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DIVISÃO DE COISA COMUM
PRESUNÇÃO DE COMPROPRIEDADE
Sumário
A “presunção” de igualdade de quotas a que alude o art.º 1403.º, n.º 2, do Código Civil não se reconduz ao regime legal das presunções propriamente ditas, não lhe sendo aplicável o preceituado no n.º 2 do art.º 350.º do mesmo Código e não havendo lugar à produção de outra prova em contrário para além da que decorre do título constitutivo.
Texto Integral
APELAÇÃO Nº 848/11.0TVPRT.P1
Varas Cíveis do Porto
1ª Vara-2ª secção
ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
B… intentou a presente ação especial de divisão de coisa comum contra C….
Alegou, em síntese, que ambos são comproprietários da fração autónoma identificada no artigo 1º da petição inicial, a qual é indivisível em substância.
Não pretendendo permanecer na indivisão, pediu que se procedesse à adjudicação ou à venda do referido imóvel, repartindo-se o respectivo valor.
Na sua contestação a Ré, para além de arguir a exceção dilatória da sua ilegitimidade passiva - por preterição de litisconsórcio necessário - pediu, ainda, que fosse decidida a questão da diferença quantitativa das quotas dos comproprietários, com a fixação da quota do Autor e da quota da Ré, tendo aduzido, nomeadamente, ter sido profundamente desigual o montante que cada um deles suportou para a aquisição da coisa comum, bem como para o pagamento de despesas e impostos decorrentes da qualidade de comproprietários.
O Autor veio por sua vez responder, pugnando pela improcedência da exceção dilatória da ilegitimidade passiva deduzida pela Ré, e bem assim pelo indeferimento da pretensão formulada pela Ré no sentido de o Tribunal fixar o quantitativo das quotas de cada um dos comproprietários, porquanto a quota de cada um deles está fixada e é de 50%.
Finda a fase dos articulados o Sr. Juiz a quo proferiu saneador-sentença no qual, julgando improcedente a exceção de ilegitimidade deduzida, julgou igualmente improcedente a pretensão, deduzida pela Ré C… na sua contestação no sentido de ser decidida a questão da diferença quantitativa das quotas dos comproprietários, com a fixação da quota do Autor e da quota da Ré em medida diversa da de metade para cada um deles;
Finalmente julgou procedente o pedido de divisão de coisa comum formulado pelo Autor B…, e, em face da indivisibilidade em substância da fração autónoma identificada determinou o prosseguimento dos autos para efeitos do disposto no art. 1056º, nº 2, do C.P. tomando como assente que a quota do Autor e da Ré nessa fração é de metade de para cada um deles.
Inconformada com o assim decidido veio a Ré C… interpor RECURSO, alegando e concluindo:
A) A sentença ora recorrida foi proferida pela 2ª Vara Cível do Porto, na sequência da remessa dos autos para aquele Tribunal por força de decisão do 2º Juízo Cível do Porto, segundo a qual "Atento o alegado pela R. há manifesta complexidade das questões suscitadas com vista a determinar a respetiva quota do A. e da R. no imóvel a dividir, e designadamente quanto à prova do contributo de cada uma das partes para a compra do imóvel cuja divisão de pretende"; e que, por isso, "tal questão referente à determinação da quota parte de cada uma das partes no imóvel não pode ser dirimida de forma indiciariamente sumária nos termos do disposto no artigo 1053º,nº 2, e 304º do C.P.C."; pelo que, e atento o valor da causa, considerou competente para a subsequente tramitação e decisão dos autos as Varas Cíveis do Porto, nos termos do disposto no artigo 1053º,nº 3, C.P.C.
B) Assim, a sentença ora recorrida foi proferida, não segundo o modelo incidental nos termos dos artigos 1053º,nº 2, e 304º C.P.C., mas sim segundo o modelo de processo comum nos termos do artigo 1053º,nº 3, C.P.C.
C) Conforme é referido na sentença recorrida, o Autor alegou na petição inicial que Autor e Ré são comproprietários de determinada fração autónoma, a qual é indivisível em substância, e que por não pretender permanecer na indivisão pediu que se procedesse à adjudicação ou venda do referido imóvel, repartindo-se o respectivo valor.
