A executada possui um estabelecimento comercial denominado “E....”, loja de venda ao público de artigos de tapeçaria e cortinados, sita na Rua …., nº …, na cidade da Póvoa de Varzim, onde trabalha D...., pai da executada.
4. A executada tinha guardados no interior da loja mencionada em 3) dois cheques da sua conta do Banco …. por si assinados em branco, com o nº 3100000110 e o nº 4000000109.
5. No dia 15 de Dezembro de 2010, pelas 10,30 horas, a exequente, representada pelo advogado Dr. J…., um sócio-gerente e dois seus funcionários, acompanhados da agente de execução F...., deslocou para a porta do referido estabelecimento da executada uma viatura de transporte de mercadorias, a fim de efectuar uma penhora a este estabelecimento comercial, com remoção [penhora e remoção a efectuar no âmbito da execução n.º 2781/10.4TBPVZ].
6. Dirigiram-se a esse estabelecimento, sito na Póvoa de Varzim, e encontrando-se na loja D...., o referido advogado comunicou-lhe que vinham ali fazer a penhora dos bens do estabelecimento, com remoção.
7. Tendo o advogado da exequente informado D.... que se tratava de uma dívida à exequente do próprio D...., no valor de € 4.295,85, tendo este comunicado ao advogado e simultaneamente à agente de execução que o acompanhava que o estabelecimento não lhe pertencia, mas que era da propriedade de C...., a executada.
8. Antes que os mesmos representantes da exequente efectuassem a penhora, o referido D.... chamou o contabilista do estabelecimento da executada, que, comparecendo na loja, informou-os que aquele estabelecimento com todo o seu recheio pertencia a C...., a executada, comprovando-o com a exibição da declaração do início da actividade e de facturas da mercadoria.
9. A fim de evitar que levassem os bens existentes na loja, o que, em seu entender, acarretaria a ruína do estabelecimento comercial da executada, sua filha, D.... entregou os dois cheques ao advogado da exequente, assinados em branco pela executada.
10. O advogado da exequente preencheu os dois cheques, o primeiro com o n.º 3100000110, no montante de € 455,47, com data de 15/12/2010, e o segundo com o n.º 4000000109, no montante de € 5.010,17, com data de 15/01/2011, ora dado à execução.
11. No fim de os preencher, D.... assinou o verso dos dois cheques.
12. D.... apresentou a participação criminal que deu origem ao processo de inquérito nº 2289/10.8 TAPVZ, que se encontra pendente nos Serviços do Ministério Público da Póvoa de Varzim.
Da contestação:
13. A Exequente propôs contra D.... um procedimento de injunção que sob o nº 253164/10.1YIPRT correu os seus termos no Balcão Nacional de Injunções.
14. Ao referido Requerimento de Injunção foi aposta fórmula executória, conforme Requerimento de Injunção com Fórmula Executória.
15. Com base nesse título executivo foi proposta a competente acção executiva, que sob o nº 2781/10.4TBPVZ corre os seus termos no 3º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim.
16. D.... sempre se dedicou ao comércio a retalho de tapeçarias, cortinados, estores, papéis de parede e demais artigos destinados à decoração de interiores, em estabelecimentos especializados.
17. A Exequente tinha conhecimento que o aí Executado, D...., pai da ora Oponente, havia transferido os bens móveis que compunham o imobilizado do seu anterior estabelecimento comercial para um novo estabelecimento, sito na Rua …., nº ,,,, Póvoa de Varzim, onde desenvolvia a sua actividade.
18. Tal facto foi comunicado à Exª. Agente de Execução designada no referido processo executivo.
19. No dia 15 de Dezembro de 2010, a Exª. Agente de Execução dirigiu-se ao referido estabelecimento comercial, acompanhada do advogado da exequente e dos meios necessários à realização da diligência, no sentido de levar a cabo a diligência de penhora de bens móveis não sujeitos a registo [diligência efectuada no âmbito da execução n.º 2781/10.4TBPVZ].
20. Chegados ao local, todos os presentes se depararam com D...., no interior do dito estabelecimento.
21. A Agente de Execução de imediato estabeleceu contacto com D...., informando-o do propósito da sua presença no local, bem como das alternativas à sua disposição, ou seja, o pagamento da dívida exequenda e demais custas do processo ou a realização da diligência de penhora, com a consequente remoção dos bens penhorados, porquanto se encontravam à sua disposição os meios necessários à realização da diligência.
22. O Executado começou então a afirmar que o estabelecimento comercial em causa não era sua propriedade, bem como não o eram os bens móveis que se encontravam no seu interior.
23. A Agente de Execução solicitou então a exibição de documentos que comprovassem que os bens que se encontravam no interior do estabelecimento pertenciam a outrem que não o Executado.
24. O Executado afirmou que os bens seriam propriedade da sua filha, suposta proprietária do estabelecimento, pelo que iria solicitar ao contabilista daquela que se deslocasse ao local e trouxesse a documentação comprovativo de tal facto.
25. Volvido algum tempo, ao local da diligência deslocou-se uma pessoa quase intitulou contabilista da ora Oponente, tendo-se acompanhado de variadas facturas que poderiam comprovar que os stocks existentes no interior do estabelecimento comercial não seriam propriedade do Executado, mas sim da ora Oponente.
