1. Na ação executiva, a verificação da extinção da instância por deserção, incumbirá, em regra, ao agente de execução.
2. Embora a deserção da instância (na ação executiva) não necessite de ser declarada por despacho judicial, não prescinde de uma apreciação prévia sobre a verificação dos seus pressupostos e que serão a negligência do exequente em promover o respetivo andamento.
3. Não dependendo, em regra, a marcha do processo executivo do impulso do exequente, só se poderá falar em inércia do exequente para promover os respetivos termos se for expressamente notificado, por parte do agente de execução ou por determinação do tribunal, de que o processo ficará a aguardar a sua resposta ou impulso.
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):
I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de execução comum para pagamento de quantia certa que o Banco (…), S.A., move contra L (…) e A (…),
instaurada por requerimento eletrónico enviado a 08 de abril de 3013,
o Sr. Agente de Execução (AE), informando que o executado já não mora na morada constante do requerimento inicial e que corresponde à da AT e da SS, veio, a 13.10.2013, requerer ao juiz que ordenasse a citação edital do executado.
Por despacho de 22.10.2013, o Juiz a quo autorizou a consulta das bases de dados bem como o pedido de informação às autoridades policiais competentes.
Da cópia eletrónica do processo que nos foi enviada consta ainda uma consulta eletrónica de bens penhoráveis efetuada pelo A.E., sem que se consiga saber em que data a mesma foi efetuada.
A 29.02.2016, e sem que mais nada conste dos autos, pelo oficial de justiça foi aposta uma cota com o seguinte teor:
“Em 29-02-2016, constata-se que os autos se encontram a aguardar o impulso processual há mais de seis meses. Assim nos termos do artigo 277º, alínea c) e artº 281º, nº 5, ambos do C.P.Civil, extingue-se a instância executiva.
Tendo sido paga e arrecadada pelo I.G.F. a taxa de justiça devida nos autos, e não havendo lugar ao pagamento de encargos, nos termos do artº 29º, nº 1, al. c), da Lei nº 7/2012 de 13 de Fevereiro, não há lugar à elaboração da conta.”
Por comunicação datada do mesmo dia, 29.02.2016, o A.E. informou nos autos encontrar-se a efetuar diligências de penhora de bens móveis na morada dos executados.
Nessa mesma data, o AE fez consultas informáticas e juntou aos autos informação sobre o facto de a 09.07.2015 se ter dirigido à morada constante do requerimento executivo não tendo logrado a penhora de bens, datada de 31.03.2015, bem como um ato do qual consta que diligenciou pelo registo da penhora dos créditos de IRS do Executado L (...) no Portal das Finanças, cujo resultado logrou negativo.
O Exequente veio reclamar da deserção da instância, alegando, em síntese, que continua a aguardar que o Solicitador de Execução notifique o exequente, por intermédio do advogado signatário, do resultado da penhora nos bens que guarnecem a residência dos executados, penhora logo requerida no requerimento executivo. Mais alega que, como tem sido decidido pela jurisprudência, a deserção da instância não prescinde de verificação da negligência da parte na observância do ónus de impulso processual.
O Juiz a quo proferiu, então, o seguinte despacho de que agora se recorre:
“Reclamação da deserção da instância: Veio o exequente reclamar da deserção da instância, verificada por cota datada de 29.2.2016, alegando, para o efeito e síntese, que se encontra a aguardar que o sr. AE localize bens penhoráveis, nomeadamente os que indicou no requerimento executivo) e que não foi cumprido o disposto no art. 754º, n.º 1, al. a).
A última comunicação efetuada pelo AE data de 6.7.2015, dando conta de “consulta à Segurança Social”. Desde então e até à notificação da cota supra-referida que o exequente nada requereu (nomeadamente quanto ao comportamento do AE).
De igual modo o sr. AE vem agora pretender mostrar as diligências efetuadas, mas que oportunamente, não comunicou aos autos.
Ora, verificando que os autos estiveram sem qualquer movimentação durante bem mais de seis meses, não pode concluir-se de outra forma que não seja pela negligência do exequente (em última linha, dado que que lhe cabe reagir contra eventuais paragens nas diligências executivas não podendo ficar a aguardar, indefinidamente, por comunicações do AE, sendo-lhe exigível uma atitude ativa na condução e acompanhamento do processo, desde logo pelo cumprimento deste no que às comunicações aos autos respeita). Não podem as partes olvidar – nem o AE - que o processo executivo é, ainda, um processo jurisdicional e que eventuais diligências havidas entre exequente e agente de execução têm que ser comunicadas ao processo (para o respetivo controlo, quer do prazo de deserção, quer da legalidade das mesmas) pelo que confirmo o ato da secretaria e julgo deserta a presente instância – art.281º, n.º 1 e 5, do NCPC”.
