I- Impugnada a decisão da matéria de facto com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação, com cumprimento dos requisitos previstos no art. 640º do NCPC, cumpre à Relação proceder à reapreciação desses meios de prova, sobre os mesmos formando a sua própria convicção nos termos do art. 662º.
II- Dissolvido, por divórcio, casamento celebrado sobre o regime de comunhão geral de bens, no que às relações patrimoniais entre os cônjuges concerne os efeitos do mesmo decorrentes têm de ser aferidos como se o casamento tivesse sido celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos [vide artigos 1788º a 1790º do CC].
III- A edificação ou remodelação de construção sobre bem próprio de um dos cônjuges com a contribuição do outro cônjuge, configura benfeitoria.
IV- No caso de benfeitorias feitas com recurso a dinheiro na pendência de casamento a que é aplicável o regime de bens de comunhão de adquiridos, na dúvida sobre a proveniência do mesmo, presume-se este comum.
V- A vantagem patrimonial adveniente de benfeitorias úteis para o titular da coisa, em caso de divórcio, confere ao outro cônjuge o direito a ver-se indemnizado, segundo as regras do enriquecimento sem causa, na medida da sua contribuição para a valorização do imóvel.
VI- Não apurado o valor do enriquecimento em concreto, deve a sua liquidação ser relegada para incidente próprio posterior.
I- Relatório
S instaurou contra C, ação declarativa sob a forma de processo comum, peticionando pela sua procedência:
a) Que seja declarado ser a autora dona e legítima proprietária do prédio identificado em 10º da p.i. ou em alternativa das benfeitorias;
b) Que seja declarado ser o prédio referido em 10º da p.i. parte integrante do acervo comum do extinto casal;
c) Que seja o R. condenado a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o referido prédio ou sobre as benfeitorias.
Para tanto e em suma alegou a A.:
- Ter sido casada sob o regime de comunhão geral de bens com o aqui R..
Casamentoeste dissolvido por divórcio decretado em 2010;
- Ter na constância do casamento recebido o R. marido por doação de seus pais o prédio urbano descrito em 10º da p.i., o qual por se encontrar em ruínas foi totalmente demolido e de novo edificado pelo casal, a suas expensas, após o casamento.
Tendo A. e R. pago todo o material nele incluído;
- O direito de propriedade sobre o referido bem advém-lhe da doação, atento o regime de casamento que vigorava entre os cônjuges.
Mesmo que se não entenda ser a totalidade do prédio comum, sempre o seriam as benfeitorias, por totalmente edificadas pelo casal a suas expensas após o casamento.
- Para além de se encontrar na posse do prédio em questão há mais de 20 anos, por si e ante possuidores, à vista de toda a gente, sem violência ou oposição de quem quer que seja, sobre ele praticando os atos próprios de proprietária.
Pelo que mais invocou a aquisição da propriedade a título originário por via da usucapião do referido prédio.
Regularmente citado, contestou o Réu em suma alegando:
- Não obstante o regime de bens que vigorou durante o matrimónio entre A. e R., a partilha subsequente a divórcio haverá de fazer-se sem que qualquer dos cônjuges receba mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão de bens;
- O prédio em questão por lhe ter sido doado é bem próprio;
- Todas as obras sobre o mesmo realizadas, foram-no com materiais fornecidos gratuitamente pela empresa de que seu pai e irmãos eram gerentes.
Tal como as máquinas e ferramentas utilizadas eram propriedade da família do R. e da referida sociedade, e a mão-de-obra foi realizada pelo R. e seus irmãos.
Concluiu assim que as benfeitorias não foram suportadas pelo ex-casal antes configuram uma doação da família do R. ao mesmo;
- No mais impugnou a factualidade alegada pela autora, incluindo a relativa à aquisição originária da propriedade.
Termos em que concluiu pela total improcedência da ação.
Do assim decidido apelou aA., oferecendo alegações e formulando as seguintes
CONCLUSÕES (que se resumem)
“(…)
3- Verifica-se, na sentença recorrida, uma incorreta apreciação da matéria de facto, quando o meritíssimo juiz “a quo” entende que resultou provado que: À data da doação o referido prédio encontrava-se em perfeitas condições de habitabilidade (Ponto 7); O seu interior apresentava todas as condições de salubridade, conservação e segurança para que ali se habitasse- nomeadamente, Autora e Réu-condignamente (Ponto 8); Apenas a sua parte exterior- fachada-apresentava sinais de relativo desgaste, consequência normal e natural do decurso do tempo (Ponto 9); Desgaste esse que não afetava, de forma alguma, as referidas condições de habitabilidade de que o prédio, àquela data, estava dotado (Ponto 10); O referido prédio havia sido habitado até cerca de seis anos antes da escritura de doação ao Réu pela irmã deste, Cândida, juntamente com o seu marido e filhas do casal (Ponto 11); Tendo também sido alvo de remodelação durante tal período de tempo (Ponto 12); Na altura em que a dita irmã do Réu, C, deixou de habitar o referido prédio, juntamente com marido e duas filhas menores, a casa apresentava-se em perfeito estado de habitabilidade (Ponto 13); O decurso de seis anos- período que mediou entre a data que a irmã do Réu e a sua família deixaram de habitar o imóvel e a data da doação do mesmo ao Réu- não foi suficiente para que a casa se transforme numa ruína, ou adquira as condições de degradação (Ponto 14).
4- Quando deveria entender, pela conjugação do depoimento das testemunhas L, do dia 15-02-2016 de minutos 15:25:12 a minutos 15:49:53, de S, do dia 15-02-2016, de minutos 16:43:17 a minutos 17:11:43, de A, do dia 17-03-2016, de minutos 15:10:21 a minutos 15:55:13, e principalmente das declarações de parte da autora, do dia 15-02-2016, de minutos 14:44:50 a minutos 15:24:15, que de facto o referido prédio não possuía condições mínimas de habitabilidade, segurança e conservação por não ser habitável há muitos anos, sendo à data constituída por meras ruínas, uma vez que a sua versão dos factos mostrou-se coerente e credível.
(...)
13- Verifica-se também, na sentença recorrida, uma incorreta apreciação da matéria de facto, quando o meritíssimo juiz “a quo” entende que resultou provado que: Os pais do Réu doaram-lhe tal casa de habitação, sem qualquer intuito de beneficiar a Autora com tal doação, no estado supra referido (Ponto 15); E o pai do Réu, em concordância com o mesmo e os restantes irmãos deste, entenderam que o prédio beneficiaria de algumas obras de remodelação no seu rés-do-chão (Ponto 16), Nomeadamente com o objetivo de que a referida parte do prédio passasse a ter construção em tijolo e não em pedra, como então se verificava (Ponto 17);
14- Quando deveria entender, pela conjugação do depoimento das testemunhas L, do dia 15-02-2016 de minutos 15:25:12 a minutos 15:49:53, de I, do dia 15-02-2016, de minutos 15:50:44 a minutos 16:06:43, de S, do dia 15-02-2016, de minutos 16:43:17 a minutos 17:11:43, e principalmente das declarações de parte da autora, do dia 15-02-2016, de minutos 14:44:50 a minutos 15:24:15 que de facto o referido prédio foi doado com o objetivo do casal fazer dele casa de morada de família, passando a residir no mesmo o casal e o seu filho menor, não tendo o pai do Réu qualquer intervenção na escolha das benfeitorias a realizar, sendo que a suas versões dos factos se mostraram coerentes, credíveis e coincidentes expondo a realidade dos factos.
