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FGADM
PRESSUPOSTOS DA INTERVENÇÃO
Sumário
I - O rendimento a considerar, para verificação do pressuposto de intervenção do FGADM na satisfação de uma prestação de alimentos a menor, não é já o salário mínimo nacional, mas antes o valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS), instituído pela Lei 53-B/2006, valor esse que é, em 2013 (aliás permanece imutável desde 2009) de €419,22 como estabelecido no art.º 114.º da Lei 66-B/2012, (Lei do Orçamento de Estado de 2013). II - A impossibilidade da satisfação, pelo devedor, das quantias em dívida, enquanto requisito para que o Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGDAM) suporte uma prestações de alimentos a menor pode ter-se por verificada face a factualidade concretamente apurada, sendo dispensável qualquer iniciativa judicial prévia, nos termos do art. 189º da OTM, onde isso tenha sido constatado. III - A autonomia da decisão que fixa a prestação de alimentos a cargo do FGADM relativamente àquela que fixara a obrigação da prestação de alimentos devida pelo progenitor que a incumpriu verifica-se para diversos efeitos e bem assim quanto aos pressupostos de cada obrigação, nada havendo, na letra da lei ou nos seus fundamentos, que imponha que a prestação a satisfazer pelo FGADM tenha de coincidir ou tenha por limite o valor da prestação de alimentos que fora fixada àquele devedor.
Texto Integral
PROC. N.º 37/12.7TBCNF.1.P1
Tribunal Judicial de Cinfães
REL. N.º 101
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Henrique Araújo
Fernando Samões
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
1 - RELATÓRIO
Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, na qualidade de Gestor do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM), veio interpor recurso de apelação da decisão de 30 de Maio de 2013, proferida em incidente de incumprimento de responsabilidades parentais relativas ao menor B…, que constatou o incumprimento da prestação de alimentos fixada à sua mãe, C… e que condenou o ora apelante a pagar, a título de prestação alimentícia devida ao menor, uma quantia mensal de 80€.
Pretende, por via desse recurso, que se revogue essa decisão, por não se verificarem os pressupostos de uma tal obrigação.
Nesse recurso, além de desenvolver as razões da sua discordância, o recorrente veio oferecer umas claramente desadequadas conclusões, sem dar atenção ao prescrito no art. 685º-A., nº 1 do C.P.C, antes reproduzindo, nesse passo do recurso, todo o texto que já antes enunciara, no qual, além do mais, ainda repete as próprias razões. Essa prolixidade, num aparente esquecimento do significado e relevância do que são as conclusões de um recurso, poderia determinar a aplicação do regime prescrito no nº 3 da mesma norma (a que actualmente corresponde o art. 639º do NCPC, com as mesmas soluções), o que apenas se não determina atenta a emergência dos interesses em presença que exigem, quer para o menor, quer para o Estado, uma estabilização da situação tão célere quanto possível.
Ignora-se, assim, o estilo prolixo das conclusões do recurso do apelante, que se passam a reproduzir, delas se extraindo, em momento ulterior, a identificação das concretas questões que importa resolver:
“1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho supra referenciado que decide pela manutenção da prestação de alimentos a assegurar pelo FGADM nos autos em apreço, que salvo o devido respeito, não pode o ora recorrente concordar com a douta decisão recorrida.
2. Nos termos do preceituado no art.1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e no art. 3.º do DL n.º 164/99 de 11 de Maio (com a redacção introduzida, respectivamente, pela Lei n.º 66-B/2012 de 31 de Dezembro e pela Lei n.º 64/2012 de 20 de Dezembro), os pressupostos para que o FGADM seja chamado a assegurar as prestações de alimentos atribuídas a menores residentes no território nacional são os seguintes:
- Que o progenitor esteja judicialmente obrigado a alimentos;
- A impossibilidade de cobrança das prestações em divida nos termos do art. 189º da OTM;
- Que o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), nem beneficie de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS;
3. Certamente a citada decisão não teve presente as alterações introduzidas aos diplomas que regulamentam o FGADM, isto é, ao DL n.º 164/99 de 11 de Maio, pela Lei n.º 64/2012 de 20 de Dezembro, e à Lei n.º 75/98 de 19 de Novembro, pela Lei n.º 66-B/2012 de 31 de Dezembro, já aplicáveis à data em que foi proferida.
4. Da nova redacção do art. 1º da Lei n.º75/98, de 19 de Novembro e do art. 3º do DL n.º 164/99 de 11 de Maio, resulta que o valor de referência a ter em conta para efeitos de comparação com o rendimento per capita do agregado familiar do menor, deixou de ser o salário mínimo nacional sendo substituído pelo valor do indexante dos apoios sociais (IAS) vigente nessa data.
5. Um dos pressupostos necessários e subjacentes ao pagamento da prestação de alimentos pelo FGADM em substituição do devedor é “que o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), nem beneficie de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS”.
6. Como consabido o valor do IAS (indexante de Apoios Sociais) em 2013 é de €419,22, valor bem diferente do salário mínimo nacional, fixado no valor de €485,00.
7. O elemento literal dos diplomas que contem o regime do FGADM não permite qualquer dúvida.
8.Desconhece o FGADM o valor da capitação de rendimentos do agregado familiar dos menores em causa.
9. Com o devido respeito a douta decisão não considera a forma de ponderação de cada elemento que compõe o agregado familiar para efeitos de capitação de rendimentos. Ou se até se foi junta qualquer prova nesse sentido, sendo a douta decisão é omissa quanto a esse aspecto fundamental.
10. Pelo que se desconhece se o alimentado detêm rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), nem beneficie de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS.
11.Mais considera o FGADM que não se encontra preenchido o pressuposto legal essencial e exigido subjacente à atribuição da prestação de alimentos impossibilidade coerciva do devedor.