Em conclusão, portanto, por violação do disposto no artigo 2º, nº 1, do disposto no artigo 754º nº 1, alínea a), e igualmente por violação do disposto nos nºs 1 e 5 do artigo 281º todos do Código de Processo Civil, deve, atento o que dos autos consta, o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, revogar-se o despacho recorrido substituindo-se o mesmo por Acórdão que, aliás deferindo o requerido a fls.-, aos 02/03/2016 pelo ora recorrido ordene o normal e regular prosseguimento da execução, nos termos que requeridos foram, desta forma se fazendo correta e exata interpretação e aplicação da lei.
A apelação será, assim, de proceder.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento da execução.
Sem custas.
Coimbra, 07 de junho de 2016
Maria João Areias ( Relatora)
Fernando Monteiro
Carvalho Martins
V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. Na ação executiva, a verificação da extinção da instância por deserção, incumbirá, em regra, ao agente de execução.
2. Embora a deserção da instância (na ação executiva) não necessite de ser declarada por despacho judicial, não prescinde de uma apreciação prévia sobre a verificação dos seus pressupostos e que serão a negligência do exequente em promover o respetivo andamento.
3. Não dependendo, em regra, a marcha do processo executivo do impulso do exequente, só se poderá falar em inércia do exequente para promover os respetivos termos se for expressamente notificado, por parte do agente de execução ou por determinação do tribunal, de que o processo ficará a aguardar a sua resposta ou impulso.
[1] Com as sucessivas alterações que lhe foram sendo introduzidas pelos DL 226/2008, de 20 de Novembro, e Lei nº 41/20013, de 26 de junho.
[2] Neste sentido, Rui Pinto, “Manual de Execução e Despejo”, Coimbra Editora, pág. 116.
[3] Cfr., Mariana França Gouveia, segundo a qual, e sintetizando o poder de direção do processo executivo atribuído ao agente de execução, é este quem o conduz, o promove e o impulsiona – “Poder Geral de Controlo”, in Sub Júdice, Outubro/Dezembro 2004, “Reforma da Ação Executiva, da esperança à realidade”, págs. 18 e 21. Cfr., ainda “A Livre Substituição do Agente de Execução por parte do Exequente e o direito constitucionalmente consagrado a um processo equitativo – o Acórdão do Tribunal Constitucional nº199/2002, de 24 de abril de 2012”, da autoria da aqui, relatora, in Julgar Online, págs. 7 na 11. Quanto ao reposicionamento do papel do agente de execução face ao juiz e à secretaria, com a reforma de 2013, cfr., Rui Pinto, “Notas Breves sobre a Reforma do Código de Processo Civil em Matéria Executiva”, http://www.oa.pt/upl/%7Ba2f818e3-1ef3-4c39-86b7-2e6cbd6e83ac%7D.pdf.
[4] Com exceção das situações em que tal extinção é consequência de sentença de procedência de oposição à execução, operada em embargos de executado ou pelo conhecimento oficioso de qualquer exceção no âmbito da ação executiva.
[5] A situação em apreço não se enquadra na medida excecional de combate à morosidade da ação executiva, consagrada no Dec. Lei nº 4/2013, de 11 de janeiro, que previa a extinção da instância de todos os processos executivos cíveis que se encontrem a aguardar o impulso processual do exequente há mais de seis meses. De qualquer modo, chama-se a atenção de que a verificação da extinção da instância com base em tal fundamento era aí atribuída ao agente de execução “e comunicada eletronicamente pelo agente de execução ao tribunal (artigo 3º, nº4).
[6] Sobre as alterações operadas no regime da interrupção e da deserção da instância pela Lei nº 41/20013, de 26 de junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil, cfr., José Lebre de Freitas e Isabel Redinha, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, Artigos 1º a 361º, Coimbra Editora, págs. 554 a 557.
[7] Neste sentido, Paulo Ramos de Faria, “O Julgamento da Deserção da Instância Declarativa, Breve roteiro jurisprudencial”, disponível in Julgar Online, http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/04/O-JULGAMENTO-DA-DESER%C3%87%C3%83O-DA-INST%C3%82NCIA-DECLARATIVA-JULGAR.pdf.
[8] “Reflexões Sobre a Nova Acção Executiva”, local citado, pág. 84.
[9] A não ser que as funções de agente de execução se encontrem a ser exercidas por oficial de justiça, ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 722º do CPC.
[10] Rui Pinto, “Manual da Execução e Despejo”, pág. 134.
[11] Em igual sentido ao aqui defendido, Acórdão do TRL de 16.06.2015, de Conceição Saavedra, publicado in www.dgsi.pt..