MATÉRIA DE FACTO
RESPOSTA
EXPURGAÇÃO DE HIPOTECA
PRESSUPOSTOS
SUB-ROGAÇÃO NOS DIREITOS DO CREDOR
FALTA DE LIQUIDEZ DA OBRIGAÇÃO
LEGITIMIDADE PARA A INVOCAÇÃO
Sumário

I – Se a resposta ao artigo da Base Instrutória nada ter a ver com a pergunta, e mais leva em consideração matéria de facto não alegada no processo, é de considerar não escrita.
II – A expurgação da hipoteca a que alude o disposto no artº 721º al.a) CCiv depende do prévio registo da aquisição do imóvel, bem como da prévia instauração de processo judicial, como resulta da norma do artº 723º CPCiv.
III – Fica sub-rogado nos direitos do credor, nos termos da sub-rogação legal que resulta do disposto no artº 592º nº1 CCiv, o adquirente da coisa hipotecada que cumpre pelo devedor, na mera intenção de prevenir a execução do crédito hipotecário.
IV - Se a Ré sempre recusou qualquer responsabilidade na dívida reconhecida no processo, é-lhe vedado invocar a falta de liquidez da obrigação para impedir o vencimento de juros desde a citação, pois que tal falta de liquidez decorreu apenas da sua responsabilidade – artº 805º nº3 1ª parte CCiv.

Texto Integral

● Rec. 760/09.3TBGDM.P1. Relator – Vieira e Cunha. Decisão de 1ª instância de 03/07/2012. Adjuntos – Desembargadores Maria Eiró e João Proença Costa.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com processo declarativo e forma sumária nº760/09.3TBGDM, do 3º Juízo Cível da comarca de Gondomar.
Autor – B….
Ré – C….
Interveniente Acessório – D….

Pedido
Que a Ré seja condenada a pagar à Autora a quantia global de € 10.704,81, acrescida de juros desde a interpelação judicial de 20/6/2007.

Tese do Autor
O Autor prometeu comprar a D… uma fracção predial autónoma; levou a promessa a registo em 28/12/2006.
O dito promitente vendedor divorciou-se da Ré e procedeu a partilha dos bens do casal; registou a aquisição da fracção predial prometida em 11/5/2007.
A falada fracção encontrava-se onerada com duas hipotecas.
A Ré recebeu tornas, mas a dívida comum garantida pela hipoteca não foi liquidada ao respectivo credor.
O Autor, em 7/12/2007 expurgou a hipoteca, com a quantia de € 9.904,81.
Sendo a dívida dos ex-cônjuges solidária, pode ser exigida de qualquer um deles.
Tese da Ré
A Ré pagou do seu bolso parte do passivo do casal a que se reportam as hipotecas.
A Ré nada negociou ou contratou com o Autor.
Do contrato que o Autor invoca se retira que ele adquiriu a referida fracção livre de ónus e encargos, tendo aliás o Banco a favor do qual se constituíra a hipoteca intervindo na escritura.
Assim, o Autor em nada ficou subrogado.
O Autor expurgou as hipotecas, conforma alega, em data anterior à do vencimento dos empréstimos contraídos pelo casal.
As despesas com o cancelamento da hipoteca devem ser documentalmente comprovadas.
À Ré só incumbia o pagamento de metade do passivo do casal, o que já fez.
Tese do Interveniente Acessório
Impugna o invocado pagamento por parte do Autor de responsabilidades do casal.
Quando da partilha foi liquidado ao Banco tudo o que o casal devia, tendo a Ré abatido, no montante que devia ao Autor, o valor por ela Ré pago ao Banco.
A dívida do casal ao dito Banco é solidária.

Sentença Recorrida
Na sentença proferida, foi decidido julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 4.952,40, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

Conclusões do Recurso de Apelação:
1) Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto no tocante aos pontos nºs 5), 7), 8), 19), 20) e 23) da B.I., por incorrectamente julgados.
2) Os pontos 5), 7) e 8) devem ser julgados “não provados”: o depoimento de E… não merece credibilidade (não esclareceu até textos da sua autoria); o doc. nº5 com a P.I. não pode ser aceite como prova; o doc. nº6 nada comprova; inexiste qualquer documento que demonstre a expurgação da hipoteca; a carta do F… de 27/10/2011 refere que o empréstimo de maior valor só teve liquidação em 14/2/2008, o que contraria o nº7; atendendo aos documentos emitidos pelo F…, à carta de 16/3/2012 e aos documentos juntos pela Ré; por não ter sido valorizada a recusa de colaboração do Autor – al.i) do requerimento probatório e artº 519º CPC (o empréstimo não foi pago pelo Autor, mas eventualmente pelo chamado ex-marido da Ré, deduzido o valor dos empréstimos no valor entregue pelo Autor a esse ora chamado).
3) O próprio Autor escreve ao F…, em 29/1/2008, que o valor do distrate esteve à disposição do Banco desde Junho de 2007, ou seja, antes da data da escritura.
4) O doc. nº6 (PI) não dá quitação do crédito do F….
5) O ponto nº5) engloba matéria vaga e conclusiva; a resposta extravasa o âmbito do perguntado.
6) A resposta aos pontos nºs 19) e 20) deve ser alterada para “provado”, na íntegra: a carta do F… de 27/10/11, referindo sucessivas liquidações e estornos de empréstimos; a comunicação escrita da testemunha E…; os extractos bancários juntos com tal carta, bem como os juntos pela Ré.