12. Não consta do douto despacho recorrido a verificação dos requisitos cumulativos que a Lei n.º 75/98 de 19 de Novembro (com a redacção introduzida pela Lei n.º 66-B/2012 de 31 de Dezembro) em conjugação com o DL 164/99 de 13 de Maio (com a redacção introduzida, pela Lei n.º 64/2012 de 20 de Dezembro), exige para que as prestações de alimentos possam ser atribuídas nos termos que preconiza.
13. Quanto à impossibilidade coerciva do progenitor obrigado à prestação, prevista nos termos e para os efeitos do art. 189º OTM, nada é mencionado.
14. A verdade é que, o simples facto daquele reconhecimento da existência do incumprimento não determina que exista uma impossibilidade coerciva.
16. Delimita-se apenas o incumprimento do devedor nada mais, o simples facto de ser declarado o incumprimento do devedor, do mesmo não advém inequivocamente a impossibilidade coerciva.
17. A verdade é que o incumprimento da prestação por si só não é suficiente para que o FGADM assuma a prestação em regime de sub-rogação.
18. Exige a Lei, e bem, que do incumprimento seja declarada igualmente a impossibilidade coerciva prevista nos termos e para os efeitos do art. 189º da OTM.
19. Admitir o contrário, face ao que anteriormente foi referido, seria iludir o espírito da Lei, abrindo a porta à desresponsabilização dos obrigados a prestar alimentos, por saberem, a priori, que o Estado supriria as suas faltas.
20. A douta decisão com o respeito que possa merecer, não menciona o facto de estar previsto o requisito legalmente exigido para que o FGADM assuma a prestação.
21 A verdade é que desconhece o IGFSS, I.P., se o progenitor/devedor se encontra a trabalhar, ou até mesmo a cumprir algumas das prestações.
22. O FGADM poderá igualmente questionar-se sobre o valor efectivo da prestação fixada para cada um dos progenitores, sendo certo que é referenciado na dota decisão que cite-se “os progenitores contribuirão, a titulo de alimentos, cada um, com a quantia de 75,00€ (setenta e cinco euros) mensais a pagar até ao dia 28 de cada mês através de transferência bancária (…) o pai contribuiria mensalmente a titulo de alimentos com a quantia mensal de 100,00€, mediante transferência bancária”
23. No entanto ao FGADM é fixada a prestação de €80,00.
24. Pelo que se conclui que ao FGADM terá sido fixado um valor superior, diferente do fixado à progenitora/ devedora.
25. Com a devida vénia, da leitura da douta decisão o interprete/ destinatário não poderá deter dúvidas na interpretação.
26. Indubitável é que a letra da lei aponta no sentido de que o FGADM apenas garante o pagamento dos alimentos judicialmente fixados.
27. De referenciar que, a obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM, autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal, não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação.
28. A este propósito cumpre esclarecer que a responsabilidade do FGADM é, residual, uma vez que a satisfação do pagamento das prestações alimentícias incumbe em primeira mão aos pais e só quando tal é inviável é que intervém o Estado, assumindo tal pagamento e desde que preenchidos os requisitos cumulativos exigidos por Lei.
29 Na verdade, não só seria incomportável para o Estado colmatar carências pretéritas dos menores, como seria inadequado substituir o obrigado originário a alimentos, no seu inalienável dever de prover ao sustento e educação daqueles.
30. O Estado somente se substitui ao obrigado enquanto este não iniciar ou reiniciar o cumprimento da sua obrigação e pelo valor fixado para esta e pela mesma medida ou inferior.
31. É que o FGADM não garante o pagamento da prestação de alimentos não satisfeita pela pessoa judicialmente obrigada a prestá-los, antes assegurando, face à verificação cumulativa de vários requisitos, o pagamento de uma prestação “a forfait” de um montante por regra equivalente – ou menor – ao que fora judicialmente fixado – vide Remédio Marques in “Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos A Menores).
32. O legislador não sentiu necessidade de as incluir na garantia prestada. Pelas mesmas razões, que não sentiu necessidade de garantir a totalidade da prestação a que o requerido está obrigado. A diferença – se houver – entre a prestação a cargo do requerido e o valor da prestação a cargo do FGADM também terá de continuar a ser exigida do primeiro.
33. Temos, necessariamente, de concluir que a entidade subrogada, quando procede ao pagamento da prestação de alimentos, o faz no cumprimento de uma obrigação própria e não alheia, e, assim sendo, o Fundo deve substituir-se ao devedor originário apenas desde a notificação da decisão que determina a sub-rogação.
34. A este respeito, é jurisprudência dominante que o montante da prestação de alimentos a cargo do FGADM está limitado pela fixada ao progenitor do menor.
35. Sobre esta mesma matéria decidiu recentemente, e bem, Tribunal da Relação de Coimbra – Proc. 3819/04 – 2ª secção cível acórdão de 19/02/2013; assim como Tribunal da Relação do Porto Proc. 30/09 – 5ª secção acórdão de 25/02/2013.
36. Com efeito, a intervenção do FGADM reveste natureza subsidiária, visto que é a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada, que a legitima.
37. O Estado somente se substitui ao obrigado enquanto este não iniciar ou reiniciar o cumprimento da sua obrigação.
38. Depois de pagar, o FGADM fica sub-rogado em todos os direitos do menor credor dos alimentos, sendo-lhe, pois, lícito exigir do devedor de alimentos uma prestação igual ou equivalente àquela com que tiver sido satisfeito o interesse do menor (credor), incluindo o direito de requerer execução judicial para reembolso das importâncias pagas.
39. A sub-rogação não pode exceder a medida da sub-rogação total, porquanto, se o terceiro paga mais do que ao devedor competia pagar, ele não tem o direito de exigir do devedor o reembolso pelo excesso e só poderá exigir do credor a restituição do que este recebeu indevidamente.
