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PROCESSO SUMÁRIO
DESPACHO QUE PÕE TERMO AO PROCESSO
IRRECORRIBILIDADE
Sumário
Em processo sumário é irrecorrível o despacho que remete os autos para outra forma de processo.
Texto Integral
Processo número 656/12.1PDPRT
Acordam, em conferência, na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I – Relatório
O arguido B… devidamente identificado nos autos (folhas 2) foi intercetado por agentes da autoridade no dia 17/11/2012 pelas 05:30 horas conduzindo, na via pública, um veículo automóvel, tendo vindo a apurar-se que o fazia com uma TAS de 1,49 gr/l, facto que veio a motivar a sua detenção e a sua condução até ao posto policial a fim de ser elaborado o expediente atinente ao registo da ocorrência. De seguida, considerando a hora, o arguido foi libertado e devidamente notificado para comparecer, no dia 19/11/2012 pelas 10:00 horas, no Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto (folhas. 2 verso).
No dia e hora acima referidos foram os autos presentes ao Ministério Público o qual requereu o julgamento do arguido em processo sumário.
Nesta conformidade assim foi distribuído o processo ao 3º Juízo do TPICP tendo o senhor Juiz lavrado o seguinte despacho:
“Do requerimento para julgamento em processo sumário:
O(A) Digno(a) Magistrado(a) do Ministério Público veio requerer o julgamento do(a) arguido(a) em causa nos presentes autos em processo sumário.
Analisados os autos, extrai-se o seguinte:
- o arguido foi detido pela PSP no passado dia 17/11/2012, pelas 4 horas e 29 minutos, sendo libertado no citado dia 17/11/2012, pelas 5 horas e 26 minutos.
- o expediente em causa só foi depois apresentado ao MP no presente dia 19/11/2012, que só nesta data o remeteu a juízo, conforme a notificação efectuada pela PSP ao arguido, sendo recebido nesta secção judicial pelas 14 horas e 30 minutos.
É condição da realização de julgamento em processo sumário e desta forma de processo especial a existência de um crime concreto e devidamente identificado, com indicação dos respectivos factos integradores (objectivos e subjectivos) e de todas as disposições legais aplicáveis, bem como a existência de uma detenção do arguido em flagrante delito, e as regulares notificações ao arguido e o cumprimento do prazo legal para o início e depois conclusão da audiência de julgamento.
Só assim se podem apreciar os apertados requisitos de admissibilidade do processo sumário, a legitimidade do MP, bem como a competência do tribunal, a obrigatoriedade da apreciação judicial da detenção, o respeito pelo princípio do juiz natural, a igualdade no tratamento dos cidadãos, etc.
No processo sumário está em causa a detenção de um cidadão, sendo esta uma medida cautelar de privação da liberdade pessoal, de natureza precária e excepcional, dirigida à prossecução de finalidades taxativamente fixadas na lei, de duração não superior a 48 horas (cfr. os arts. 27.º e 28.º da CRP, bem como os arts. 254.º, 381.º, 382.º, n.º 3, 385.º, n.º 2, 387.º, n.º 1, e 141.º, todos do CPP).
Nos termos do citado art.º 254.º, n.º 1, al. a), a detenção aí prevista só pode ocorrer para, no prazo máximo de 48 horas, o detido ser apresentado a julgamento sob a forma sumária ou ser presente ao juiz para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coacção.
Ocorrendo uma detenção de um cidadão por parte de uma entidade policial, impõe a lei que tal actuação policial e o respectivo expediente seja judicialmente apreciado em prazo muito curto (imediatamente após a detenção ou no prazo mais curto possível), considerando os direitos fundamentais que estão em causa, bem como as garantias do processo criminal a salvaguardar.
Quanto mais tarde for remetido a juízo o expediente relativo à detenção do cidadão e ao seu eventual julgamento em processo sumário, mais facilmente poderão ser postos em causa os direitos fundamentais dos cidadãos e as garantias de defesa, designadamente, pela tardia apreciação judicial da referida detenção, pela tardia nomeação e assistência por defensor, pelo encurtamento do prazo para preparação da defesa, pelo encurtamento do prazo para realização de diligências de prova.
Conforme resulta da lei, os actos processuais relativos a processos penais sumários têm agora natureza urgente e praticam-se em dias não úteis e durante as férias judiciais (cfr. os arts. 103.º, n.º 2, al. c), e 104.º, n.º 2, ambos do CPP).
