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DESPEJO
CEDÊNCIA DO LOCADO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
NULIDADES
Sumário
I - A junção de documentos na fase de recurso só é possível quando forem necessários ao seu conhecimento. II - As nulidades da sentença constituem vícios intrínsecos dela que nada têm a ver com o erro de julgamento e não se confundem com as nulidades processuais que consistem na omissão de um acto ou de uma formalidade prescrita na lei com influência no exame e decisão da causa. III - A cedência do locado é fundamento de resolução do contrato de arrendamento quando for inválida, porque não autorizada ou consentida, no caso de comodato ou subarrendamento, ou ineficaz, porque não comunicada, no caso de trespasse ou locação de estabelecimento.
Texto Integral
TRPorto.
Apelação nº 1494/12.7TJPRT.P1 - 2013.
Relator: Amaral Ferreira (808).
Adj.: Des. Ana Paula Lobo.
Adj.: Des. Deolinda Varão.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO.
1. B…instaurou, em 11/09/2012, nos Juízos Cíveis do Porto, contraC… e D…, a presente acção declarativa de despejo, com forma de processo sumário, pedindo que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento relativo aos 2º e 3º andares e águas furtadas do prédio sito na Rua …, nº .., Porto, e que os RR. sejam condenados a entregar-lhe o arrendado, livre e devoluto de pessoas e bens, e a desocuparem o espaço que ocupam no rés-do-chão do mesmo prédio, retirando o balcão que lá se encontra colocado, bem como a porta de vidro e a pessoa que lá se encontra para atendimento de clientes, deixando-o livre e devoluto de pessoas e bens.
Para tanto, alega, em síntese, que, é dono e legítimo possuidor do prédio em causa e que a ante possuidora do prédio, por contrato de arrendamento e trespasse, deu de arrendamento os 2º e 3º andares e as águas furtadas para aí ser instalado um estabelecimento comercial de hospedaria/residencial, denominado “E…”; após vicissitudes várias, por contrato de 6/4/2004 os réus tomaram de trespasse o referido estabelecimento, sendo a renda mensal actual de € 105,28; há mais de dois anos a esta parte, os réus deixaram de exercer no locado qualquer tipo de actividade comercial, actividade essa que se encontra a ser desenvolvida por terceiros, que desconhece, e a que título o fazem, sendo que nunca consentiu em qualquer transmissão; no locado foram executadas obras sem projecto aprovado e sem acautelar a protecção e segurança do edifício, contribuindo de modo determinante para a rápida degradação do prédio; os réus ocuparam, sem o seu consentimento ou dos anteriores possuidores, o rés-do-chão.
2. Contestaram os RR. que, suscitando a questão prévia do incidente do valor da causa, impugnando parcial, e motivadamente, os factos articulados pelo A., aduzem que, pelo menos desde o ano de 2010, exercem ininterruptamente no locado a actividade de hospedaria, recebendo e acomodando hóspedes, pagando as facturas emitidas pelos fornecedores e gerindo o estabelecimento a seu bel-prazer, nunca tendo cedido o estabelecimento a terceiros, nem tendo efectuado no locado as obras que o A. refere, além de que estavam autorizados pela anterior proprietária a realizar no imóvel todas as que fossem necessárias ao fim a que se destinava, sendo que colocaram um balcão no acesso à cave, mas que esse espaço está incluído no contrato de arrendamento, concluindo pela improcedência da acção.
3. Após resposta da A. ao incidente do valor da causa, foi proferido despacho saneador que, afirmando a validade e regularidade da instância e desatendendo o incidente do valor da causa, dispensou a selecção da matéria de facto.
4. Instruída a causa, procedeu-se a julgamento com gravação e observância do formalismo legal e, sem que a decisão da matéria de facto tivesse sido objecto de reclamações, foi proferida sentença que, julgando procedente a acção, decidiu: a) Declara-se resolvido o contrato de arrendamento sub judice referente aos 2º e 3º andares e águas furtadas do prédio sito na Rua … nº .., no Porto; b) Condenam-se os Réus a entregar o locado ao Autor, livre e devoluto de pessoas e bens e c) Condenam-se os Réus a desocupar o espaço que ocupam no 1º andar do nº 82 do prédio sito na Rua …, no Porto, retirando o balcão que lá se encontra colocado bem como a porta de vidro e a pessoa que lá se encontra para atendimento de clientes, deixando-o livre e devoluto de pessoas e bens.
5. Inconformados, apelaram os RR., que, nas respectivas alegações, com as quais juntaram 5 documentos, formularam as seguintes conclusões:
1ª:Na decisão da matéria de facto apurou-se o seguinte: “No locado, encontram-se a desenvolver a atividade comercial outras pessoas, terceiros que não os Réus.” Com base nisto foi a ação considerada procedente.
2ª:Porém, a expressão encontram-se a desenvolver a atividade comercial outras pessoas, terceiros que não os Réus” contém matéria de direito e é conclusiva e, dado ser conclusiva e conter matéria de direito, não deverá ser respondida a referida questão, nos termos do artº 511º do CPC, dando-se a resposta de “provado” a esta matéria com não escrita.
3ª:Em consequência desta alteração, não existe também fundamento para ser decretado o despejo por cedência não autorizada a terceiros do arrendado, pelo que a ação deverá ser considerada improcedente, assimse revogando a douta sentença recorrida.