26. Perante tal informação, na perspectiva de não levar a cabo uma penhora de bens pertencentes a terceiro, a Agente de Execução decidiu então que tais bens não seriam penhorados, sendo apenas penhorados os bens cuja propriedade não se mostrava colocada em dúvida, mormente mobiliário e material informático.
27. O D.... manifestou a vontade de proceder ao pagamento da dívida [na qualidade de executado e no âmbito da execução n.º 2781/10.4TBPVZ], tendo então sido encetadas negociações com o advogado da exequente a que todos os presentes assistiram.
28. O advogado da exequente, no sentido de celebrar qualquer acordo, exigiu da parte do D.... a prestação de uma garantia adicional, a qual poderia passar pela fiança de um terceiro, que se mostrasse idóneo, ou a entrega de cheques por parte de terceiro, emitidos à ordem do executado, e por este endossados à Exequente.
29. O acordo proposto pela Exequente passaria pela fixação do montante em dívida, correspondente à dívida exequenda acrescida das demais custas, despesas e encargos com o processo, em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas.
30. A Agente de Execução entretanto informou as partes que o montante global em dívida cifrava-se, à data da diligência, em € 5.465,65 e que o valor das prestações cifrar-se-ia em € 455,47 mensais
31. O D.... afirmou que a única pessoa que poderia resolver tal situação seria a ora Oponente, tendo informado que detinha na sua posse dois cheques desta, apenas assinados, sendo a única forma de resolver a situação.
32. Foi então proposto que fosse emitido um cheque no valor de € 455,47 com a data da realização da diligência, sendo entregue um outro, com o valor remanescente em dívida, para a data da segunda prestação, podendo o Executado substituir tal cheque por outros onze, com o valor unitário de € 455,47, para as datas exactas das prestações acordadas.
33. O D.... entrou então em contacto com a ora Oponente, no sentido de obter a sua concordância para o preenchimento e entrega dos cheques, a qual, segundo informação do D...., e após contacto telefónico estabelecido com a Executada, inicialmente recusou tal possibilidade, tendo entretanto, segundo informação do D...., anuído na celebração do acordo nos termos propostos, e na entrega dos cheques, conforme acordado.
34. O D.... apresentava-se nervoso, tendo, na sequência do acordado, solicitado ao advogado da exequente que procedesse ao preenchimento dos cheques, porquanto não se encontrava em condições de o fazer.
35. O advogado da exequente, em conformidade com a solicitação, perante todos os presentes, procedeu ao preenchimento dos referidos cheques, os quais foram preenchidos segundo indicação do D...., em conformidade com as indicações daquele, mais precisamente conforme acordado entre as partes.
36. Posto isto, foi redigido o auto de penhora, de onde se fez constar a confissão de dívida do D...., o acordo de pagamento da mesma, bem como a entrega dos cheques para o efeito, conforme auto de penhora junto a fls. 148 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
37. Tal auto de penhora foi assinado por todos os intervenientes, mais precisamente a Agente de Execução, o advogado da exequente e o D.....
38. O primeiro dos cheques entregues, mais precisamente o cheque n.º 3100000110, sacado sobre a conta nº 22762637020, sediada junto do Banco …., obteve boa cobrança.
39. Uma vez que o D.... não procedeu, conforme faculdade atribuída no art. 4º do acordo celebrado no auto de penhora de 15 de Dezembro de 2010, à substituição do cheque ora apresentado à execução, o mesmo foi apresentado a pagamento na data nele aposta, tendo sido devolvido com a menção de “Falta de Provisão”.
40. O valor da dívida exequenda remoção [na execução n.º 2781/10.4TBPVZ] acrescida das despesas prováveis da execução perfaz a quantia de € 5 649,06 (= dívida exequenda + despesas prováveis = € 5 135,51 + € 513,55).
41. O valor dos bens penhorados ascende à quantia de € 5 173,00, conforme avaliação da Agente de Execução, constante do auto de penhora de 30 de Setembro de 2011.