E conforme também resulta da lei, são organizados turnos para assegurar o serviço urgente previsto no CPP, na LSM e na LTE, que deve ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no 2,º feriado, em caso de feriados consecutivos (cfr. os arts. 73.º, n.º 2, e 122.º da LOFTJ).
A razão da existência do processo especial sumário é a sua particular simplicidade (formal e substancial), pressupondo o julgamento célere e urgente, no mais curto período de tempo (a regra legal fixada é: no prazo máximo de 48 horas após a detenção).
Por outro lado, perante as alterações ao CPP, decorrentes da Lei n.º 48/2007, de 29/08, deixou de vigorar o Acórdão do STJ n.º 2/2004, publicado no DR-I-A, de 12/05/2004, pelo que tal jurisprudência, por já não ser válida e actual, não pode ser agora aplicada.
O regime legal do processo especial sumário mudou radicalmente com a citada Lei 48/2007, de 29/08, sendo eliminada a menção ao 1.º dia útil seguinte que constava do anterior art.º 387.º, n.º 2, do CPP e classificando-se agora tal processo como urgente.
Como também se sabe, na comarca do Porto, ao sábado está o tribunal de turno aberto e em regular funcionamento e precisamente com a finalidade de assegurar o serviço urgente, onde se inclui o processo penal sumário.
A razão de ser da existência dos tribunais de turno é precisamente essa – realizar o serviço urgente, garantindo assim os direitos fundamentais dos cidadãos e assegurando as garantias de defesa do processo criminal.
Estando os serviços do tribunal de turno a funcionar, a entidade policial que efectuou a detenção deve apresentar o expediente imediatamente ou no mais curto prazo possível ao MP junto do tribunal competente, e tendo precisamente em conta a existência dos citados tribunais de turno.
A libertação do arguido que foi detido não significa que os actos relativos ao processo sumário percam o seu carácter de urgência.
A este respeito, refere o Dr. Vinício Ribeiro, in Código de Processo Penal – Notas e Comentários, 2011, 2.ª Edição, Coimbra Editora, p. 1105, que:
“E os tribunais de turno existem para fazer face aos casos urgentes durante as férias judiciais, aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no 2.º dia feriado, em caso de feriados consecutivos. Por isso, em princípio, mesmo em caso de soltura do detido, deverá providenciar-se pela sua apresentação a julgamento no tribunal de turno.”.
No caso em apreço constata-se, assim, que o expediente não foi devidamente apresentado ao MP junto do tribunal competente para o julgamento sumário, o que inviabilizou, entre o mais, o início da audiência de julgamento no prazo previsto no art.º 387.º, n.º 1, do CPP (48 horas após a detenção).
E nenhum juiz adiou, entretanto, o início da audiência de julgamento, tal como previsto no art.º 387.º, n.ºs 2 e 3, do CPP.
Com efeito, neste âmbito entende o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 2007, UCE, p. 963-966, que tal despacho judicial de adiamento é essencial nesta forma de processo sumário, e sob pena de o processo não manter a forma sumária – cfr., no mesmo sentido, também a Sr.ª Dr.ª Helena Leitão, em estudo sobre os processos especiais (sumário e abreviado), no âmbito das Jornadas sobre a Revisão do CPP, organizadas pelo CEJ.
Conforme refere a Dr.ª Helena Leitão na pág. 6 do citado estudo: “Ainda no que diz respeito aos pressupostos gerais de aplicação do processo sumário, o requisito de “a audiência se iniciar no máximo de 48 horas após a detenção” mantém-se, conforme resulta do disposto no art.º 387.º, n.º 1.”.
Quanto aos pressupostos legais que permitem o início da audiência de julgamento até ao 5.º dia posterior à detenção, diz ainda a Dr.ª Helena Leitão que “(…) a faculdade de adiamento em causa deve ser reservada para situações em que o volume processual de serviço urgente sempre comprometeria a realização de julgamento em processo sumário no prazo máximo de 48 horas. Nesses casos, e tratando-se de dia não útil, pode o juiz que se encontra de serviço no tribunal de turno, verificando a impossibilidade de, em tempo útil, apreciar e decidir todas as questões urgentes que lhe forem apresentadas nesse dia, adiar o início da audiência em processo sumário para uma data compatível com o disposto no art.º 387.º, n.º 2, al. a).”.