4ª:Mesmo que não proceda o que antes vai alegado, ainda assim a presente ação deveria ser considerada improcedente.
5ª:Não se apurou quando, nem por quanto tempo, nem a quem foi efetuada a cedência de utilização do arrendado a outras pessoas.
6ª:Fica-se sem saber o que lá faziam terceiros, se obras, com vista a um futuro trespasse, mas obras por conta dos RR. e dirigidas pelo pai do 1º R., se realmente se tinha efetuado uma transferência da utilização.
7ª:Não se apurou se utilização de arrendado por terceiros ocorreu por qualquer destes modos “a) Cessão da posição jurídica de locatário, b) Sublocação c) Comodato”.
8ª: Ou se ocorreu, como tudo indica nomeadamente pelo depoimento da testemunha F…, em virtude de obras que ocorreram no local e porque a pessoa que fazia as obras ...
9ª:Resultou provado que a própria Câmara Municipal e as autoridades de saúde obrigaram à realização de obras, obras essas que foram efetuadas durante o ano de 2010.
10ª:A realização dessas obras foi efetuada por conta do 1º R e por intermédio de seu pai, a testemunha F…, como resulta do depoimento deste abaixo referido, e da testemunha G….
11ª: Certamente porque chegara a acordo de compra do edifício com o A., como confessa a mãe deste, o Sr. H… pôs-se a instalar ali alguns serviços de alguma empresa sua, COM O CONHECIMENTO E CONSENTIMENTO DO A.
12ª: Vir o A. peticionar o despejo com fundamento numa ocupação que o 1º R. arrendatário não autorizou e que ele próprio incentivou, oCódigo Civil (artº 334º) classifica este comportamento como abuso do direito, eo Código de Processo Civil (artigo 456º) classifica este comportamentoprocessual como litigância de má-fé!
13ª:Resulta, por isso, nebulosa a razão porque o Sr. H… instalou no arrendado um telefone e tomou outros comportamentos enquanto o imóvel se encontrava em obras de adaptação, mas resulta claro que não foicom o consentimento dos RR. que o Sr. H… se introduziu noarrendado, NEM ISSO ESTÁ PROVADO.
14ª: Portanto não se encontrando provado que foi com o consentimento dos RR. que este Sr. H… utilizou o arrendado, não se encontra verificado o pressuposto legal da existência de um ato voluntário do inquilino a ceder a utilização do arrendado.
15ª:Por outro lado não se apurou em que condições e por quanto tempo ocorreu a pretensa cessão.
16ª: Ora a cessão por um dia, ou um mês, ou precariamente, não poderia considerar-se como fundamento para a resolução do contrato de arrendamento.
17ª: Na verdade, há que defender o estabelecimento comercial como instrumento essencial para o funcionamento da economia. E, por isso, a resolução do contrato de arrendamento não pode ser tomada de ânimo leve.
18ª: Seria uma solução antieconómica, que violaria o artigo 86º da Constituição da República que dispõe. “ O Estado incentiva a atividade empresarial, em particular das pequenas e médias empresas…”.
19ª: Foi certamente atendendo a isso que o artigo 1083º-2 do CC, na sua redação atual, permite a resolução do contrato de arrendamento em caso de “…incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torneinexigível á outra parte a manutenção do arrendamento…”.
20ª: Não se tendo provado que a empresa em nome individual do A. (uma microempresa, com um só trabalhador a tempo permanente, como resulta dos autos) cedeu definitivamente, e por longo tempo, o uso do estabelecimento, a resolução do contrato de arrendamento decretada pela douta sentença recorrida viola não só o artº 1083º -2 do CC como o artigo 86º da Constituição da República, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra na qual se declara improcedente a ação.
21ª: Alteração da decisão da matéria de facto: Foi dada como NÃO PROVADA a seguinte matéria de facto:A “E…” esteve encerrada durante alguns mesesno ano de 2010, o que foi determinado pela necessidade de se efetuar algumasmodificações e reparações no espaço, nomeadamente, pinturas, reparações de portas, rodapés, reparações na instalação elétrica, limpeza e enceramento de soalho; Porém tal matéria deveria ter sido dada como PROVADA.
22ª:Na verdade resultou de toda a discussão da causa que o arrendado se encontrava, há muito, degradado, o que até foi aceite pelo A e suas testemunhas.
23ª:Não foram juntos aos autos os documentos que ora se juntam com os números 1, 2, 3, 4 e 5, que se encontravam na posse da testemunha F…, e só depois do julgamento ele procurou no seu escritório os documentos que tinha e os entregou ao R. seu filho, pelo que nos termos do art. 524º do CPC estes documentos devem ser admitidos nesta fase.
24ª: Dos documentos ora juntos resulta claramente que quer a Câmara Municipal … quer a Delegação de Saúde … exigiam obras do arrendado.
25ª: Que as referidas obras foram efetuadas em 2010, pelo que, como é compreensível, a E… esteve fechada para realização dessas obras.
26ª: Por outro lado, o depoimento da testemunha F…, é claro no sentido de dizer que foram realizadas obras no local.
27ª: Por todos estes motivos a resposta a matéria de facto aqui em causa deve ser alterada para PROVADO.