D) Na sua contestação, a Ré/Recorrente não pôs em causa a indivisibilidade em substância do dito imóvel, mas suscitou a questão da diversidade quantitativa das quotas-partes de Autor e Ré no dito imóvel, tendo em conta que é profundamente desigual o montante que cada um deles suportou para a aquisição daquele imóvel, bem como para o pagamento de despesas e impostos decorrentes da qualidade de comproprietários, conforme prova documental produzida em anexo à contestação, e prova documental e testemunhal requerida no mesmo articulado.
E) Com especial relevância para o caso em apreciação, e conforme alegado e demonstrado pela Ré, uma parte do preço total e efetivo de compra (por Autor e Ré) da fração autónoma em causa foi paga com quantia disponibilizada a Autor e Ré a título de empréstimo bancário – o qual ficou garantido por hipoteca constituída a favor do Banco mutuante e onerando o mesmo imóvel – e outra parte (maior) desse preço total e efetivo foi paga pela Ré, a título de sinal e reforços de pagamento, à promitente vendedora do dito imóvel, antes da celebração da escritura pública de compra e venda do dito imóvel.
F) Sendo que, o preço real e efetivo de compra do dito imóvel foi de ESC. 60.000.000$00 (a que corresponde o contravalor em Euros de EUR 299.278,74), dos quais a Ré pagou, até à data da celebração da escritura de compra e venda, a título de sinal e reforços de pagamento, um total de ESC. 43.460.000$00 (a que corresponde o contravalor em Euros de EUR 216.777,57), ou seja, quase ¾ do total do preço real e efetivo de compra!
G) Ao passo que o remanescente – isto é, a diferença entre ESC. 43.460.000$00 e o total de ESC. 60.000.000$00, ou seja, ESC. 16.540.000$00 –é que foi pago por Autor e Ré à vendedora do imóvel, com dinheiro disponibilizado àqueles através do referido empréstimo bancário, mas
H) tendo esse empréstimo bancário um prazo de amortização muito longo e só tendo sido amortizada (pelo Autor) uma pequena parte desse empréstimo, estando uma grande maioria dele ainda por amortizar!
I) Os direitos dos comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, mas as quotas desses comproprietários podem ser quantitativamente diferentes, conforme estabelece o artigo 1403º,nº 2, 1ª parte Cód. Civil e a sentença recorrida reconhece.
J) No entanto, as quotas (dos comproprietários) presumem-se quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo, conforme preceitua o artigo 1403º,nº 2, 2ª parte, Cód. Civil e a sentença recorrida refere.
K) Salvo o devido respeito e melhor opinião, na sentença recorrida o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação do artigo 1403º,nº 2, Cód. Civil, da qual, por sua vez, resultaram conclusões igualmente incorretas, bem como a incorreta aplicação daquela norma e decisões incorretas, violadoras daquela norma e também dos artigos 9º e 350º do Cód. Civil.
L) A sentença recorrida interpreta o artigo 1403º,nº 2, 2ª parte, Cód. Civil, no sentido de que, na falta de indicação em contrário do título constitutivo da compropriedade, as quotas dos comproprietários presumem-se iguais de forma absoluta e não ilidível; isto é, considera que para afastar a referida presunção legal é necessário que haja indicação em contrário (de forma expressa ou implícita) no próprio título constitutivo (Cfr. parágrafos 7º e seguintes do ponto 7, e ponto 8, da sentença recorrida).
M) Salvo o devido respeito e melhor opinião, essa interpretação não tem suporte na letra daquele preceito nem nos demais elementos hermenêuticos de interpretação, e seria até paradoxal.
N) Quando o artigo 1403º,nº 2, 2ª parte, estabelece que "as quotas presumem-se todavia quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo", a lei está expressamente a prever que, no caso de o título constitutivo não conter qualquer indicação no sentido da desigualdade quantitativa das quotas, estas presumem-se quantitativamente iguais" (sublinhado e negrito nossos); mas nada aponta na letra da lei, nem nos restantes elementos hermenêuticos de interpretação, para que esta presunção legal, quando opere, seja considerada absoluta (juris et de jure) e não admita prova em contrário!
O) Ora, o artigo 350º,nº 2, do Cód. Civil estabelece que "as presunções legais podem (…) ser ilididas mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei o proibir".
