INVENTÁRIO
LEGITIMIDADE
INTERESSADO
CITAÇÃO EDITAL
PRETERIÇÃO DE HERDEIRO
MEAÇÃO
CESSÃO DO DIREITO À HERANÇA
Sumário

1.- Para efeitos do art.º 1388º, n.º 1, do CPC de 1961, a preterição de herdeiro, em processo de inventário, dá-se quando o cabeça-de-casal deixa de indicar como tal alguém que tem essa qualidade; verifica-se a falta de intervenção quando, posteriormente às declarações do cabeça-de-casal, alguém adquiriu a qualidade de herdeiro e não chegou a intervir no inventário.
2. Tendo um herdeiro, indicado pelo cabeça-de-casal, sido citado editalmente e não vindo ao inventário acompanhando-o no desenvolvimento dos seus termos, fica na situação de revelia, a qual não é equivalente à falta de intervenção.
3. Para efeitos do art.º 1327º, n.º 1, do CPC de 1961, a expressão interessado abrange, nomeadamente, o herdeiro e o meeiro do inventariado, sendo que o meeiro do inventariado é tão interessado no inventário como qualquer herdeiro.
4. Relativamente à cessão do direito à herança (ou do direito à meação na herança ilíquida e indivisa), o cessionário, desde que tenha a seu favor uma escritura donde conste a cessão, pode, com base nela, requerer inventário, considerando-se na mesma qualidade que o cedente.
5. O cônjuge sobrevivo pode ceder/alienar a sua meação nos bens que constituem o património comum do casal e que passaram a constituir a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do de cujus.
6. A divisão do património entre o cônjuge sobrevivo não herdeiro (art.º 2133º do CC, na sua versão primitiva) e os herdeiros do falecido deve ser feita por meio de partilha, na qual se vai determinar a composição da meação do cônjuge sobrevivo (eventualmente cedida aos requerentes do inventário) e o quinhão hereditário dos herdeiros.

Texto Integral

 







          
            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:         
           

            I. Em 17.12.2008, M (…) instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande, a presente acção sumária contra MI (…)(1ª Ré), A (…) e mulher, M (…)  (2ºs Réus) e E (…) e mulher, M (…) (3ºs Réus), pedindo: seja declarada nula por física e legalmente impossível, a partilha homologada no processo n.º 2/95-inventário obrigatório, que correu termos neste Tribunal [a)]; sejam declarados nulos o mapa de partilha e a sentença homologatória [b)]; seja declarada nula a cessão do direito à meação na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A (…) efectuada por N (…) [c)]; sejam declaradas nulas as subsequentes transmissões do citado prédio misto, bem como todos os registos averbados após o falecimento de A (…) [d)] e seja declarado que as aquisições sucessivamente feitas por todos os Réus foram efectuadas com dolo e má fé [e)].

            Alegou, em síntese: é filha de A (…), falecido em 18.11.1976 e que deixou viúva N (…); o A (…) e a mulher eram proprietários do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande sob o n.º 12 697; com o falecimento do A (…), a herança deste foi integrada de metade do aludido prédio e a outra metade continuou a integrar a meação da viúva N (…) (mãe da A.); por escritura pública celebrada em 19.6.1992, a referida N (…) (falecida a 23.9.1992) cedeu o direito à meação que lhe pertencia na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu marido aos Réus A (…), casado com M (…), e M (…); em 05.01.1993 foi instaurado o processo de inventário e partilhas por óbito de A (…), para inventariação dos bens por este deixados e partilha entre a viúva e a filha, tendo figurado como interessados requerentes a 1ª Ré (nomeada cabeça-de-casal) e o 2º Réu, irmãos da N (...) ; a viúva não é nem era herdeira (art.º 2133º do Código Civil/CC, em vigor à data do falecimento de A (…)), pelo que os bens da herança não careciam de ser partilhados – a partilha é física e legalmente impossível e a mencionada cessão é nula porquanto a cedente não detinha a qualidade de herdeira; daí que seja nula a partilha e todos os actos subsequentes relativos ao dito prédio; os Réus não tinham legitimidade para intervirem no inventário e tinham pleno conhecimento da desnecessidade da partilha, da impossibilidade da N (…) ceder o direito à meação na herança do M (…) M (...) podia ser cabeça-de-casal; tinham igualmente conhecimento que a A. não estava ausente em parte incerta; agiram com o intuito de se apropriarem ilícita e ilegalmente do prédio misto que relacionaram no aludido processo de inventário e partilhas, o que vieram a conseguir no mesmo processo, tendo-lhes sido adjudicado o referido imóvel; os 3ºs Réus, que vieram a adquirir tal prédio, aos 1º e 2ºs Réus, através da escritura pública de fls. 24, tinham perfeito conhecimento da maneira como estes se apoderaram do referido prédio, sabendo também eles que a A. não se encontrava ausente em parte incerta mas sim a residir nos EUA.