(…)
24- Verifica-se ainda, na sentença recorrida, uma incorreta apreciação da matéria de facto, quando o meritíssimo juiz “a quo” entende que resultou provado que: Existia então, entre Réu, seu pai e irmãos um acordo mútuo segundo o qual, para a construção da casa de família de cada um dos filhos, todos contribuíram em igual medida, com a sua mão-de-obra, de forma totalmente gratuita (Ponto 21); Sem qualquer contrapartida que não a prestação de mão-de-obra dos demais irmãos na construção da sua própria casa (Ponto 22); Quanto a materiais aplicados nas ditas obras, eles proviriam da empresa de construção civil familiar, supra identificada “SAF-Lda.” (Ponto 23); Tratava-se de um acordo de oferenda por parte dos pais e favores recíprocos entre irmãos, em que cada irmão trabalharia gratuitamente nas obras da casa de todos os seus irmãos (Ponto 24), Aplicando nessas obras materiais (excedentários de outras obras, maioritariamente) exclusivamente provenientes da referida sociedade de construção-também ela de propriedade familiar-ou adquiridos diretamente pelo pai do Réu (Ponto 25); Sem que qualquer irmão tivesse de custear ou pagar, a expensas próprias, qualquer despesa com tais obras e edificações (Ponto 26); Já que seria o pai de todos, através da referida empresa, a suportar todos esses custos (Ponto 27); No caso concreto, foi prometido, por seu pai e seus irmãos, que também assim sucederia nas obras a realizar sobre o prédio doado ao Réu (Ponto 28); E assim sucedeu (Ponto 29);Tendo sido usados exclusivamente materiais de construção fornecidos pela empresa “SAF”, facultados gratuitamente e com o acordo do pai do Réu, do Réu e dos demais irmãos (Ponto 37); Provenientes de excedentes de outras obras da dita sociedade (Ponto 38); As máquinas e ferramentas aí utilizadas eram também propriedade da família do Réu e da referida sociedade (Ponto 39); A mão-de-obra de tais trabalhos foi realizada, pelo próprio Réu e pelos seus irmãos A, S e F (Ponto 40); A “SAF” não forneceu apenas “a maquinaria e a telha”: ofereceu, além disso, todos os demais materiais aplicados nas benfeitorias em causa. (Ponto 41)
25- Quando deveria entender, pela conjugação do depoimento das testemunhas L, do dia 15-02-2016, de minutos 15:25:12 a minutos 15;49:53, I, do dia 15-02-2016, de minutos 15:50:44 a minutos 16:06:43, de J, do dia 15-02-2016, de minutos 16:08:15 a minutos 16:42:18, de S, do dia 15-02-2016, de minutos 16:43:17 a minutos 17:11:43, de A, do dia 17-03-2016, de minutos 15:10:21 a minutos 15:55:13, de L, do dia 17-03-2016, de minutos 15:55:17 a minutos 16:28:27, e principalmente das declarações de parte da autora, do dia 15-02-2016, de minutos 14:44:50 a minutos 15:24:15, que de facto o trato entre o pai do Réu e seus irmãos apenas dizia respeito á gratuitidade da mão-de-obra na construção da casa até ao telhado, sendo que todos os materiais, quer os utilizados no esqueleto da obra, quer os utilizados posteriormente nos acabamentos, foram adquiridos pelo casal, aqui Autora e Réu, única e exclusivamente.
(…)
43- Verifica-se também, na sentença recorrida, uma incorreta apreciação da matéria de facto, quando o meritíssimo juiz “a quo” entende que resultou provado que: Ainda antes da formalização da escritura de doação, o pai do Réu, o Réu e os seus irmãos, já haviam acordado nas obras que, segundo o sistema supra descrito, seriam realizadas sobre o prédio doado (Ponto 30); Como tal, o irmão do Réu de nome A concebeu o projeto de obras a realizar (Ponto 31); E assim, mesmo antes da celebração do negócio de doação em causa, já a família do Réu havia procedido a alguns trabalhos sobre o imóvel (Ponto 32); Nomeadamente os trabalhos de limpeza e desmatagem do terreno (Ponto 33); A demolição das cortes destinadas ao gado (Ponto 34); E a edificação de um muro em pedra, destinado á vedação do terreno em causa, que acabou por ser demolido posteriormente (Ponto 35); O referidos trabalhos de remodelação no prédio ficaram concluídos apenas após a celebração da escritura de doação (Ponto 36);
44- Quando deveria entender, pela conjugação do depoimento das testemunhas I, do dia 15-02-2016, de minutos 15:50:44 a minutos 16:06:43, de S, do dia 15-02-2016, de minutos 16:43:17 a minutos 17:11:43, e principalmente das declarações de parte da autora, do dia 15-02-2016, de minutos 14:44:50 a minutos 15:24:15 que de facto o referido prédio a escolha das obras a realizar bem como o início das mesmas foi posterior à celebração da escritura de doação, sendo que o projeto foi realizado pelo irmão do Réu S e não pelo irmão A, sendo que a versão dos factos trazida pelas testemunhas mostrou-se coerente, credível e coincidente o que revela a veracidade dos depoimentos.
(…)
50- Atento o exposto, verifica-se pois uma nulidade da sentença recorrida, nos termos do art. 615 n.º 1 alínea c), do Código de processo Civil, uma vez que o tribunal a quo, na sua fundamentação de facto e de direito, não tomou em consideração as afirmações proferidas pelas testemunhas L, I, J e S fundamentais para uma boa decisão da causa.
(…)
56- Entende a aqui recorrente, que os concretos pontos de facto incorretamente julgados e dados como não provados, foram os seguintes: Aquando da doação o prédio encontrava-se em ruínas e foi completamente demolido, ficou só uma cave e alicerce da casa antiga; As benfeitorias foram totalmente edificadas pelo casal, a suas expensas, e após o casamento; Após demolição do mesmo o casal procedeu reconstrução, sem processo de obras, foi feito o que se chama “Feito à Candonga.”; Que Autora e Réu pagaram todo o material, que foi adquirido na empresa Materialia.