P) A sentença recorrida, na argumentação que expende bem como nas conclusões que retira e nas decisões proferidas, admite apenas que a prova em contrário para afastar a referida presunção legal tem de consistir na indicação – de modo expresso ou implícito – no próprio título constitutivo da compropriedade de que as quotas dos comproprietários são quantitativamente diferentes.
Q) Entende a Recorrente que, além de a lei não conferir suporte para uma tal interpretação, essa interpretação levaria a um efeito paradoxal: se a presunção legal (de igualdade das quotas) só pudesse ser afastada pela indicação em contrário no próprio título constitutivo da compropriedade, verificar-se-ia que, nos casos em que houvesse essa indicação em contrário, a presunção nem sequer poderia operar, porque aquela presunção legal está prevista para quando o título constitutivo não contenha indicação em contrário..!
R) Por outro lado, uma tal interpretação (do artigo 1403º,nº 2, 2ª parte, Cód. Civil) não seria conforme ao elemento teleológico e ao sentido da norma: há situações em que, quando é produzido o título constitutivo, os vários comproprietários não sabem em que medida cada um deles poderá, de facto, vir a suportar a aquisição da coisa comum, bem como o pagamento de despesas e impostos decorrentes da qualidade de comproprietários –é nomeadamente o que muitas vezes acontece quando (como ocorreu parcialmente no caso em apreciação) a coisa adquirida em compropriedade com recurso a empréstimo bancário contraído pelos comproprietários e a amortizar ulteriormente por aqueles, e em que, um deles poderá, de facto, vir a suportar custos superiores aos de outro(s) comproprietário(s).
S) Mas mesmo que, quando o título constitutivo (da compropriedade) é produzido, os comproprietários saibam que suportaram ou suportarão em medidas quantitativamente diferentes a aquisição da coisa comum, e, ainda assim, nada indiquem no título constitutivo a esse respeito, não poderão/deverão quaisquer daqueles comproprietários ser impedidos de, em sede de ação de divisão de coisa comum, suscitar a questão da diversidade quantitativa das quotas, embora sujeitando-se ao ónus de ter de apresentar prova que afaste a presunção legal de igualdade das quotas (prevista no artigo 1403º,nº 2, 2ª parte, Cód. Civil).
T) A presunção legal de igualdade de quotas no caso de o título constitutivo da compropriedade ser omisso a respeito da diversidade de quotas, não é uma presunção absoluta (juris et de jure) mas sim uma presunção relativa (juris tantum) que admite prova em contrário, nos termos do artigo 350º,nº 2, Cód. Civil.
U) No caso em apreciação o título constitutivo da compropriedade (de Autor e Ré)não contém qualquer indicação – expressa ou implícita – no sentido de haver diversidade das quotas dos comproprietários (maxime de ter siso desigual o montante desembolsado pelo Autor e pela Ré para aquisição da fração autónoma em questão).
V) Assim sendo, opera a presunção legal prevista no artigo 1403º,nº 2, 2ª parte Cód. Civil, até prova em contrário.
W) Na respetiva contestação, a Ré/Recorrente não só suscitou a questão da diversidade quantitativa das quotas, como alegou os factos concretizadores da fundamentação dessa diversidade quantitativa de quotas, e produziu de imediato prova documental sobre tais factos bem como requereu a produção ulterior de prova documental e testemunhal daqueles factos; em suma, na contestação que apresentou, a Ré/Recorrente apresentou prova em contrário, para afastar a presunção legal prevista no artigo 1403º,nº 2, 2ª parte, Cód. Civil.
X) Apesar disso, a sentença recorrida, sem sequer apreciar e valorar a prova apresentada nem a prova requerida pela Ré, considerou que "(…) as quotas do Autor e da Ré na coisa comum, por aplicação da citada presunção legal, são de metade para cada um deles" (cfr. parágrafo 6 do ponto 8 da sentença); acrescentando que "(…) para efeitos desta ação de divisão de coisa comum, inexistindo indicação em contrário do título constitutivo da compropriedade, as quotas do Autor e da Ré na coisa comum, legalmente, presumem-se quantitativamente iguais, sendo, por isso, de metade para cada um deles" (cfr. parágrafo 10 do ponto 8 da sentença); e concluindo que "consequentemente, a pretensão deduzida pela Ré na sua contestação no sentido de ver a sua quota e a quota do Autor na fração autónoma em questão serem fixadas em medida diversa da de metade para cada um deles, está irremediavelmente condenada ao fracasso" (cfr. parágrafo 11 do ponto 8 da sentença).