7) A resposta aos pontos 19) e 20) contraria a resposta ao ponto 22).
8) A resposta ao ponto 23) deve ser alterada para “provado”, atendendo à carta do F… de 16/3/2012, onde se refere a penalização “pré-pagamento” cobrada.
9) Há total falta de coerência e lógica, sendo a causa de pedir ininteligível se, pelo contrato de compra e venda que integra a causa de pedir, foi vendido um prédio livre de ónus e encargos e o Autor não impugna o contrato.
10) Assim, o despacho saneador deveria ter considerado inepta a P.I. – artºs 193º nºs 1 e 2 al.a) e 288º nº1 al.c) CPCiv.
11) O Autor não alegou o que efectivamente acordou com o vendedor, acerca do preço real estipulado e do efectivamente pago.
12) O próprio Autor afirma que o preço declarado na escritura não foi o efectivamente pago, facto que indicia simulação.
13) O Autor, enquanto promitente comprador, poderia ter procedido à resolução do contrato, com as legais consequências, direitos que não exerceu.
14) O Autor adquiriu a fracção com pleno conhecimento das hipotecas que sobre a mesma impendiam.
15) Se o Autor pagou ao chamado a totalidade do preço, o enriquecimento é do chamado.
16) As circunstâncias mostram que, sem erro ou dolo, o Autor teria igualmente adquirido a fracção autónoma, pelo que apenas lhe cabe direito à redução do preço; não se decidindo assim, viola-se o disposto no artº 911º CCiv.
17) O Autor, optando pela manutenção do contrato, deveria ter pedido a fixação judicial de prazo, para que o vendedor expurgasse as hipotecas, não lhe assistindo o direito de imediatamente se substituir ao vendedor – artºs 907º nº2 e 910º CCiv – assim B. Lopes, Do Contrato de Compra e Venda, A. Varela, RLJ 3752/341 (nota 2), STJ 17/7/02, pº 02B2631, STJ 12/3/09, relator: Salvador da Costa.
18) O Autor age em abuso de direito, o que se retira dos pontos de facto nºs 3 e 32 a 36 da sentença.
19) A quantia que se deu como provado que o Autor depositou no F… (facto 42 da sentença) foi-lhe parcialmente reembolsada – facto 54 e carta do F… de 7/5/08.
20) O Autor não provou o cumprimento dos requisitos do artº 721º CCiv, não provando que pagou ao credor hipotecário as dívidas a que se reportam as hipotecas e também não provou o registo da aquisição a seu favor quando do depósito de 7/12/07.
21) Tal registo era (artº 721º cit.) condição “sine qua non” para o exercício pelo Autor do direito de expurgação das hipotecas.
22) A solidariedade da dívida era fundamento para a absolvição da Ré.
23) Os trechos da sentença que fundamentam a condenação da Ré estão em oposição com a decisão – artº 668º nºs 1 al.d) e 4 CPCiv.
24) O enriquecimento sem causa eventual da Ré, não aconteceu à custa do Autor.
25) A existir subrogação do Autor no crédito do Banco, a sentença não poderia deixar de atentar no facto de a Autora já ter pago a sua metade de responsabilidade – cf. factos provados nºs 14, 19 e 50 da sentença, documentos juntos e até a própria motivação da decisão nos pontos nºs 11), 16) e 17) da PI, quando refere os docs. de fls. 275 a 322.
26) Invocar que à Autora pode assistir razão e mais tarde julgar verificado o enriquecimento sem causa demonstra novamente oposição entre os fundamentos e a sentença.
27) O Autor não invoca o enriquecimento sem causa e a Ré não se pôde defender dessa concepção, com violação do disposto nos artºs 3º, 264º e 661º CPCiv.
28) O Autor poderia e deveria ter accionado o vendedor da fracção autónoma, o que afasta a aplicação do referido instituto – artº 474º CCiv.
29) O Autor não alegou que pagou integralmente o preço ajustado para a venda, não cumprindo o ónus da prova do requisito de que o enriquecimento carece de causa justificativa.
30) Se o Autor tivesse o direito à restituição pelo enriquecimento sem causa, tal direito já estava prescrito – artºs 303º, 304º e 482º CCiv.
31) Não existe subrogação em qualquer crédito, inexistindo para tal declaração do credor F….
32) A sentença não sustenta o pretenso enriquecimento da Ré à custa do Autor, nem o quantifica.
33) Se o chamado pagou ao Autor a parte respectiva na dívida, a Ré pagou de prestações a título do contrato de mútuo bem mais do que os € 5.352 que o Autor declarou (na audiência de 16/4/2012) terem-lhe sido pagos pelo chamado, e pagou tais prestações muito antes desse alegado pagamento do chamado ao Autor.
34) O Autor não podia ficar subrogado num direito que o credor não tinha, o de exigir a amortização antecipada.
35) Se o F… aceitou tal pedido de amortização total antecipada dos empréstimos sem intervenção da Ré, foi porque considerou que esta já tinha pago a parte do passivo que lhe cabia liquidar na sequência da partilha.
36) Tal amortização não confere qualquer direito de subrogação assente num direito do F….
37) Os empréstimos poderiam ser amortizados até 17/11/10 e 15/12/10, por isso, à data da acção, inexistia qualquer crédito de juros do F… sobre a Ré.
38) Por tais motivos, e ainda porque a condenação apenas resulta da sentença, a Ré não deveria ter sido condenada a pagar juros desde a citação.