40. Não pode o terceiro, satisfazendo o credor, aumentar o montante do crédito contra o devedor pois se o terceiro pagou mais do que era devido pelo devedor, no excesso não opera a subrogação e portanto o direito ao reembolso.
41. Aceitar que a prestação fosse superior seria instituir-se, sem apoio normativo, uma prestação social em parte não reembolsável e ainda por cima sem que o credor a tenha de restituir como “indevida” no sentido do art. 10º do Decreto-lei 164/99 (com a redacção introduzida, respectivamente, pela Lei n.º 66-B/2012 de 31 de Dezembro e pela Lei n.º 64/2012 de 20 de Dezembro).
42. Pelo que não tem, qualquer suporte legal fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do FGADM superior à fixada ao progenitor pai ora devedor, logo o FGADM apenas se deverá considerar obrigado a assumir essa mesma prestação em substituição do progenitor em incumprimento.
43. Salvo melhor opinião, e com o devido respeito que nos possa merecer, o simples facto de não ter sido verificado que o devedor se encontrava empregado, ou se detêm rendimentos determina que não estão reunidas todas as diligencias necessárias para que se possa determinar que os pressupostos legalmente exigidos para a sub-rogação estão reunidos.
44. A hipótese de ao devedor se poder proceder à cobrança coerciva da obrigação legal, nomeadamente através das vias previstas nos termos e para o preceituado no art. 189º da OTM, poderá ser viável, por essa razão deverá ser apurada nesse sentido.
45. Não é sequer mencionado, na douta decisão que o devedor se encontra a desenvolver uma actividade profissional, e que dessa actividade aufere um vencimento, ou até mesmo que se tenha sido sequer determinado á entidade patronal o cumprimento de uma ordem judicial por forma a poder ser decretada a impossibilidade coerciva.
46. Assim, encontra-se subjacente o facto de não se encontrarem esgotados todos os meios legais que determinam a impossibilidade coerciva.
47. Em face à escassez de elementos, o FGADM deveria presumir, sem mais, que se encontram preenchidos os pressupostos legais para assegurar a prestação de alimentos fixada.
48. Salvo o devido respeito, a actuação do FGADM não poderá basear-se numa mera presunção de correcção e justeza das decisões judiciais.
49. Ignora o FGADM de igual forma, se o doutamente decidido teve por base o Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, alterado pela Lei n.º 15/2011, de 3 de Maio, e pelos Decretos-Lei n.ºs 113/2011, de 29 de Novembro, e 133/2012, de 27 de Junho, no que concerne ao conceito de agregado familiar, aos rendimentos a considerar e à forma de ponderação de cada elemento do mesmo para efeitos de capitação de rendimentos.
50. Bem como desconhece se foram esgotados todos os meios legais que determinam a impossibilidade coerciva prevista nos termos e para os efeitos do art. 189º OTM.
51. Desconhecendo igualmente, se a decisão teve presente as alterações introduzidas aos diplomas que regulamentam o FGADM, isto é, ao DL n.º 164/99 de 11 de Maio, pela Lei n.º 64/2012 de 20 de Dezembro, e à Lei n.º 75/98 de 19 de Novembro, pela Lei n.º 66-B/2012 de 31 de Dezembro.
O MºPº juntou resposta ao recurso, pronunciando-se pela confirmação da decisão recorrida.
O recurso foi admitido, como de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foi recebido nesta Relação, considerando-se o mesmo devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Cumpre decidir.
2- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 2, do C.P.Civil.
Assim, as questões a resolver, extraídas de tais conclusões e arguidas como fundamento de revogação da decisão recorrida, são as seguintes:
1 – a decisão não reuniu elementos nem ponderou os dados referentes ao agregado familiar em que o menor se integra para determinação da capitação de rendimentos e aferição do requisito previsto na nova redacção do art. 1º da Lei n.º75/98, de 19 de Novembro e do art. 3º do DL n.º 164/99 de 11 de Maio;
2 – não se verifica o requisito de impossibilidade de cobrança coerciva da prestação ao progenitor a ela obrigado, o qual não coincide com a simples verificação do respectivo incumprimento, por não ter sido apurado se o devedor se encontra empregado ou aufere rendimentos;
3 – foi fixada uma obrigação de pagamento ao FGADM de valor superior àquela que se encontrava fixada ao progenitor relapso (80€ e 75€, respectivamente);
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Na solução das questões apontadas, haverá de considerar-se a seguinte matéria, dada por provada na decisão recorrida e que não foi objecto de qualquer impugnação no recurso, pelo que deve considerar-se fixada:
1.º B… nasceu no dia 01 de Janeiro de 2008 e encontra-se registado como filho de D… e C…
2.º Em 13 de Junho de 2012, por acordo de regulação do exercício do poder paternal, homologado por sentença transitada em julgado, ficou estipulado, entre outros que:
- as responsabilidades parentais referentes a questões de particular importância do menor ficarão a cargo da tia paterna E….
- o menor continuará a residir com a mesma a quem competirá zelar pelos actos da vida corrente do mesmo, designadamente alimentação, educação, formação, saúde e bem estar;
- os progenitores contribuirão, a título de alimentos, cada um, com a quantia de 75,00€ (setenta e cinco euros) mensais a pagar até ao dia 28 de cada mês através de transferência bancária (…)
(- o pai contribuiria mensalmente a título de alimentos com a quantia mensal de 100,00€, mediante transferência bancária)
3.º Desde Julho de 2012 que a requerida não efectua o pagamento da prestação de alimentos referida em 2.º.
4.º O menor encontra-se a residir com tia paterna, em Cinfães.
5.º A tia do menor é doméstica, prestando esporadicamente trabalhos de limpeza em casa de particulares auferindo mensalmente a quantia de 25,00€.
6.º O agregado onde o menor se insere é constituído pela tia paterna E…, pela filha desta F…, pela avó, G… e por um tio paterno, H….
7º Esse agregado beneficia da pensão auferida por G… no valor de 303,99€.
8º O menor e a prima F… beneficiam cada um da quantia mensal de 35,19€ a título de Abono de Família.
9º O menor e a prima F… beneficiam cada um, respectivamente, da quantia mensal de 75,00€ e 100,00 a título de prestação de alimentos paga pelos respectivos pais.
10º A requerida encontra-se desempregada e não aufere qualquer rendimento.
11º Reside com o companheiro e sua a mãe desta em habitação arrendada em Arouca.
12º O companheiro da requerida é operário da construção civil em Penafiel e aufere mensalmente a quantia de 500,00€.
13º A mãe da requerida recebe pensões de reforma e de sobrevivência no valor total de 428,86€/mês, para além do complemento solidário para idosos no valor de 64,75€ mensais.
14º O agregado da requerida tem as seguintes despesas mensais fixas:
- 275,00€ - renda de casa
- 27,00€- gás
- 35,00€- telemóveis
- 30,00€- medicação da requerida
- 80,00€- deslocações do companheiro para o local de trabalho
- 300,00€ - amortização de um crédito automóvel
- 150,00€/200,00€- alimentação
15º Por decisão datada de 07 de Novembro de 2012 foi declarado o incumprimento da obrigação de alimentos por parte da requerida.
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Na descrição fáctica que antecede, constata-se um evidente lapso, no ponto 2º, que reproduz a solução homologada por sentença sobre o exercício das responsabilidades parentais respeitantes ao menor B…. Com efeito, apesar de ali constar a fixação de uma obrigação de prestação de alimentos a cada um dos pais do menor no valor de 75€, ficou a constar uma outra frase de que resultaria que essa obrigação seria de 100€, para o pai. Não se trata de qualquer contradição na decisão, mas tão só de um evidente lapso de redacção, que se identifica pela consulta da própria sentença homologatória constante de fls. 46 a 48 dos autos, e que resultará, por certo, da manipulação de texto por via informática, aquando dessa redacção, aliás como bem entendeu o MºPº na sua resposta ao recurso. Considera-se, assim corrigido tal lapso, ao abrigo do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 667º do CPC, na versão vigente à data da decisão, em razão do que totalmente se desconsidera a referência a uma tal prestação da quantia de 100€ a título de alimentos ao menor B…, o que supra se assinala com a colocação da correspondente frase entre parêntesis.
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Quanto à primeira questão apontada como integrando o objecto do recurso, passa ela não só pela deficiente identificação das normas aplicáveis (por utilização de uma versão não actualizada dos diplomas em questão), mas também pela indisponibilidade dos elementos factuais que, por subsunção a tais normas, serão determinantes para a indagação da responsabilidade do FGADM no caso dos autos.
No que respeita à determinação das normas aplicáveis, é evidente a razão do recorrente, porquanto a sentença cita uma versão das normas pertinentes (art. 1º da Lei n.º 75/98; e art. 2.º, n.º 2 e art 3.º, nº 1, als. a) e b), e nº 2, ambos do Decreto-Lei n.º 164/99), sem atentar nas alterações que lhes foram introduzidas pela Lei n.º 66-B/2012 de 31 de Dezembro, e pela Lei n.º 64/2012 de 20 de Dezembro, respectivamente.
A diferença assinalável entre os dois regimes consiste em que o valor de referência a ter em conta para efeitos de comparação com o rendimento per capita do agregado familiar do menor deixou de ser o salário mínimo nacional (como foi referido na decisão recorrida), sendo agora o valor do indexante dos apoios sociais (IAS) vigente nessa data.
Com efeito, o art. 1.º da Lei nº 75/98, de 19/11, dispõe actualmente o seguinte:
1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação.
2 - O pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos.
Por outro lado, a norma constante do art. 3º do D.L. 164/99, de 13/5, [na redacção dada pelo art.º 17.º da Lei 64/2012 de 20/12, que procedeu à segunda alteração à Lei n.º 64 -B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2012)], tem o seguinte teor:
1 - O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:
a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro; e
b) O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
2 - Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respetivo agregado familiar não seja superior àquele valor.
3 - O agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, referidos no número anterior, são aferidos nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho, alterado pela Lei n.º 15/2011, de 3 de maio, e pelos Decretos-Leis nºs 113/2011, de 29 de novembro, e 133/2012, de 27 de junho.
4 - Para efeitos da capitação do rendimento do agregado familiar do menor, considera-se como requerente o representante legal do menor ou a pessoa a cuja guarda este se encontre.
5 - As prestações a que se refere o n.º 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, devendo aquele atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.
6 - Os menores que estejam em situação de internamento em estabelecimentos de apoio social, públicos ou privados sem fins lucrativos, cujo funcionamento seja financiado pelo Estado ou por pessoas coletivas de direito público ou de direito privado e utilidade pública, bem como os internados em centros de acolhimento, centros tutelares educativos ou de detenção, não têm direito à prestação de alimentos atribuída pelo Fundo.
Verifica-se, assim, que o rendimento a considerar para verificação do pressuposto em análise não é já o salário mínimo nacional, mas antes o valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS), instituído pela Lei 53-B/2006 que fixa as regras de actualização das pensões e de outras prestações atribuídas pelo sistema de segurança social, valor esse que é, em 2013 (aliás permanece imutável desde 2009) de €419,22 como estabelecido no art.º 114.º da Lei 66-B/2012, (Lei do Orçamento de Estado de 2013).[1]
A aplicação do regime prescrito naqueles arts. 1º da Lei nº 75/98 e 3º do D.L. 164/99, exige ainda que se conheçam e operem os conceitos de agregado familiar e de capitação do rendimento do agregado familiar, constantes dos arts. 4º e 5º da Lei nº 70/2010, de 16/6, que são os seguintes:
Artigo 4.º (Conceito de agregado familiar)
1 - Para além do requerente, integram o respectivo agregado familiar as seguintes pessoas que com ele vivam em economia comum, sem prejuízo do disposto nos números seguintes:
a) Cônjuge ou pessoa em união de facto há mais de dois anos;
b) Parentes e afins maiores, em linha recta e em linha colateral, até ao 3.º grau;
c) Parentes e afins menores em linha recta e em linha colateral;
d) Adoptantes, tutores e pessoas a quem o requerente esteja confiado por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito;
e) Adoptados e tutelados pelo requerente ou qualquer dos elementos do agregado familiar e crianças e jovens confiados por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito ao requerente ou a qualquer dos elementos do agregado familiar.
2 - Consideram-se em economia comum as pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação e tenham estabelecido entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 - A condição de vivência em comunhão de mesa e habitação pode ser dispensada por ausência temporária de um ou mais elementos do agregado familiar, por razões laborais, escolares, formação profissional ou por motivos de saúde.
4 a 8 - (...)
Artigo 5.º (Capitação do rendimento do agregado familiar)
No apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, a ponderação de cada elemento é efectuada de acordo com a escala de equivalência seguinte: requerente - 1; por cada indivíduo maior - 0,7; por cada indivíduo menor - 0,5.
Visto o regime legal aplicável e sem prejuízo do erro detectado na respectiva utilização pela sentença recorrida, importa analisar os elementos apurados pelo tribunal e, perante eles, determinar se se preenchem, no respeitante à composição e rendimentos do agregado familiar em que o menor B… se integra e à sua capitação pelos elementos desse agregado, os pressupostos de responsabilidade do FGADM. Recorde-se que, sobre essa matéria, o apelante alegou que estão omissos esses mesmos elementos.
No respeitante à composição do grupo familiar em que o menor se integra, constata-se que ele apresenta os seguintes elementos: o menor vive com E…, sua tia paterna; com eles vivem a filha da tia, F…; a avó, G…; e um tio paterno, H…. Segundo o art. 4º da Lei 70/2010, tais são as pessoas que deveriam compor o agregado familiar do menor a ser tido em conta, tanto mais que o apelante nada impugnou quanto à matéria de facto dada por provada pelo tribunal, como se referiu oportunamente. Torna-se, porém, evidente do teor do relatório social, que o referido tio paterno não integra tal conceito de agregado, já que não integra a economia comum do mesmo, aplicando os 254€ de reforma por invalidez que aufere exclusivamente na satisfação das suas necessidades pessoais.[2]
Temos, então, dois adultos e duas crianças, o que leva à aplicação de um coeficiente de capitação de 2,7 (=1+0,7+0,5+0,5). A tia do menor determina a parcela '1'; a avó a parcela de 0,7; e o menor a sua prima as duas parcelas '0,5', tudo nos termos do nº 4 do art. 3º do D.L. 164/99 e do art. 5º da Lei nº 70/2010.
No que respeita aos rendimentos deste agregado, conceito este a preencher segundo o prescrito pelo art. 3º da Lei nº 70/2010 já referida, devem contabilizar-se, por mês: 25€ auferidos pela tia do menor; pensão auferida por G…, no valor de 303,99€; abono de família de cada um dos dois menores, isto é, 35,19€x2; e 175€ recebidos como prestações de alimentos pagas aos dois menores pelos progenitores de cada um (100+75). Temos, então, um rendimento apurado total de 574,37€. Dividido este valor pelo coeficiente de capitação, obtemos o resultado de 212,73€.
Tal montante, de 212,73€, é claramente inferior ao valor do indexante de apoios sociais (IAS), de 419,22€.
Esta conclusão tem implícita a negação dos dois primeiros argumentos do apelante: por um lado, a decisão recorrida não prescindiu de considerar os elementos de facto que permitem indagar da verificação do pressuposto constante do art. 1º da Lei nº 75/2008 e do art. 3º, nº 1, al. b) e nº 2 do D.L. 164/99; por outro lado, tem de considerar-se preenchido tal requisito, atenta a capitação do agregado familiar em que o B… está integrado. E se a sentença pode parecer menos pormenorizada a tal propósito e referenciada a uma legislação não actualizada, isso não implica que não tenha chegado a um resultado acertado, aliás fundando-se na conclusão dos serviços do próprio apelante, como se constata do relatório junto a fls. 52 e ss.
Resta, assim, afirmar, quanto à primeira questão, que não procederá a pretensão do apelante.
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A segunda questão colocada pelos apelantes refere-se a uma acusada falta de verificação de outro dos pressupostos de fixação da obrigação do FGADM, previsto nos arts. 1º da Lei nº75/98, de 19/11, e 3º, nº 1, al. a) do D.L. 164/99: não estar demonstrada a impossibilidade de obtenção coerciva dos alimentos devidos de quem está obrigado a prestá-los, nos termos previstos no art 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro (OTM).
Alegam os apelantes que o tribunal apenas apurou que a mãe do menor, estando obrigado a uma prestação mensal de 75€, a título de alimentos, jamais a satisfez. Mas que não apurou que fosse impossível obter coercivamente esse valor.
Aquele art. 189º da OTM prevê a satisfação coerciva da prestação de alimentos a favor do respectivo titular, através de execução de vencimento, salário ou qualquer prestação remuneratória ou de qualquer espécie ("rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes") de que o obrigado seja credor.
No caso, é certo que o tribunal deu por verificado o incumprimento da obrigação de alimentos por parte da mãe do menor, em decisão datada de 7/11/2012 (facto provado sob o ponto 15º).
Por outro lado, também é certo que nenhuma iniciativa se detecta no sentido de ser obtida a cobrança coerciva das prestações devidas pela mãe do menor B….
No entanto, os factos apurados demonstram que tal iniciativa seria um acto meramente formal, votado inequivocamente ao insucesso: a mãe do B… não trabalha nem aufere qualquer rendimento. Está integrada num agregado familiar sustentado pelo ordenado do companheiro com quem vive e com as pensões de reforma e de sobrevivência da mãe, que vive com eles. Tais rendimentos não são, contudo, rendimentos da própria C…, pelo que não podem ser executados para satisfação da prestação de alimentos a que ela está obrigada. E quanto a rendimentos dela própria, não foi apenas inviável apurá-los; mais do que isso, apuraram-se factos que revelam não auferir qualquer remuneração, rendimento ou sequer prestação social.
Por conseguinte, o recurso a qualquer dos meios previstos no art. 189º da OTM, pode antecipadamente considerar-se inviável, sendo dispensável qualquer iniciativa judicial tendente a revelar isso mesmo (neste sentido, cfr ac. do TRC, de 11-12-2012, no proc. nº 46/09.3TBNLS-A.C1, publicado em dgsi.pt: "A impossibilidade da satisfação pelo devedor das quantias em dívida, enquanto requisito para que o Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGDAM) suporte as prestações de alimentos devidos a menor residente em Portugal, traduzindo a necessidade de uma tutela urgente e eficaz a cargo do Estado, verifica-se quando da factualidade provada resulta que não é viável com o recurso a procedimento previsto no art. 189º da O.T.M. obter a cobrança coerciva das prestações alimentares vencidas e vincendas.").
Podemos, em conclusão, afirmar que, dados os factos apurados a propósito das condições socio-económicas da mãe do menor B…, se verifica a impossibilidade da obtenção coerciva das prestações alimentares a que se encontra obrigada, a favor do seu filho. Assim, e tal como o decidiu a decisão recorrida, só pode considerar-se preenchido o requisito previsto nos arts. 1º da Lei nº75/98, de 19/11, e 3º, nº 1, al. a) do D.L. 164/99.
Improcedem, por isso, também quanto a esta questão, as razões do apelante.
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A última questão que cabe apreciar reporta-se ao valor da prestação de alimentos a impôr ao FGADM, a satisfazer pelo apelante.
A obrigação imposta a C… era de 75€ por mês. Na sentença recorrida, face ao incumprimento dessa obrigação (75€/mês), foi imposta ao apelante a obrigação de pagamento de um valor mensal de 80€. Questiona este a possibilidade de esta obrigação, que é supletiva daquela que se mostra incumprida, atingir um valor que lhe é superior.
A este respeito, conhece-se a divisão da jurisprudência, com decisões que concluem pela inviabilidade de fixação de um valor superior (ex: Acs. do TRC de 19-02-2013[3] e de 25-05-2004), a par de outras que concluem pela inexistência de um tal limite (ex: Acs. do TRP de 8/9/2011, proc nº 1645/09.9TBVNG.1.P1; de 18/6/2007, doc nº RP200706180733397, ambos em dgsi.pt).
Na ponderação das razões de cada uma das teses, não podemos deixar de concluir pela preponderância daquelas que informam a solução nos termos da qual o valor da prestação de alimentos a que estava obrigado o progenitor relapso não tem de coincidir, nem constitui limite ao valor da prestação de alimentos que deve ser satisfeita pelo FGADM.
Vejam-se os argumentos expostos naquele Ac. de 18/6/2007, a que aderimos integralmente, e que aqui se passam a integrar, por aplicáveis à argumentação do apelante: “A prestação a cargo do Fundo de Garantia visa assegurar “condições de subsistência mínimas” às crianças, podendo o montante fixado não ter correspondência no quantum da obrigação fixada ao devedor dos alimentos. Cabe aos pais do menor, de acordo com a sua condição, proporcionar aos filhos os meios necessários ao seu desenvolvimento harmonioso, em tudo o que respeite ao seu sustento e educação. A responsabilidade do Fundo de Garantia é subsidiária, surge em situação em que não é possível cobrar os alimentos do devedor, substituindo-o, então, no pagamento de uma prestação social com idêntica finalidade. A prestação fixado ao abrigo dos mencionados diplomas legais é independente ou autónoma da anteriormente fixada ao devedor dos alimentos, em que o valor desta constitui apenas um dos elementos a ponderar na fixação daquela, podendo ser de montante inferior, fixada de acordo com as condições sociais e económicas actuais do menor e seu agregado familiar, e tem natureza subsidiária, pois que só é devida no caso de não ser possível cobrar a prestação alimentícia. A obrigação do Fundo de Garantia não é a nem tem de coincidir com a prestação alimentar anteriormente fixada; trata-se de uma prestação substitutiva, que pode ser inferior, por as condições mínimas de subsistência do menor não exigirem valor mais elevado, e pode ser superior, o que os citados normativos não obstaculizam. Essa prestação social (nova) corresponde a uma obrigação autónoma da anteriormente fixada e o seu pagamento por essa instituição constitui “uma obrigação própria, que não alheia”, embora a sua responsabilidade seja residual e subsidiária da do devedor dos alimentos (v. Ac. STJ, de 27/01/04, em ITIJ/net). A prestação pagar pelo Fundo de Garantia tem a natureza de prestação social autónoma, que reforça a protecção social devida aos menores por parte do Estado, que se substitui ao devedor, não para pagar as prestações por este devidas, mas para ‘assegurar os alimentos de que o menor precise’. Como se escreve no AC. RP, de 24/03/05, em dgsi.pt, proc. 0530542 [(com referência Remédio Marques, em Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores), pág. 221], o “Fundo não visa substituir definitivamente uma obrigação legal de alimentos devida a menor, antes proporcionar uma prestação a forfait de um montante por regra equivalente - mas que pode ser menor ou até maior - ao que fora fixado judicialmente”. O Fundo não garante o cumprimento da obrigação do devedor dos alimentos, mas o pagamento de uma prestação (como obrigação sua), substitutiva daquela, para garantir ao menor um mínimo de subsistência. “O Estado substitui-se ao devedor, não para pagar as prestações que este deva, mas para assegurar os alimentos de que o menor precise” (citado ac. da RP). E essa função de protecção do Estado só é realizada se a prestação que vem a pagar cumpra aquela finalidade de garantir condições mínimas de subsistência ao menor, se adequada no seu valor para esse efeito, o que, desde logo, pode implicar que deva ser superior ao valor dos alimentos fixados a cargo devedor, por estes serem fixados, desde logo, de acordo com as suas possibilidades. Ora, a “preocupação do legislador em conceder às crianças carecidas de alimentos o acesso a condições de subsistência mínimas” não se coaduna com a posição de ao menor carente não poder ser paga pelo Fundo de Garantia uma prestação superior ao valor devido pelo obrigado a alimentos por mais insignificante que fosse, de modo que nenhumas condições de subsistência condigna possa proporcionar. Poderá mesmo entender-se que, se por carência absoluta de meios ou “ausência” dos progenitores, não for fixada qualquer prestação a pagar ao filho, essa situação não deverá inviabilizar o recurso a uma prestação substitutiva a cargo do Fundo de Garantia, tanto mais que aquilo que este vier a pagar pode não vir a ser reembolsado, precisamente por existir manifesta e objectiva impossibilidade de pagamento (artigo 5º/3 do citado DL). Neste sentido, ver Ac. RP, de 23/02/06, dgsi.pt, proc. 0630817, cujo sumário se transcreve “o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menor deve suportar o pagamento da prestação de alimentos dos menores quando o devedor não tem meios para proceder a esse pagamento, e, por isso, não seja fixada anteriormente qualquer quantia a título de alimentos”. Nos termos do artigo 6.º/3 da Lei 75/98, “o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores fica sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso”. O que é reafirmado no Artigo 5.º/1 do DL 164/99 que dispõe “o Fundo fica sub-rogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso”. Trata-se de uma sub-rogação legal. O Fundo fica subrogado na medida do que pagar (a sub-rogação não se verifica em relação a prestações futuras) e dos direitos do beneficiário de alimentos (com a correspondente obrigação do devedor dos mesmos). O sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam (artigo 593º/1 do CC). A sub-rogação pode ser total ou parcial. O Fundo de Garantia só pode ficar sub-rogado nos direitos do menor, a quem efectua o pagamento das prestações, contra o devedor dos alimentos e não em relação a outras prestações a cujo pagamento o devedor de alimentos não estava obrigado. Se a prestação for de valor superior à obrigação do devedor dos alimentos, a sub-rogação teria de ser parcial. Mais prescreve o citado artigo 5º que 3 - Decorrido o prazo para reembolso sem que este tenha sido efectuado, se o devedor não iniciar o pagamento das prestações de alimentos devidos ao menor, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pode, desde logo, requerer a execução judicial para reembolso das importâncias pagas, nos termos da lei do processo civil, salvo se se verificar existir manifesta e objectiva impossibilidade de pagamento. 4 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se que se verifica manifesta e objectiva impossibilidade de pagamento por parte do devedor quando este se encontre numa situação de ausência ou insuficiência de recursos que lhe permitam pagar a prestação de alimentos, nomeadamente por razões de saúde ou por se encontrar desempregado. O reembolso pode nunca acontecer por manifesta e objectiva impossibilidade de pagamento por parte do devedor e, de facto, o Fundo de Garantia ter de assumir, pontualmente e por essa razão, a título definitivo, o encargo com as prestações que, por decisão do tribunal, pagou o menor. Nessa situação, como naquela em que a prestação devida pelo devedor dos alimentos seja tão exígua que não permita condições mínimas de subsistência, terá o Estado, na concretização dos princípios que presidem aos diplomas legais referidos, e dos objectivos visados com a criação do regime de garantia dos alimentos devidos a menores, assumir a responsabilidade pelo pagamento das prestações necessárias a assegurar ao menor condições mínimas de subsistência condigna, mesmo sem a esperança do reembolso por parte do possível obrigado a alimentos. Só dessa forma fica verdadeiramente protegida a dignidade da criança como pessoa e o direito a uma vida condigna (cfr. Acs. RCoimbra, de 05/03/2002 e 02/12/2003, em dgsi.pt, procs. 3431/2001 e 3265/03). Concluímos ser admissível a fixação a cargo do Fundo de Garantia de uma prestação de montante superior ao valor da prestação a cargo do devedor dos alimentos.”
Acresce que a autonomia da decisão que fixa a prestação de alimentos a cargo do FGADM relativamente àquela que fixara a obrigação da prestação de alimentos devida pelo progenitor que a incumpriu é salientada e tornada eficaz para vários efeitos.
Por exemplo, é jurisprudência uniforme que, por proceder de fundamentos diferentes, a decisão judicial que fixa a prestação de alimentos a cargo do FGADM não pode basear-se e importar, simplesmente, o valor que fora fixado para a obrigação de alimentos imposta ao(s) progenitor(es) do menor, fazendo coincidir tais valores. Pelo contrário, tem de justificar a medida do valor em que fixa essa prestação, quer de facto, quer de direito (cfr., entre outros, ac. do TRL de 21-06-2011, proc. nº 6749/08.2TBCSC-A.L1-7), permitindo a sua própria sindicabilidade.
Por outro lado, também quanto à questão da determinação do momento a partir do qual é devida essa prestação pelo FGADM, a decisão proferida (que não é objecto do recurso) pressupõe, e leva em conta, uma tal autonomia. Como se sabe, também esta questão foi alvo de grande controvérsia na jurisprudência, em termos que culminaram com a prolação de um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, de 7/7/2009. Neste foi determinado que obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo FGADM, em substituição do devedor, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores.
Esta solução foi, aliás, a sempre defendida pelo ora apelante, prevenindo a sua responsabilização pelo pagamento de valores em cuja determinação nem sequer participou. E fundou-se, essencialmente, na autonomia entre as obrigações do FGDAM e as dos progenitores do menor carecido de alimentos, como se vê do seguinte excerto: “O Fundo, quando assegura o pagamento de prestações alimentícias, fá-lo no cumprimento de uma obrigação própria e não alheia. A actualidade das prestações que satisfaz afere-se pela verificação judicial da existência cumulativa dos pressupostos e requisitos legais, legitimadores da intervenção do Fundo – arts 1º e 3º da Lei nº 75/98 e 2º e 9º do Dec-Lei nº 164/99. O montante dos alimentos imposto ao Fundo é fixado no incidente de incumprimento e só então se torna líquido e exigível, como direito social do alimentando (Remédio Marques, Algumas Notas sobre Alimentos Devidos a Menores, pág. 221 e segs). A obrigação do Fundo não existe enquanto não for apurado o incumprimento do originário devedor e demais pressupostos legais, de tal modo que tal obrigação só é criada com a decisão do respectivo incidente.”
Ponderadas estas razões, afigura-se-nos que seria contraditório afirmar a autonomia das prestações de alimentos devidas pelos progenitores e das devidas pelo FGADM para alguns efeitos, designadamente o de determinação do momento a partir do qual esta última é devida. Mas para efeitos de limitação de responsabilidade do FGADM, já tal autonomia seria limitada, por não poder ultrapassar o valor da prestação imposta ao devedor.
A prestação de alimentos pelo Fundo constitui, assim, autonomamente em relação à obrigação alimentar dos progenitores de um menor, uma verdadeira prestação social. E, nessa medida, nenhuma estranheza nos suscita a hipótese de, como prestação social que é, vir a ser a final, suportada pelo Estado, se, por sub-rogação, não puder ser obtido o respectivo reembolso do devedor. Nenhuma utilidade se reconhece, pois, a tal argumento do apelante, em qualquer caso já recusada nos termos anteriormente referidos.
Também por isso recusamos a solução que defende.
Acresce que, não sendo por tal motivo, por nenhuma outra razão o apelante defendeu a alteração da decisão recorrida, no tocante ao valor da prestação de alimentos fixada. Inexiste, por isso, qualquer outro fundamento para alteração ou revogação da decisão recorrida, nesta matéria.
Por todo o exposto, também quanto a esta questão concluímos pela improcedência do recurso.
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Resta, em conclusão, confirmar a decisão recorrida, na improcedência de todas as conclusões do apelante.
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Em resumo:
- O rendimento a considerar, para verificação do pressuposto de intervenção do FGADM na satisfação de uma prestação de alimentos a menor, não é já o salário mínimo nacional, mas antes o valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS), instituído pela Lei 53-B/2006, valor esse que é, em 2013 (aliás permanece imutável desde 2009) de €419,22 como estabelecido no art.º 114.º da Lei 66-B/2012, (Lei do Orçamento de Estado de 2013).
- A impossibilidade da satisfação, pelo devedor, das quantias em dívida, enquanto requisito para que o Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGDAM) suporte uma prestações de alimentos a menor pode ter-se por verificada face a factualidade concretamente apurada, sendo dispensável qualquer iniciativa judicial prévia, nos termos do art. 189º da OTM, onde isso tenha sido constatado.
- A autonomia da decisão que fixa a prestação de alimentos a cargo do FGADM relativamente àquela que fixara a obrigação da prestação de alimentos devida pelo progenitor que a incumpriu verifica-se para diversos efeitos e bem assim quanto aos pressupostos de cada obrigação, nada havendo, na letra da lei ou nos seus fundamentos, que imponha que a prestação a satisfazer pelo FGADM tenha de coincidir ou tenha por limite o valor da prestação de alimentos que fora fixada àquele devedor.
3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a apelação e em confirmar a douta decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isento o apelante – art. 4º, nº 1, al. v) do RCP.
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Porto, 15/10/2013
Rui Moreira
Henrique Araújo
Fernando Samões
________________
[1] Dispõe o art. 114º da Lei 66-B/2012, de 31/12: É suspenso durante o ano de 2013: a) O regime de atualização anual do IAS, mantendo-se em vigor o valor de (euro) 419,22 estabelecido no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 323/2009, de 24 de dezembro, alterado pelas Leis nºs 55-A/2010, de 31 de dezembro, e 64-B/2011, de 30 de dezembro;
[2] Acresce que se outra solução se adoptasse, tal conduziria a um resultado de capitação igualmente inferior ao IAS, concretamente de 243,61€
[3] Proc. nº 3819/04.0TBLRA-C 1. “A prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM), prevista no artigo 1.º, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro (Garantia de Alimentos Devidos a Menores), não pode ser superior à prestação colocada a cargo do devedor de alimentos. 2.- Se a prestação a pagar pelo FGADM pudesse ser superior à prestação do devedor, então a lei devia prever a hipótese, mas não prevê, que, tendo o devedor retomando o pagamento da prestação de alimentos, se porventura esta prestação fosse inferior à que vinha sendo paga pelo FGADM, esta entidade continuaria vinculada a pagar alimentos ao menor, agora no montante equivalente à diferença entre a prestação que o FGADM estava a pagar e aquela que o devedor recomeçou a pagar, ao invés de prever simplesmente, nesta hipótese, a cessação da obrigação a cargo do FGADM.”