4. Factos não provados - respostas do tribunal não impugnadas pela recorrente
Não se provou que:
a) Os dois cheques tenham sido extorquidos à executada no seu estabelecimento pela exequente, no dia 15/12/2010, mediante a ameaça aí exercida sobre o empregado do estabelecimento D.... de que se não lhe entregasse aqueles cheques, um preenchido no valor de € 455,47 e o outro no valor de € 5.010,17, carregava e levava consigo toda a mercadoria existente naquela loja;
b) Tais cheques só deveriam ser preenchidos pelo pai da executada e por ele entregues a fornecedores da loja, mediante ordem expressa da executada;
c) O cheque dado à execução tenha sido preenchido pelo representante da exequente à revelia e contra a vontade da executada, que nada devia e nada deve à exequente;
d) A executada não tenha dado o seu acordo a que o representante da exequente preenchesse no cheque o nome do beneficiário nem o montante a pagar pelo cheque e a data nele aposta, o preenchimento do cheque é abusivo;
e) A executada não tenha emitido o cheque em nome do beneficiário nele inscrito, nem o tendo entregue a este assinado em branco para o pagamento de uma dívida a ele ou à exequente (…)[14];
f) A exequente tenha preenchido o cheque dado à execução inexistindo qualquer acordo da executada quanto ao seu preenchimento, bem sabendo a exequente que a executada não emitira o cheque a favor da pessoa que nele figura como endossante do mesmo;
g) A exequente tenha tido também conhecimento de que a executada não pôs o cheque em circulação nem autorizara a sua utilização na situação supra descrita;
h) Tendo-lhe sido entregue o cheque por D...., a exequente tenha preenchido o nome deste como beneficiário, apondo-lhe a quantia pretendida e fazendo com que ele assinasse no verso do cheque, dando-lhe a aparência de cheque endossado;
i) D.... tenha informado a exequente também, naquele momento, de que nada lhe devia e que era a firma K…., Lda, da qual fora sócio-gerente, que devia àquela firma cerca de € 2.500,00;
j) Após ter solicitado, por diversas vezes, que os representantes da exequente ali presentes se retirassem da loja e ter-se oposto por todos os meios ao seu alcance a que eles removessem da loja toda a mercadoria existente nela, D.... só não tenha fechado a porta da loja porque os dois agentes da PSP ali presentes lhe comunicaram que não o podia fazer, pois cometia um crime;
k) Considerando que se encontravam na quadra de Natal, se a exequente levasse consigo toda a mercadoria existente no estabelecimento, como lhe afirmavam, com insistência, naquele momento, acarretaria a ruína do estabelecimento da sua filha;
l) Ante o anúncio da agente de execução de que iam começar a carregar os bens para a viatura estacionada à porta da loja, sentindo estar iminente o esvaziamento da loja, e perante a condição posta pelo advogado da exequente de que só não removeriam aqueles bens se ele lhe entregasse cheques que garantissem o pagamento da dívida, por este fixada em € 5.465,65, D.... tenha telefonado para a executada a informá-la do que estava a ocorrer na loja e de que o advogado da exequente exigia a entrega de cheques em substituição da penhora com remoção dos bens do estabelecimento;
m) A pedido da executada, o empregado do estabelecimento tenha passado o telefone ao referido advogado e, postos os dois em conversação, sendo por este referido à executada que autorizasse a entrega de cheques seus para pagamento da mencionada dívida em que era executado D...., tendo esta recusado tal autorização e o uso de cheques seus para o pagamento de dívidas que não eram suas;
n) A executada tenha comunicado, de seguida, ao referido empregado do estabelecimento que recusara ao advogado da exequente a entrega de cheques seus para pagamento da dívida em causa, dizendo-lhe para não lhe entregar os cheques por ela assinados em branco, que se encontravam no estabelecimento;
o) Recusada a entrega dos cheques pela executada, o advogado da exequente tenha mandado realizar a penhora, aprestando-se a agente de execução a realizá-la;
p) Tomando por base o valor de aquisição para comercialização na loja da executada das mercadorias penhoradas, ou seja, o seu valor de custo da loja, conforme indicado na listagem composta de seis folhas, se mostrem suficientes para assegurar o pagamento da quantia exequenda e custas prováveis os bens penhorados enumerados na primeira folha e os nove primeiros da segunda folha, exceptuado o terceiro mencionado nesta folha;
q) Somam os bens relacionados na primeira folha e os nove primeiros da segunda folha, exceptuado o relacionado em terceiro lugar desta segunda folha, o montante de € 5.662,44, que ultrapassa o valor da quantia exequenda e custas prováveis que é de € 5.649,06;

5. Fundamentos de direito
5.1. A irrelevância dos factos 1.º e 18.º, face à questão jurídica
Há um equívoco que perpassa nos autos, desde o requerimento de injunção (fls. 63), até ao requerimento de oposição, e que veio a contaminar a sentença, não tendo sido enunciado (ou denunciado) nas prolixas alegações de recurso, onde a recorrente, salvo o devido respeito, se perde em considerações laterais sem definir a questão essencial.
A mesma censura nos merece a sentença, sempre sem quebra do respeito devido, onde se enumera uma extensa factualidade (41 factos), na sua maior parte juridicamente irrelevante, sem atentar no que, verdadeiramente, está em causa.
Está admitida, sem que sobre essa matéria haja divergência, a seguinte factualidade essencial: o pai da executada tinha dois cheques na sua posse, que lhe haviam sido entregues pela filha, por ela assinados; tais cheques foram por ele entregues ao mandatário da exequente durante uma diligência de penhora com remoção de bens; foi o mandatário da exequente quem preencheu o cheque ora dado à execução, na presença do pai da executada, da solicitadora de execução e das autoridades policiais que haviam sido convocadas; o valor aposto no cheque reportava-se a um crédito da exequente sobre o pai da executada, ora recorrente, quantificado no momento pela solicitadora de execução; tal crédito reportava-se à execução n.º 2781/10.4TBPVZ, em que era executado o pai da ora recorrente, no âmbito da qual se realizava a diligência de penhora.