39) Como resulta das conclusões nºs 10ª, 33ª, 34ª e 35ª (cf. as doutas alegações), na verba da condenação estão incluídas penalizações imputáveis ao autor e ao vendedor, e verbas que foram devolvidas ao autor, por cujo pagamento a Ré não pode ser responsabilizada, sob pena de abuso de direito.

Por contra-alegações, o Interveniente defende a confirmação do dispositivo recorrido.

Factos Provados
1 – Correram termos pelo 1º Juízo, 3ª Secção, do Tribunal de Família e Menores do Porto uns autos de inventário para partilha de bens na sequência de divórcio, sob o nº 966/03.9TMPRT-E, em que foi Requerente C… e Requerido D….
2 – D… foi aí nomeado cabeça-de-casal, por despacho datado de 29/3/2005.
3 – Em 21/4/2005, D… veio nesses autos juntar procuração forense a favor do Exmº Sr. Dr. G… e pedir escusa do cargo de cabeça-de-casal.
4 – Tal pedido de escusa foi deferido em 10/5/2005.
5 – Em 2/6/2005, C… foi nomeada cabeça-de-casal.
6 – Em 21/6/2005, C… prestou compromisso de honra e apresentou a relação de bens constante de fls. 23 a 35 daqueles autos.
7 – Dessa relação consta, sob a verba nº1 – “Fracção autónoma designada pela letra S, correspondente a uma habitação no 2º andar esquerdo, bloco direito, com entrada pelo nº …, com lugar de garagem na cave, com entrada pelo nº…, designado pela letra S, do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, … a …, freguesia …, concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº 06192/24042001, inscrito na matriz sob o artº 9098, com o valor patrimonial de € 25.806,49”.
8 – No Passivo, sob a verba nº1: “Deve o casal ao F… (que integra o anteriormente denominado H…, S.A.), pelos dois mútuos contraídos, com hipotecas incidentes sob o imóvel da verba nº1 do activo, a quantia de € 16.386.
9 – E sob a verba nº4: “Deve o casal à cabeça-de-casal C…, de prestações por esta liquidadas a partir de 11/9/2003 (data da propositura da acção de divórcio), referentes aos mútuos da verba nº1 do passivo, € 6 760.
10 – Na sequência da apresentação da relação de bens viria a ser citado o F… para os termos do inventário e para reclamar da relação de bens.
11 – O qual de nada reclamou.
12 – Em 16/11/2005, C… apresentou nova relação de bens na qual se mantiveram inalteradas as ditas verba nº1 do activo e nºs 1 e 4 do passivo.
13 – Após adiamento, a Conferência de Interessados viria a realizar-se em 5/5/2006, sem a presença do representante do credor F…, não obstante o F… ter sido convocado para comparecer.
14 – Nessa Conferência, a cabeça-de-casal apresentou requerimento a actualizar diversas verbas do passivo, instruído com 60 documentos.
15 – E nela as partes aprovaram o passivo da verba nº1, no montante de € 1.932,73.
16 – E reconheceram ter a cabeça-de-casal pago a quantia de € 11.116,60, com dinheiros próprios, dívidas da responsabilidade de ambos, montante correspondente às verbas nºs 4 a 7 do passivo, devidamente actualizadas.
17 – Foi proferido douto despacho em que, nos termos do artº 1354º CPCiv, se considerou judicialmente reconhecida a verba nº1 do passivo.
18 – E o imóvel da verba nº1 do activo foi licitado pelo Requerido D…, pelo valor de € 55.000.
19 – Após o que se constata que o dito credor foi notificado, nada tendo requerido ou reclamado.
20 – Em 23/6/2006, a Mmª Juiz determinou se procedesse à partilha nos termos constantes do douto despacho de fls. 258.
21 – Foi organizado o mapa de partilha, no qual consta o passivo da dita verba nº1, no montante de € 13.932,73.
22 – Em 23/1/2007, foi proferida sentença que transitou em julgado.
23 – Em 25/10/2006, D… depositou o montante de € 33.404,80, relativo às tornas a que estava obrigado, montante este que a ora Ré recebeu.
24 – D… e B… celebraram o acordo escrito junto a fls. 129 e 130.
25 – No dia 17/11/99 celebrou-se escritura pública denominada “mútuo com hipoteca”, no H…, no Porto, em que intervieram o Dr. I…, em representação do Banco, D… e C…, lavrada de fls. 36 a 38 do livro de notas e escrituras diversas nº 100-B do Cartório Notarial de J…, junta de fls. 240 a 257.
26 – No dia 17/11/99 celebrou-se escritura pública denominada “mútuo com hipoteca”, no H…, no Porto, em que intervieram o Dr. I…, em representação do Banco, D… e C…, lavrada de fls. 39 a 41 do livro de notas e escrituras diversas nº 100-B do Cartório Notarial de J…, junta de fls. 258 a 273.
27 – A fracção S corresponde ao imóvel para habitação sito na Rua … nº …, .º esqº, …, Gondomar, descrita na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº 06192/24042001-S, tendo sido inscrita a sua aquisição a favor de D… e C…, por venda através da apresentação nº 23/190586, a favor de D…, por partilha subsequente a divórcio, pela ap. nº 31/20070511 – intermédia e a favor de B…, por compra e venda, pela ap. 25/20061228 – provisória por natureza.
28 – Sobre a fracção referida em 27) está registada hipoteca voluntária a favor do H…, S.A., por mútuo, garantindo o capital de PTE 4.406.770$00, pela ap. 111/28022000.