28ª:Foi também dada como NÃO PROVADA a seguinte matéria de facto: Os Réus pagam as faturas da água;
29ª: Porém, quer das faturas juntas aos autos, que se encontravam na posse do R, quer da sua conjugação com o depoimento da testemunha F…, tal facto deveria ter sido considerado PROVADO, devendoalterar-se neste sentido a decisão desse facto.
30ª: Em consequência, e tendo em atenção esta alteração, a ação deverá também ser considerada improcedente, por não provada, já que resulta claro que nunca os RR. deixaram de utilizar o arrendado e não o cederam a terceiros a qualquer título. Anulação do julgamento e a sua repetição para apuramento de alguns pontos da matéria de facto importantes para a boa decisão da causa e que não forma apreciados.
31ª: Foi alegado pelo A., no nº 7 da p.i , o seguinte:
Sucede que, chegou, recentemente, ao conhecimento do A. que os RR. há mais de dois anos a esta parte, deixaram de exercer no local arrendado qualquer tipo de actividade comercial.
32ª: Por outro lado, foi alegado pelos RR., nos números 16º, 17º, 18º, 19º, 20º e 21º da sua contestação, o seguinte:
16. Desde essa data, ou seja, pelo menos desde o ano de 2010 que os R.R. exercem no locado ininterruptamente a actividade de hospedaria,
17. recebendo hospedes,
18. utilizando o locado para acomodar os hospedes,
19. pagando as facturas emitidas pelo seus fornecedores, nomeadamente água, conforme documentos que se juntam sob o n.º1,
20. bem como outros fornecedores, conforme facturas que se protestam juntar.
21. e gerindo o estabelecimento comercial em causa a seu belo prazer.
33ª: TODOS estes factos não mereceram resposta, positiva ou negativa, na decisão da matéria de facto mas têm manifesto interesse para a decisão da causa, pelo que deveriam ser discutidos e julgados, nos termos dos artºs 511º e 653º do Código de Processo Civil (CPC).
34ª: Não o tendo feito, deixou o tribunal de se pronunciar sobre questões que deveria apreciar, nos termos do artº 668º-d), e cometeu nulidade capaz de influir no exame e decisão da causa, pelo que nos termos do artº 201º do CPC, deverá ser anulada a decisão sobre a matéria de facto, procedendo-se a novo julgamento, no qual seja discutida a matéria de facto constante do artº 7º da pi. e 16º,17º,18º,19º,20º e 21º da contestação. Foram violadas as supracitadas disposições legais, bem como a supracitada disposição legal, pelo que a douta sentença recorrida deverá ser alterada no sentido e pela ordem acima pedida, devendo, em qualquer caso, ser revogada. ASSIM DECIDINDO, FARÃO V.ªS EX.ªS, JUSTIÇA.
6. Contra alegou o A. a sustentar a manutenção da decisão recorrida e a pugnar pela inadmissibilidade da junção de documentos pelos RR.
7. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
1. Está provada a seguinte factualidade:
a) O Autor é dono e legítimo possuidor do prédio urbano sito na Rua …, nº .., freguesia de …, concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 546, por tal prédio lhe haver sido doado por seu pai I…, encontrando-se descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 43712 do Livro nº 125, secção 1ª e inscrito a favor do Autor, sob a Ap. 2502/08/02.
b) Por contrato de trespasse e arrendamento, a ante possuidora do prédio deu de arrendamento o 2º e 3º andares e as águas furtadas daquele prédio para aí ser instalado um estabelecimento comercial de hospedaria-residencial, conforme documento junto a fls. 10 a 15 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
c) No referido prédio está instalado, no 2º e 3º andares e águas furtadas, um estabelecimento comercial de hospedaria denominado “E…”.
d) Após várias vicissitudes ocorridas ao longo dos anos, por contrato de trespasse celebrado em 6 de abril de 2004, os Réus tomaram de trespasse o identificado estabelecimento, com todos os elementos que o integram, designadamente móveis, roupas, utensílios, alvarás, licenças, direito ao arrendamento dos locais e mais efeitos, com todo o seu ativo e livre de quaisquer ónus e/ou encargos, nos termos da cláusula segunda do contrato de trespasse junto a fls. 16 a 21 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
e) A renda atual do locado é de € 105,28/mês.
f) No locado, encontram-se a desenvolver a atividade comercial outras pessoas, terceiros que não os Réus.
g) Ao Autor ou aos ante possuidores, nunca lhes foi comunicada qualquer espécie de transmissão do estabelecimento, nem a consentiram de qualquer forma.
h) Em deslocação ao prédio, no ano de 2012, o Autor constatou que no 1º andar, o teto falso estava deteriorado, com diversas placas do mesmo retiradas e perfurado o soalho do 2º andar, pelo qual passam tubos de escoamento de águas de saneamento dos quartos de banho do 2º e 3º andares bem como de uma lavandaria que, entretanto, alguém construiu no 2º andar e que a água que daí advinha pingava para o 1º andar, humedecendo as vigas de suporte do prédio, em madeira.
i) As referidas obras foram executadas sem projeto aprovado.
j) No rés-do-chão do prédio onde se situa o locado, foi colocado um balcão em madeira e uma porta em vidro e aí se encontra uma pessoa a atender clientes.
k) Os Réus colocaram o referido balcão no acesso à cave.
l) A cave é utilizada pelos Réus desde sempre e anteriormente pelos anteriores donos do estabelecimento comercial “E…”, para armazenar utensílios necessários ao funcionamento do mesmo.
m) Este procedimento ocorre há dezenas de anos.
n) O Autor e os ante possuidores do prédio nunca deram o seu consentimento para os Réus ocuparem o rés-do-chão do prédio.
o) Dá-se aqui por reproduzido o teor do documento junto a fls. 87 dos autos, datado de 16 de Janeiro de 2009, segundo o qual J… declara autorizar que se realizem todas as obras necessárias para o fim a que o arrendado se destina.
2. Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, que neles se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, estando o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões suscitadas na apelação são as seguintes:
- Nulidade da sentença e nulidade processual;
- Alteração da matéria de facto e
- Cedência do arrendado.
Questão prévia.
Com as alegações da apelação, juntaram os apelantes aos autos cinco documentos (fls. 194 a 206), com os quais pretendem que se dêem como provados os factos que referem na conclusão 21ª (“A E… esteve encerrada durante alguns mesesno ano de 2010, o que foi determinado pela necessidade de se efetuar algumasmodificações e reparações no espaço, nomeadamente, pinturas, reparações de portas, rodapés, reparações na instalação elétrica, limpeza e enceramento de soalho”), que a sentença recorrida teve como não provados, referindo que, tendo resultado de toda a discussão da causa que o arrendado se encontrava degradado, deles se extrai que, quer a Câmara Municipal …, quer a Delegação de Saúde …, exigiam obras no arrendado, as quais foram realizadas no ano de 2010, pelo que é compreensível o encerramento da “E…”, justificando a sua junção com a alegação de que «se encontravam na posse da testemunha F…, e só depois do julgamento ele procurou no seu escritório os documentos que tinha e os entregou ao R. seu filho».
Nos termos do artigo 693º-Bº do Código Processo Civil (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar nesta questão e aqui aplicável na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6, porquanto a sentença foi proferida e as alegações oferecidas antes da sua entrada em vigor), as partes apenas podem juntar documentos às alegações, nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do nº 2 do artigo 691º”.
Não se estando perante qualquer dos casos previstos nas referidas alíneas do nº 2 do artº 691º, a admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso apenas pode ser admitida nas duas primeiras situações contempladas no citado artº 693º-B.
Destinando-se a fazer a prova dos fundamentos da acção ou da defesa, constitui regra geral a de que os documentos devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, podendo, contudo, ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas a parte será condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado - artºs 523º, nºs 1 e 2.
Depois do encerramento da discussão em 1ª instância só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, podendo ser oferecidos em qualquer estado do processo os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior - artº 524º, nºs 1 e 2.
São, portanto, três os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos supervenientes com as alegações de recurso: a) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados; b) quando a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior e, finalmente, c) no caso de a sua apresentação apenas se revelar necessária, devido ao julgamento proferido em 1ª instância.
No caso em apreço, os documentos em causa constituem cópias de notificação para audiência prévia, datada de 8/3/2005, dirigida pela Câmara Municipal do Porto a J…, com envio de auto de vistoria, em que é proposta a decisão de impor a realização de obras nos 1º, 2º e 3º andares e recuado do prédio em que se situa o arrendado - doc. de fls. 194 a 201 -, de requerimento de F…, datado de 29/12/2009, dirigido à Delegação de Saúde … a pedir a prorrogação do prazo para a realização de obras na E… - fls. 202 -, de notificação da referida Delegação a F…, datada de 5/3/2010, a informar da designação de vistoria ao arrendado e a solicitar a presença do proprietário ou representante do estabelecimento - fls. 203 -, resposta do referido F… de 13/4/2010 a informar encontrar-se o estabelecimento encerrado desde 31 de Janeiro para a realização de obras, prontificando-se a informar a Delegação de Saúde da data previsível de reabertura do estabelecimento - fls. 204 - e carta de 24/7/2009 do R. C… a solicitar às K… a rectificação de uma factura, que justifica com uma fuga num cano, ou o seu pagamento de forma faseada - fls. 205.
Concedendo-se que os documentos em causa sejam supervenientes - superveniência essa que é de natureza subjectiva, face ao alegado pelos apelantes, e não objectiva, já que os documentos são todos anteriores à instauração da acção -, a montante, coloca-se a questão da sua admissibilidade assente na formulação de um juízo negativo de não impertinência ou desnecessidade, tudo com referência e a aferir pela vocação e aptidão do documento apresentado para fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa.
Com efeito, a função dos documentos (prova documental) é, como inculca a norma do nº 1 do citado artº 523º, servir de meios de prova de factos que, de entre os alegados, possam suportar o direito exercitado na acção ou os fundamentos invocados na defesa.
Mas, a junção de documentos na fase de recurso só colhe justificação - só não é impertinente e desnecessária - quando os mesmos visem a modificação da fundamentação de facto da decisão recorrida ou quando o objecto da decisão coloque ex novo a necessidade de fazer a prova de factos com cuja utilização pelo julgador a parte não podia anteriormente contar.
Dito de outro modo, a junção de documentos, só é possível, em caso de recurso, desde que sejam necessários ao seu conhecimento.
Aqui chegados, é manifesta a impertinência ou desnecessidade dos documentos juntos pelos apelantes.
Com efeito, estando-se perante acção de despejo, como causa de pedir invocou o apelado a cedência do locado, o não uso pelo locado por mais de um ano e a realização de obras sem acautelamento da protecção e segurança do prédio.