57- No que concerne aos pontos 1,2 e 4 dos factos não provados, a Autora remete desde já para o referido anteriormente e as respetivas transcrições por uma questão de economia processual e por se tratar de factos já referidos anteriormente de modo extenso, pelo que considera que ficou cabalmente, pela prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, que os concretos pontos deveriam ter sido dados como provados.
58- Já no que concerne ao disposto no ponto 3 dos factos não provados, revela-se essencial o depoimento da testemunha S e as declarações de parte da Autora.
61- Pelo exposto, facilmente se comprova que a obra foi realizada sem licença, não se compreendendo, decisão diversa uma vez que resultou cabalmente provado pelas declarações das partes que tiveram intervenção direta neste facto.
62- Ao decidir em contrário, à matéria de facto alegada e provada em audiência de julgamento, a sentença violou por erro na apreciação da prova o disposto no artigo 662, n.º 1 do NCPC
(…)
65- Houve, pois, erro notório na apreciação da prova a legitimar a modificação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 662.º, do Código de Processo Civil.
(…)
81- Entendeu ainda o tribunal a quo o pai da Autora declarou que deu a quantia de 3.000,00€ à filha para ajudar à construção da casa, tendo no entanto ficado com dúvidas se tal quantia foi para pagar o custo da boda ou se foi para ajudar a filha com vista à construção da habitação.
82- Contudo, salvo o devido respeito, a A. não pode concordar com semelhante conclusão uma vez que a testemunha referiu que deu a quantia de 10.000,00€ e não de 3.000,00€ a título de ajuda ao casal para a construção da casa.
(…)
87- Não se compreende por isso, uma vez que o Réu não prestou declarações e a prova testemunhal arrolada se revelou bastante contraditória entre si, como o tribunal a quo, atendendo aos depoimentos das testemunhas arroladas pela A. quer as próprias declarações de parte, não deu como provada a existência da realização de benfeitorias por parte do casal a suas expensas.
88- Verificando-se que ao não considerar provada a situação acima descrita, resultou uma situação de enriquecimento sem causa ( artº 473º C.Civ.) por banda do Réu, o que sempre implicaria a condenação do Réu na restituição do valor pertencente à A. – metade do valor a título de benfeitorias, acrescida de quantia a título de juros e outros encargos.
89- Ao decidir em contrário, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 473º do Código Civil.
90- Acresce ainda que ao decidir em contrário à matéria de facto alegada e provada em audiência de julgamento, a sentença violou por erro na apreciação da prova o disposto no artigo 662, n.º 1 do NCPC
91- Houve, pois, erro notório na apreciação da prova a legitimar a modificação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 662.º, do Código de Processo Civil.
92- Deverá pois ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogada a decisão recorrida, e substitua a decisão recorrida por outra de acordo com a prova produzida.”.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC [Código de Processo Civil] – resulta das formuladas pelos apelantes serem as seguintes as questões a apreciar:
1) Nulidade da sentença nos termos do artigo 615º n.º 1 al. c) [vide conclusão 50];
2) erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
3) erro na aplicação do direito, como consequência da pugnada alteração da decisão da matéria de facto.
III- Fundamentação
Na sentença sob recurso foram dados como provados os seguintes factos:
“1.-A A. e o R. contraíram casamento no dia 22 de Agosto de 1998, sob o regime da comunhão geral de bens. (cfr. doc. n.º 1 junto a fls. 12 e 13)
2.- Na constância do casamento, por escritura de doação celebrada em 14 de Novembro de 2001, no Cartório Notarial de Ponte de Lima, o Réu recebeu por doação de seus pais, o seguinte prédio (cfr. doc. n.º2 junto a fls. 14 a 16):
a) Prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e primeiro andar, com logradouro, sito no Lugar de Regueira, Freguesia de Vitorino das Donas, do Concelho de Ponte de Lima, inscrito na matriz predial sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … da Freguesia de Vitorino das Donas, com o valor patrimonial de € 970,48. (cfr.doc. n.º 3 e 4 juntos a fls.17 a 19).
3.-Conforme consta no assento de casamento, Autora e Réu foram casados em primeiras núpcias de ambos, sob o regime da comunhão geral de bens.
4.- Tal prédio foi doado ao Réu na constância do casamento.
5.- Sucede que o casamento entre A. e R. foi dissolvido por divórcio homologado em 28 de Maio de 2010, (cfr. doc. 5 junto a fls. 24 a 26).
6.- Na partilha realizada após divórcio do casal, o extinto casal não se conciliou no que toca à inclusão do prédio no acervo comum do casal, conforme processo que correu trâmites sob processo o n.º… juízo, deste Tribunal (cfr. doc. 6 junto a fls. 20 a 23).
7.- À data da doação a referido prédio encontrava-se, em perfeitas condições de habitabilidade.
8.- O seu interior apresentava todas as condições de salubridade, conservação e segurança para que ali se habitasse - nomeadamente, Autora e Réu - condignamente.
9.-Apenas a sua parte exterior - fachada - apresentava sinais de relativo desgaste, consequência normal e natural do decurso do tempo.
10.- Desgaste esse que não afetava, de forma alguma, as referidas condições de habitabilidade de que o prédio, àquela data, estava dotado.
11. -O referido prédio havia sido habitado até cerca de seis anos antes da escritura de doação ao Réu pela irmã deste, C, juntamente com o seu marido e filhas do casal.
12.- Tendo também sido alvo de remodelação durante tal período de tempo.
13.- Na altura em que a dita irmã do Réu, C, deixou de habitar o referido prédio, juntamente com marido e duas filhas menores, a casa apresentava-se em perfeito estado de habitabilidade.
14.- O decurso de seis anos - período que mediou entre a data que a irmã do Réu e sua família deixaram de habitar o imóvel e a data da doação do mesmo ao Réu - não foi suficiente para que a casa se transforme numa ruína, ou adquira as condições de degradação.
15.- Os pais do Réu doaram-lhe tal casa de habitação, sem qualquer intuito de beneficiar a Autora com tal doação, no estado supra referido.
16.- E o pai do Réu, em concordância com o mesmo e restantes irmãos deste, entenderam que o prédio beneficiaria de algumas obras de remodelação no seu rés-do-chão,
17.- Nomeadamente com o objetivo de que a referida parte do prédio passasse a ter construção em tijolo e não em pedra, como então se verificava.
18.- Àquela data, o pai do Réu era sócio-gerente da empresa de construção S, A e F,, a par dos seus filhos S e A (cfr. certidão permanente junta como doc. nº 1 a fls. 44 a 49).
19.- Para a qual o Réu e irmãos prestavam o seu trabalho.
20.-Não obstante tal partilha formal da gerência, era o pai do Réu quem, de facto, ocupava o topo da hierarquia e tomava as decisões relativas aos destinos da referida empresa, com prevalência sobre todos os seus filhos, incluindo os também sócios-gerentes S e A.
21.- Existia então, entre Réu, seu pai e irmãos um acordo mútuo segundo o qual, para a construção da casa de família de cada um dos filhos, todos contribuiriam em igual medida, com a sua mão-de-obra, de forma totalmente gratuita.