29 - Sobre a fracção referida em 27) está registada hipoteca voluntária a favor do H…, S.A., por mútuo, garantindo o capital de PTE 1.300.000$00, pela ap. 112/28022000.
30 - Sobre a fracção referida em 27) está registada hipoteca voluntária a favor do F…, S.A., por mútuo, garantindo o capital de € 67.500, pela ap. 28/20070704.
31 – Em 12/7/2007, Dr. K…, em representação de D…, o Autor, Dr. L…, em representação do F…, S.A., M… e N…, outorgaram a escritura denominada “compra e venda, mútuo com hipoteca”, tendo o primeiro declarado que “em nome do seu representado, pela presente escritura e pelo preço de € 67.500 vende ao 2º outorgante, livre de ónus e encargos, a fracção autónoma designada pela letra S”, tendo o segundo declarado que “aceita este contrato nos termos exarados e que se confessa devedor ao F…, S.A., que o terceiro outorgante representa, da importância de € 67.500, que do mesmo Banco recebeu a título deste empréstimo e que vai ser aplicada na precedente aquisição; que constitui a favor daquele Banco hipoteca sobre o imóvel atrás identificado e ora adquirido” e declararam os quartos: “Que afiançam todas as obrigações que o 2º outorgante assuma, a título do presente empréstimo”.
32 – O Dr. G…, advogado, tem escritório na Rua …, .., .º, Porto, o mesmo local onde tem escritório o Dr. O…, advogado, mandatário judicial do Autor na presente acção, sendo os mesmos os nºs de telefone e fax que ambos indicam.
33 – D… é tio por afinidade do Autor, já que este casou com a sobrinha daquele P….
34 – É amigo de longa data, mais de 3 anos, do Autor e sua mulher e da mãe e padrasto desta.
35 – Celebrou com todos eles o último Natal, em Vieira do Minho.
36 – Esteve como convidado na festa de casamento do Autor com a dita sobrinha, em meados de 2008.
37 – A dívida resultante do contrato de mútuo celebrado com o H… e garantida por duas hipotecas, registadas pelas inscrições nºs 16834, fls. 98v. do C23 e nº 16835, fls. 99 do C23, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o nº 06192/24042001-S, teve como finalidade financiar a compra da mesma fracção S por D… e Ré.
38 – O Autor enviou carta registada com aviso de recepção, em 20/6/2007, à Ré, ora junta de fls. 15 a 17.
39 – A Ré recebeu a carta referida em 38 (A).
40 – A Ré não respondeu à carta referida em 38.
41 – Em 7/12/2007, o valor da dívida garantida pela hipoteca era de € 9.904,81 (matéria considerada não escrita, conforme fundamentação infra).
42 – O Autor, em 7/12/2007, depositou no F… a quantia de € 9.904,81, para liquidação dos empréstimos nºs ……383 e ……053.
43 – Tendo, em consequência, o F… emitido a declaração junta a fls. 24 e 25.
44 – Era só a Ré quem, desde Setembro de 2000, vinha liquidando as mensalidades devidas, nos termos dos ditos contratos de mútuo, mesmo depois de 5/5/2006.
45 – Foi apresentado, em Fevereiro de 2007, junto do F…, pedido no sentido da liquidação dos referidos empréstimos.
46 – Sem que previamente o apresentante desse pedido tenha provisionado a conta de depósito referida nos contratos de mútuo, por forma a tal pedido poder ter seguimento e provimento.
47 – Tal motivou que a Ré endereçasse ao F… a carta junta de fls. 124 a 127.
48 – O F… nunca respondeu a tal carta.
49 – Após tal carta, a Ré continuou a pagar as prestações devidas, nos termos dos ditos contratos de mútuo celebrados com o F….
50 – A Ré pagou as prestações até 7/12/2007.
51 - Desde pelo menos a data da celebração do acordo referido em 24 que o Autor tinha conhecimento que o dito imóvel estava onerado com hipotecas.
52 – Após o inventário, D… e o Autor combinaram a apresentação ao F… de um pedido de amortização total antecipada dos empréstimos.
53 – O pedido referido em 52) – 12º da B.I. – foi apresentado, recebido e teve seguimento por parte do F….
54 – Tendo originado débitos que o F… reembolsou parcialmente em 29/4/2008.
55 – Em 22/2/2007, 25/6/2007 e 15/2/2007, por três vezes soçobraram tentativas de liquidação, porque a conta bancária não foi provisionada com a quantia necessária para o efeito.
56 – O F… deu seguimento a tais pedidos, feitos sem intervenção da mutuária, ora Ré.
57 – A presente acção acarretou encargos imprevistos à Ré.
58 – O que originou que já teve de recorrer a empréstimo de familiar para financiar os encargos com taxas de justiça e demais despesas necessárias à sua defesa nestes autos.
59 – E tê-lo-á de reembolsar através do subsídio de férias e tal impedirá que possa partir de férias com os filhos.
60 – A Ré vem sofrendo por motivo desta acção, pois logo que foi citada ficou bastante abalada e perturbada, e desde então vem sentindo perturbação, angústia, stress, ansiedade e temor, receando o desfecho da acção, mais ainda por sentir estar a ser alvo de uma acção infundada e injusta.