Quanto ao actual art.º 387.º, n.º 2, do CPP, e à exigência da intervenção do magistrado judicial, entende também o Dr. Vinício Ribeiro, in Código de Processo Penal – Notas e Comentários, 2011, 2.ª Edição, Coimbra Editora, p. 1108, que “(…) nas hipóteses das alíneas a) e c) é necessária a intervenção do juiz.”.
No mesmo sentido é também a opinião do Dr. José Manuel Saporiti Machado da Cruz Bucho, in A Revisão de 2010 do Código de Processo Penal Português, estudo publicado no site do TRG, p. 107-108, onde se defende que:
“No novo n.º 2 do art.º 387.º, emergente da reforma de 2010, continuam a incluir-se casos de adiamento, os quais pressupõem, pois, um despacho judicial de adiamento – como sucede nas situações das alíneas a) e c), correspondentes respectivamente à alínea a) e parte da alínea c) do n.º 2 do artigo 387.º, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 48/2007.”.
Finalmente, importa dizer que a realização da audiência em processo sumário fora das 48 horas seguintes à detenção (regra geral) e não se encontrando verificada qualquer uma das excepções previstas no n.º 2 do art.º 387.º do CPP – como sucede neste caso -, constitui a nulidade insanável prevista na al. f) do art.º 119.º do CPP – cfr., neste sentido, entre outros, o Ac. do TRL de 16/11/2010, no proc. n.º 786/10.4GCALM.L1-5, relatado pelo Sr. Des. Dr. Vasques Osório, in www.dgsi.pt/jtrl.
Face ao acima exposto e aderindo a tal posição e atento o disposto nos arts.º 381.º, 382.º, 385.º e 387.º do CPP, afigura-se-nos que neste caso concreto não se verificam todos os requisitos que justificam o agora requerido julgamento em processo sumário.
A responsabilidade criminal imputada pelo MP nestes autos ainda pode ser apreciada no âmbito de outras formas de processo penal, nada justificando, por ora, a extinção de tal responsabilidade.
Pelo exposto e nos termos dos arts. 381.º, 382.º, 385.º, 387.º e 390.º, n.º 1, al. a), do CPP, na actual versão, determino a remessa dos presentes autos ao Ministério Público/DIAP para tramitação sob outra forma processual.
Notifique e dê baixa.
Inconformado com a decisão proferido o Ministério Público intentou o presente recurso, com os fundamentos constantes de folhas 30 a 43 dos autos que sintetiza nas conclusões seguintes:
1. Os factos veiculados pelo auto de notícia por detenção, considerados na acusação proferida em sede dos presentes autos, impunham, à luz do critério resultante do artigo 381º, do Código de Processo Penal, o julgamento do arguido em processo sumário.
2. Com efeito, o arguido foi detido em flagrante delito por agentes da P.S.P. do Porto, em razão da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. p. pelo disposto no art.292º, nº1, do C.Penal, tendo o Ministério Público deduzido acusação e remetido o expediente à secção central a fim de o arguido ser julgado sob a forma de processo especial sumário.
3. A manutenção da forma sumária jamais poderia ter sido desatendida ou afastada pelo Tribunal, uma vez que, em nossa opinião, não sobreveio nenhum dos fundamentos previstos no artigo 390º, do Código de Processo Penal, nem se mostram ultrapassados os prazos previstos nos artigos 381º e 387º, ambos do Código de Processo Penal.
4. No caso em apreço, verifica-se que o arguido foi detido num Sábado, libertado nessa data e notificado para se apresentar na segunda-feira seguinte, pelo que a situação não deveria ter suscitado quaisquer dúvidas sobre a viabilidade ou não do julgamento na forma sumária. Na verdade, a situação da detenção ocorrida a um Sábado cai, de forma translúcida, sob a alçada da alínea a) do número 2 do art.387º, do C.P.P., norma que nos dispensamos de transcrever, remetendo para a transcrição no texto da motivação.
5. Nos casos de detenção ao Sábado, interpõem-se dias não úteis no prazo máximo de 48 horas previsto no número 1 da mesma norma.
6. Assim e salvo o devido respeito, não vemos razão alguma para não ter sido o arguido submetido a julgamento sumário, uma vez que o dia 19 de Novembro último, segunda-feira, data (primeiro dia útil) em que o arguido tinha de se apresentar nos serviços do Ministério Público, seguindo-se a dias não úteis, ainda se incluía nos 5 dias excepcionados pelo preceito legal em causa.
7. A compaginação de todo o acervo normativo e muito concretamente o disposto no nº1 do art.387º revela, claramente, o propósito do legislador em não permitir que a detenção do arguido, para efeito de submissão a julgamento sumário, possa ultrapassar o prazo de quarenta e oito horas, mas também em não limitar a tramitação do processo na forma sumária a esse prazo, excepcionando o nº2 de tal norma situações precisas em cuja previsão cai a dos autos.
8. Há uma distinção entre o caso em que o arguido é submetido a julgamento sumário ainda detido ou já foi libertado e notificado para comparecer em data posterior à da detenção.
9. De outro modo não se compreenderia que, logo no nº2 da mesma norma legal que alude, no nº1, ao prazo de quarenta e oito horas para o início da audiência, o legislador se sentisse na obrigação de esclarecer os casos em que tal prazo – essas quarenta e oito horas - pode ser ultrapassado, enquadrando-se o caso dos autos na previsão da alínea a), do nº2, do art.387º.
10. A lei prevê, pois, prazos diferentes – 48 horas, 5 dias e 15 dias – todos dentro da forma sumária de processo, devendo ser atendida a circunstância de cada caso para aferir se um arguido notificado para comparecer em data posterior à da detenção pode ser submetido a julgamento mesmo que ultrapassadas as quarenta e oito horas.
11. Somente interpretando o citado art.387º, nº2, 1al.a) no sentido de que o início da audiência pode também ter lugar até ao limite do 5.º dia posterior à detenção, quando houver interposição de um ou mais dias não úteis no prazo previsto no número n.º 1 do referido preceito, ou seja, em momento posterior a quarenta e oito horas e que o mesmo não se mostra dependente de despacho do Mmº Juiz se fará uma correcta análise da lei.
12. O Ministério Público só determina a tramitação sob outra forma processual quando não puderem ser respeitados os prazos em processo sumário, prazos esses que não se reduzem às quarenta e oito horas após a detenção, mas como se mencionou, às outras possibilidades expressamente previstas na lei, como seja a necessidade de encetar diligências de prova (arts.387º, nº2, al.b) e 382º, nº4) ou, como no caso dos presentes autos, quando se interpõe dia não útil entra a data da detenção e a data para a qual o arguido foi notificado para comparecer (art.387º, nº2, al.a), do C.P.P.).
13. Mais uma vez, no nº3 do art.382º, se constata sublinhar o texto legislativo a duração máxima do tempo de detenção e se faz divergir o início da audiência desse prazo máximo (quarenta e oito horas).
14. No essencial, a tese acolhida no douto Acórdão do S.T.J., para fixação de Jurisprudência, nº2/2004, de 12 de Maio, nos termos da qual se sublinha a distinção entre o prazo máximo de duração da detenção para submissão do arguido a julgamento sumário e o prazo máximo de duração da forma processual sumária, tem ainda aplicação ao caso vertente, adequando-se, com as devidas adaptações, à redacção actual do texto legal, sendo aliás esta mais precisa e mais uma vez saindo reforçada a violação que o douto despacho, ora recorrido, inflige ao mencionado art.387º, nº2, al.a), do C.P.P.
15. Parece-nos ainda, salvo melhor entendimento, que o texto actual do mencionado artigo 387º veio pôr fim a uma discussão jurisprudencial, consagrando a interpretação que tinha sido fixada pelo citado Assento e, por conseguinte, as dúvidas que se suscitavam, à luz da anterior versão do Código, ficaram sanadas, não deixando a letra da lei, hoje e salvo o devido respeito, espaço de manobra para a decisão tomada pelo Mmº Juiz.
16. Tem ainda de se fazer apelo ao manifesto propósito do legislador, considerando, aliás, os diplomas legais na forja que têm vindo a ser publicitados em diferentes circuitos, em dar fôlego à celeridade processual relativamente à pequena e média criminalidade. Nem sequer ficam prejudicadas as garantias de defesa do arguido, as quais resultam da compaginação das diversas normas que regulam o julgamento, sendo o arguido, em sede de audiência, representado por defensor.