Desses fundamentos de resolução do contrato de arrendamento, subsumindo os factos provados às pertinentes disposições legais, a sentença recorrida considerou, na respectiva fundamentação, que apenas se verificava o primeiro (cedência do locado) e, com base nele, decretou o despejo.
Dela apenas tendo apelado os RR., certo é que o A. não recorreu subordinadamente nem requereu, nas contra-alegações oferecidas, a ampliação do objecto do recurso.
Significa o que acaba de se expor que a junção dos documentos feita pelos apelantes, conquanto alegadamente destinados a provar o encerramento do locado por força de realização de obras impostas pelas autoridades competentes, são impertinentes e desnecessários ao conhecimento do objecto do recurso, ou seja inúteis aos fundamentos da defesa.
Conclui-se, assim, pela inadmissibilidade da junção dos documentos apresentados pelos apelantes, pelo que, a final, se ordenará o seu desentranhamento, com a consequente condenação nas custas do incidente.
Nulidade da sentença e anulação do julgamento.
Com o fundamento de que tendo o A. alegado na petição inicial que “Sucede que chegou, recentemente, ao conhecimento do A. que os RR. há mais de dois anos a esta parte, deixaram de exercer no local arrendado qualquer tipo de actividade comercial” - artº 7º - e eles alegado, nos artºs 16º a 21º da contestação, que “Desde essa data, ou seja, pelo menos desde o ano de 2010 que os RR. exercem no locado ininterruptamente a actividade de hospedaria”, “recebendo hóspedes”, “utilizando o locado para acomodar hóspedes”, “pagando as facturas emitidas pelos seus fornecedores, nomeadamente água, conforme documentos que juntam sob o nº 1”, “bem como outros fornecedores, conforme facturas que se protestam junta”, “e gerindo o estabelecimento comercial em causa a seu bel prazer”, factualidade que dizem não ter obtido qualquer resposta, sustentam os apelantes que tal integra nulidade da sentença por omissão de pronúncia e nulidade processual, pelo que deve ser anulada a decisão da matéria de facto, procedendo-se a novo julgamento no qual seja discutida essa factualidade, que reputa ter manifesto interesse para a decisão da causa.
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia encontra-se prevista no artº 668º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, nos termos do qual a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
As nulidades da sentença correspondem a casos de irregularidades que a afectam formalmente e que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento de facto ou de direito; constituem vícios intrínsecos da sentença, do acto pelo qual o juiz decide a causa, mas não têm a ver com o bem ou mal fundado da solução encontrada para o litígio ou com erro na decisão de facto ou de direito.
A nulidade atribuída pelos apelantes à sentença representa a sanção para a violação do estatuído no artº 660º, nº 2, preceito que impõe ao julgador o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
Há omissão de pronúncia se o juiz deixa de proferir decisão sobre questão, colocada por qualquer das partes, que devia resolver, omitindo o dever de solucionar o conflito nos limites pedidos pelas partes.
Não há nulidade pelo facto do tribunal não apreciar alguma consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Essa nulidade só ocorre quando a sentença não conhece de alguma das questões colocadas para apreciação e desde que não prejudicadas pela solução dada a outras, e não quando não aprecia todos os argumentos, razões ou fundamentos invocados.
Por sua vez, integrando nulidade processual a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, todavia, nos termos do artº 201º, nº 1, do Código de Processo Civil, tal só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Explicitadas que se deixaram a nulidade da sentença e a nulidade processual que os apelantes invocam, não enferma a sentença recorrida de nulidade por omissão de pronúncia nem ocorre nulidade processual.
Vejamos porquê.
Tendo sido dispensada a selecção da matéria de facto, a sentença recorrida, depois de declarar os factos provados, que são os que acima se reproduziram, mais refere o seguinte:
“Não resultaram provados quaisquer outros factos, nomeadamente, que:
- Os Réus, há mais de dois anos, com referência à data de entrada da ação em juízo, não são vistos pela vizinhança no local, não são vistos a receber hóspedes, a atender fornecedores ou a receber mercadorias no estabelecimento instalado no prédio do Autor;
- A água que advinha do 2º andar pingava para o 1º andar por ausência de vedação conveniente dos tubos por onde corria e por má instalação dos mesmos;
- A “E…” esteve encerrada durante alguns meses no ano de 2010, o que foi determinado pela necessidade de se efetuar algumas modificações e reparações no espaço, nomeadamente, pinturas, reparações de portas, rodapés, reparações na instalação elétrica, limpeza e enceramento de soalho;
- Os Réus pagam as faturas da água;
- Quando os Réus colocaram o balcão no rés-do-chão do prédio onde se situa o locado, deram conhecimento desse facto aos proprietários do imóvel”.
Ou seja, considerou que não resultaram provados quaisquer outros factos, obviamente dos alegados, concretizando alguns dos que tinham sido alegados.
Daí que não ocorram quer a nulidade da sentença, quer nulidade processual.
Sempre se dirá que, incumbindo ao A. a prova dos factos constitutivos do direito que invoca para fundamentar a resolução do contrato de arrendamento, os factos por ele alegados no artº 7º da petição inicial integravam o fundamento de resolução do não uso do locado por mais de um ano.