Já sabemos também, e não sofre contestação, que se tratava de um cheque sacado ao Banco …., com o n.º 4000000109, da conta n.º 22762637020 no montante de € 5.010,17 e que, apresentado a pagamento, veio devolvido por falta de provisão
Face a esta factualidade, considerando que o pai da executada era legítimo portador desses títulos (interessa-nos apenas o cheque dado à execução), a única questão resume-se a saber: i) se houve pacto de preenchimento; ii) se houve violação desse pacto.
Não restam dúvidas de que a executada nada comprou à exequente (nem a exequente faz tal afirmação), pelo que apenas pode interessar a relação cambiária e a eventual obrigação daí resultante.
Perante este quadro, com o devido respeito, no que respeita ao facto n.º 1, impugnado, não tem a mínima relevância saber se foi celebrado ou não entre o pai da executada (portador do título previamente assinado pela filha), no âmbito do acordo de pagamento celebrado no processo que sob o n.º 2781/10.4TBPVZ que corre termos no 3º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim.
Por essa razão, não se vislumbra qualquer interesse na reponderação do facto n.º 1, tanto mais que na parte restante ambas as partes estão de acordo, tendo ficado provado sem impugnação, como já se disse, que o cheque foi entregue [por D....]; tratava-se de um cheque sacado ao Banco …., com o n.º 4000000109, da conta n.º 22762637020 no montante de € 5.010,17; foi apresentado a pagamento e devolvido por falta de provisão.
Com efeito, o Tribunal considerou provados sem impugnação este factos: 9. A fim de evitar que levassem os bens existentes na loja (…) D.... entregou os dois cheques ao advogado da exequente, assinados em branco pela executada; 10. O advogado da exequente preencheu os dois cheques, o primeiro com o n.º 3100000110, no montante de € 455,47, com data de 15/12/2010, e o segundo com o n.º 4000000109, no montante de € 5.010,17, com data de 15/01/2011, ora dado à execução; 11. No fim de os preencher, D.... assinou o verso dos dois cheques; 34. O D.... (…) na sequência do acordado, solicitou ao advogado da exequente que procedesse ao preenchimento dos cheques, porquanto não se encontrava em condições de o fazer; 35. O advogado da exequente, em conformidade com a solicitação, perante todos os presentes, procedeu ao preenchimento dos referidos cheques, os quais foram preenchidos segundo indicação do D...., em conformidade com as indicações daquele, mais precisamente conforme acordado entre as partes.
No que respeita ao facto 18.º, também não conseguimos vislumbrar a mínima relevância para a decisão da causa ou deste recurso, não tendo qualquer interesse a averiguação sobre se foi comunicado à Agente de Execução que D.... havia transferido os bens móveis do seu anterior estabelecimento comercial para um novo estabelecimento, sito na Rua …., nº …, Póvoa de Varzim.
Para a apreciação do recurso sobre a decisão proferida na oposição à execução n.º 355/11.1TBPVZ, não interessa ao Tribunal se o executado no processo n.º 2781/10.4TBPVZ, deu ou não descaminho aos seus bens para evitar a penhora.
Em suma, a decisão jurídica deverá suportar-se nos factos provados relevantes (e só nesses), tendo ainda em conta os factos não provados (sobre os quais não recaiu qualquer impugnação em sede recursória), que revelam particularmente na aplicação das regras do ónus probatório.
5.2. A questão fulcral do acordo de preenchimento
Passamos agora à segunda questão, fulcral para a apreciação do mérito do recurso: pode um cheque, entregue nas condições que se provaram, constituir título executivo na nova execução [n.º 355/11.1TBPVZ], que a exequente veio a instaurar contra a ora executada?
Vejamos o regime do título cambiário dado à execução.
O cheque é um título de crédito que enuncia uma ordem dada por uma pessoa (sacador) a um banco (sacado) para que pague determinada quantia por conta de fundos lá depositados - cfr. art.ºs 1.º e 2.º da LUC.
Na definição de Giorgio de Semo (cit. por Ferrer Correia e António Caeiro in Revista de Direito e Economia, n.º 4, 1978, p. 47), «o cheque é um título cambiário, à ordem ou ao portador, literal, formal, autónomo e abstracto, contendo uma ordem incondicionada, dirigida a um banqueiro, no estabelecimento do qual o emitente tem fundos disponíveis: ordem de pagar à vista a soma nele inscrita»[15].
Em suma, é pacífica na doutrina e na jurisprudência a definição do cheque como um meio de pagamento pelo qual uma pessoa (sacador) ordena a um banco (sacado), onde tenha fundos disponíveis (provisão), o pagamento à vista, de determinada importância a seu favor ou de um terceiro (tomador ou beneficiário)[16].
No que concerne ao título dado à execução, tendo-se provado que estava na posse de terceiro (pessoa diversa do sacador), constando do mesmo apenas a assinatura do sacador (executada), e que foi entregue por esse terceiro (portador - pai da executada), ao mandatário da exequente, no âmbito de outra execução, vindo a ser por este preenchido, haverá que questionar se houve algum acordo entre o sacador (ora executada) e o tomador (exequente).
Com efeito, o cheque apenas valerá como título executivo, se existir tal acordo.
Dispõe o artigo 13.º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque: «Se um cheque incompleto no momento de ser passado tiver sido completado contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido o cheque de má-fé, ou, adquirindo-o, tenha cometido uma falta grave».