Y) Em suma, a sentença recorrida tratou a presunção legal prevista no artigo 1403º,nº 2, 2ª parte, Cód. Civil, como se fosse uma presunção juris et de jure, que não admitisse prova em contrário.
Z) Acresce que a sentença recorrida considerou que "se a Ré, eventualmente, é titular de algum direito de crédito sobre o Autor – emergente da sua pretensa maior comparticipação na aquisição da coisa comum e nos encargos da mesma – não é nesta ação de divisão de coisa comum que o há-se fazer valer" (sic cfr. parágrafo 9 do ponto 8).
AA) A Recorrente discorda de tal entendimento e, salvo o devido respeito e melhor opinião, é precisamente na ação de divisão de coisa comum, e como questão prévia a decidir na fase declarativa desta ação, que a Ré/Recorrente deve fazer valer o seu direito a uma quota quantitativamente diferente (superior) à do Autor, por ter efetuado (muito) maior comparticipação na aquisição da coisa comum e nos encargos da mesma.
Nesse sentido, decidiu o Acórdão do S.T.J. de 12.11.1996 (MARTINS DA COSTA), que "Na fase declarativa da ação de divisão de coisa comum, pode discutir-se a proporção dos quinhões de cada comproprietário".
BB) Finalmente, e como corolário do entendimento e interpretação legal sufragados na fundamentação, a sentença:
I. julgou improcedente, por não provada, a pretensão, deduzida pela Ré na sua contestação, no sentido de ser decidida a questão da diferença quantitativa das quotas dos comproprietários, com a fixação da quota do Autor e da quota da Ré em medida diversa da de metade para cada um deles;
II. julgou procedente o pedido de divisão de coisa comum formulado pelo Autor e, em consequência, face à indivisibilidade em substância da fração autónoma e considerando estar assente, por força da presunção legal estabelecida no artigo 1403º, nº 2, 2ª parte, do Cód. Civil, que a quota do Autor e da Ré nessa fração é de metade para cada um deles, determinou o prosseguimento dos autos para efeitos do disposto no artigo 1056º, nº 2, C.P.C. (conferência de interessados); iii. condenou a Ré no pagamento das custas.
CC) A Recorrente discorda da interpretação/entendimento sufragados na sentença recorrida acerca do artigo 1403º,nº 2, bem como das conclusões que a sentença dali retira e das decisões nela proferidas (referidas no ponto anterior).
DD) Salvo o devido respeito e melhor opinião, o Tribunal a quo deveria ter analisado a prova documental já apresentada pela Ré/Recorrente, e apreciado a restante prova documental e testemunhal requeridas e ainda não produzidas, e, na medida em que dessa prova resultasse – como resulta – o afastamento da presunção legal de igualdade de quotas dos comproprietários (prevista no art. 1403º,nº 2, 2ª parte, Cód. Civil), deveria ter decidido a questão da diferença quantitativa das quotas dos comproprietários, com a fixação da quota do Autor e da quota da Ré em medida diversa da de metade para cada um deles.
EE) Ao invés, e pelas mesmas razões, não deveria a sentença recorrida ter julgado procedente o pedido de divisão de coisa comum formulado pelo autor, considerando assente, por força da presunção legal estabelecida no artigo 1403º,nº 2, 2ª parte, Cód. Civil, que a quota do Autor e da Ré nessa fração é de metade para cada um deles.
FF) Ainda, pelas mesmas razões, não deveria a sentença recorrida ter condenado a Ré no pagamento das custas.
GG) Entende a Recorrente que a sentença recorrida deve ser revogada, quanto a todas as decisões proferidas, e deve ser ordenado que o Tribunal a quo analise a prova documental já apresentada pela Ré/Recorrente, e aprecie a restante prova documental e testemunhal requerida e ainda a produzir, seguindo a tramitação do processo comum ordinário e, na medida em que da prova produzida resulte o afastamento da presunção legal de igualdade de quotas dos comproprietários (Recorrente e Recorrido), deverá o Tribunal a quo decidir a questão da diferença quantitativa das quotas dos comproprietários, com a fixação da quota do Autor e da quota da Ré/Recorrente em medida diversa da de metade para cada um deles.