22.- Sem qualquer contrapartida que não a prestação de mão-de-obra dos demais irmãos na construção da sua própria casa.
23.-Quanto a materiais aplicados nas ditas obras, eles proviriam da empresa de construção civil familiar, supra identificada "SAF-Lda.".
24.- Tratava-se de um acordo de oferenda por parte dos pais e favores recíprocos entre irmãos, em que cada irmão trabalharia gratuitamente nas obras da casa de todos os seus irmãos.
25.- Aplicando nessas obras materiais (excedentários de outras obras, maioritariamente) exclusivamente provenientes da referida sociedade de construção - também ela de propriedade familiar - ou adquiridos diretamente pelo pai do Réu.
26. Sem que qualquer irmão tivesse de custear ou pagar, a expensas próprias, qualquer despesa com tais obras e edificações,
27.- Já que seria o pai de todos, através da referida empresa, a suportar todos esses custos.
28.- No caso concreto, foi prometido, por seu pai e seus irmãos, que também assim sucederia nas obras a realizar sobre o prédio doado ao Réu.
29.- E assim foi.
30.-Ainda antes da formalização da escritura de doação, o pai do Réu, o Réu e os seus irmãos, já haviam acordado nas obras que, segundo o sistema supra descrito, seriam realizadas sobre o prédio doado.
31.- Como tal, o irmão do Réu de nome A concebeu o projeto de obras a realizar.
32.- E assim, mesmo antes da celebração do negócio de doação em causa, já a família do Réu havia procedido a alguns trabalhos sobre o imóvel.
33.-Nomeadamente os trabalhos de limpeza e desmatagem do terreno,
34.- A demolição das cortes destinadas ao gado,
35.- E a edificação de um muro em pedra, destinado à vedação do terreno em causa, que acabou por ser demolido posteriormente.
36.- Os referidos trabalhos de remodelação no prédio ficaram concluídos apenas após a celebração da escritura de doação.
37.- Tendo sido usados exclusivamente materiais de construção fornecidos pela empresa "SAF", facultados gratuitamente e com o acordo do pai do Réu, do Réu e demais irmãos.
38.- Provenientes de excedentes de outras obras da dita sociedade.
39.-As máquinas e ferramentas aí utilizadas eram também propriedade da família do Réu e da referida sociedade.
40.- A mão-de-obra de tais trabalhos foi realizada, pelo próprio Réu e peloseus irmãos A, S e F.
41.- A "SAF" não forneceu apenas "a maquinaria e a telha": ofereceu, além disso, todos os demais materiais aplicados nas benfeitorias em causa.”
Foram ainda dados como não provados os seguintes factos(que por nós vão numerados, para melhor facilidade de referência):
“1- Aquando da doação o prédio encontrava-se em ruínas e foi completamente demolido, ficou só uma cave e alicerce da casa antiga.
2- As benfeitorias foram totalmente edificadas pelo casal, a suas expensas, e após o casamento.
3- Após a demolição do mesmo o casal procedeu reconstrução, sem processo de obras, foi o que se chama "Feito à candonga".
4- Que Autora e Réu pagaram todo o material, que foi adquirido na empresa Materialia.”
1)Em função do supra decidido, cumpre apreciar em primeiro lugar da invocada nulidade da sentença, nos termos do artigo 615º n.º 1 al. c) do CPC.
Dispõe o citado artigo:
“1 - É nula a sentença quando:
(…)
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;”
Tal como resulta da conclusão 50) das alegações de recurso da recorrente, fundamenta esta a arguida nulidade nos seguintes termos:
“(…) verifica-se pois uma nulidade da sentença recorrida, nos termos do art. 615 n.º 1 alínea c), do Código de processo Civil, uma vez que o tribunal a quo, na sua fundamentação de facto e de direito, não tomou em consideração as afirmações proferidas pelas testemunhas L, I, J e S fundamentais para uma boa decisão da causa.”.
Ou seja do seu desacordo quanto à decisão da matéria de facto por desconsideração de depoimentos que a recorrente entende relevantes e subsequente decisão de direito, extrai a mesma a invocada nulidade.
Atento o fundamento que enquadra a nulidade invocada e que se extrai da al. c) do artigo em menção supra transcrita, é manifesto que o alegado pela recorrente para fundamentar a nulidade não encontra na lei qualquer apoio.
Na verdade o pela recorrente alegado para o efeito tem relevo apenas em sede de reapreciação da decisão da matéria de direito, local onde será considerado.
Termos em que se conclui pela improcedência da invocada nulidade.
2) Reapreciação da decisão da matéria de facto.
Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662ºdo CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.
Tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.os 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.os 4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis. Fazendo ainda [vide António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2ª ed. 2014, anotação ao artigo 662º do CPC, págs. 229 e segs. que aqui seguimos como referência]:
-uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide artigo 349º do CC), sem prejuízo do disposto no artigo 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;
-ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no artigo 607º n.º 4 última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objeto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância).
Importa ainda ter presente que é ónus dos recorrentes apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pedem a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.
I- pela alteração dos factos provados, por forma a
a) dos elencados sob os n.ºs 7 a 14, ser antes provado:
“o referido prédio não possuía condições mínimas de habitabilidade, segurança e conservação por não ser habitável há muitos anos, sendo à data constituído por meras ruínas”
b) dos elencados sob os n.ºs 15 a 17 ser antes provado:
“o referido prédio foi doado com o objetivo do casal fazer dele casa de morada de família, passando a residir no mesmo o casal e o seu filho menor, não tendo o pai do Réu qualquer intervenção na escolha das benfeitorias a realizar”
c)dos elencados sob os n.ºs 21 a 29 e 37 a 41 ser antes provado:
“o trato entre o pai do Réu e seus irmãos apenas dizia respeito à gratuitidade da mão-de-obra na construção da casa até ao telhado, sendo que todos os materiais, quer os utilizados no esqueleto da obra, quer os utilizados posteriormente nos acabamentos, foram adquiridos pelo casal, aqui Autora e Réu, única e exclusivamente.”
a)dos elencados sob os n.ºs 30 a 36 ser antes provado:
“a escolha das obras a realizar bem como o início das mesmas foi posterior à celebração da escritura de doação, sendo que o projeto foi realizado pelo irmão do Réu S e não pelo irmão A”.
II- E pela alteração dos factos não provados, que deverão passar a provados.
Foram ouvidos os depoimentos gravados - A. em declarações e depoimento de parte e testemunhas; analisada a prova pericial produzida, bem como a prova documental junta aos autos.
Do relatório pericial(vide fls. 138/139 e 152 a 158) importa realçar:
- o valor atribuído à construção, tal qual a mesma se encontrava à data em que a Sra. perita se deslocou ao local – em 08/10/2015 - € 86.500,00, tendo em conta os trabalhos e áreas descritas, bem como o tipo de materiais utilizados (excluído portanto o valor do terreno).