E tendo os mesmos sido declarados não provados, o que motivou que a sentença recorrida tenha julgado improcedente, como se referiu na apreciação da questão prévia, tal fundamento de resolução, é completamente despiciendo para a decisão da causa apurar os factos alegados pelos apelantes nos artºs 16º a 21º da contestação, porquanto os mesmos integram impugnação motivada e, como tal, não tinham que ser seleccionados, por irrelevantes para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Alteração da matéria de facto.
Reputando de conclusiva e de conter matéria de direito a factualidade constante de f) dos factos provados (“No locado, encontram-se a desenvolver a atividade comercial outras pessoas, terceiros que não os Réus”), pugnam os recorrentes por que se tenha a mesma por não provada, pretensão que parecem também alicerçar quando pretendem que se tenham como provados os factos que alegaram nos artºs 16º a 21º da contestação e reproduzidos na questão anterior, fazendo apelo ao depoimento da testemunha F…, pai do R. C….
A entender-se que se trata de matéria conclusiva, ou encerra matéria de direito, a sua consequência seria a de ser tida como excluída da factualidade provada, por aplicação do disposto no artº 646º, nº 4, do Código de Processo Civil.
Contudo, não se tem a mesma como conclusiva ou de direito.
Os factos, no domínio processual, abrangem as ocorrências concretas da vida real e o estado, a qualidade ou situação real das pessoas e das coisas, neles se compreendendo não só os acontecimentos do mundo exterior directamente captáveis pelas percepções (pelos sentidos) do homem, mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (o dolo, a determinação da vontade real do declarante, o conhecimento de dadas circunstâncias, uma certa intenção, etc.).
Versa questão de direito a factualidade que exprima valoração jurídica, própria da subsunção de realidades factuais a uma previsão normativa, implicando necessariamente a interpretação da lei.
Ora, a factualidade em causa não faz parte da terminologia legal, nomeadamente por reporte aos fundamentos de resolução do contrato de arrendamento constantes do artº 1083º do Código Civil, nem encerra qualquer conclusão, antes constitui puro facto, enquanto ocorrência do mundo exterior captável pela percepção do homem, pois o sentido corrente na linguagem é o de que não são os RR. que exercem no locado a actividade comercial de hospedaria-residencial, mas sim outras pessoas que não eles.
Quanto à alteração da matéria de facto - não provados os factos do item f) da sentença recorrida e provados os por eles alegados nos artigos 16º a 21º da contestação -, com base no depoimento da testemunha F…, não cremos assistir razão aos apelantes que não deixam de reconhecer a presença no arrendado do sr. H…, sendo curiosa a explicação que dão de que foi o A. que o autorizou, pois que não é de acordo com as regras da lógica, da experiência e do senso comum que, sendo arrendatários, permitissem a presença de terceiro, ainda que autorizado pelo senhorio.
E, na verdade, como é salientado na motivação da decisão da matéria de facto, que, do que resulta do que foi dado ouvir da gravação da prova, faz extensa e fiel reprodução dos depoimentos prestados, as testemunhas L…, M… e N…, respectivamente, mãe, namorada e tio do A., referiram que no início do ano de 2012, na sequência da sucessão aberta por óbito da anterior proprietária, foi, pelos herdeiros, entre os quais o A., sua mãe e tio, este arrolado pelos RR., colocada a hipótese de vender o prédio em que se situa o arrendado (segundo a mãe do A. porque nenhum tinha dinheiro para pagar as tornas), tendo-se, para o efeito, aí deslocado, uma vez que os arrendatários tinham preferência, e deparou-se-lhes como explorando o estabelecimento o referido sr. H…, qualidade que também lhe era atribuída pelos empregados (a testemunha M… relatou até um episódio ocorrido quando nele se encontrava em que um dos empregados foi fechar uma janela que se encontrava aberta porque o sr. H… passou na rua e, vendo-a aberta, mandou fechá-la), não se tendo concretizado o negócio porque o sr. H…, que disse ter adquirido o estabelecimento, tendo pago o preço, ficou de arranjar os documentos comprovativos, tendo mais tarde informado que não lhe eram facultados).
Aliás, nunca poderiam ser os RR. a exercerem a actividade no arrendado, porquanto o R. D…, no respectivo depoimento de parte, como ficou a constar da acta de audiência, disse que em 2005 deixou de a exercer, tendo dado baixa da respectiva actividade nas Finanças, pelo que apenas.
E, se é certo que o R. C…, também em depoimento de parte, disse que é ele, por intermédio do pai, que explora o estabelecimento (o que, contudo, não constitui confissão), o que a testemunha F…, seu pai, confirmou, certo é também que o tribunal recorrido não lhe atribuiu credibilidade, entendimento que também é o nosso.
Efectivamente, perante a divergência dos referidos depoimentos quanto a saber quem exerce a actividade de hospedaria e a falibilidade da prova testemunhal, não podem deixar de relevar, em favor dos prestados pelas testemunhas L…, M… e N…, a objectividade dos documentos juntos a fls. 91 e 92 (documento intitulado Registo de Alojamento Local, segundo o qual foi requerido à Câmara Municipal …, em 09/05/2012, o registo de estabelecimento comercial de alojamento local, com a denominação O…, sito na Rua …, nº .., requerimento esse efetuado por P…, S.A., cujo legal representante é identificado como sendo H1…) e a informação prestada pela Q…, S.A., em 08/02/2013, junta a fls. 140, segundo a qual vigora, desde 25/01/2012, para a morada Rua …, .., no Porto, um contrato de fornecimento de energia elétrica, titulado por P…, S.A.