            Os Réus M (..), A (…), E (…) e mulher contestaram, tendo impugnado a matéria alegada pela A. na petição inicial e concluído pela improcedência da acção.

            Em articulado superveniente, a A. ampliou o pedido, requerendo ainda:

            - Seja declarada nula a desanexação do prédio urbano situado em Amieirinha, (...) , com a área total de 227 m2, descrito sob o n.º 16684/20080925 da freguesia da Marinha Grande, com a matriz n.º 18987, composto de casa de rés-do-chão para habitação, cómodos e logradouro – S. C. 95 m2; C. 8 m2; L. 124 m2, desanexado do prédio n.º 12697/19690416, a escritura que a formaliza, bem como o respectivo registo da desanexação da descrição correspondente;

            - Seja declarada nula a descrição do prédio rústico e respectivo registo derivado da desanexação efectuada, mantendo-se a descrição do prédio misto, declarando-se ainda nula a inscrição da transmissão do prédio rústico para a sociedade E (...) , Lda., NIF (...) , com sede na Rua (...) , matriculada na Conservatória de Registo Comercial da Marinha Grande.

            Face aos óbitos dos 3ºs Réus foram habilitados como seus herdeiros (…) (fls. 178, 227 e 248 e apenso C).

            Em cumprimento do despacho de fls. 394[1], procedeu-se à apensação ao mencionado processo de inventário n.º 2/95, considerando-se estar em causa uma acção de anulação da partilha.

            Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem quanto à ilegitimidade da A., tendo em conta os requisitos constantes do art.º 1388º, n.º 1, do CPC (nomeadamente a preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros (fls. 302), a A. pugnou pela respectiva legitimidade (alegando, nomeadamente, que a presente acção não foi proposta ao abrigo do art.º 1388º, n.º 1, do CPC, mas sim com fundamento na nulidade da cessão do direito à meação da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A (…), efectuada por N (…) a favor dos Réus A (…) e M (…), sendo que todos os demais pedidos formulados são consequência do aludido pedido de declaração de nulidade da cessão do direito à meação; em qualquer caso, também se mostram preenchidos os requisitos do art.º 1388º, n.º 1, do CPC, pois a A. não chegou a assumir a posição de parte processual no inventário nem exerceu o contraditório, uma vez que os Réus A (…) e M (…), ao omitirem a morada da A., determinaram a preterição da mesma) e os Réus/habilitados pronunciaram-se no sentido da ilegitimidade da A. (fls. 307 e 312, respectivamente).[2]

            Seguidamente, por sentença de 02.9.2016, a Mm.ª Juíza a quo julgou verificada a excepção de ilegitimidade da A. e, em consequência, absolveu os Réus da instância.

            Inconformada, a A. interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:

            (…)

            Os Réus/habilitados responderam à alegação concluindo pela improcedência do recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, sobretudo, da legalidade do meio processual empregue pela A., e da legitimidade desta na presente acção, atendendo à causa de pedir e ao pedido, e/ou se estão reunidos os requisitos bastantes para o prosseguimento dos autos.


*

            II. 1. Para a decisão do recurso releva o que se descreve no antecedente relatório e ainda o seguinte:[3]

            a) A (…) faleceu em 18.11.1976 e era casado em primeiras núpcias com N (…), segundo o regime da comunhão geral de bens.

            b) N (…), por escritura pública de 19.6.1992, celebrada no Cartório Notarial de Porto de Mós, cedeu à 1ª Ré e aos 2ºs Réus o direito à meação que lhe pertencia na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A (…).

            c) A A. é filha de A (…) e N (…).

            d) N (…) faleceu em 23.9.1992, no estado de viúva de A (…)..

            e) Em 05.01.1993, a 1ª Ré e o 2º Réu requereram inventário facultativo por óbito do referido A (…), tendo invocado a cedência de meação dita em II 1. b).

            f) Por despacho de 22.9.1995 foi determinada a cumulação de inventários para partilha das heranças de A (…) e N (…)

            g) A A. foi indicada como herdeira dos inventariados e citada, por via edital, para os termos do inventário.

            h) No inventário dito em II. 1. e) foi apenas relacionado o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Marinha Grande sob o n.º 12697/Freguesia de Marinha Grande (art.º 6353), imóvel adquirido “a favor de N (…) casada com A (…) na comunhão geral - por doação de L (…) e M (…)”

            i) A partilha constante do mapa de fls. 77 e 78 dos autos principais foi homologada por sentença de 28.01.1999, adjudicando-se aos interessados os quinhões respectivos, pelo que “a meação da inventariada N(…), por força da cessão efectuada pela escritura constante de fls. 3 a 5 dos autos” foi atribuída “aos seus irmãos A (…) e M (…)”.”.

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            Considerado o objecto do litígio e as datas dos factos que relevam para a decisão, dúvidas não restam que importa atentar no regime jurídico processual e em matéria de inventário previsto no Código de Processo Civil de 1961, bem como na lei civil substantiva à data da abertura da sucessão.

            Assim, atente-se desde já no seguinte enquadramento adjectivo:

            O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer (art.º 26º, n.º 1, do CPC de 1961, na redacção conferida pelo DL n.º 180/96, de 25.9). O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha (n.º 2). Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (n.º 3).

            Têm legitimidade para requerer que se proceda a inventário e para nele intervirem, como partes principais, em todos os actos e termos do processo, os interessados directos na partilha (art.º 1327º, n.º 1, alínea a), do CPC de 1961, na redacção introduzida pelo DL n.º 227/94, de 08.9).

            Salvos os casos de recurso extraordinário, a anulação da partilha judicial confirmada por sentença passada em julgado só pode ser decretada quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada (art.º 1388º, n.º 1, do CPC de 1961). A anulação deve ser pedida por meio de acção à qual é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo anterior (n.º 2)[4].

            Vejamos ainda as seguintes normas substantivas então aplicáveis:

            As relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento (art.º 1688º do CC).

            Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património (art.º 1689º, n.º 1, do CC).

            O casamento dissolve-se pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio (art.º 1789º do CC).

            A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele (art.º 2031º do CC).

            O cargo de cabeça-de-casal defere-se, designadamente, ao cônjuge sobrevivo, se for herdeiro ou tiver meação em bens do casal (art.º 2080º, n.º 1, alínea a), do CC);

            A ordem por que são chamados os herdeiros, sem prejuízo do disposto no título da adopção, é a seguinte: a) Descendentes; b) Ascendentes; c) Irmãos e seus descendentes; d) Cônjuge; e) Outros colaterais até ao sexto grau; f) Estado (art.º 2133º do CC).

            3. A anulação da partilha judicial apenas pode ser peticionada quando se verifique preterição ou falta de intervenção de algum herdeiro, bem como a existência de dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada, conforme se prevê no art.º 1388º, n.º 1 do CPC de 1961.

            A preterição de herdeiro dá-se “quando o cabeça-de-casal deixa de indicar como herdeiro alguém que tem essa qualidade”; a “falta de intervenção” verifica-se “quando, posteriormente às declarações do cabeça-de-casal, alguém adquiriu a qualidade de herdeiro e não chegou a intervir no processo de inventário”.[5]

            A preterição de herdeiro, em processo de inventário, dá-se quando o cabeça-de-casal deixa de indicar como tal alguém que tem essa qualidade; verifica-se a falta de intervenção quando, posteriormente às declarações do cabeça-de-casal, alguém adquiriu a qualidade de herdeiro e não chegou a intervir no inventário.

            Tanto a preterição como a falta de intervenção, causais da anulação da partilha, têm como pressuposto o dolo ou má fé, cujo conceito o art.º 253º do Cód. Civil define. Vícios que hão-de ter origem na actuação dos «outros interessados», isto é, no procedimento malicioso com que se houveram no intuito pretendido e alcançado de afastarem do inventário qualquer co-herdeiro que tinha direito a aí intervir e obter o pagamento do seu quinhão hereditário, ou de viciarem o alcance e finalidade da partilha em si mesma.[6]

            4. Assim, tendo um herdeiro, indicado pelo cabeça-de-casal, sido citado editalmente e não vindo ao inventário acompanhando-o no desenvolvimento dos seus termos, fica na situação de revelia, a qual não é equivalente à falta de intervenção.

            Porém, se a citação edital tiver sido mal utilizada por não ser admissível no caso ou por comportar irregularidade, o meio processual para reagir contra a partilha efectuada no processo de inventário é nos termos do art.º 771º do CPC de 1961 (art.º 696º do CPC de 2013), o recurso de revisão, e não a acção de anulação da partilha.[7]

            5. Para efeitos do art.º 1327º, n.º 1, do CPC de 1961, a expressão interessado abrange, nomeadamente, o herdeiro e o meeiro do inventariado, sendo que o meeiro do inventariado é tão interessado no inventário como qualquer herdeiro.[8]

            A legitimidade para requerer o inventário deve aferir-se pela regra comum do art.º 26º do CPC de 1961 - o ter ou não ter interesse directo na partilha é que comanda a legitimidade para requerer a requerer.

            6. Relativamente à cessão do direito à herança (ou do direito à meação), o cessionário, desde que tenha a seu favor uma escritura donde conste a cessão, pode, com base nela, requerer inventário, considerando-se na mesma qualidade que o cedente.[9]

            7. Diz a recorrente que a pretensão formulada nos autos não é a de anulação da partilha mas sim a declaração de nulidade desta partilha, pedido que é formulado cumulativamente e em consequência do pedido de declaração de nulidade da cessão do direito à meação na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A (…), efectuada por N (…) a A (…) e M (…) (“conclusão 12ª”, ponto I, supra), sendo que continua a sustentar que a cessão do direito à meação na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A (…) padece de nulidade, por falta de legitimidade substantiva de quem a efectuou, que não era herdeira, não era titular do direito que cedeu, verificando-se, pois, a nulidade substantiva da cessão e de todos os actos subsequentes (cf., designadamente, as “conclusões 4ª, 6ª e 8ª”, ponto I, supra).

            8. Relativamente a esta problemática tida como fundamental para a decisão do presente litígio - e não obstante alguma tergiversação face ao aduzido, designadamente, a fls. 307 -, afigura-se, salvo o devido respeito por entendimento contrário, que a A./recorrente não tem razão.

            É verdade que a mãe da A. não era herdeira de A (…), dada a existência de descendentes (art.º 2133º do CC, aplicável à data).

            Porém, nada nos diz - e nada foi dito - que leve a concluir que a viúva, N (…), não pudesse dispor da sua meação no património comum do casal, como veio a fazer mediante a escritura pública de cessão de meação mencionada em II. 1. b), supra, não se antolhando correcta a posição da A./recorrente, mormente quando afirma que a N (…), «por não ter a qualidade de herdeira de A (…) não tinha qualquer direito sobre a herança aberta por óbito de A (…) sendo, por isso, a cessão da meação da herança indivisa da herança que efectuou a favor dos Réus (…), nula por corresponder a uma venda a “a non domino” de tal direito, conforme decorre do art.º 892º do Código Civil, (…) e, conforme decorre do art.º 280º, n.º 1, também do Código Civil, ser um negócio física e legalmente impossível

            Ao contrário do sustentado pela A/recorrente, a N (…) tinha, pois, inteira legitimidade para o fazer [cf., v. g., II. 5. e 6., supra] e desconhecem-se, e não vemos invocados, quaisquer vícios (formais ou substantivos) que pudessem afectar tal cessão.[10]

            Por conseguinte, considerando-se porventura que este era o principal fundamento (material/substantivo) da A./recorrente para atacar a validade e a eficácia da dita escritura, apenas podemos concluir pela total inconsistência e insubsistência da perspectiva trazida a juízo.[11]

            9. Por outro lado, atendendo à factualidade supra referida, é irrecusável que a situação dos autos não se enquadra na previsão do art.º 1388º, n.º 1 do CPC (anulação da partilha), como bem se argumentou na decisão recorrida - além do mais, verifica-se que a A. foi indicada e tida como herdeira no inventário, não tendo assim legitimidade para a propositura de uma acção de anulação da partilha (cf. II. 3., supra); e sempre haveria que considerar a factualidade provada e, nomeadamente, o explanado em II. 4., supra.[12]

            E a própria A. diz (tergiversando…) pretender invalidar a partilha em consequência da eventualmente demonstrada e declarada nulidade da cessão de meação [no dizer da recorrente: “nulidade da referida partilha (…) pedida por ser consequência da nulidade da cessão da meação”].

            10. E se podemos afirmar que em matéria de declaração da ineficácia da partilha, aplicam-se as regras gerais dos negócios jurídicos (art.ºs 286º e seguintes, do CC), sendo que a declaração de ineficácia global tem como consequência fazer extinguir, retroactivamente ao momento da abertura da sucessão (cf. os art.ºs 289º e 2119º, do CC), os efeitos próprios da partilha hereditária, repondo a situação de indivisão hereditária (que só poderá ser superada com nova partilha, face à ineficácia global da primitiva), e, assim, que para obter a declaração da nulidade das partilhas judiciais a acção declarativa de simples apreciação, sob a forma comum, é a forma de processo própria/adequada[13], porém, na situação em análise, como se referiu em II. 8., supra, não vemos invocados vícios que permitam tal enquadramento adjectivo.

            11. Por conseguinte, ainda que porventura não sufragados integralmente os considerandos finais da decisão sob censura - designadamente, quando se diz que «não são todos os demais pedidos formulados que são consequência do pedido de declaração de nulidade da cessão do direito à meação na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A (…), efectuada por N (…), mas, ao inverso, que todos os demais pedidos dependem da anulação da partilha, pois apenas por esta via (e não por via da mera declaração de nulidade da escritura de cessão) poderá a A. reaver o imóvel em apreço» (entendimento da Mm.ª Juíza a quo não afastado pelos “pedidos” formulados na petição inicial e de algum modo corroborado pela derradeira posição da A. expressa a fls. 307/cf. ponto I, supra) e/ou que «a validade da escritura de cessão e a falta de legitimidade dos Réus A(…) e M (…)para requerer e intervir no inventário constituem questões que deviam ter sido suscitadas pela A. em sede própria» -, será de concluir, por um lado, que a A./recorrente carecia de legitimidade para instaurar uma qualquer acção de anulação da partilha ao abrigo do disposto no art.º 1388º, n.º 1 do CPC de 1961[14], com o desfecho declarado na decisão recorrida, e, por outro lado, atenta a forma como a A. decidiu configurar a presente acção (ou melhor configurou em sede de recurso…), maxime, considerados o efeito jurídico pretendido pela A. e o acto ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que a A. invoca e pretende fazer valer (art.º 581º, n.ºs 3 e 4 do CPC de 2013)[15], o qual não pode ter existência sem um acto ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir[16], é irrecusável a improcedência do invocado pedido de declaração de nulidade da cessão do direito à meação na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A (…), efectuada por N (…), e, consequentemente, dos demais e derivados pedidos formulados pela A.[17], pelo que não se justifica o pretendido prosseguimento dos autos.

            12. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


*

            III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida de julgar verificada a excepção de ilegitimidade da A. para requerer a anulação da partilha à luz do disposto no art.º 1388º do CPC de 1961, com a consequente absolvição dos Réus da instância, improcedendo, de igual modo, a pretensão de prosseguimento dos autos, como se refere em II. 11., 2ª parte, supra.

            Custas pela A./recorrente.


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04.4.2017

Fonte Ramos ( Relator

Maria João Areias

Vítor Amaral


[1] Com o seguinte teor: “Ao abrigo do disposto no artigo 1387º, n.º 2, parte final, do CPC, por remissão do artigo 1388º, n.º 2 do citado diploma legal (na redacção aplicável), proceda à apensação dos presentes autos ao Processo de Inventário identificado a fls. 10.”
[2] Foi declarada “não escrita” a pronúncia por parte da 1ª Ré e do 2º Réu (fls. 319 e 326).
[3] Atendendo aos documentos e elementos de fls. 3, 6 (que contém um lapso na identificação do cônjuge do falecido), 17, 20, 40, 43, 49, 61, 77 e 79 verso dos autos principais e fls. 13 e 20 do presente apenso.

[4] Que preceituava: “A acção destinada a obter a emenda segue processo ordinário ou sumário, conforme o valor, e é dependência do processo de inventário.”

[5] Vide Alberto dos Reis, interpretando disposição do CPC de 1939 idêntica à do citado art.º 1388º do CPC de 1961, in RLJ, 83º, 344.
[6] Vide J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, Almedina, 4ª edição, 1990, págs. 580 e seguinte.
[7] Vide, neste sentido, Abílio Neto, CPC Anotado, 13ª edição, 1996, Ediforum, pág. 434.
[8] Vide Alberto dos Reis, Processo Especiais, Vol. II (reimpressão), Coimbra Editora, 1982, pág. 358, comentando idênticas disposições do CPC de 1939.
[9] Vide J. A. Lopes Cardoso, ob. cit., Vol. I, págs. 177 e 179.

[10] Correcto, pois, o seguinte entendimento expresso na resposta à alegação de recurso: «A divisão do património entre o cônjuge sobrevivo não herdeiro e os herdeiros do falecido deve ser feita por meio de partilha, na qual se vai determinar a composição da meação do cônjuge sobrevivo e o quinhão hereditário que ficará a pertencer a um ou mais herdeiros. // É perfeitamente lícito que o cônjuge sobrevivo aliene a sua meação nos bens que constituem o património comum do casal e que passaram a constituir a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do de cujus.» (fls. 355 verso).

[11] E o caso presente - pese embora a similitude adjectiva indicada /perspectivada pela A./recorrente - é diferente da situação analisada no acórdão desta Relação de 08.3.2016-processo 1419/15.8T8FIG.C1 (mesmos relator e 1ª adjunta), invocado pela recorrente, publicado no “site” da dgsi.

[12] Cf., entre outros, o acórdão do STJ de 25.02.2010-processo 399/1999.C1.S1, publicado no “site” da dgsi.

[13] Cf. o cit. acórdão da RC de 08.3.2016-processo 1419/15.8T8FIG.C1.
[14] Conclusão aparentemente acolhida pela própria recorrente - cf., designadamente, os pontos 43 e 44 da fundamentação da alegação de recurso de fls. 340 e seguinte.
[15] Diploma aqui aplicável (cf. os art.ºs 5º e 8º da Lei n.º 41/2013, de 26.6).
[16] Vide Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 111.

[17] Nas palavras da A./recorrente: «(…) a declaração de nulidade da cessão do direito à meação na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A (...) , efectuada por N (...) a favor dos Réus (…), e a ineficácia, com fundamento na sua nulidade, da consequente partilha efectuada no processo de inventário n.º 2/95, que correu termos no Tribunal recorrido (…) bem como de todos os negócios jurídicos posteriormente realizados que recaíram sobre os bens da herança, e que, nos termos do art.º 286º do CC, pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado» (cf., v. g., os pontos 57 e 61 da fundamentação da alegação de recurso).