Como se refere no Assento 1/93[17] «… este preceito pressupõe sempre acordo de preenchimento. A partir dele é que pode existir ou não violação do preenchimento; não existindo tal acordo, o cheque continua a ser incompleto, sem conter os requisitos legais para a sua eficácia».
Como enfatiza José Maria Pires[18]: «… o cheque em branco enquanto não for completado não tem valor como cheque, pelo que quando a lei fala de cheque incompleto no momento de ser passado está referir-se não à emissão em sentido técnico-jurídico, mas à entrega material ao tomador. Só no momento em que este completa o cheque se efectiva a autêntica emissão: o título começa a produzir efeito como cheque, sanando-se a falta do requisito ou dos requisitos»[19].
Ou seja, só depois de efectuado o preenchimento de harmonia com o clausulado no respectivo acordo (necessariamente celebrado com o sacador), é que o cheque passa a ter eficácia.
Mais refere o autor citado, que “no cheque em branco o acordo entre o sacador e o tomador (contrato de preenchimento) exprime a intenção de o sacador contrair uma obrigação cambiária”[20].
Numa notável síntese da problemática da emissão do título cambiário incompleto, ensinava Marnoco e Souza[21], (reportando-se especificamente à letra) que a afirmação de que o título assinado em branco é já um verdadeiro título cambiário, se bem que por preencher, decorre da necessidade sentida pela doutrina, de justificar a existência de uma obrigação para o signatário, ainda antes do integral preenchimento do título. Conclui, no entanto, o autor citado, que tal construção teórica se torna desnecessária, na medida em que a assinatura em branco aposta no título e a sua posterior entrega a terceiro determinam para o signatário um vínculo jurídico, traduzido na manifestação de vontade de constituição da obrigação cambiária, completada, definida e quantificada com o preenchimento.
É tempo de regressarmos à questão que nos ocupa.
Conclui-se no acórdão desta Relação, de 5.11.2012[22]: “O título produz efeitos pelo valor efectivamente acordado entre as partes segundo o pacto de preenchimento”[23].
O acordo de preenchimento assume assim relevância transcendente, definindo-o Gonsalves Dias[24] como “fundado na possibilidade legal de o sacador ou emitente deixar escrever a outrem o que ele próprio deveria escrever; e não só escrever materialmente, mas ainda deliberar, ficando-lhe apenas salvo o direito às excepções pessoais, quando tenha fixado limites a essa faculdade.
Realça o autor citado, o direito que assiste ao “signatário diverso do sacador”, como um “direito próprio” de completar o título, “direito tão próprio que pode ser exercido ainda após a morte do emitente”.
A questão que se suscita, particularmente relevante para a decisão do recurso, passa agora a situar-se em sede de ónus probatório.
Na situação sub judice está provado que a executada entregou a seu pai o cheque ora dado à execução, assinado e em branco, e que o mandatário da exequente preencheu o título, logo a seguir assinado no verso pelo pai da executada, no circunstancialismo descrito nos factos 33.º a 35.º:
33. O D.... entrou então em contacto com a ora Oponente, no sentido de obter a sua concordância para o preenchimento e entrega dos cheques, a qual, segundo informação do D...., e após contacto telefónico estabelecido com a Executada, inicialmente recusou tal possibilidade, tendo entretanto, segundo informação do D...., anuído na celebração do acordo nos termos propostos, e na entrega dos cheques, conforme acordado.
34. O D.... apresentava-se nervoso, tendo, na sequência do acordado, solicitado ao advogado da exequente que procedesse ao preenchimento dos cheques, porquanto não se encontrava em condições de o fazer.
35. O advogado da exequente, em conformidade com a solicitação, perante todos os presentes, procedeu ao preenchimento dos referidos cheques, os quais foram preenchidos segundo indicação do D...., em conformidade com as indicações daquele, mais precisamente conforme acordado entre as partes.
A executada afirmou, mas não provou que:
a) Os dois cheques tenham sido extorquidos à executada no seu estabelecimento pela exequente, no dia 15/12/2010, mediante a ameaça aí exercida sobre o empregado do estabelecimento D.... de que se não lhe entregasse aqueles cheques, um preenchido no valor de € 455,47 e o outro no valor de € 5.010,17, carregava e levava consigo toda a mercadoria existente naquela loja;
b) Tais cheques só deveriam ser preenchidos pelo pai da executada e por ele entregues a fornecedores da loja, mediante ordem expressa da executada;
c) O cheque dado à execução tenha sido preenchido pelo representante da exequente à revelia e contra a vontade da executada, que nada devia e nada deve à exequente;
d) A executada não tenha dado o seu acordo a que o representante da exequente preenchesse no cheque o nome do beneficiário nem o montante a pagar pelo cheque e a data nele aposta, o preenchimento do cheque é abusivo;
Na sua dissertação de doutoramento[25] Carolina Cunha coloca a ênfase na conclusão de que, quem voluntariamente emite um título em branco dever suportar “o risco inerente a essa actuação”.
Na situação sub judice, o portador imediato (aquele que recebeu o título directamente do subscritor – in casu, o pai da executada), informou o tomador (exequente) de que recebera autorização da sacadora/signatária (executada) para entregar o título para o preenchimento nos termos acordados entre este portador e o mandatário da exequente.