HH) Em suma, na sentença recorrida foi interpretado e aplicado de forma incorreta o artigo 1403º,nº 2, do Código Civil, e por isso com violação dessa norma.
Ao invés, na sentença recorrida não foram aplicados, como deviam, as normas dos artigos 9º e 350º,nº 2, do Código Civil, e, consequentemente, com violação destas normas.
TERMOS EM QUE, COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS.,
Deve ser dado provimento ao recurso, sendo revogadas todas as decisões proferidas na sentença recorrida e ordenado que o Tribunal a quo analise a prova documental já apresentada pela Ré/Recorrente, e aprecie a restante prova documental e testemunhal requerida e ainda a produzir, seguindo a tramitação do processo comum ordinário e, na medida em que da prova produzida resulte o afastamento da presunção legal de igualdade de quotas dos comproprietários (Recorrente e Recorrido), deverá o Tribunal a quo decidir a questão da diferença quantitativa das quotas dos comproprietários, com a fixação da quota do Autor e da quota da Ré/Recorrente em medida diversa da de metade para cada um deles.
Contra-alegou o Autor sustentando o bem fundado da sentença recorrida e pugnando por isso pela improcedência do recurso.
Atendendo a que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, no caso do presente recurso esse objeto reconduz-se a uma única questão, qual seja a de saber se a presunção de igualdade de quotas a que alude o artº 1403º, nº 2, do C. Civil, é uma presunção juris tantum, admitindo prova em contrário, devendo por isso ser produzida e apreciada a prova documental e testemunhal apresentada pela Ré/Recorrente.
A recorrente não impugnou a matéria de facto constante da sentença recorrida, nem por qualquer outro motivo se impõe a sua alteração, pelo que os factos a considerar são os que ali foram tidos como assentes, remetendo-se por isso nessa parte, para a sentença recorrida, em conformidade com o que dispõe o artº 663º, nº6 do NCPC.
Dito isto cabe referir que a divisão de coisa comum tem por fim concretizar a parte de cada consorte na propriedade comum, assumindo que cada consorte tem direito a uma porção da coisa comum, divisão essa que pode ser in natura ou divisão do preço.
Em qualquer das situações, haverá que partir da medida da comparticipação dos comproprietários no direito comum. Com efeito, se o direito de cada comproprietário na coisa comum é qualitativamente igual, quantitativamente pode ser diferente. Fala a lei a esse respeito em quotas, e dispõe, na segunda parte do nº 2 do artº 1403º do CC, que essas quotas se presumem quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo.
Na situação em análise no presente recurso está estabelecido que Autor B… e a Ré C… são os únicos comproprietários da fração autónoma identificada no artigo 1º da petição inicial. Por outro lado, e como é referido na sentença recorrida - sem que nessa parte haja sido posta em causa no recurso interposto - da escritura pública de compra e venda correspondente , outorgada em 14/06/2002, titulada pelo documento fotocopiado a fls. 18/23 dos autos, não consta qualquer indicação, seja de forma expressa, seja de forma implícita, de que as quotas do Autor e da Ré na coisa comum fossem quantitativamente diferentes. Nomeadamente não resulta daquela escritura, que foi desigual o montante desembolsado pelo Autor e pela Ré para a aquisição da fração autónoma em questão.
De acordo por isso com o constante do título constitutivo da compropriedade - a referida escritura de compra e venda - verifica-se a situação a que o legislador , no referido artº 1403º, nº2, do C.Civil, faz corresponder a presunção de que as quotas dos comproprietários são quantitativamente iguais.
Nada disto vem questionado no recurso interposto.
No entanto a recorrente já põe em causa que, conforme se assume na sentença recorrida, aquela presunção de igualdade das quotas dos comproprietários, não admite prova em contrário por outros meios, para além dos consubstanciados na referência constante do título constitutivo da compropriedade, pretendendo antes que deverá ser admita a produzir outra prova relativa ao diferente contributo de ambos- recorrente e o recorrido/Autor - para a aquisição da referida fração autónoma, e dessa forma ver estabelecido de forma quantitativamente diferente, as respetivas quotas.
Argumenta no essencial que, nada se referindo em contrário na referida norma, a presunção a que ali se faz referência deve ser tida como uma presunção juris tantum, por forma do disposto no artº 350º, nº 2, do C. Civil.
