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FUNDO DE GARANTIA DOS ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
CESSAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO
Sumário
A intervenção do FGADM só cessa com o início do efectivo cumprimento da obrigação de alimentos.
Texto Integral
P. 2646/05.1tbovr-A.P1
Acordam na Secção Cível (1ª Secção), do Tribunal da Relação do Porto:
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I – O Ministério Públicoveio aos autos, em que é requerente B…e requerido C…, interpor recurso da decisão judicial que declarou cessada a intervenção do FGADM – Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, proferida em 05/06/2012, após ter sido dado conhecimento no respectivo processo (fls. 210 e 211) do paradeiro do requerido e da identificação da sua entidade patronal, factos que levaram o Tribunal a quo, a decidir naquele sentido por: “… De acordo com o artº 3º, nº4, da Lei 75/98, de 19/11, o montante fixado pelo tribunal, perdura enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado. …, porque é nesta data viável o cumprimento coercivo da obrigação alimentícia, não há lugar ao prosseguimento da intervenção do Fundo. …”.
Antes de admitir o presente recurso, o Tribunal a quo entendeu por bem ouvir a Requerente que, em 14/12/2012, compareceu na respectiva diligência para que foi convocada, e, aí, declarou não ter conhecimento de qualquer cobrança dos respectivos alimentos e que não tem recebido do progenitor qualquer quantia a esse título.
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Das alegações apresentadas pelo Recorrente constam as seguintes conclusões:
A) Os menores D… e E… vinham beneficiando, desde 05/11/2007, da prestação mensal de €100,00, garantida pelo FGADM;
B) A circunstância de, por se conhecer agora o paradeiro do pai dos menores em França e a identificação da sua entidade patronal, ser viável o recurso às convenções internacionais para obter a cobrança coerciva dos alimentos vencidos e vincendos não equivale ao início do efectivo cumprimento da obrigação de alimentos por parte do pai dos menores;
C) Declarando imediatamente cessada a intervenção do FGADM o D… e a E… ficarão privados de qualquer prestação alimentícia pelo menos durante o período, mais ou menos longo, que demorar o accionamento das convenções internacionais e a sua efectiva entrada em acção;
D) Não sendo sequer seguro que entretanto se não altere a situação laboral do requerido e este volte à impossibilidade de cumprimento d obrigação alimentícia;
E) É, pois, mais consentâneo com os interesses dos menores que a intervenção do FGADM só seja declarada cessada depois do pagamento ou depósito da primeira prestação suportada pelo obrigado a alimentos.
F) Essa solução não comporta qualquer real prejuízo para o FGADM, dado o direito de sub-rogação que lhe assiste.
G) Deverá, assim, ser revogada a douta decisão recorrida, aguardando-se por um prazo razoável o accionamento das convenções internacionais e o pagamento ou depósito da primeira prestação suportada pelo pai dos menores, só depois se declarando cessada a intervenção do FGADM.
… Justiça.
Nas contra-alegações que juntou, o FGADM pugnou pela confirmação da decisão recorrida.
II – Corridos os vistos, cumpre decidir.
Como é sabido, o âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do/a recorrente. Logo, só as questões colocadas em tais conclusões há que conhecer, ressalvando as de conhecimento oficioso (artºs 684º, nº3, 690º, nº3, 660º, nº2 e 713º, nº2, todos do CPC).
Assim, nestes autos, temos para decidir uma única questão:
- a de saber se a circunstância de se passar a conhecer do paradeiro do pai dos menores e a identidade da sua entidade patronal, são, por si só, fundamento bastante para ser declarada cessada a intervenção do FGADM, ou não.
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Os factos a atender são os que já constam do relatório, pelo que nos escusamos de os repetir.
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Apreciando:
Nos termos do disposto nos artºs 1º, 2º e 6º, da Lei nº75/98, de 19 de Novembro, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º da OTM, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado, através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, assegura as prestações previstas nessa lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação, sendo que, as mesmas não podem exceder, por mês e por cada devedor, o montante de 4 UC, tendo em conta a capacidade económica do agregado familiar, o montante da prestação de alimentos fixada e as necessidades específicas do menor.
Os pressupostos e requisitos para a atribuição dessa prestação social, vêm referidos na Lei 70/2010, de 16 de Junho (esta alterou, entre outros, o DL nº164/99, de 13 de Maio, regulamentador daquela Lei) que, no art.º 3º, estabelece o seguinte: “1 — Para efeitos da verificação da condição de recursos, consideram-se os seguintes rendimentos do requerente e do seu agregado familiar:
a) Rendimentos de trabalho dependente;
b) Rendimentos empresariais e profissionais;
c) Rendimentos de capitais;
d) Rendimentos prediais;
e) Pensões;
f) Prestações sociais;
g) Apoios à habitação com carácter de regularidade;
h) Bolsas de estudo e de formação.
2 — Os rendimentos referidos no número anterior reportam-se ao ano civil anterior ao da data da apresentação do requerimento, desde que os meios de prova se encontrem disponíveis, e, quando tal se não verifique, reportam-se ao ano imediatamente anterior àquele, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 — Sempre que as instituições gestoras das prestações e dos apoios sociais disponham de rendimentos actualizados mais recentes, esses rendimentos podem ser tidos em conta para a determinação da condição de recursos.