- a menção a partes da obra inacabada, nomeadamente compartimento destinado a instalação sanitária no 1º andar, “não acabada e sem loiças sanitárias”; bem como no exterior alpendre sem acabamento; e ainda corpo da garagem de um só piso, com teto, paredes e pavimento sem acabamentos.
Dos documentos juntos aos autos, releva mencionar o seguinte:
- escritura de doação celebrada em 14/11/2001 (vide fls. 14 a 16 dos autos) do prédio urbano em causa nos autos a favor do aqui R. pelos seus pais e por conta da respetiva legítima, com a ressalva de qualquer excesso ser imputado na quota disponível dos doadores (desta se havendo de extrair a intenção dos doadores);
- assento de casamento de fls. 12/13 de onde se extrai que A. e R. casaram em 22/08/1998 (tendo portanto a doação ocorrido 3 anos depois do casamento). Tendo o mesmo averbado o divórcio decretado por decisão transitada de 28/05/2010;
- ata do inventário para partilha de bens em que foi requerente a aqui A. e requerido o aqui R. de 31/10/2012 onde é feita menção à existência de passivo relacionado do extinto casal a J (pai do R.); bem como de dívida ao credor A (irmão do R.) - vide fls. 20 a 23 dos autos.
Os elementos acima realçados (tanto da prova pericial como documental) são importantes porquanto e conforme infra se deixará exposto, enquadram em parte os depoimentos prestados e, com estes conjugados, justificam a alteração parcial da decisão de facto em apreciação.
Ouvida a A. em declarações de parte afirmou em suma que o prédio doado tinha uma construção em ruínas que por tal foi demolida e de novo construída (obras em 2004/2005). Sendo que todos os materiais foram por si e marido pagos com: poupanças do casal - 5 mil contos (ou seja 25 mil euros); 10 mil euros que o pai da A. lhe deu; 2500 euros provenientes da venda de uma viatura; tendo o resto sido pago à medida que recebiam do seu ordenado.
Disse ainda ser a própria quem pagava e assinava os cheques com que ia pagar o material ao fornecedor “Materialia”.
No que ao estado de ruínas da construção pré-existente concerne, importa referir que nenhuma testemunha o confirmou.
Por outro lado e sobre o estado da construção [vide factos 7) a 10) e 12) a 14) dos factos provados] dos depoimentos testemunhais resulta:
- as testemunhas L (irmã da A.), I (amiga da A.) eJ (pai da A.) sobre este assunto nada disseram em concreto que o confirmasse;
- a testemunha S que auxiliou na execução da obra (mão de obra) e inclusive sugeriu à A. e R. e fezo “desenho” da casa a remodelar que aceitaram o mesmo [conforme o próprio o disse, em contrário nada tendo sido dito, nomeadamente pelo irmão A que não invocou a autoria de qualquer desenho ou projeto], referiu apenas que a “casa ainda dava para habitar”. Não tendo concretizado, para além do referido, o estado da casa, impõe esta declaração em primeiro lugar afastar o alegado estado de ruína. Sem prejuízo de e para além desta afirmação nada mais em concreto se poder extrair das suas declarações, nomeadamente as “perfeitas condições de habitabilidade”; o estado interior ou exterior da construção ou ainda o desgaste que apresentava.
Note-se que esta testemunha esclareceu que naquela casa viveu até 1990 e durante 4 anos. Após de lá sair, conforme esclareceu, foi para lá viver sua irmã M, igualmente testemunha que o confirmou.
- M, irmã do R., disse ter saído da casa em 97 ou fins de 96 onde viveu com seu marido e duas filhas, ou seja cerca de cinco anos antes da escritura de doação.
Perguntada sob o estado da casa disse que quando da mesma saiu a casa tinha condições para lá viver [sem referir em concreto as condições da mesma], não sendo em 97 umas ruínas.
Nada foi falado sobre remodelação anterior à em causa nos autos.
Porque após 97 não mais se deslocou à casa, dizendo desconhecer até se foi a mesma limpa ou arrumada desde então e até à realização da obras em causa nos autos, impõe-se concluir que do seu depoimento tão pouco se pode inferir outros pormenores sobre o estado da habitação à data quer da doação, quer à data em que os A. e R. decidiram iniciar as obras, demolindo o existente para além da cave e logo alicerces, para cima tudo fazendo de novo [conforme neste ponto confirmado desde logo pelas testemunhas do R.A e S].
Neste contexto e para além da autora, cujo depoimento tem de ser devidamente enquadrado na demais prova produzida atento o natural interesse que na decisão da causa tem, apenas a testemunha S se pronunciou de forma direta sobre o estado da casa à data do início das obras, demonstrando conhecimento sob esta questão, nos termos já referidos – “dava para viver” ou seja, ali era possível viver, entendido no contexto do seu depoimento à data em que iniciam as obras (logo se depreendendo que à data da doação, pelo menos se verificava idêntica situação).
Assim e perante a prova produzida, tem de ser alterada a redação dada aos factos provados 7) a 14) [este último aliás de redação conclusiva que como tal sempre mereceria reparo por via da eliminação], por forma a dos factos provados ficar a constar:
“7) À data da doação era possível viver no prédio referido em 2) dos factos provados;
11) O referido prédio havia sido habitado até cerca de 5 anos antes da escritura de doação ao R. pela irmã deste, C, juntamente com o marido e filhas do casal.
13) Na altura em que a dita irmã do R., C, deixou de habitar o referido prédio juntamente com marido e duas filhas menores, a casa tinha condições para lá viver.”
Os factos 8), 9), 10) e 12) dos factos provados, passarão para os não provados.
O facto 14) é eliminado por a sua redação ser conclusiva.
Improcedendo no mais, a redação sugerida pela recorrente por tão pouco demonstrada neste ponto.
Pugnou ainda a recorrente pela alteração da redação dada aos pontos 15) a 17) dos factos provados.
Diga-se desde já que a redação por si sugerida não corresponde a factualidade por si alegada, pelo que não pode a mesma agora ser incluída na factualidade provada.
De qualquer modo, a factualidade incluída em tais pontos dos factos provados merece reparo.
Em primeiro lugar sob a intenção dos pais do R. – “sem qualquer intuito de beneficiar a autora” [vide 15) dos factos provados], nenhuma testemunha se pronunciou de forma expressa neste sentido, do qual e nomeadamente se pudesse concluir merecer a declaração contida na escritura sentido diverso do deduzível por um declaratário normal.
A vontade declarada de doar ao filho [esta já mencionada em 4) dos factos provados], por conta da quota disponível, terá de ser interpretada, oportunamente, de acordo com o sentido normal da declaração.
Sem prejuízo desta interpretação, o em tal escritura declarado é coisa diversa da intenção expressa de não beneficiar a autora.E sobre este ponto não foi feita prova cabal do mesmo.