Vejamos.
É sabido que as presunções são definidas na lei - artº 349º do CC - como sendo as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido. Trata-se assim de inferir a existência de um facto que se desconhece, a partir de outro que é conhecido, mediante o estabelecimento de um nexo lógico entre os dois.
As presunções podem ser legais - artº 350º do CC - ou judiciais - artº 351º do CC.
Nestas o nexo lógico é estabelecido pelo julgador no contexto de uma situação concreta.
Naquelas é o próprio legislador que estabelece esse nexo lógico para um determinado tipo de situações considerada em abstrato.
A intervenção do legislador no estabelecimento de uma presunção que poderia de igual forma ser alcançada pelo julgador na decisão do caso concreto, é justificada, não só como forma de prevenir o arbítrio, mas sobretudo como forma de assegurar a eficácia na administração da justiça, facilitando a prova nos casos em que a mesma não está ao alcance da parte a quem a mesma incumbiria.
Por sua vez as presunções legais podem ser relativas ou absolutas, consoante admitam ou não prova em contrário - nº 2 do artº 350º do CC. A proibição da prova em contrário que é inerente às presunções legais absolutas ou juris et de jure, deve em todo o caso considerar-se excecional, já que a regra é a da admissibilidade da prova em contrário. A presunção legal absoluta será assim uma forma indireta de redação de uma norma de direito substantivo. Compreende-se assim que a presunção só deva considerar-se absoluta quando o legislador expressamente o determinar ao proibira a prova em contrário - parte final do nº 2 do artº 350º do CC.
Em qualquer dos casos a estrutura da presunção judicial reconduz-se ao seguinte esquema:
- A base da presunção, formada pelo facto ou factos conhecidos, isto é, provados através de outros meios de prova;
- Os elementos de racionalização lógica e técnico-experiencial atuando por indução sobre os mesmos factos;
- O facto ou factos presumidos mediante estas operações intelectuais.
Tendo isto presente verifica-se no entanto que nem sempre à referência feita na lei à existência de presunções, corresponde uma efetiva e genuína presunção, configurada nos termos supra referidos.
Assim em várias ocasiões essa referência é utilizada para instituir normas substantivas supletivas, ou apenas como forma de modificação do ónus da prova, tendo como única finalidade estabelecer uma repartição do ónus da prova atentas as especiais peculiaridades de determinados tipos de relações jurídicas, sem que lhes esteja subjacente uma genuína presunção. Naqueles casos a parte beneficiada com a presunção não tem mesmo que provar qualquer facto-base, considerando-se verificado o facto presumido sem necessidade de prova daquele, cabendo à contraparte a prova do contrário. São as denominadas "verdades interinas". A diferença entre as duas situações é patente na formulação das correspondentes previsões legais. Enquanto na presunção legal propriamente dita a formulação da previsão legal dispõe que, se ocorre o facto base, presume-se o facto presumido, salvo prova em contrário, na presunções aparentes a previsão legal reconduz-se à formulação de que deve presumir-se B salvo prova em contrário [1]. É esta última situação a que se verifica no caso da "presunção" a que se reporta o artº 1403º, nº 2, do CC - "… as quotas presumem-se iguais na falta de indicação em contrário." Impõe-se assim concluir que neste caso não se está perante uma presunção, no verdadeiro sentido do termo, mas antes perante uma fórmula a que o legislador deitou mão para estipular uma norma supletiva, a vigorar nos casos em que o título constitutivo da compropriedade não indique a medida da quota.
De quanto vem de dizer-se resulta que o regime legal correspondente à "presunção" prevista no referido artº 1403º, nº2, do C. Civil não se reconduz ao regime legal das presunções propriamente ditas, não sendo por isso de considerar a aplicabilidade do preceituado no artº 350º, nº2, do CC para concluir ser aquela uma presunção relativa, e sobretudo não havendo lugar à admissibilidade da produção de outra forma de prova em contrário, conforme pretende o recorrente, para além da que pudesse decorrer do título constitutivo. Neste sentido se tem pronunciado a doutrina. Assim Jacinto Rodrigues Bastos ao referir [2] que “A 2ª parte do nº2 não representa um favor da lei para a igualização das quotas mas um critério usado para suprir a lacuna nos casos em que a fonte da comunhão não indique a medida da quota; mais do que uma presunção, trata-se de um preceito supletivo;”.