4 — Para efeitos de atribuição e manutenção de cada prestação ou apoio social, o respectivo valor não é contabilizado como rendimento relevante para a verificação da condição de recursos.
E, quanto ao que deve ser considerado como agregado familiar (economia comum), estatui o art.º 4º, deste último diploma legal: “1 - Para além do requerente, integram o respectivo agregado familiar as seguintes pessoas que com ele vivam em economia comum, sem prejuízo do disposto nos números seguintes: a) Cônjuge ou pessoa em união de facto há mais de dois anos; b) Parentes e afins maiores, em linha recta e em linha colateral, até ao 3.º grau; c) Parentes e afins menores em linha recta e em linha colateral; d) Adoptantes, tutores e pessoas a quem o requerente esteja confiado por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito; e) Adoptados e tutelados pelo requerente ou qualquer dos elementos do agregado familiar e crianças e jovens confiados por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito ao requerente ou a qualquer dos elementos do agregado familiar. 2 - Consideram-se em economia comum as pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação e tenham estabelecido entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 3 - A condição de vivência em comunhão de mesa e habitação pode ser dispensada por ausência temporária de um ou mais elementos do agregado familiar, por razões laborais, escolares, formação profissional ou por motivos de saúde. 4 - Considera-se equiparada a afinidade, para efeitos do disposto no presente decreto-lei, a relação familiar resultante de situação de união de facto há mais de dois anos. 5 - As crianças e jovens titulares do direito às prestações que estejam em situação de internamento em estabelecimentos de apoio social, públicos ou privados sem fins lucrativos, cujo funcionamento seja financiado pelo Estado ou por outras pessoas colectivas de direito público ou de direito privado e utilidade pública, bem como os internados em centros de acolhimento, centros tutelares educativos ou de detenção, são considerados pessoas isoladas. 6 - A situação pessoal e familiar dos membros do agregado familiar relevante para efeitos do disposto no presente decreto-lei é aquela que se verificar à data em que deva ser efectuada a declaração da respectiva composição. 7 - As pessoas referidas no número anterior não podem, simultaneamente, fazer parte de agregados familiares distintos, por referência ao mesmo titular do direito a prestações. 8 - Não são considerados como elementos do agregado familiar as pessoas que se encontrem em qualquer das seguintes situações:
a) Quando exista vínculo contratual entre as pessoas, designadamente sublocação e hospedagem que implique residência ou habitação comum;
b) Quando exista a obrigação de convivência por prestação de actividade laboral para com alguma das pessoas do agregado familiar;
c) Sempre que a economia comum esteja relacionada com a prossecução de finalidades transitórias;
d) Quando exista coacção física ou psicológica ou outra conduta atentatória da autodeterminação individual relativamente a alguma das pessoas inseridas no agregado familiar.
Para ter sido decretada a intervenção do identificado Fundo, foi porque as circunstâncias factuais do caso, analisadas de acordo com estas regras, conjugadas com o preceituado pelo art.º 5º, deste Decreto-Lei, para o apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, o justificaram e, quanto a isso, nada temos a dizer.
A questão que se coloca agora é, tão só, a de saber se pelo simples facto de ter sido dado conhecimento ao processo do paradeiro do requerido, bem como da identificação da sua entidade patronal, chegam, sem outros elementos factuais, para fazer cessar a intervenção deste Fundo, ou não.
A resposta, só pode ser aquela que vem reivindicada pelo Recorrente.
Com efeito, de acordo com a parte final do estabelecido pelo artº 1º, do primeiro dos diplomas legais citados acima, cabe ao Estado assegurar as prestações em causa até ao inicio do efectivo cumprimento da obrigação, o que não decorre ter acontecido, aqui.
Portanto, há que dar razão ao Recorrente, sob pena de não ficar salvaguardada a protecção à criança, em particular no que toca ao direito a alimentos (conforme consta do preâmbulo do DL nº 164/99, de 13/05, já acima citado), na esteira do que vem consagrado na nossa Lei Fundamental, artº 69º, que impõe ao Estado os deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação a quem deve ser concedida a necessária protecção, …no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, … não pode deixar de comportar ... as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna (citando o mesmo preâmbulo).
Assim, impõe-se a revogação da decisão recorrida.
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III- Pelo exposto, acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida e, em substituição da mesma, determinam que a intervenção do FGADM prossiga, conforme oportunamente foi ordenado nos autos, a não ser que dos mesmos conste como verificado o início do efectivo cumprimento da obrigação, por parte do Requerido, voluntária ou coercivamente, ou qualquer outro fundamento válido para a cessação das prestações fixadas aos menores.
Sem custas (artº 4º, nº1, al.g) do RCJ).
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Porto, 10 de Setembro, de 2013
Maria da Graça Pereira Marques Mira
Anabela Dias da Silva
Maria do Carmo Domingues (dispensei o visto)