Conclui a autora citada, que em situações como a que se provou nos autos, “o ónus da prova cabe ao subscritor em branco, pelo que se não forem alegados e provados factos nesse sentido, a discrepância é inoponível ao portador”.
No Acórdão do Pleno das Secções Cíveis, de 14.05.1996[26], uniformizou-se jurisprudência nestes termos: «Em processo de embargos de executado é sobre o embargante, subscritor do cheque exequendo, emitido com data em branco e posteriormente completado pelo tomador ou a seu mando, que recai o ónus da prova da existência de acordo de preenchimento e da sua inobservância».
Refere-se na fundamentação do citado aresto, que a afirmação de que se alguém entrega a outrem um cheque com a data em branco é porque entre eles existe um acordo quanto ao preenchimento, permitindo que o tomador aponha a data que entender, deverá ser entendida como “mera presunção judicial, a valorar com a demais prova em sede de decisão sobre a matéria de facto”, já que não existe qualquer presunção legal num ou noutro sentido nem dispensa ou liberação do ónus da prova ou convenção válida sobre tal tema.
Conclui-se, depois, que a questão deverá ser resolvida à luz dos princípios gerais consignados nos artigos 342.º e 343.º do Código Civil, e que, sendo o preenchimento abusivo do cheque, segundo o artigo 13.º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque, motivo de oposição ao tomador, e tendo a procedência de tal oposição, como consequência, julgar-se o cheque nulo, extinguindo ou impedindo o direito de acção do tomador, materialmente, tal preenchimento tem a natureza de excepção peremptória, sendo certo que o facto de essa excepção dever ser invocada em processo de execução por meio de oposição não lhe retira ou altera essa natureza.
No citado aresto uniformizador acolhe-se a doutrina que atrás se expôs: «Daí que o ónus da prova do preenchimento do cheque pelo tomador com desrespeito de acordo de preenchimento (ou na ausência de tal acordo) impenda, nos termos do n.º 2 do art. 342.º do Código Civil, sobre o subscritor».
Na sequência do acórdão uniformizador citado, a questão tornou-se pacífica na jurisprudência do Supremo, que veio a confirmar a orientação ali preconizada, como se constata no acórdão de 22.04.2004[27], onde se citam decisões concordantes e se conclui: «é sobre o embargante, subscritor do cheque exequendo, emitido com data em branco e posteriormente completado pelo tomador ou a seu mando, que recai a prova da existência de acordo de preenchimento e da sua inobservância».
A conclusão enunciada, de que sobre o subscritor do cheque «recai a prova da existência de acordo de preenchimento e da sua inobservância», figura também no acórdão do Supremo, de 11-02-2003[28], onde se faz um historial da evolução da questão na jurisprudência daquele tribunal superior, com citação de inúmeros arestos, nomeadamente do que foi proferido em 13.07.2000, no processo n.º 1757/00, onde se conclui que «a quem quiser invocar a excepção do preenchimento abusivo, será essencial alegar a existência de contrato de preenchimento em certas condições que depois foram desrespeitadas, ou então que tal contrato inexiste, mas, neste caso, tem de ser alegada a razão por que, apesar disso, aparece nas mãos dum Banco um título em branco devidamente assinado»[29].
No contexto enunciado – emissão voluntária de um título assinado e em branco na parte restante, entregue a terceiro – faz todo o sentido que o emitente suporte o risco inerente a essa actuação e, consequentemente, que o ónus da prova do pacto de preenchimento e da sua violação recaia sobre o subscritor do título.
Com efeito, quem subscreve um título em branco e o entrega a terceiro (legítimo portador), corre o risco de o mesmo sair da esfera da pessoa a quem o entregou, e de, nessa eventualidade, poder ter que responder por esse título, o que só não ocorrerá, se provar a inexistência de acordo de preenchimento, ou a existência desse acordo e o preenchimento abusivo (factos integradores de excepção peremptória).
Regressando ao caso que nos ocupa, concluímos que sobre a executada recai o ónus probatório referido.
É nesta sede que nos interessa particularmente a factualidade que a executada alegou e não logrou provar (factualidade não impugnada em sede recursória).
Com relevância para a apreciação desta questão, não se provou que:
a) Os dois cheques tenham sido extorquidos à executada no seu estabelecimento pela exequente, no dia 15/12/2010, mediante a ameaça aí exercida sobre o empregado do estabelecimento D.... de que se não lhe entregasse aqueles cheques, um preenchido no valor de € 455,47 e o outro no valor de € 5.010,17, carregava e levava consigo toda a mercadoria existente naquela loja;
b) Tais cheques só deveriam ser preenchidos pelo pai da executada e por ele entregues a fornecedores da loja, mediante ordem expressa da executada;
c) O cheque dado à execução tenha sido preenchido pelo representante da exequente à revelia e contra a vontade da executada, que nada devia e nada deve à exequente;
d) A executada não tenha dado o seu acordo a que o representante da exequente preenchesse no cheque o nome do beneficiário nem o montante a pagar pelo cheque e a data nele aposta, o preenchimento do cheque é abusivo; (…)
f) A exequente tenha preenchido o cheque dado à execução inexistindo qualquer acordo da executada quanto ao seu preenchimento, bem sabendo a exequente que a executada não emitira o cheque a favor da pessoa que nele figura como endossante do mesmo;
g) A exequente tenha tido também conhecimento de que a executada não pôs o cheque em circulação nem autorizara a sua utilização na situação supra descrita;
h) Tendo-lhe sido entregue o cheque por D...., a exequente tenha preenchido o nome deste como beneficiário, apondo-lhe a quantia pretendida e fazendo com que ele assinasse no verso do cheque, dando-lhe a aparência de cheque endossado;
Face ao ónus probatório que recaía sobre a executada/opoente, teremos que concluir que o cheque dado à execução, assinado pela executada (sacadora) e entregue a seu pai, que posteriormente o endossou à exequente (tomadora) consubstancia um título executivo válido, do qual emerge a obrigação (exequenda) correspondente ao valor que nele foi aposto.