No mesmo sentido Luís Filipe Pires de Sousa, obra citada, págs. 99/100.
Assim que, verificada a omissão de referência no título constitutivo, à repartição de quotas, o legislador estabelece como regime legal supletivo, que essa repartição é feita em termos quantitativamente iguais. E com este sentido pode e deve afirmar-se que, de acordo com o disposto no artº 1403º, nº 2 do CC, se o título constitutivo não permitir aferir o valor das quotas de cada um dos consortes, a lei presume (estabelece) que se considera que a quota respetiva é igual[3].
A omissão de referência em contrário no título de constituição da compropriedade é assim condição ou requisito da aplicabilidade da referida norma supletiva, sendo esse o sentido com que deverá ser entendida a formulação constante do referido nº 2 do artº 1403º do CC, ao fazer depender a aplicabilidade daquela norma supletiva da verificação de falta de estipulação em contrario no título constitutivo.
É claro que a referida norma supletiva não opera quando o título constitutivo de que resulte a relação de comunhão fixar, direta ou indiretamente, a extensão da quota. E daí que a parte que sustente a diversidade quantitativa das quotas haverá de demonstrar isso mesmo, sendo que, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, a indicação em contrário, a que alude a parte final do art. 1403, nº2, não tem de ser expressa.
Por outro lado, mesmo nos casos em que o título constitutivo quantifica as quotas no momento da constituição da comunhão, este valor não é imutável, podendo a quota do consorte variar por força da eficácia de factos supervenientes que tenham o efeito de alterar o valor da quota (venda, doação troca) de toda ou parte da sua quota (art. 1401º, nº1, 1ª parte). Mas mesmo nestes casos, e como referem Pires de Lima e Antunes Varela [4] " o acordo de modificação está sujeito às regras de forma e publicidade a que tem de obedecer o ato constitutivo da comunhão”, pelo que sempre a prova de tal alteração haverá que reconduzir-se aos elementos constantes do título constitutivo.
No seguimento de quanto vem de referir-se deve concluir-se que o afastamento da "presunção" de igualdade das quotas, que decorre da previsão do nº2 do art. 1304º,do C.Civil só poderá resultar dos elementos constantes do próprio título de aquisição e já não por elementos exteriores ao mesmo, sendo por isso inadmissível a produção de prova testemunhal para prova de que a comparticipação de um dos comproprietários na aquisição do imóvel foi superior à dos demais, porque, por ex. suportou uma parte superior do preço do mesmo) - Acórdão da Rlxa, de 30-06-2009, e de 08-05-2012 disponíveis in http://www.dgsi.pt.
Concorda-se por isso com o juízo formulado na sentença recorrida, quando nela se refere que " … inexistindo indicação em contrário do título constitutivo da compropriedade, as quotas do Autor e da Ré na coisa comum presumem-se, legalmente, quantitativamente iguais, sendo, por isso, de metade para cada um deles" e consequentemente que a pretensão deduzida pela Ré na sua contestação, de fazer prova por outros meios, e para efeitos da divisão da coisa comum, da diferença quantitativa das quotas dos comproprietários, estava irremediavelmente condenada ao fracasso, proferindo decisão nesse sentido em produção da prova apresentada pelo contestante.
Quando muito tal circunstância, a ter ocorrido, poderá fundamentar um eventual direito de crédito sobre de um sobre o outro.
TERMOS EM QUE ACORDAM NA SECÇÃO CIVEL DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO EM JULGAR IMPROCEDENTE O RECURSO, CONFIRMANDO A SENTENÇA RECORRIDA.
CUSTAS PELO RECORRENTE.
Porto, 26 de Setembro de 2013
Evaristo José Freitas Vieira
Manuel Lopes Madeira Pinto
Carlos Jorge Ferreira Portela
_____________________
[1] Luís Filipe Pires de Sousa - Prova por presunção no Direito Civil - págs. 90
[2] “Direito das Coisas”, II Vol., pág. 141, nota 2, anotação ao art. 1403º CC.
[3] José Alberto C. Vieira - “Direitos Reais”, Coimbra Editora 2008, pág. 367
[4] Obra citada, pág. 359, nota 9 ao art. 1403º CC