A qual tão pouco se pode inferir do facto de o prédio em questão se destinar a casa de morada de família (da A., R. e filho).
A implicar que o ponto 15) dos factos provados, será eliminado dos mesmos, passando para os não provados.
Tão pouco foi feita prova cabal do referido em 17) dos factos provados. As testemunhas sobre tal não se pronunciaram.
Motivo porque o ponto 17) dos factos provados é igualmente eliminado, passando para os factos não provados.
Finalmente e no que respeita ao ponto 16) dos factos provados, para além do que consta como provado em 21) e seguintes [sem prejuízo da apreciação que sobre estes recairá] nada mais foi referido, nomeadamente a concordância e entendimentoreferidos em 16), motivo porque igualmente se elimina o ponto 16) dos factos provados que passará para os não provados.
Impugnou ainda a recorrente a resposta dada aos pontos 21) a 29) e 37) a 41), relativo às obras executadas e valores pagos pelo casal.
Como de início referido, a A. afirmou que pagaram todos os materiais e que os irmãos do R. e a empresa de construção da família apenas deram a mão-de-obra e maquinaria e só até à telha (ou seja o esqueleto da casa).
Tendo portanto todo o material e mão-de-obra para o interior sido pago por si e marido.
Como já supra referido, disse a A. que para o efeito contou com as poupanças do casal - 5 mil contos (25 mil euros); acrescido de 10 mil euros que o seu pai lhe deu; e ainda 2500 euros provenientes da venda de uma viatura. Tendo o resto sido pago à medida que recebiam do seu ordenado.
Mais disse ser a própria quem pagava e assinava os cheques com que ia pagar o material ao fornecedor “Materialia”.
Em sentido contrário ao da A. depuseram:
- M (irmã do R.) – dizendo que de acordo com o que ouviu [sem conhecimento direto portanto] foi a empresa dos irmãos (SAF) quem suportou todos os custos da reconstrução porque A. e R. não tinham dinheiro;
- A(irmão do R.) [então sócio e atual “dono” da SAF” conforme se intitulou] afirmou terem feito mais do que o esqueleto. Disse terem feito também acabamentos, nomeadamente aplicando azulejos e gesso. Questionado, disse não saber (por exemplo) se aplicaram torneiras e louças, ou armários (por referência a WC e cozinha).
Mais disse que a sua casa foi construída toda pela SAF, tal como a do S e J – em conformidade com o que era acordo familiar entre todos os filhos e pai estipulado - pelo que não havia motivo para no caso do R. C ser diferente.
Referiu ainda dificuldades económicas do casal – A. e R. – para justificar que todos os materiais foram pagos pela SAF ou pelo pai – quando as faturasvinham ao consumidor final, isto é em nome do irmão aqui R..
- L, irmã mais nova do R., igualmente referiu as dificuldades económicas do casal; a construção da casa com dinheiro da empresa – em cumprimento do acordo que havia entre o pai e os irmãos - motivando esta afirmação com contas da SAF onde chegou a ver despesas da casa, incluindo gessos. Tendo inclusive visto faturas em nome do C mas que diz foram pagas com dinheiro da SAF, conforme livro de caixa [neste ponto divergindo da afirmação do irmão A que referiu haver pagamentos pelo pai relacionados precisamente com as faturas em nome do irmão/consumidor final].
Assim afirmando a convicção de que o irmão/ casal, nada pagou/pagaram, atentas as dificuldades económicas dos mesmos.
Dificuldades que motivaram, conforme o referiu, empréstimos dos irmãos ao C (quando este voltou de França onde esteve emigrado sem conseguir amealhar dinheiro), ainda hoje devendo o C dinheiro ao A [a menção a dificuldades económicas será consentânea com a dívida relacionada no inventário e mencionada supra no doc. de fls. 20 a 23 dos autos. Contudo desconhece-se a origem desta].
Pressuposto deste depoimento é pois o de que foi a SAF, dentro do alegado acordo que havia entre todos os irmãos e pai, que suportou todos os custos de materiais da casa em causa nos autos e que o casal com nada contribuiu para a sua execução (esta testemunha deu ainda nota de entretanto e atento o tempo decorrido, terem já sido destruídos documentos da SAF relativos a estas despesas).
Encontra esta versão dos factos, contudo, alguns obstáculos que colocaram de forma justificada em causa a sua credibilidade, em toda a sua amplitude.
Desde logo a ser verdade que a SAF executara toda a construção da casa – acabamentos incluídos –suportando os respetivos custos, não se entenderia então a razão porque à data da perícia ainda estavam acabamentos por executar.
Tivesse sido tudo feito e esta situação não se verificaria.
Por outro lado, a testemunha S referiu que a SAF apenas fez o esqueleto – obra em 2004/2005 - e nada mais.
Este depoimento – conjugado com os acabamentos ainda por realizar - é mais consentâneo com os depoimentos das testemunhas da A. L, I e em especial J, pai da A..
Embora em concreto não soubessem especificar valores despendidos, disseram as duas primeiras de acordo com o que falaram como casal (ou no caso da primeira, de acordo também com o que acompanhou a irmã) que o casal foi pagando despesas de material (referindo-se a toda a obra) e mão-de-obracomo pichelaria oueletricidade, com as suas poupanças, sem prejuízo de não saber quantificar estas.
Mencionaram ainda os 10.000,00 entregues pelo pai da A. para fazer face às despesas.
O pai da A., por sua vez em depoimento, confirmou essa mesma entrega. Importa referir que o seu depoimento mereceu total credibilidade pela coerência e aparente isenção com que foi prestado. Tanto que de forma veemente e por a tal ser instado mais do que uma vez, disse ter dado o dinheiro ao casal – filha e então genro – para fazerem face às despesas da construção da casa que era para os dois, nomeadamente já no enchimento (o que é consentâneo com as declarações da testemunha S e com os acabamentos ainda por finalizar).
Mencionou em concreto ter o casal suportado as despesas com o carpinteiro (portanto já na fase dos acabamentos) altura em que lhe pediram o dinheiro que disse ter entregue em três tranches; tendo ainda referido ter a filha pago um furo – 150 contos (ou seja 750 euros).
No mais e sem concretizar valores, disse que foi o casal pagando alguns valores a prestações, nomeadamente ao carpinteiro, conforme iam trabalhando os dois e ganhando.
Afirmou desconhecer quem pagou os materiais, nomeadamente para a construção do esqueleto da casa – este feito pelos irmãos do R..
Destes depoimentos conjugados nos termos acima analisados e porque tal é conforme as regras da experiência no que respeita à vida em comum de um casal, entende-se ter sido feita prova cabal de que tanto A. como R. suportaram na verdade despesas na construção da sua casa, pelo menos no que respeita a acabamentos, tanto a nível de material como a nível de mão-de-obra, em valor não apurado.