17. A tese acolhida pelo Mmº Juiz, no seu douto despacho, configura, salvo o devido respeito, um desvio aos objectivos do legislador, na medida em que põe termo à forma sumária do processo numa situação em que se reuniam todos os pressupostos para a submissão do arguido ao julgamento sumário, protelando os trâmites processuais.
18. Inexiste, assim, qualquer nulidade, ao contrário do que vem referido no douto despacho, ora recorrido, concretamente a que vem prevista no art.119º, al.f), do C.P.P.
19. Caindo a presente situação, claramente, na previsão do art.387º, nº2, al.a), mesmo ultrapassado o prazo de quarenta e oito horas, deverá continuar a ser tramitada a forma sumária do processo.
20. Acrescentamos, em benefício da argumentação expendida no presente recurso, a ponderação sobre a nulidade insanável decorrente do art.119º, al.f), do C.P.P., efectuada no âmbito do douto Acórdão do TRG, datado de 22.11.2010, extraído do site www.dgsi.pt, a qual passamos a citar:
“Face ao regime legal decorrente da Lei n.º 48/2007, aplicável in casu, cumpre entender que só a violação dos requisitos prescritos no artigo 381.º do Código de Processo Penal constituirá nulidadeinsanável nos termos do apontado artigo 119.º, alínea f), do mesmo diploma legal, pois só então se pode dizer com propriedade que o processosumário foi empregue em situação não prevista na lei. --- A inobservância dos prazos estabelecidos para o início da audiência de julgamento em processosumário, conforme artigo 387.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, em situações próprias daquela forma de processo, constitui uma mera regularidade a suscitar pelo interessado no próprio acto, sob pena de sanação daquela – cf. artigo 123.º do Código de Processo Penal No mesmo sentido Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, edição de 2008, páginas 971 e 980. ---. ---”
Ou seja: defendendo em sede do presente recurso que, nos autos, não havia sido ultrapassado qualquer prazo e que os autos deveriam ter corrido trâmites na forma sumária, ainda assim importa realçar o entendimento de que o desrespeito pelos prazos em processo sumário não configura a nulidade a que se reportou o Mmº Juiz no seu douto despacho ora recorrido, pois tal serve para reforçar que devia ter o arguido sido submetido a julgamento.
21. O Mmº Juiz igualmente entendeu no seu douto despacho que “estando os serviços do tribunal de turno a funcionar, a entidade policial que efectuou a detenção deve apresentar o expediente imediatamente ou no mais curto prazo possível ao MP junto do tribunal competente, e tendo precisamente em conta a existência dos citados tribunais.”
22. Salvo o devido respeito, os tribunais de turno apenas têm de realizar serviço urgente, conforme resulta da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, Lei nº52/2008, de 28/08, por exemplo na redacção actual introduzida pela Lei nº46/2011, de 24/06, no seu artigo 82º, nºs 1 e 2.
23. Ora, a presente situação não configurava serviço urgente, por se reportar a arguido que, após a detenção, foi libertado e que, em sede de julgamento, seria assistido por defensor, resultando do art.103º, nº2, a), do C.P.P. a definição de actos urgentes (…relativos a arguidos detidos ou presos ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas…), pelo que não havia qualquer motivo para a apresentação de expediente e arguido ao tribunal de turno.
24. Na verdade, como bem sabe o Mmº juiz que proferiu o douto despacho aqui recorrido, na comarca do Porto, o tribunal de turno funciona no Tribunal de Instrução Criminal do Porto, no qual são apresentados os expedientes e arguidos detidos, serviço absolutamente inadiável e que abrange a criminalidade praticada numa área territorial relevante.
25. Não será despiciendo aludir, ainda, à perturbação da normal tramitação e distribuição de processos originada pelo entendimento acolhido no douto despacho ora recorrido, o qual acaba por desvirtuar a equidade na distribuição, designadamente dos processos abreviados, na medida em que o serviço de turno onde foi proferido despacho idêntico ao que se encontra agora a ser discutido, passa a ser distribuído mais tarde ao 3º Juízo, após tramitação sob a forma processual abreviada, provocando um assoberbamento na distribuição pelos demais Juizos de processos abreviados que nunca tiveram início em apresentação de arguido para julgamento sumário.