Fundamentos
Em função das conclusões do recurso de apelação (supra sumariadas), são os seguintes os tópicos a abordar na solução do presente recurso:
- saber se, da leitura da Petição Inicial, resulta que deveria ter sido julgada inepta, ao invés do decidido – artº 193º nºs 1 e 2 al.a) CPCiv;
- saber se os pontos de facto, do elenco da sentença, nºs 5), 7) e 8) deveriam antes ter sido julgados “não provados”, e se os pontos nºs 19), 20) e 23) deveriam ter sido, na íntegra, julgados “provados”;
- saber se os trechos da decisão que fundamentam a condenação se encontram em oposição com a decisão – artº 668º nºs 1 al.d) e 4 CPCiv; na verdade, a própria sentença reconhece que a Ré já tinha solvido a sua metade de responsabilidade (de resto, já tinha pago de prestações mais do que o montante em que o Autor declarou que o Interveniente o compensou), pelo que se mostra incompreensível ter optado por julgar verificado o enriquecimento sem causa;
- saber se o Autor não invocou o enriquecimento sem causa e se, por tal motivo, não poderia a sentença ter optado pela integração dos factos nesse instituto; de resto, tal direito encontra-se prescrito – artºs 303º, 304º e 482º CCiv;
- quanto ao mérito da causa, saber se ao Autor deveria antes ter procedido à resolução da promessa – mas tendo optado pela celebração do contrato, nada pode exigir ou apenas lhe caberia a redução do preço;
- saber se o Autor não se poderia ter substituído de imediato ao vendedor na expurgação das hipotecas, cabendo ter pedido prévia fixação judicial de prazo, o que não fez; saber também se o Autor não poderia ficar subrogado em obrigações que se não encontravam vencidas (poderiam ser amortizadas até 17/11/2010 e 15/12/2010);
- saber se o Autor não provou que pagou ao credor hipotecário as dívidas a que se reportam as hipotecas, nem que existisse registo a seu favor, na data do depósito; daí que o enriquecimento invocado careça de causa justificativa;
- saber se, tendo o Autor invocado a solidariedade da dívida, não podia a sentença considerar a conjunção de responsabilidades da Ré e do Interveniente;
- saber se nunca se verificaria enriquecimento sem causa, desde logo porque o Autor também poderia ter accionado o vendedor;
- saber se o enriquecimento não se encontra justificado, nem quantificado;
- saber se não é possível julgar verificada qualquer subrogação, porque inexiste para tal qualquer declaração do credor F…;
- saber se o Autor age em abuso de direito (factos 3 e 32 a 36);
- saber se, na verba da condenação, se mostram incluídas penalizações imputáveis ao Autor e ao Interveniente vendedor, por outro lado, verbas que foram devolvidas ao Autor (factos 42, 54 e carta do F… de 7/5/08), e ainda se não poderia a Ré ser condenada no montante de juros a contar da citação.
Vejamos então, ponto por ponto.

I
Em matéria da invocada ineptidão da petição inicial, nada de acrescentaremos de relevante ao que ficou já doutamente discorrido no processo.
Segundo o disposto no artº 193º nº2 al.a) CPCiv, diz-se inepta a petição quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.
Ora, a causa de pedir, no processo, baseia-se na expurgação de hipoteca, com os invocados efeitos da subrogação.
Com fundamento na escritura junta, diz-se agora que o Autor aceitou comprar um bem “livre de ónus e encargos” – conforme se lê expressamente na escritura de compra e venda do bem invocadamente onerado.
Mas a relevância do que o Autor declarou ao comprar o bem, para a sua conduta posterior relativa à falada expurgação da hipoteca, não contende com a clareza, a compreensibilidade ou a inteligibilidade do motivo exposto para o pedido de condenação em quantia certa.
Prende-se antes, como já se afirmou, com uma cuidada análise do mérito da causa, que aliás tentaremos adiante, pois que é matéria de recurso.
Improcede assim a renovada invocação desta nulidade principal.
II
Vejamos agora a impugnação da matéria de facto.
No quesito 5º perguntava-se se “a manutenção de anterior hipoteca sobre o imóvel prejudicava e depreciava o bem recentemente adquirido pelo Autor”. Respondeu-se: “Provado apenas que, em 7/12/2007, o valor da dívida garantida pela hipoteca era de € 9.904,81”.
Tendo presente o ensinamento do Prof. J. Alberto dos Reis, Anotado, III/212, segundo o qual “a prova só pode ter por objecto factos positivos, materiais e concretos; tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória”, não esquecemos porém o precioso complemento da lição do Prof. Anselmo de Castro, Lições, III/424, cit. in Consº Abel Freire, Matéria de Facto – Matéria de Direito, Colectânea STJ, 2003-III-pg. 5: “pode acontecer que o juízo de valor sobre a matéria de facto corresponda, ele próprio, a uma regra da vida ou da experiência (…); então não funciona sequer como juízo de valor sobre a matéria de facto, sendo um puro facto e podendo figurar como tal no questionário”.
Seria então de admitir a citada pergunta, enquanto contendo uma regra autónoma da experiência, não fora podermos afirmar que a matéria contém um facto notório, isto é, que a manutenção de hipotecas sobre bens imóveis deprecia-os, isto é, diminui o respectivo valor corrente ou de mercado.
Os factos notórios não carecem de prova – artº 514º nº1 CCiv.
De todo o modo, não cremos que se possa considerar a resposta dada ao quesito (“provado apenas que, em 7/12/2007, o valor da dívida garantida pela hipoteca era de € 9.904,81”), pois que, agora, o que se encontra em causa é o facto de a resposta nada ter a ver com a pergunta, e mais, levar em consideração matéria de facto não alegada no processo, isto é, não expressamente levada aos articulados (cf., sobre a matéria, ex abundanti, Ac.R.C. 12/1/88 Bol.378/613, Ac.R.C. 23/4/91 Bol.406/736 e Ac.R.L. 29/10/91 Bol.410/869).