No mais e atentos os depoimentos contraditórios prestados, não foi feita prova cabal de quem suportou os custos dos materiais do esqueleto [total ou parcialmente] pelo que nesta parte tal tem de resultar não provado [seja na versão apresentada pela A., seja na versão apresentada pelo R.].
Note-se que a credibilidade dos depoimentos dos irmãos do R., com exceção do irmão Salvador, ficou desde logo abalada pela versão pelos mesmos apresentada de que os custos da construção integral havia sido suportada pela empresa SAF (e/ou pai na versão da testemunha A) quanto aos materiais e mão-de-obra (acabamentos incluídos portanto).
Neste contexto, apesar de a testemunha e irmão S, ter afirmado que os custos do material para o esqueleto foram pagos pela SAF e na sua totalidade, atenta a existência de depoimentos contraditórios não só da parte das testemunhas da A. que referiram ter esta invocado pagamentos dos materiais pelo casal, mas mesmo entre as testemunhas do R. [na medida em que a testemunha A referiu que o pai também efetuou pagamentos quando se tratava de faturas ao consumidor final; tendo as irmãs referido os pagamentos só pela SAF], perante a inexistência de outros meios probatórios que o sustentem, considera-se desta versão não ter sido feita prova cabal.
Sem prejuízo do acordo quanto à mão de obra existente entre os familiares e que se deu como apurado, no caso do prédio em causa nos autos limitado ao esqueleto; tal como apurado se mantém a utilização da maquinaria para a execução do esqueleto e o fornecimento da telha pela “SAF”, realidade esta aceite pela A. desde logo, e aliás não questionada por qualquer testemunha.
Em conformidade e de acordo com a prova produzida, impõe-se que a matéria de facto ora em apreciação seja reformulada nos seguintes termos:
Os factos constantes dos n.ºs 23, 25, 26 a 29, 37 e 38 passam a ser não provados.
O facto constante do n.º 39 passa a ter a seguinte redação:
“As máquinas e ferramentas utilizadas nos trabalhos de remodelação do prédio, no que ao esqueleto concerne eram propriedade da sociedade “SAF”.
O facto constante do n.º 40, passa a ter a seguinte redação:
“A mão-de-obra dos trabalhos de remodelação no prédio foi realizada pelo próprio R. e seus irmãos no que ao esqueleto concerne”.
O facto constante do n.º 41, passa a ter a seguinte redação:
«A “SAF” forneceu pelo menos a maquinaria e a telha».
Mantém-se a redação dada aos factos provados sob os n.ºs 21 e 22, 24 e 39.
Assim procede em parte a pretendida alteração da A. quanto a estes pontos da matéria de facto.
Finalmente impugnou a recorrente a resposta dada aos pontos 30 a 36 dos factos provados, relativa aos trabalhos executados e momento em que os mesmos foram levados a cabo.
Atenta a prova produzida e acima já analisada, temos que desta factualidade não foi feita prova cabal dos pontos 30 e 32 a 35.
Nenhuma testemunha depôs por forma a confirmar de forma clara esta factualidade por referência ao momento temporal a que estes factos se reportam (antes da celebração da doação).
Do ponto 36 o que está provado e se apurou é que as obras foram realizadas após a outorga da escritura de doação – em 2004/2005 referiu a testemunha S (tal como a autora). Quanto à conclusão, atento o facto de ainda hoje estarem acabamentos por finalizar, entende-se ser de retirar a mesma deste ponto dos factos provados.
Como tal este ponto 36 merece uma nova redação do seguinte teor:
“Os trabalhos de remodelação no prédio foram realizados após a celebração da escritura de doação.”
Finalmente e no que respeita ao ponto 31 dos factos provados, em função do que a própria testemunha S esclareceu – dizendo que apenas fez um “desenho”, sem que tenha sido realizado e aprovado projeto de obras– impõe-se a sua retificação por forma a do mesmo ficar a constar:
“O irmão do R.,S, fez o desenho com base no qual foi realizada a remodelação do prédio, sem que tenha sido apresentado e aprovado projeto de obras.”
Atento o que acima já foi apreciado e explicado, quanto aos factos não provados:
- Por referência aos pontos 2 e 4 dos factos não provados, impõe-se ainda que para os factos provados passe o seguinte
“Dos trabalhos de remodelação operados no prédio referido em 2) dos factos provados, A. e R. suportaram os custos de material e mão-de-obra referentes aos acabamentos que no mesmo foram executados, após finalizado o esqueleto, em valor não apurado.”
- Por referência ao ponto 1 dos factos não provados e em função do supra exposto, é de manter nos factos não provados o constante do ponto 1 (1º período). Já o segundo período resultou apurado, nos termos dos depoimentos já supra referidos e como tal vai introduzido nos factos provados;
- Finalmente o ponto 3 dos factos não provados (excluída a parte final por conclusiva) igualmente foi já introduzido nos factos provados, no que à reconstrução sem processo de licenciamento concerne.
Procede assim parcialmente a pretensão da A. em sede de reapreciação da matéria de facto.
***
7)À data da doação era possível viver no prédio referido em 2) dos factos provados;
8) O referido prédio havia sido habitado até cerca de 5 anos antes da escritura de doação ao R. pela irmã deste, C, juntamente com o marido e filhas do casal.
9) Na altura em que a dita irmã do R., C, deixou de habitar o referido prédio, juntamente com marido e duas filhas menores, a casa tinha condições para lá viver.
10)Àquela data, o pai do Réu era sócio-gerente da empresa de construção S, A e F, a par dos seus filhos S e A (cfr. certidão permanente junta como doc. nº 1 a fls. 44 a 49).
11) Para a qual o Réu e irmãos prestavam o seu trabalho.
12)Não obstante tal partilha formal da gerência, era o pai do Réu quem, de facto, ocupava o topo da hierarquia e tomava as decisões relativas aos destinos da referida empresa, com prevalência sobre todos os seus filhos, incluindo os também sócios-gerentes S e A.
13) Existia então, entre Réu, seu pai e irmãos um acordo mútuo segundo o qual, para a construção da casa de família de cada um dos filhos, todos contribuiriam em igual medida, com a sua mão-de-obra, de forma totalmente gratuita.
14) Sem qualquer contrapartida que não a prestação de mão-de-obra dos demais irmãos na construção da sua própria casa.
15)Tratava-se de um acordo de oferenda por parte dos pais e favores recíprocos entre irmãos, em que cada irmão trabalharia gratuitamente nas obras da casa de todos os seus irmãos.
16)O irmão do R.,S, fez o desenho com base no qual foi realizada a remodelação do prédio referido em 2), sem que tenha sido apresentado e aprovado projeto de obras.
17)Os trabalhos de remodelação no prédio foram realizados após a celebração da escritura de doação.