Perante o exposto, terá que improceder o recurso neste segmento.
5.3. A questão do alegado excesso da penhora
A recorrente dedica à oposição à penhora, as conclusões 49.ª a 53.ª, alegando sobre esta matéria: 49ª - Porque os bens penhorados totalizam o valor de € 11.544,72, a preços de aquisição das mercadorias pelo comerciante, a que corresponde um valor de venda de mercado de € 23.648,82, a executada peticionou a redução dos bens penhorados aos que indicou como suficientes para assegurar o valor reclamado nos autos, sendo-lhe devolvidos os restantes; 50ª - Somados os valores dos bens penhorados indicados na listagem de fls. 24-27 e 33 como preço de custo de cada uma das mercadorias aí descritas, obtêm-se as referidas somas, que constam do documento de fls. 28; 51ª - Os valores constantes desses documentos não foram impugnados, tendo sido impugnadas nesses documentos apenas as anotações manuscritas que praticamente se limitam às somas dos preços dos artigos penhorados em cada uma das folhas do documento, que, no entanto, devem ser admitidas por corresponderem à soma aritmética dos preços aí indicados; 52ª - Ao declarar na sentença recorrida que, no caso em apreciação, não se verifica nenhuma situação de impenhorabilidade nem qualquer dos restantes fundamentos, uma vez que não existe qualquer responsabilidade subsidiária relativamente aos bens que devam responder pela divida exequenda e não existe qualquer impenhorabilidade especifica ou convencional no bem penhorado ou qualquer indisponibilidade, na medida em que não foi alegado tal fundamento, o tribunal recorrido violou o disposto no art. 863º-A, nº 1, al. a) - 2ª parte, do CPC; 53ª - Declarando também na sentença recorrida que a presente oposição sempre improcederia face à total ausência de prova do alegado pela executada, sendo que era a si a quem incumbia o ónus probatório e considerando as razões acima apontadas para a improcedência da oposição à execução, o tribunal fez errada apreciação da prova supra referida, violando, por erro de interpretação e de aplicação, igualmente o disposto no art. 863º-A, nº 1, al. a) - 2ª parte, do CPC.
Ressalvando sempre o respeito devido, também neste segmento do recurso não assiste razão à recorrente que, e só um lapso justificará a afirmação de que a factualidade em causa não foi impugnada, já que tal impugnação é feita de forma expressa nos artigos 57.º a 61.º da contestação, que se passam a transcrever: «57. O valor da dívida exequenda acrescida das despesas prováveis da execução, calculada nos termos do disposto no art. 821º nº 3 do CPC, perfaz a quantia de € 5 649,06 (= dívida exequenda + despesas prováveis = € 5 135,51 + € 513,55); 58. O valor dos bens penhorados ascende à quantia de € 5 173,00, conforme avaliação da Agente de Execução, constante do auto de penhora de 30 de Setembro de 2011; 59. Posto isto, facilmente se afere que o valor dos bens penhorados não se apresenta superior daquele que visa acautelar; 60. Nos termos do art. 849º CPC, compete ao Agente de Execução a atribuição dos valores dos bens; 61. A impugnação do valor atribuído aos bens penhorados não é fundamento para a dedução de Oposição à Penhora (cfr. art. 863º-A CPC)».
O Tribunal considerou não provado que: p) tomando por base o valor de aquisição para comercialização na loja da executada das mercadorias penhoradas, ou seja, o seu valor de custo da loja, conforme indicado na listagem composta de seis folhas, se mostrem suficientes para assegurar o pagamento da quantia exequenda e custas prováveis os bens penhorados enumerados na primeira folha e os nove primeiros da segunda folha, exceptuado o terceiro mencionado nesta folha; q) somem os bens relacionados na primeira folha e os nove primeiros da segunda folha, exceptuado o relacionado em terceiro lugar desta segunda folha, o montante de € 5.662,44, que ultrapassa o valor da quantia exequenda e custas prováveis que é de € 5.649,06.
A executada não impugna esta matéria factual nos termos imperativamente exigidos pelo já referido artigo 685.º-B do CPC, que faz impender sobre o recorrente que impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de “obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição”: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
No entanto, ainda que se pudessem considerar formalmente cumpridos os ditames legais enunciados, o único fundamento seria a ausência de impugnação, que, como se concluiu, não se verifica.