Assim, a matéria em causa deve ter-se como não escrita, enquanto resposta do quesito (artº 646º nº4 CPCiv).
Quanto à impugnada resposta aos quesitos 7º, 8º, 19º, 20º e 23º afigura-se-nos o que segue:
Para a resposta positiva aos citados quesitos contribuiu um depoimento testemunhal, prestado em audiência.
É verdade que a decisão sobre matéria de facto pode ser alterada pela Relação quando, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, como foi o caso nos autos, a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 685º-B C.P.Civ – como se lê no artº 712º nº1 al.a) 2ª parte C.P.Civ.
Neste sentido, a Recorrente apenas alude aos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (e que, no respectivo entender, deveria ter sido considerados “provados”), indicando genericamente o depoimento da testemunha E…, importando a respectiva falta de credibilidade um entendimento diferente e negativo, acerca da matéria perguntada.
Salvo o muito e devido respeito, todavia, o Recorrente não localiza no CD de gravação as passagens dos depoimentos que, no seu entender, confirmam a impugnação das respostas, ou efectua a transcrição dessas aludidas passagens dos depoimentos, como lhe incumbia – artº 685º-B nº2 CPCiv (no corpo das doutas alegações ou nas conclusões apenas invoca a respectiva apreciação sobre o conteúdo do referido depoimento).
A norma do artº 685º-B nº2 CPCiv, reafirma-se, põe a cargo do recorrente, “sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto”, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
O Recorrente, lançando mão do CD de gravação, teria assim que ter indicado o depoimento em que se baseava, mas, além disso, ter identificado a relevância ou a falta de relevância de um tal depoimento pelo momento temporal desse dito depoimento em que foram prestadas as declarações (ir)relevantes, ou pela hora, tudo possível pela consulta ao CD (sem que se cure da acta de audiência), e igualmente sem prejuízo da faculdade paralela de apresentar transcrições (mais ou menos extensas, a lei não cura da extensão, mas tão só da relevância do que se diz em julgamento), as quais, outrossim, eram aptas a identificar o meio probatório a que se confere relevância impugnatória, face ao decidido em 1ª instância.
Acompanhamos assim a doutrina do Consº Abrantes Geraldes, Recursos – Novo Regime, 2007, pgs. 138 e 141.
Nesta estrita medida o recurso não pode ser apreciado, já que não nos encontramos de posse de todos os elementos de prova que poderiam suscitar a alteração pretendida das respostas.
III
Vejamos agora se a fundamentação da decisão em análise se encontra em oposição ao dispositivo – artº 668º nºs 1 al.d) e 4 CPCiv.
Basicamente, as doutas alegações invocam que a sentença reconhece que a Ré já tinha solvido a respectiva metade de responsabilidade no mútuo bancário, pelo que se mostra incompreensível a condenação, que foi emitida precisamente com base na conjunção da dívida, isto é, no facto de o Autor apenas poder exigir da Autora “a metade da dívida que lhe compete a ela”, quando, repete-se, ela já teria solvido tal metade.
Mas a fundamentação é bem explícita, e citamos:
“O que a Ré acordou em sede de inventário apenas a vincula a si e ao chamado, pois não consta que o Banco credor tenha aceite a sua desvinculação do acordado nas escrituras referidas em 25 e 26.”
“Assim, qualquer questão a este respeito deverá ser resolvida entre a Ré e o chamado.”
“Pois se a Ré não poderia opor tal acordo ao Banco credor, pelos motivos já expostos, não o poderá opor ao Autor, que lhe sucedeu.”
A douta sentença não reconhece portanto, em nenhum passo, que a dívida resultante do mútuo bancário se encontrasse integralmente paga, fosse ao Banco, fosse ao Autor. Veja-se este passo, de fls. 509 dos autos: “Claro também se torna, e a Ré não o negou, que nem a mesma nem o chamado pagou essas dívidas; nem ao credor originário, nem ao Autor.”
Inexiste assim qualquer incompreensibilidade na sentença, no sentido de a mesma apontar, na fundamentação, para determinada decisão e, a final, anacronicamente, decidir ao invés, improcedendo, do mesmo passo, a invocação de nulidade da sentença.
De seguida, saber se o Autor não invocou o enriquecimento sem causa e se, por tal motivo, não poderia a sentença ter optado pela integração dos factos nesse instituto; de resto, tal direito encontra-se prescrito – artºs 303º, 304º e 482º CCiv.
Salvo o merecido e devido respeito, porém, a douta sentença não “optou pela integração dos factos no instituto do enriquecimento sem causa”.
Ao invés, reconhece a genérica possibilidade de expurgação de hipotecas (artº 721º al.a) CCiv), para depois, em concreto, reconhecer a consequência da subrogação, na pessoa do solvens, dos direitos do credor – artº 593º nº1 CCiv, inexistindo solidariedade entre devedores – artº 513º e mais reconhecendo que podia até o credor ter exigido antecipadamente (face ao prazo do contrato) o valor mutuado.
A integração dos factos no instituto do enriquecimento sem causa é meramente subsidiária da fundamentação principal da sentença e, pode dizer-se, constitui mero obiter dicta, considerando que, tornando a sentença mais exaustiva, é porém apenas subsidiário.
Como ali se escreve: “Mas ainda que assim não fosse, sempre o Autor teria o direito de reaver da Ré o montante que por ela pagou (…), quanto mais não fosse ao abrigo do enriquecimento sem causa”.