Acresce que a testemunha N… o número de telefone fixo da hospedaria, que foi mandado retirar há cerca de quinze dias (com referência à data em que a testemunha prestou o seu depoimento), era o nº ………, número este que corresponde ao número de telefone constante do documento junto a fls. 91 e 92 como sendo o número de telefone da sociedade P…, S.A.
Improcede, pois, a pretendida alteração da matéria de facto, sendo que nunca poderiam ter-se como provados os factos articulados nos artºs 16º a 21º da contestação, os quais são contraditórios com os constantes do item f).
Cedência do arrendado.
Tendo a decisão recorrida declarado a resolução do contrato de arrendamento que vinculava A. e RR., destinado ao exercício da actividade de hospedaria/residencial, com fundamento no disposto no artº 1083º, nºs 2, al. e) do Código Civil, sustentam os últimos que, ainda que com a manutenção dos que foram dados como provados, os factos não integram tal fundamento de resolução.
É inquestionável que, no caso em apreço, se está perante um contrato de arrendamento que subsistia à data da entrada em vigor do NRAU, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27/2, e que os factos ocorreram na vigência dessa Lei, pelo que lhe é aplicável o regime nele previsto, o qual procedeu à reintegração das normas anteriormente revogadas pelo RAU (DL nº 321-B/90, de 15/10) no Código Civil, com alterações, porquanto as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 31/2012, de 14/8, apenas entraram em vigor em 12/11/2012 (cfr. artº 15º), ou seja posteriormente à instauração da acção (11/9/2012).
Estipula o artº 1083º do Código Civil (diploma a que pertencem todos os demais preceitos legais a citar nesta questão):
“1. Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte;
2. É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio:
…
e) A cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio.
...”.
Sanciona o preceito em apreço o incumprimento das obrigações impostas ao locatário nas alíneas f) e g) do artº 1038º que dispõem, respectivamente, que são obrigações do locatário
“não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar” e “comunicar ao locador, dentro de quinze dias, a cedência do gozo da coisa por algum dos referidos títulos, quando permitida ou autorizada.
Porém, o artº 1049º salvaguarda as situações de o locador ter “reconhecido o beneficiário da cedência como tal” e, quanto à falta de comunicação pelo locatário, de o aludido beneficiário da cedência lhe ter feito a mesma comunicação.
Como se refere no acórdão deste Tribunal de 3/5/2011, disponível em www.dgsi.pt.:
“Daqui resulta que há dois níveis de exigência para a generalidade das situações de cedência do locado: autorização do senhorio (cuja falta gera ilicitude) e comunicação ao senhorio (cuja falta gera ineficácia em relação a ele). Mas a autorização não será necessária quando a lei permitir a cedência sem ela, enquanto a comunicação da cedência será dispensável quando a lei não a exigir. Em todo o caso, o reconhecimento do locatário pelo senhorio sana uma eventual ilicitude ou ineficácia da cedência do locado.
Cremos não haver dúvidas na aplicação dessa dupla exigência aos casos de cessão da posição contratual (cfr. artº 1059º, que remete para os artºs 424º a 427º), sublocação (cfr. artºs 1060º a 1063º) e comodato (cfr. artº 1129.º). Expressamente, exclui a lei a exigência de autorização no caso de locação de estabelecimento ou cessão de exploração (cfr. artº 1109º actual que pôs fim à querela sobre essa questão até então existente), no caso do trespasse e de cessão da posição de arrendatário para o exercício de profissão liberal (cfr. art.º 1112.º), sem que daí decorra a dispensa da respectiva comunicação ao senhorio, nos termos da al. g) do citado art.º 1038º, sendo que, no primeiro caso, a comunicação deve ser feita no prazo de um mês (cfr. n.º 2 do art.º 1109º).
Independentemente da modalidade da cedência em causa e sempre que seja de exigir autorização e/ou comunicação ao senhorio, impõe-se saber quem tem o ónus da prova respeitante a esses factos.
Esta questão vem subsistindo ao longo da sucessão dos vários regimes legais locatícios, com reflexos na jurisprudência que se mostra dividida. Assim, segundo uns, o senhorio apenas tem o ónus de provar a cedência do locado, cabendo ao arrendatário provar que obteve autorização e/ou que houve lugar à comunicação, por considerarem as faltas de autorização e de comunicação factos impeditivos ou extintivos do direito do autor à resolução do contrato de arrendamento (v.g. o Ac. do STJ de 9/10/2006, processo n.º 06A2463 e o Ac. desta Relação de 26/1/2006, processo nº 0536429 - este relatado pela aqui 2ª Ajunta -, ambos acessíveis em www.dgsi.pt), enquanto outros defendem que cabe ao senhorio o ónus de provar não só a cedência, mas também que não deu autorização e/ou que não lhe foi feita a comunicação, por considerarem tais factos como constitutivos daquele seu direito (cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 20/10/1992, in BMJ, n.º 420, pág. 524 e de 28/9/2004, no processo 04A2444, em www.dgsi.pt, da RC de 8/3/2006, processo n.º 86/06 e da RE de 24/5/2007, processo n.º 291/06-2, ambos no mesmo sítio)”.
