PROCESSO SUMARISSIMO
OPOSIÇÃO DO ARGUIDO
CONTESTAÇÃO
Sumário

I – A apresentação de contestação tabelar em processo sumaríssimo pelo Defensor Oficioso não pode ser interpretada como oposição à sanção proposta pelo MP
II – Deve o arguido ser notificado pessoalmente para se opor, querendo, à aplicação da sanção.
III – A não notificação viola o disposto no art.º 398º do CPP.

Texto Integral

Proc. n.º 784/10.8GBPNF-A.P1
Penafiel

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto.

2ª secção
I-Relatório.
No processo sumaríssimo n.º 784/10.8GBPNF do 1º juízo criminal de Penafiel o Ministério Público, nos termos do art. 392º e seguintes do C.P.P. requereu, em processo sumaríssimo, a aplicação de pena não privativa da liberdade ao arguido B……, com os demais elementos identificativos constantes de fls. 21 destes autos (fls. 118 do principal).
A fls. 40 destes autos - 133 do proc. principal - com data de 24.09.2012, foi proferido despacho no sentido do recebimento do requerimento de aplicação de processo especial sumaríssimo contra o arguido, pelos factos e disposições legais constantes do requerimento.
Ordenou-se a notificação pessoal do arguido para, querendo, deduzir oposição, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo art. 396º, nºs 1, al. b), 2 e 4 do CPP, e ordenou-se que após se notificasse a defensora do arguido nos termos do disposto no n.º3 do citado art. 396º do CPP.
O arguido foi pessoalmente notificado do referido despacho a 13 de Outubro de 2012 e nada veio dizer pessoalmente até 28.10.2012, data do fim do prazo.
A sua defensora nomeada, que havia sido notificado do mesmo despacho a 28 de Setembro de 2012 (3º dia útil posterior a 25.09.2012), veio com data de 16 de Outubro de 2012, apresentar um requerimento que inicia por “CONTESTANDO”, onde oferece o merecimento dos autos, alega ter bom comportamento anterior e posterior aos factos, invoca em sua defesa tudo o que nesse sentido resulte da discussão da causa e, arrola prova testemunhal.
A fls. 47 destes autos (141 do proc. principal) foi proferido despacho, com data de 22.10.2012, onde se decidiu remeter os autos aos serviços do Ministério Público para que ali seja feita a notificação ao arguido da acusação (e do prazo para requerer a abertura de instrução, caso o Ministério Público entenda que o processo deve seguir a forma comum – cfr. art.º 398º, n.º2 do C.P.P.).
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Inconformado recorreu o MP, apresentando a motivação de fls. 5 a 13 destes autos, que remata com as seguintes conclusões:
1). Deduzida que foi nos autos à margem identificados acusação em processo especial sumaríssimo e, uma vez recebida a acusação e determinado que se procedesse à notificação pessoal do arguido, bem como à notificação da defensora nomeada, o arguido nada disse e veio esta juntar aos autos o que consta de fls. 138.
2). Nessa peça, a defensora nomeada, identificando apenas o processo supra aludido pelo seu número e pelo juízo e já não pela forma especial por que corria, diz contestar a acusação deduzida pelo Ministério Público, oferecendo o merecimento dos autos, referindo ter o arguido bom comportamento, invocando em sua defesa tudo o que resultar da discussão da causa e apresentando duas testemunhas.
3). Logo após, por despacho de fls. 141, foi determinado o reenvio do processo para tramitação sob outra forma, nos termos do disposto no art. 398°, 1 do CPP, por se ter considerado que a contestação apresentada equivale a oposição do arguido à pena proposta pelo Ministério Público. Ora, é deste despacho, com o qual não concordamos, que aqui e agora se recorre.
4). Conforme tem sido entendimento da doutrina e de alguma jurisprudência, não sendo a oposição do arguido à aplicação da pena em processo sumaríssimo um daqueles atos cujo exercício a lei lhe reserva pessoalmente, podendo o mesmo ser exercido por mandatário constituído ou por defensor nomeado, trata-se ainda assim de uma oposição que tem de ser, ou pessoal, ou expressão clara dessa vontade pessoal.
5). Deve ainda ser, necessariamente, uma oposição expressa, porque explícita.
6). Ora, aquilo que o julgador a quo entendeu tratar-se de uma oposição do arguido à pena proposta pelo Ministério Público nada tem de expresso e explícito.
7). Assim sendo, o despacho recorrido terá violado o disposto nos art. 396° e 397°, 1 do CPP, considerando constituir uma oposição uma peça processual através da qual apenas se torna legítimo concluir que a defensora nomeada não se terá sequer apercebido de que estávamos, no caso, perante uma proposta de aplicação de pena em processo especial sumaríssimo e de que terá pedido ao arguido para o mesmo lhe indicar prova testemunhal, o que este, por razões que se desconhecem, terá feito.
8). Pelo que, não só falta uma oposição expressa e explícita à aplicação da pena em processo especial sumaríssimo, como falta a verificação de quaisquer condições para que seja possível concluir que o que consta da peça processual elaborada pela defensora oficiosa do arguido constituiu qualquer emanação da vontade pessoal do mesmo quanto àquilo que lhe foi concretamente proposto por meio da acusação de fls. 114 e ss ..
9). Assim sendo, consideramos que o julgador a quo, perante a junção aos autos da contestação de fls. 138, devia:
- ou ter considerado que faltava a legalmente exigida oposição expressa e explícita por parte do arguido à pena que lhe havia sido proposta e ter proferido sentença, nos termos do disposto no art. 397°, 1 do CPP;
- ou, caso entendesse dever ser mais garantístico e menos formalista, mas em obediência ao disposto no art. 32°, 1 da Constituição da República Portuguesa (posição que aliás nem nos repugnaria), devia ter mandado notificar a defensora nomeada para, em prazo, vir aclarar a posição assumida.
Não tendo assim procedido, violou o despacho recorrido o disposto nos art. 396° e 397°, 1 do CPP, devendo em consequência ser o mesmo revogado, substituindo-se por um outro que, ou profira sentença, ou convide a defensora do arguido a aclarar a vontade que, sempre que possível, lhe compete veícular.
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O arguido não respondeu ao recurso interposto.
O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho de 15.11.2012.
Nesta Relação, o Exmº PGA emitiu parecer, no sentido de que o recurso merece provimento.
Foi cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sem qualquer resposta.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido - artigo 412.º, n.º 1, do CPP -, que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
1.-Questões a resolver
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada a questão a decidir é a seguinte: Averiguar da justeza do despacho por via do qual se entendeu que o requerimento da ilustre defensora do arguido configura uma oposição nos termos do artigo 396º, n.º4 do Código Processo Penal.
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2. Factos provados
Despacho recorrido
«Notificado nos termos e para os efeitos do artigo n.º 396/1, alínea b), 2 e 4 do CPP, o arguido apresentou contestação, oferecendo o merecimento dos autos - o que equivale a oposição à sanção proposta.
Sendo que a aplicação da sanção em processo sumaríssimo depende da não oposição do arguido, nos termos do art.º 397.º, n.º 1, "a contrario", do mesmo diploma legal, determina-se o reenvio do processo para tramitação sob outra forma, nos termos do disposto no art.º 398.º, n.º 1 do C.P.P.
Dando a competente baixa, remeta os autos aos serviços do Ministério Público para que ali seja feita a notificação ao arguido da acusação e do prazo para requerer a abertura de instrução, caso o Ministério Público entenda que o processo deve seguir a forma comum - cfr. art.º 398.º, n.º 2 do C.P.P.).
Notifique.»
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3.- Apreciação do recurso.
Cumpre apreciar.
Dispõe o artigo 396º, n.º1 do CPP, 5º artigo do Título “Do Processo Sumaríssimo”, sob a epígrafe” Notificação e oposição do arguido”:
1. O Juiz, se não rejeitar o requerimento nos termos do artigo anterior:
a) Nomeia defensor ao arguido que não tenha advogado constituído ou defensor nomeado; e
b) Ordena a notificação ao arguido do requerimento do Ministério Público e, sendo caso disso, do despacho a que se refere o n.º2 do artigo anterior, para querendo, se opor no prazo de 15 dias.
2-A notificação a que se refere o número anterior é feita por contacto pessoal, nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 113º, e deve conter obrigatoriamente:
a). A informação do direito do arguido se opor à sanção e da forma de o fazer;
b). A indicação do prazo para a oposição e do seu termo final;
c). O esclarecimento dos efeitos da oposição e da não oposição a que se refere o artigo seguinte;
3- O Requerimento é igualmente notificado ao defensor.
4- A oposição pode ser deduzida por simples declaração.
Dispõe o artigo 397º, n.º1 do CPP: “Quando o arguido não se opuser ao requerimento, o juiz, por despacho, procede à aplicação da sanção e à condenação no pagamento de taxa de justiça”.
O processo sumaríssimo é uma das formas de processo especial, regulada nos artigos 392º a 398º do CPP que visou introduzir mecanismos de simplificação, aceleração e consenso relativamente à pequena e média criminalidade.
Reflexo desse mecanismo de consenso é a exigência de que, além da concordância do juiz, haja a aceitação do arguido em relação ao requerimento previsto no artigo 395º do CPP. Em consequência dessa necessidade de aceitação do arguido, e eliminada que foi a audiência prevista na redacção original do artigo 396º do CPP, estabeleceu o legislador, na reforma de 1998 – Lei 59/98 de 25.08 – um rigoroso mecanismo de notificação pessoal do arguido, apenas por contacto pessoal – n.º2 do artigo 396º e diversas alíneas -, visando um exercício consciente do direito de oposição e visando assegurar todas as garantias de defesa, nos termos do artigo 32º da CRP.
Veja-se que a comunicação efectuada ao arguido, por via pessoal, notifica o requerimento do MP e concretiza: o direito de se opor à sanção e a forma de o fazer; a indicação do prazo para a oposição e o seu termo final; o esclarecimento dos efeitos da oposição e da não oposição a que se refere o artigo seguinte. E desta notificação decorre que o legislador se assegura que o arguido fica ciente de todos os seus direitos e deveres, da forma de os exercer e, bem assim, da sanção proposta, com o que concluímos, que com esta notificação pessoal é dada ao arguido uma efectiva oportunidade de defesa, nos termos daquele artigo 32º da CRP.
Decorre da conjugação da exigência de notificação pessoal, com as particulares exigências dessa notificação, que a oposição prevista tem de ser pessoal ou emanada da sua vontade pessoal. É assim compatível com esta oposição pessoal, porque emanada da sua vontade, a oposição efectuada por mandatário judicial constituído pelo arguido, ou a oposição efectuada por defensor quando inequivocamente emanada da vontade do arguido como acontece, por exemplo quando tal oposição é manifestada em requerimento conjuntamente assinado pelo arguido e por este, como em regra, e na prática, ocorre nos tribunais de primeira instância.
Nomeado defensor ao arguido, nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 396º do CPP – por referência ao artigo 64º, n.º1 al. g) do CPP –, sendo este também notificado do requerimento do MP, tendo sido o arguido sujeito a termo de identidade e residência, consoante decorre de fls. 42, e atentas as obrigações decorrentes de tal medida coactiva, é manifesto que estavam plenamente reunidas todas as condições para que o arguido conferenciasse com o seu defensor ou para que este pudesse comunicar com aquele, com vista a um, porventura, mais esclarecido exercício, por banda do arguido, ao seu direito de oposição ou não oposição ao requerimento do MP.
Assim, quando o defensor vem aos autos, como no caso, com uma contestação tabelar, mais não faz, e só assim pode ser entendido, salvaguardar a sua responsabilidade profissional. A concreta e tabelar contestação, no contexto em que se inseriu, é um acto processual equívoco. Pelo que, perante a incerteza, se impunha apurar qual a inequívoca vontade do arguido, porque a incerteza é(ra) ultrapassável.
Perante a dúvida atenta a contestação tabelar, o meritíssimo juiz devia ter procedido de modo a que ficasse dissipada; não o fazendo e considerando oposição o que nem sequer tecnicamente é oposição, ocorreu violação do art. 398º do Código de Processo Penal. Impõe-se, assim, a prévia realização de acto processual com a presença do arguido, ou não, conforme entender o meritíssimo juiz, de modo a esclarecer sem sombra de dúvida qual a vontade do arguido. Esclarecida essa questão, só então se pode decidir os ulteriores trâmites dos autos, em consonância.
Procede o recurso interposto.
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III- Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto, em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público revogando-se o despacho recorrido.
Sem custas.
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Revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do CP.P.
Porto, 10 de Julho de 2013
Maria Dolores Silva e Sousa (Relatora)
Fátima Furtado (Adjunta)