Aliás, a douta sentença, na primeira linha de fls. 511 dos autos, volta a retomar a linha de pensamento fundada na subrogação do direito do credor na pessoa do Autor.
Improcede assim a parte do recurso interposta no pressuposto de que a sentença “optou pela integração dos factos no instituto do enriquecimento sem causa” (incluindo a prescrição da dívida), ao menos se se verificar a improcedência dos doutos considerandos recursórios em matéria de subrogação do direito. Adiante trataremos dos demais itens do recurso.
IV
A questão de saber se ao Autor apenas caberia ter optado pela resolução da promessa, ou então pela resolução do contrato, com fundamento em erro ou dolo, é uma matéria que estritamente se liga à autonomia da vontade das partes e que a esta instância não cabe sindicar (a matéria foi também abordada, como confirmamos, na douta sentença recorrida).
Por outro lado, a matéria relativa à fixação de prazo prende-se com a potencial anulabilidade do contrato, no caso de se verificarem os requisitos da invalidade (sob a forma de anulabilidade), nos termos dos artºs 905º e 907º CCiv (o nº2 desta última norma alude-lhe expressamente).
No caso dos autos, não se encontra em causa a invalidade do contrato por erro ou dolo.
O Autor estava então, segundo alega, ciente do que adquiria, tanto que invoca que o vendedor o ressarciu, no tocante aos montantes que despendeu na expurgação da hipoteca e que responsabilizavam o vendedor, enquanto ex-cônjuge que contraíra o mútuo que fundamentava o ónus incidente sobre a fracção. Tal conhecimento relativamente aos ónus resulta também da matéria de facto provada – cf. ponto de facto nº 51 da sentença.
Por outro lado, o vencimento ou integral vencimento das obrigações hipotecárias não é requisito legal para a possibilidade de expurgação da hipoteca, expurgação essa que pode assim ser efectivada em momento anterior ao vencimento ou termo a quo do contrato (por todos, Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, I - 3ª ed./pg. 711, nota 2).
Quanto ao pagamento ao credor hipotecário, está o mesmo demonstrado na resposta ao ponto de facto nº 42, da sentença (acrescendo o respectivo fundamento factual, para o qual, com o devido respeito, remetemos).
V
Quanto à existência de registo a favor do Autor, na data do depósito (7/12/2007), como é exigência do disposto no artº 721º CCiv (corpo da norma), é certo que a aquisição apenas foi levada a registo em 26/2/2008, todavia existia prévio registo da promessa de aquisição, desde o dia 28/12/2006, lavrado em face do contrato promessa que o Autor (enquanto promitente comprador) e o Interveniente Acessório (enquanto promitente vendedor) tinham celebrado.
Portanto, o Autor não teria, em princípio, direito a expurgar a hipoteca, nos termos da norma do artº 721º CCiv, a não ser que, no futuro, a conversão em definitivo do registo provisório (consubstanciado pela promessa) se verificasse, e posto que o registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório (artº 6º nº3 CRegPred).
Mas não foi isso que, na verdade, se verificou.
Como se constata da certidão de fls. 141 dos autos, tal registo caducou, nos termos do artº 11º nº2 CRPred, o que determinou que inexistisse conversão do registo.
A caducidade foi determinada pelo facto de o registo provisório apenas se poder manter até ao termo do prazo fixado na promessa para a celebração do contrato definitivo (artº 92º nº4 CRPred).
A cláusula 4ª da promessa rezava que a escritura se realizaria “após aprovação do crédito a que o 2º Outorgante” (o ora Autor) “recorreu para esta aquisição, e após a obtenção da regularização da situação das partilhas relativas ao prédio, por parte do 1º Outorgante, pelo que se prevê a sua realização no prazo máximo de 120 dias”.
A promessa tinha data de 8/7/2006 e a escritura foi outorgada em 12/7/2007 (e tendo o empréstimo bancário sido contratado pelo Autor em data anterior), sendo que a sentença homologatória da partilha que dividiu os bens do casal foi proferida com data de 23/1/2007 (dela não tendo sido interposto qualquer recurso).
Ou seja: na data do registo da aquisição (28/2/2008) tinha caducado o registo provisório, o que foi adequadamente anotado – cf. artº 11º nº4 CRPred.
E assim, na data em que o Autor procedeu ao pagamento ao credor hipotecário da dívida da Ré (7/12/2007), inexistia registo de aquisição do bem favorável ao Autor.
VI
O Prof. Vaz Serra (Hipoteca, Bol.62/nº 44), cit. in Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, op. e loc. cits., nota 1, sublinha que esta exigência de registo visa evitar que “registando-se outras hipotecas contra o antigo proprietário, tenha de recomeçar o processo de expurgação”.
No caso concreto dos autos, e apesar do registo da aquisição ser posterior à expurgação invocada, esse perigo não se consumou, já que entre a falada expurgação e a data (posterior) do registo de aquisição, nenhum ónus foi levado a registo.
A questão, todavia, não pode ter-se por encerrada.
A concreta modalidade de expurgação a que alude a norma do artº 721º al.a) CCiv é concretizada através de processo judicial, como o inculca desde logo o texto da norma do artº 723º CPCiv.[1]
Portanto, a questão, que não pode colocar-se enquanto tendo por fundamento expurgação de hipoteca (que não foi concretizada através do necessário processo judicial), resta saber se pode colocar-se enquanto sub-rogação de terceiro pelo credor.
E aqui a resposta é inegavelmente positiva.