26. Do que vem de ser dito avulta, com meridiana clareza, que o despacho por via do qual o tribunal ordenou o reenvio dos autos ao M.P. para tramitação sob outra forma processual, viola o disposto nos artigos 103º, nº2, al. a), 381º, 387º e 390º, todos do Código de Processo Penal e o citado art.82º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais.
Após vicissitudes várias, o processo subiu a este Tribunal onde o Digno Procuradora Geral Adjunta emitiu Parecer no qual subscrevendo a fundamentação inserta no recurso concluiu pela sua procedência. Na sequência não houve qualquer resposta.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os Vistos foram os autos submetidos a conferência:
Cumpre decidir
A primeira questão que se nos coloca é a de saber se a decisão proferida pelo Senhor Juiz é ou não passível de recurso, importando afirmar que estamos cientes do desacordo existente – ainda – neste Tribunal sobre tal assunto.
O nosso entendimento é o de que o despacho proferido pelo Senhor juiz é irrecorrível, por duas ordens de razão: primeira nos termos do preceituado no artigo 391º do Código de Processo Penal que estatuí “em processo sumário só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo” mas também porque o recurso não poderia ter o efeito pretendido, porque o julgamento não poderia iniciar-se dentro do prazo máximo previsto na lei.
Aliás louvamo-nos, com a devida vénia, integralmente na decisão proferida neste Tribunal, relatada pelo senhor Desembargador que nesta decisão intervem como Adjunto[1].
A proficiência e o tratamento exaustivo que nesse douto Aresto foi dada à questão, tornam redundantes os argumentos que aqui aduziremos, de modo mais conciso, pois nada de novo nem de mais completo temos a acrescentar ao que ali foi decidido.
No entanto sempre diremos o seguinte:
A regra geral estabelecida na lei processual é a da recorribilidade das decisões judiciais, conforme se encontra estabelecido no artigo 399º do Código de Processo Penal «É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei».
Ora a irrecorribilidade do despacho agora em crise está prevista, a contrario sensu, no aludido artigo 390º do Código de Processo Penal. O despacho proferido pelo senhor juiz não é uma sentença, nem coloca fim ao processo, limitando-se a decidir que o processo seguirá os seus termos sob a forma de processo comum. Despacho que puser termo ao processo será aquele que coloca fim ao processo criminal, como o será, por exemplo, aquele despacho que declare extinto por prescrição o procedimento criminal. “Despacho que puser termo ao processo” é o mesmo que “decisão que ponha termo à causa”, expressão usada, por exemplo, nos artigos 406.º e 407.º do Cód. Proc. Penal, e significa “decisão que ponha fim ao processo criminal, conheça ou não do mérito da causa, isto é, do objecto do processo”[2]. Coisa diversa, como é bom de ver, a decisão que determina o prosseguimento do processo segundo trâmites processuais diversos.
Ademais este recurso, a ser conhecido, não teria no final, qualquer efeito útil, porque mesmo que se acabasse concluindo que o senhor juiz não havia sustentado a sua decisão nos melhores argumentos, mesmo assim nunca o processo poderia regressar à forma sumária, por se ter ultrapassado o prazo máximo fixado na lei (artigo 387º do Código de Processo Penal) para se iniciar o julgamento, redundando portanto num ato inútil.
II)- Decisão:
Pelos fundamentos expostos e nos termos do preceituado nos artigos 420º nº 1 alínea b) e 414º número 2, ambos do Código de Processo Penal: Acordam os juízes deste Tribunal em não conhecer, por inadmissibilidade legal, o recurso interposto pelo Ministério Público.
Sem tributação.
(elaborado e revisto pela relatora; cfr. artigo 94º nº 2 do Código de Processo Penal)
Porto, 19 de setembro de 2013
Maria Manuela Marques de Sousa Paupério
Francisco Marcolino de Jesus
______________
[1] Acórdão proferido em 15/05/2013 relatado pelo Desembargador Francisco Marcolino, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf e com o seguinte sumário:” Em processo sumário é irrecorrível o despacho que remete os autos para outra forma de processo. De todo o modo, o conhecimento do recurso traduzir-se-ia num ato inútil já que não pode manter-se a forma de processo sumário por terem decorrido mais de 20 dias após a detenção do arguido.”
[2] Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição actualizada, UCE, 1041