Certo é, todavia, que, em qualquer dos referidos entendimentos, no caso em apreço se verifica o fundamento de resolução previsto na al. e) do nº 2 do artº 1083º, porquanto vem provado que «No locado encontram-se a desenvolver a actividade comercial outras pessoas, terceiros que não os RR.» e que «Ao autor ou aos ante possuidores, nunca lhe foi comunicada qualquer espécie de transmissão do estabelecimento, nem a consentiram de qualquer forma».
Como referem Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, Quid Juris, 3ª edição, págs. 374/375, a alínea e) em apreço, que tem agora uma redacção pouco precisa, pois refere-se à cessão, sem explicitar qual o objecto da mesma, podendo, assim, supor-se que apenas se reporta à transmissão do arrendamento, ou seja à cessão da posição do arrendatário, corresponde, em parte, ao que dispunha a al. f) do nº 1 do artº 64º do RAU.
Porém, considerando o elemento histórico (a fonte da norma) e argumentos de ordem sistemática e teleológica - em especial a conjugação com o artº 1038º, als. f) e g), atinente às obrigações do locatário -, é seguro afirmar que a cessão considerada na norma também se refere ao gozo do locado, estando, pois, abrangidos na previsão legal o subarrendamento e o comodato efectuados sem autorização do senhorio.
Acrescentam os mesmos autores que, na análise deste fundamento de resolução do contrato de arrendamento, devem ser considerados os artºs 1038º, als. f) e g) (obrigaçõs do locatário), 1049º (cedência do gozo da coisa), 1059º (regra geral sobre a transmissão da posição do locatário), 1060º a 1063º (regras gerais da sublocação), 1088º a 1090º (regras sobre subarrendamento) e 1109º, nº 2, 1112º (regras gerais sobre a locação de estabelecimento e a transmissão da posição do arrendatário no arrendamento para fins não habitacionais).
Como resulta destas normas, é permitida a cedência do gozo da coisa arrendada nos casos de comodato (autorizado pelo senhorio), subarrendamento (autorizado ou ratificado pelo senhorio), locação de estabelecimento, trespasse de estabelecimento comercial ou coisa arrendada que não se reconduza a nenhum destes casos é inválida.
Mesmo quando tenha sido dada autorização pelo senhorio à cedência ou nos casos em que aquela não seja necessária, designadamente locação de estabelecimento, trespasse e continuação do exercício de profissão liberal no locado, deverá a mesma ser-lhe comunicada, no prazo de quinze dias, sob pena de ineficácia perante o senhorio (salvo no caso de locação de estabelecimento, em que o prazo de comunicação é alargado para 1 mês - artº 1109º, nº 2).
Embora o consentimento do senhorio não seja necessário nos casos de trespasse, cessão da posição de arrendatário para o exercício de profissão liberal e locação do estabelecimento, a realização destes negócios pode fundar a resolução quando sejam inválidos, designadamente por não ter sido observada a forma escrita (artº 1112º, nº 3) ou ineficazes por não terem sido oportunamente comunicadas ao senhorio [artºs 1038º, als. f) e g)], sem prejuízo do disposto no artº 1049º.
Ora, conquanto não se tenha provado a que título é que terceiros, que não os RR., exercem a actividade comercial no arrendado, vem, todavia, provado que ao autor ou aos ante possuidores, nunca foi comunicada qualquer espécie de transmissão do estabelecimento, nem a consentiram de qualquer forma.
Ou seja, a cedência do locado não pode deixar de ser considerada ou inválida, porque não autorizada ou consentida, caso se trate de comodato ou subarrendamento, ou ineficaz, porque não comunicada, caso se esteja perante trespasse ou locação de estabelecimento, a justificar, pela sua gravidade, o fundamento de resolução do contrato de arrendamento previsto no artº 1038º, nº 2, al. f).
Sustentando ainda os apelantes que o pedido de resolução do contrato formulado pelos AA. integra abuso do direito e litigância de má fé e que é uma situação antieconómica, violadora do artº 86º da Constituição da República Portuguesa, não se vislumbram fundamentos para acolher tal pretensão, soçobrando, consequentemente, in totum, a apelação.
No que se refere ao abuso do direito e à litigância de má fé, fazem radicar tais institutos em alegada autorização e incentivo do senhorio à ocupação do arrendado por terceiro, mas não provada tal alegação, tal bastava para afastar qualquer dos referidos institutos na conduta do A., além de que, por um lado, o abuso do direito, designadamente na modalidade de venire contra factum proprium, apenas se verifica, face ao disposto no artº 334º, quando o titular do direito exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, o que não é o caso, e, por outro lado, não surpreende nos factos provados, em confronto com os alegados pelo A., que a sua conduta integre qualquer dos comportamentos previstos no artº 456º, nº 2, do Código de Processo Civil.
E, se o artº 86º da Constituição da República Portuguesa consagra o incentivo do Estado à actividade empresarial, tal princípio não é absoluto nem pode ser efectivado à custa de outro princípio constitucional, como é o do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, previsto no artº 20º da lei fundamental.
III. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
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Custas pelos apelantes, que suportam também as do incidente relativo à junção de documentos com a apelação - documentos de fls. 194 e 206 -, cujo desentranhamento se ordena.
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Porto, 10/10/2013
António do Amaral Ferreira
Ana Paula Fonseca Lobo
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão