TACÓGRAFO
OUTRO CONDUTOR
RELEVO JURÍDICO
Sumário

I - A acção típica no crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo art.º 258º, n.º 1, alínea c) do C. Penal, incide sobre o aparelho, no caso o tacógrafo, e não sobre a própria notação, levando ao registo de resultados da notação desconformes com a realidade.
II - A introdução de um cartão tacográfico pertencente a pessoa diferente do efectivo condutor do veículo, verificados os restantes elementos do tipo, é subsumível ao crime de falsificação de notação técnica.
III – Tal facto reveste-se de relevo jurídico face às normas que regulam os tempos máximos de condução seguida e as pausas obrigatórias para descanso, previstas no DL 272/89, de 19-08, pelo que a notação da condução do veículo por terceira pessoa constitui facto juridicamente relevante.

Texto Integral


Processo n.º 103/11.6GFPRT.P1


Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO:
Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular foi submetidos a julgamento os arguidos B…., tendo sido proferida sentença com o dispositivo seguinte:
«Pelo exposto:
Condena-se o arguido B….. pela prática de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo art.º 258.°, n.º 1, al. c), do Código Penal, a uma pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz um total de €900,00 (novecentos euros); e
Absolve-se o arguido B.... da imputada prática, em concurso real com o ilícito anterior, de um crime de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelo art.º 261.º, n.º 1, do Código Penal.
Custas criminais: vai o arguido condenado ao pagamento das custas processuais, com 2 UC’s de taxa de justiça.
Notifique e deposite.
Boletins à DSIC».
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Inconformado com a decisão condenatória o arguido interpôs recurso da mesma decisão, extraindo-se da motivação do recurso as conclusões que a seguir se transcrevem.
«CONCLUSÕES
1. O arguido foi condenado pela prática de um crime de falsificação de notação técnica, p.e p. pelo artigo 258º, n.º 1 al. c) do Código Penal.

2. As testemunhas, ambas militares da GNR e que fiscalizam a operação, disseram na audiência de julgamento: ‘’O tacógrafo estava a funcionar perfeitamente’’ (10:32); ‘’o tacógrafo não tinha qualquer anomalia’’ (10:50).

3. O que importa para efeitos do crime de falsificação de notação técnica é a interferência no processo de notação e que acabe por dar origem a um registo de notação falsa, seja um valor, peso, medida ou percurso.
4. O arguido não interferiu com o registo do tacógrafo, não produzindo, então, qualquer falsificação de notação técnica.

5. A desconformidade entre o condutor da viatura e a titularidade do cartão tacográfico não implica um desvirtuamento da operacionalidade automática do tacógrafo.

6. A actuação do arguido (utilização de cartão tacográfico de terceiro) apenas é relevante no direito contraordenacional.

7. Neste sentido se pronunciou o Tribunal da Relação de Coimbra no processo n.º 24/11.2GTCTB.C1, proferido em 29-02-2012, para consulta em www.dgsi.pt: ‘’provando-se que o arguido conduzia o veículo automóvel pesado de mercadorias, ostentando o tacógrafo um disco diagrama em nome de terceiro, tal factualidade não é constitutiva do crime de falsificação de notação técnica.

8. Deve ser o arguido absolvido do crime de falsificação de notação técnica».

Terminou pedindo que a decisão recorrida seja revogada e substituída por outra que absolva o arguido do crime pelo qual foi condenado.
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O Magistrado do Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta ao recurso, na qual pugnou pelo respectivo não provimento, formulando as conclusões a seguir transcritas.
«CONCLUSÕES:
1. Para apreciar os factos denunciados será de ter em conta os antecedentes do facto, o lugar, ocasião e o contexto em que ocorreram;

2. Foi o princípio de livre apreciação da prova e as regras da experiência comum que orientaram o digníssimo Tribunal recorrido quando decidiu condenar o arguido;

3. Da douta decisão proferida nos autos ressalta que o Tribunal a quo explicou de forma crítica por que motivo é que concluiu por um juízo de censura do arguido;

4. Pois, quanto aos elementos objectivos do tipo previsto no art. 258º do Código Penal, diga-se que a aludida interferência que se consubstanciou na introdução no tacógrafo de um cartão tacográfico pertencente a pessoa diferente do condutor do veículo, assim como se verificou que o aparelho, por virtude dessa acção, produziu uma notação técnica falsa, na medida em registou a condução do veículo por terceiro que não o arguido. Acresce que este facto não é inócuo mas antes se reveste de relevo jurídico face às normas que regulam os tempos máximos de condução seguida e as pausas obrigatórias para descanso, previstas no DL 272/89, de 19-08, ou seja, a notação da condução do veículo por terceira pessoa constitui facto juridicamente relevante, pois, permite que o condutor ultrapasse o período regulamentar de condução sem que fique registado, evitando, assim, o registo de notações técnicas que poderiam conduzir à aplicação de sanções por comportamentos integradores de ilícito contraordenacional;

5. Ao nível do elemento subjectivo, também ficou provada a actuação consciente e intencional do arguido, conhecendo a ilicitude da sua conduta;

6. Note-se, uma vez que a defesa invoca que o comportamento do arguido apenas pode configurar a pratica de conduta de natureza contra-ordenacional, que o regime legal instituído pelo DL 169/2009, prevendo a punição do condutor, a título de contra-ordenação, pela utilização do cartão de condutor por pessoa diferente do titular, ressalva a responsabilidade criminal (vd. artigo 7.º, n.º 3 alínea d) do citado diploma);

7. Assim e tendo em conta a matéria dada como provada, mostram-se preenchidos os elementos, quer objectivos, quer subjectivos, do crime de falsificação de notação técnica, previsto e punido pelo art. 258.º, n.º l, al. c) do Código Penal;

8. Em suma, a decisão recorrida está bem fundamentada, não padece do apontado erro notório na apreciação da prova e não violou qualquer preceito legal;

9. Nesta concomitância, o recurso interposto deverá ser considerado totalmente improcedente».

Terminou pedindo que se mantenha a decisão proferida.
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Nesta Relação o Exmo. Procurador-geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, aderindo aos argumentos constantes da fundamentação da sentença.
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Cumprido o artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o recorrente não respondeu.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO:
a) Na sentença foram fixados os seguintes
FACTOS PROVADOS:
Após instrução e julgamento da causa, resultaram provados os seguintes factos:
(da acusação pública)
1. No dia 16 de Junho de 2011, pelas 09:15 horas, na Estrada Nacional n.º 104, ao quilómetro 4, em Macieira da Maia, em direcção a Ribeirão, em área da comarca de Vila do Conde, o arguido B.... conduzia o veículo pesado de mercadorias formado pelo tractor com a matrícula ..-GG75, e pelo semi-reboque de matrícula C-…., pertencentes à sociedade “C….., L.da”, e de que o mesmo é legal representante, quando foi mandado parar e fiscalizado numa operação levada a cabo pelo Destacamento de Acção de Conjunto Porto, da GNR.
2. No aludido veículo encontrava-se instalado o tacógrafo digital da marca Siemens AG VDO, mod.1381.1012000007, série n.º 1178076.04.08.6, homologação n.º e1-84.
3. O referido equipamento encontrava-se activado aquando da acção de fiscalização, e verificado a 13-08-2010, no Centro de Ensaio D…., L.da, e assim válido até 13-08-2012.
4. Nessa altura, os agentes da BNR-DT, depois de abordarem o arguido, efectuaram a impressão do registo da actividade diária efectuada através do aparelho digital de controlo – tacógrafo –, com o objectivo de verificarem os períodos de condução.
5. Aí, constatou-se que a folha do tacógrafo efectuava o registo em nome de E….. e não do arguido B…...
6. De facto, o arguido B….., em local não concretamente apurado, no dia 06 de Junho de 2011, inseriu pelas 00:00 horas, introduziu no aparelho tacógrafo digital do veículo tractor com a matrícula …-GG-…, o cartão tacográfico n.º 00000000324616000, pertencente a E…., mantendo a condição de DESCANSO, até às 07:03 horas.
7. Nesse momento e dia, iniciou a condução e registo de tal condução em nome e na qualidade de E...... e não de B......, como queria.
8. Assim, os dados registados no aparelho tacográfico digital, onde ficam anotadas as indicações referentes à velocidade de circulação do veículo e ao tempo de duração da viagem, informavam e passaram a registar que aquele estava a ser conduzido por E...... e não pelo arguido B......, como efectivamente acontecia.
9. O arguido é titular da carta de condução n.º P-420118, emitida a 21-01-2011, na sequência do pedido de revalidação n.º 2011011700604000271, de 17-01-2011, bem como do cartão de tacógrafo digital com o n.º 140335000, substituído a 14-01-2010, possuindo o mesmo na data e local dos factos, mas não o utilizando, de acordo com plano previamente delineado, mas antes utilizando um cartão que habilitava a conduzir veiculo pesado equipado com tacógrafo digital, de pessoa diversa, ou seja, de E......, o qual, de resto, já fora empregado da sociedade que é legal representante o arguido.
10. O tacógrafo é um dispositivo digital que opera de modo automático, efectuando medições de velocidade e de tempo de circulação que depois é passível de impressão e controlo, para fiscalização.
11. O gráfico assim elaborado pelo tacógrafo fornece às entidades fiscalizadoras do trânsito as indicações que lhes permitem controlar as velocidades praticadas pelo condutor do veículo no percurso efectuado e o tempo decorrido entre cada período obrigatório de repouso bem como as eventuais infracções às imposições legais nessas matérias.
12. Em consequência da introdução do cartão tacográfico, o tacógrafo passa a indicar na folha de registo uma identificação correspondente ao condutor, sendo que pela conduta do arguido, que quis e conseguiu, se permite a condução por tempo indeterminado, dependente da vontade do condutor, já que, ao voltar a introduzir o seu cartão tacográfico, fará com que se inicie um novo registo de condução (como se, até aquele momento, se encontrasse parado).
13. Operando pelo modo e com os efeitos supra descritos sobre as informações registadas na memória e registos do tacógrafo, aquele sistema permitia ao arguido circular por tempos superiores aos legalmente permitidos sem ser detectado pelas entidades fiscalizadoras do trânsito, naquele como em qualquer dos outros quatro camiões explorados pela sua empresa.
14. Ao agir da forma descrita, o arguido sabia que estava a manipular o funcionamento do tacógrafo, o que pretendia, e que com esse procedimento estava a iludir o sistema de registo com informações que não correspondiam à realidade sobre a identificação do respectivo condutor e tempo de circulação do veículo, tanto mais que circulava sozinho, e sem qualquer outro condutor a acompanhar aquele, designadamente o aludido E......, que não era, então e à data dos factos, seu funcionário ou da sociedade por aquele representada.
15. O arguido possuía quer o aludido cartão, como o seu, próprio e que lhe fora legalmente atribuído, visando assim efectuar a deslocação por tempo superior ao legalmente permitido, apenas com recurso à utilização de um único condutor.
16. Com a actuação supra descrita, visou o arguido circular por períodos mais dilatados do que os legalmente previstos, bem sabendo que com a sua conduta abalava a confiança e a credibilidade que é suposto depositar nos dados electromagneticamente registados pelo tacógrafo, confiança e credibilidade essas tuteladas pelo Estado português.
17. O arguido, com o uso de cartão de documento alheio, pessoal e intransmissível, interferiu no processo automático de notação e registo do tacógrafo acima descrito, culminando no registo falso do decurso de acontecimento traduzido no exercício de condução por agente concreto, que não o arguido, só possível pela manipulação do processo automático desvirtuada pelo uso do aludido documento.
18. Ao actuar da forma descrita, utilizando um cartão de identificação alheio, o arguido agiu com intenção de se furtar à actuação fiscalizadora do Estado e, deste modo, conseguir conduzir por períodos indeterminados de tempo, o que sabia não ser permitido, e fazendo constar da notação técnica gerada automaticamente pelo tacógrafo o facto falso e juridicamente relevante de que era E...... e não o arguido quem conduzia o veículo acima identificado no período que precedeu a sua fiscalização, bem sabendo ainda prejudicar a condição do titular do cartão em causa que não poderia, ainda que quisesse, conduzir, porquanto não tinha a posse do aludido cartão.
19. O arguido agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
(da situação pessoal do arguido)
20. O arguido está desempregado, sem auferir qualquer rendimento.
21. Vive com a sua mulher, professora, que aufere cerca de €1.800,00 por mês, e com um filho de 21 anos, ainda a cargo.
22. Paga de prestação do empréstimo contraído para aquisição de habitação o valor de €900,00.
23. Estudou até ao 5.º ano da Escola Comercial e Industrial.
24. O arguido não tem antecedentes criminais.
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a) Consignou-se que inexistem factos não provados.
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b) Consignou-se a motivação da decisão de facto nos termos seguintes:
«O Tribunal fundou a sua convicção na apreciação crítica da prova produzida, concretamente:
● Na admissão que o arguido fez da quase totalidade dos factos que lhe vinham imputados na acusação trazida a juízo, excepcionando o arguido dessa admissão o conhecimento de que a sua conduta constituiria crime, porquanto era do seu entendimento que os factos em causa só representariam a prática de uma contra-ordenação, e que só levariam ao pagamento de uma multa.
Segundo o próprio, visava o arguido com a sua actuação conseguir fazer sozinho a viagem até Valência, que demorava mais do que as 10 horas que a lei permitia para uma condução por um só motorista sem descanso.
● Perante esta prestação do arguido, ouviu o tribunal as testemunhas arroladas pela acusação.
E......, o titular do cartão, trabalhou para a empresa de que o arguido foi gerente, e teve uma relação de namoro com uma filha deste. Segundo a testemunha, o cartão desapareceu da sua posse, não sabendo como chegou às mãos do arguido, pois nunca lho cedeu,
As testemunhas F…. e G….., agentes da GNR que abordaram e inspeccionaram o arguido, confirmaram também o que consta da acusação e que resultou da sua acção inspectiva, e lembrava-se a agente F…. que o arguido não mostrou surpresa quando foi constituído arguido e foi informado que o seu processo seguiria para tribunal.
● Não deu assim o tribunal crédito à versão do arguido de que teria agido como se descreve na convicção de que cometeria unicamente uma contra-ordenação. O arguido revelou estar consciente da gravidade do seu acto, e o tribunal não creu nesta postura do arguido de aligeiramento de responsabilidades, perante o nível de instrução e de conhecimentos de vida que mostrou possuir, mormente os referentes a esta actividade – de que era profissional –, e face à “sofisticação” desta conduta de recolha e uso de documento identificativo alheio para forjar registos tacográficos, e à gravidade que seguramente o arguido associou à sua prática.
● Quanto aos factos provados advenientes da acusação, considerou ainda o tribunal os relatórios do tacógrafo de fls. 10 e 11, o cartão de condutor de E...... de fls. 12 e respectivo auto de apreensão de fls. 13, informação de fls. 24 e 25, relativa à titularidade de carta de condução pelo arguido, informação da ANSR referente ao RIC do arguido de fls. 27 a 28, informação do IMTT de fls. 32 a 35, relativa às licenças de condução do arguido, informação de condutor de E….. de fls. 51 e 54 (do IMTT), e 57 (informação do IMTT relativo ao cartão tacográfico do arguido).
● O arguido fez ainda uma descrição da sua situação pessoal, no que foi complementado pelo CRC junto aos autos a fls. 152, a que o tribunal deu crédito».
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d) Apreciação do recurso
Conforme jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, sem prejuízo da apreciação de todas as matérias que sejam de conhecimento oficioso.
In casu o recurso interposto pelo arguido submete à apreciação deste tribunal a questão de saber se a factualidade apurada integra ou não os elementos típicos do crime de falsificação de notação técnica pelo qual foi condenado, insurgindo-se ainda contra a formulação factual adoptada ao considerar-se provado que «o arguido sabia que estava manipular o funcionamento do tacógrafo».
Apoia-se o arguido nos depoimentos das testemunhas F…. e G…., militares da GNR, para defender que não houve “manipulação do tacógrafo”, dado as testemunhas terem admitido que o aparelho funcionava normalmente e sem qualquer anomalia.
Sucede que, como decorre da matéria de facto provada, não foi considerado que tivesse sido detectada irregularidade técnica e/ou deficiência no funcionamento do tacógrafo, antes se mostra perfeitamente esclarecido nos factos provados que a manipulação resulta da introdução no tacógrafo do cartão de condutor alheio (facto este admitido pelo arguido), o que determinou a produção de um registo desconforme com a realidade, por não condizer a identificação do condutor aí constante com a do condutor que tripulou a viatura. Desta interpretação discorda o recorrente, mas sem razão, uma vez que ao introduzir um cartão de que não é titular o arguido interferiu no resultado produzido pelo aparelho técnico e nessa medida operou a manipulação do tacógrafo.
Por conseguinte, não se vislumbram motivos para alterar a factualidade provada, nomeadamente a formulação do facto 14, carecendo de fundamento, nessa parte, o recurso.
Igualmente se considera que a sentença procedeu ao correcto enquadramento jurídico dos factos, dado que a apurada conduta do arguido B...... integra todos os elementos constitutivos do ilícito pelo qual foi condenado.
A factualidade provada reporta-se à utilização do «cartão tacográfico», também designado de cartão de condutor, documento definido no artigo 2.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 169/2009, de 31 de Julho, como «cartão com memória destinado à utilização com o aparelho de controlo e que permite determinar a identidade do titular, armazenar e transferir dados destinados, segundo o respectivo titular, ao condutor, à empresa detentora do veículo, ao centro de ensaio e às entidades de controlo».
Por seu turno, o «aparelho de controlo» consiste no «equipamento completo destinado a ser instalado a bordo dos veículos rodoviários para indicação, registo e memorização automática ou semi-automática de dados sobre a marcha desses veículos, assim como sobre tempos de condução e de repouso dos condutores, também designado por tacógrafo, o qual pode ser analógico ou digital».
A instalação e utilização de tacógrafo digital é obrigatória nos veículos afectos ao transporte rodoviário de passageiros ou de mercadorias, matriculados em Portugal a partir do dia 1 de Maio de 2006, com excepção dos veículos enunciados no artigo 3.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março e no artigo 2.º da Portaria n.º 222/2008, de 5 de Março.
Da conjugação das normas referidas resulta inequívoco que o cartão de condutor tem como única finalidade a utilização no tacógrafo digital com vista ao registo de dados sobre o condutor, a marcha do veículo, os tempos de condução e de repouso do condutor, sendo indispensável à condução dos veículos equipados com tacógrafo digital.
Contrariamente ao defendido pelo recorrente, com apoio na tese defendida no Acórdão da Relação de Coimbra de 29-2-2012 (proc. 24/11.2TCTB.C1, disponível em www.dgsi.pt), a matéria de facto provada demonstra que ocorreu uma acção de interferência no processo de registo do tacógrafo do veículo, sendo tal ingerência produzida pela conduta do arguido.
Como é sabido, a acção típica no crime em análise há-de incidir sobre o aparelho, no caso o tacógrafo, e não sobre a própria notação, levando ao registo de resultados da notação desconformes com a realidade.
No caso sub judice, a interferência exercida no processo de registo do tacógrafo do veículo consubstanciou-se na introdução de um cartão tacográfico pertencente a pessoa diferente do efectivo condutor do veículo e foi em resultado dessa acção que o aparelho produziu uma notação técnica falsa, na medida em registou a condução do veículo por terceiro que não o arguido, seu verdadeiro condutor. Tal facto não é inócuo mas antes se reveste de relevo jurídico face às normas que regulam os tempos máximos de condução seguida e as pausas obrigatórias para descanso, previstas no DL 272/89, de 19-08, ou seja, a notação da condução do veículo por terceira pessoa constitui facto juridicamente relevante, pois, permite ao condutor ultrapassar o período regulamentar de condução sem que fique registado, evitando, assim, o registo de notações técnicas que poderiam conduzir à aplicação de sanções por comportamentos integradores de ilícito contraordenacional (vd. Acórdão desta Relação de 17/4/2013, por nós relatado, no proc. 26/12.1GTPNF.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Por conseguinte, não se sufraga o entendimento de que não foi alterado o processamento automático do aparelho por o mesmo continuar a registar normalmente o percurso da viatura, pois, os dados relativos ao percurso do veículo só assumem relevância quando associados à pessoa do condutor, como resulta nitidamente das definições legais de tacógrafo e cartão tacográfico supra referidas.
Assim, revelando-se incontroverso o preenchimento dos demais elementos objectivos e subjectivos do tipo, forçoso é concluir pela adequada subsunção jurídica dos factos operada na sentença, dando-se ainda nota que o regime legal instituído pelo DL 169/2009, apesar de prever a punição, a título de contra-ordenação, pela utilização do cartão tacográfico por pessoa diferente do titular, ressalva a responsabilidade criminal (vd. artigo 7.º, n.º 3 alínea d) do citado diploma).
Improcede, pois, o recurso.
III. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça.
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Porto, 16-10-2013
Maria dos Prazeres Silva
Coelho Vieira