Decorre do exposto a improcedência do recurso, também neste segmento.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, ao qual negam provimento, mantendo em consequência a decisão recorrida,
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Custas do recurso pelo Apelante.
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O presente acórdão compõe-se de quarenta e uma páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
*

Porto, 3 de Junho de 2013
Carlos Manuel Marques Querido
José Fonte Ramos
Ana Paula Pereira de Amorim
_________________________
[1] Como adiante veremos, o acordo em causa foi celebrado entre a exequente e o pai da executada – D.... – que ocupava a posição de executado na execução n.º 2781/10.4TBPVZ.
[2] Com o devido respeito, a questão controvertida é tudo menos simples, revelando uma complexidade que o despacho de condensação poderia simplificar.
[3] Onde a lei exige: «O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão».
[4] Vide António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pág. 91
[5] Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 151
[6] Não pode também o tribunal ad quem conhecer da matéria de uma conclusão que não foi versada no contexto da alegação (STJ, 6.06.1991, BMJ408, 431.
[7] Nenhuma impugnação é feita relativamente aos factos não provados.
[8] A que também se reporta a conclusão 44.ª.
[9] Reporta-se ao facto anterior onde se refere que D...., pai da ora recorrente havia transferido os bens móveis do seu anterior estabelecimento comercial para um novo estabelecimento, sito na Rua …, nº …, Póvoa de Varzim.
[10] Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2.ª edição, pág. 298.
[11] Provou-se, não tendo sido objecto de impugnação: 34. O D.... (…) na sequência do acordado, solicitou ao advogado da exequente que procedesse ao preenchimento dos cheques, porquanto não se encontrava em condições de o fazer; 35. O advogado da exequente, em conformidade com a solicitação, perante todos os presentes, procedeu ao preenchimento dos referidos cheques, os quais foram preenchidos segundo indicação do D...., em conformidade com as indicações daquele, mais precisamente conforme acordado entre as partes.
[12] A Acção Executiva depois da reforma da reforma, 5ª. edição, Coimbra Editora 2009, pág. 27.
[13] Elenca-se a factualidade não provada, face à sua manifesta relevância para a apreciação do recurso, considerando, nomeadamente, o ónus probatório, como adiante veremos.
[14] A parte restante é claramente conclusiva.
[15] Citação colhida no Assento n.º 4/2000, in DR. 40 SÉRIE I-A, de 17 de Fevereiro de 2000.
[16] José Maria Pires, in O Cheque, Editora Rei dos Livros, 1999, página 25.
[17] Publicado no DR I-A, n.º 7/93, de 9.01.1993, sumariado nestes termos: «Para efeitos penais, dos artigos 23.º e 24.º do Decreto n.º 13004, a entrega pelo sacador de cheque incompleto quanto à data não faz presumir que foi dada autorização de preenchimento ao tomador, nos termos em que este o fez».
[18] O Cheque, Editora Rei dos Livros, 1999, página 68.
[19] Como refere Marnoco e Souza (Das Letras, Livranças e Cheques, Comentário ao título VI do Livro II do Código Comercial, Volume I, 2.ª edição, “LVMEN”, Empresa Internacional Editora, 1921, pág. 144 - 145), “A emissão ou a assinatura do título em branco determinam, pois, para o signatário um vínculo jurídico, obrigação cambiária, que o emitente ou signatário quer assumir (…). Tal obrigação só mais tarde surge, quando o título é preenchido, e como efeito necessário deste preenchimento, que, sendo a observância dos requisitos formais da obrigação cambiária, vem revestir de plena eficácia as vontades precedentemente manifestadas”.
[20] Como se refere no acórdão do STJ de 13.04.2011, disponível no site da DGSI, “O pacto de preenchimento é um contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário no que respeita aos elementos que habilitam a formar o título executivo, estabelecendo os requisitos que tornam exigível a obrigação cambiária”.
[21] Obra citada na nota 19, pág. 144.
[22] Proferido no processo n.º 29/10.0TBCNF-A.P1, no qual o ora relator foi adjunto (acessível no site da DGSI).
[23] fere-se no citado aresto, que a violação do pacto de preenchimento se traduz “numa violação da convenção executiva, constituindo uma verdadeira violação contratual, constituindo também uma falsidade ideológica, na medida em que se insere num escrito assinado em branco um conteúdo divergente daquele que havia sido acordado com o firmante em branco».
[24] Da Letra e da Livrança Segundo a Lei Uniforme e o Código Comercial, Volume IV, 1ª parte, 1942, páginas 500 e 501.
[25] Letras e Livranças, Paradigmas Actuais e Recompreensão de um Regime, Almedina, 2012, páginas 566 a 576.
[26] In DR 159/96 SÉRIE II, de 1996-07-11, também publicado in BMJ 437,525.
[27] Proferido no Processo n.º 04B983, acessível no site da DGSI.
[28] Proferido no Processo n.º 02A4555, acessível no site da DGSI.
[29] No mesmo sentido, veja-se o acórdão do STJ, de 25.10.2005, proferido no processo n.º 05A2703, acessível no mesmo site da DGSI.