Como rege o artº 592º nº1 CCiv, o terceiro que cumpre a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor “quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito”.
Como explicitam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., pg. 577, “a lei quis restringir o benefício da sub-rogação ao pagamento efectuado por quem tenha um interesse próprio na satisfação do crédito; (…) dentro da rubrica geral do cumprimento efectuado no interesse próprio de terceiro, cabem não só os casos em que este visa evitar a perda ou limitação de um direito que lhe pertence, mas também aqueles em que o solvens apenas pretende acautelar a consistência económica do seu direito; cabe no primeiro grupo, entre outros (…), o caso do adquirente da coisa empenhada ou hipotecada que cumpre pelo devedor, na mera intenção de prevenir a venda e adjudicação do penhor ou a execução do crédito hipotecário”.
Isto visto, sem necessidade de outras supérfluas considerações, não há dúvida que o fundamento do direito do autor foi correctamente subsumido ao instituto da sub-rogação nos direitos do credor.
VII
A questão da divergência entre o douto petitório, que considerava o caso dos autos como de dívidas solidárias, e a douta sentença recorrida, na medida em que encontra o fundamento da condenação em responsabilidades conjuntas em nada releva – como é sabido, o juiz é livre no direito, a fim de que, dos factos apurados, possa extrair a melhor aplicação da lei (artº 664º CPCiv).
Inexiste também qualquer exercício do direito contrário à boa fé, aos bons costumes, ou ao fim social ou económico desse mesmo direito (artº 334º CCiv) do facto de o Autor e do Interveniente Acessório (ex-marido da Autora) serem parentes por afinidade, ou ainda do facto de o ilustre mandatário do Autor partilhar escritório com o anterior ilustre mandatário do Interveniente. É no exercício do direito que se divisa o abuso, não se podendo extrapolar por força (com ausência de factos) uma situação abusiva de meras afinidades familiares ou profissionais, entre os intervenientes.
Quanto à verba da condenação:
De facto, o valor da quantia paga ao Banco mutuante pelo Autor (€ 9.904,81) deve ser deduzido das quantias pagas no momento do distrate da hipoteca, a título de seguro, e que foram posteriormente devolvidas ao Autor, no montante de € 325,28 (cf. facto nº 54).
Tal dedução faz atingir o montante de € 9.679,53, que o Autor poderia exigir conjuntamente da Ré e de seu ex-marido, o Interveniente nos autos. Assim se diverge do teor da douta sentença recorrida, que imputou a quantia relativa às citadas “devoluções” no montante total do pedido, quando é certo que o pedido se compunha apenas de duas partes – a quantia relativa ao distrate da hipoteca, mais as despesas emolumentares, deslocações, cartas, telefonemas e dias de férias (nestas últimas não se incluíam as despesas suplementares de seguro, posteriormente objecto de devolução).
Note-se que a necessária não consideração da resposta ao quesito 5º (ponto 41) não determina qualquer alteração na convicção formada quanto ao montante solvido perante o credor, face aos demais pontos de facto provados, designadamente os pontos nºs 42 e 43.
Quanto aos juros de mora – pretende-se que os mesmos não sejam contados desde a citação, conforme consta do dispositivo recorrido, mas sem razão, salvo o merecido respeito.
A norma do artº 805º nº1 CCiv é explícita: a mora acontece depois da interpelação para cumprir e não há que colocar a questão em termos de ausência de liquidez da obrigação no momento da citação, pois que, previamente ainda, sempre a Ré recusou qualquer responsabilidade na dívida agora reconhecida.
Portanto, a falta de liquidez da obrigação decorreu apenas da responsabilidade da Ré – artº 805º nº3 1ª parte CCiv e Ac.S.T.J. 7/11/06 Col.III/104, relatado pelo Sr. Consº Alves Velho.
Reduzindo a apontada quantia de € 9 679,53 na proporção da responsabilidade da Ré, acha-se o montante da condenação, que agora se fixa em € 4.839,75.

Resumindo a fundamentação:
I – Se a resposta ao artigo da Base Instrutória nada ter a ver com a pergunta, e mais leva em consideração matéria de facto não alegada no processo, é de considerar não escrita.
II – A expurgação da hipoteca a que alude o disposto no artº 721º al.a) CCiv depende do prévio registo da aquisição do imóvel, bem como da prévia instauração de processo judicial, como resulta da norma do artº 723º CPCiv.
III – Fica sub-rogado nos direitos do credor, nos termos da sub-rogação legal que resulta do disposto no artº 592º nº1 CCiv, o adquirente da coisa hipotecada que cumpre pelo devedor, na mera intenção de prevenir a execução do crédito hipotecário.
IV - Se a Ré sempre recusou qualquer responsabilidade na dívida reconhecida no processo, é-lhe vedado invocar a falta de liquidez da obrigação para impedir o vencimento de juros desde a citação, pois que tal falta de liquidez decorreu apenas da sua responsabilidade – artº 805º nº3 1ª parte CCiv.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar parcialmente procedente, por provado, o recurso interposto, em consequência revogando em parte a douta sentença recorrida, condenando agora a Ré a pagar ao Autor o montante de € 4 839,75, e confirmando a sentença recorrida na matéria da condenação em juros de mora.
Custas a cargo de Apelante e Apelado, na proporção de vencido.

Porto, 01/X/2013
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença
____________
[1] E isto se pode afirmar independentemente de a expurgação de hipotecas ter perdido o respectivo capítulo autónomo enquanto processo especial no CPCiv2013.