18)As máquinas e ferramentas utilizadas nos trabalhos de remodelação do prédio, no que ao esqueleto concerne, eram propriedade da sociedade “SAF”.
19)A mão-de-obra dostrabalhos de remodelação no prédio, foi realizada pelo próprio Réu e seus irmãos no que ao esqueleto concerne.
20) A "SAF" forneceu pelo menos a “maquinaria e a telha.
(factos aditados e provenientes dos não provados)
21) Dos trabalhos de remodelação operados no prédio referido em 2) dos factos provados, A. e R. suportaram os custos de material e mão-de-obra referentes aos acabamentos que no mesmo foram executados, após finalizado o esqueleto, em valor não apurado.
22) Para a execução da remodelação foi a anterior construção demolida, com exceção da cave e alicerces.
Factos não provados(após reapreciação da matéria de facto):
i)O interior do prédio referido em 2) apresentava à data da doação todas as condições de salubridade, conservação e segurança para que ali se habitasse - nomeadamente, Autora e Réu - condignamente.
ii)Apenas a sua parte exterior - fachada - apresentava sinais de relativo desgaste, consequência normal e natural do decurso do tempo.
iii)Desgaste esse que não afetava, de forma alguma, as referidas condições de habitabilidade de que o prédio, àquela data, estava dotado.
iv) Tendo também sido alvo de remodelação durante o período de tempo referido em 8).
v) Os pais do Réu doaram-lhe tal casa de habitação, sem qualquer intuito de beneficiar a Autora com tal doação, no estado supra referido.
vi) E o pai do Réu, em concordância com o mesmo e restantes irmãos deste, entenderam que o prédio beneficiaria de algumas obras de remodelação no seu rés-do-chão,
vii)Nomeadamente com o objetivo de que a referida parte do prédio passasse a ter construção em tijolo e não em pedra, como então se verificava.
viii)Quanto a materiais aplicados nas ditas obras, eles proviriam da empresa de construção civil familiar, supra identificada "SAF-Lda.".
ix) Aplicando nessas obras materiais (excedentários de outras obras, maioritariamente) exclusivamente provenientes da referida sociedade de construção - também ela de propriedade familiar - ou adquiridos diretamente pelo pai do Réu.
x) Sem que qualquer irmão tivesse de custear ou pagar, a expensas próprias, qualquer despesa com tais obras e edificações,
xi) Já que seria o pai de todos, através da referida empresa, a suportar todos esses custos.
xii) No caso concreto, foi prometido, por seu pai e seus irmãos, que também assim sucederia nas obras a realizar sobre o prédio doado ao Réu.
xiii) E assim foi.
xiv)Ainda antes da formalização da escritura de doação, o pai do Réu, o Réu e os seus irmãos, já haviam acordado nas obras que, segundo o sistema supra descrito, seriam realizadas sobre o prédio doado.
xv) E assim, mesmo antes da celebração do negócio de doação em causa, já a família do Réu havia procedido a alguns trabalhos sobre o imóvel.
xvi)Nomeadamente os trabalhos de limpeza e desmatagem do terreno,
xvii)A demolição das cortes destinadas ao gado,
xviii)E a edificação de um muro em pedra, destinado à vedação do terreno em causa, que acabou por ser demolido posteriormente.
xix)Tendo sido usados exclusivamente materiais de construção fornecidos pela empresa "SAF", facultados gratuitamente e com o acordo do pai do Réu, do Réu e demais irmãos.
xx) Provenientes de excedentes de outras obras da dita sociedade.
xxi)Aquando da doação o prédio encontrava-se em ruínas.
Em função do acima decidido e da alteração operada na matéria de facto, cumpre apreciar de direito, sendo certo que o tribunal não está vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [vide artigo 5º nº 3 do CPC], sem prejuízo do limite imposto pelo artigo 609º quanto ao objeto e quantidade do pedido e sem prejuízo ainda da delimitação objetiva do recurso, aferida em função das conclusões das alegações (artigos 635º nºs 3 e 4 e 639º do CPC).
Das conclusões de recurso resulta que a autora restringiu o recurso ao pedido por si formulado relativo às benfeitorias aludido sob as alíneas a) ec).
Apreciando a pretensão da recorrente importa em primeiro lugar ter presente que tendo a mesma sido casada com o R. sob o regime de comunhão geral de bens, veio este casamento a ser dissolvido por sentença de divórcio de maio de 2010.
Como consequência do divórcio assim decretado, temos que e no às relações patrimoniais entre os cônjuges concerne, os efeitos do mesmo decorrentes têm de ser aferidos como se o casamento tivesse sido celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos [vide artigos 1788º a 1790º do CC].
Do regime assim aplicável, extrai-se que o prédio urbano doado pelos pais do R. ao R. e por conta da sua quota disponível [conforme declarado na escritura de doação], na pendência do seu casamento com a aqui A. é bem próprio do mesmo – artigo 1722º n.º 1 al. b) do CC.
Com relevo para a questão em apreciação, dispõe ainda o artigo 1723º do CC que conservam a qualidade de bens próprios:
(…)
“c) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.”
Em consonância com as exigências deste normativo, para efeitos da demonstração da qualidade de bem próprio das benfeitorias feitas com dinheiro próprio de um dos cônjuges, e por contraposição ao mesmo, estabelece o artigo 1725º do CC uma presunção de comunicabilidade dos bens móveis, que se consideram comuns, quando “haja dúvidas sobre a comunicabilidade” dos mesmos.
Assim e quando em causa estejam benfeitorias feitas com dinheiro, na dúvida sobre a proveniência do mesmo, presume-se este comum.
Assente este enquadramento jurídico, importa então aferir do direito que a autora reclama sobre as obras executadas em tal prédio.
Não se reconduzindo a qualidade de cônjuge à noção de terceiro – critério subjetivo distintivo entre acessão e benfeitoria - tem vindo a ser entendimento jurisprudencial dominante com apoio na doutrina [vide neste sentido Ac. RC de 05/02/2013, Relator Jorge Arcanjo in www.dgsi.pt/jtrc e jurisprudência ali citada] – que a edificação de casa por ambos em cônjuges em terreno propriedade de apenas um deles tem de ser tratado como benfeitoria.
Enquanto remodelação – acentuada, atentas as grandes alterações executadas no prédio em causa nos autos, pois que se manteve apenas cave e alicerces – implica a mesma um melhoramento sobre a coisa, constituindo enquanto tal uma benfeitoria, tal como decorre do artigo 216º n.º1 do CC [sobre o conceito de benfeitoria e modo de regular a vantagem patrimonial dela adveniente por parte do possuidor em benefício do titular através do regime estabelecido pelos artigos 1273º a 1275º do CC cfr. José Alberto Vieira in “Direitos Reais”, edição de 2016, p. 180/181].
Atento o critério de distinção fornecido pelo legislador no artigo 216º n.º 3 entre benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias (artigo 216º do CC), no confronto com a factualidade provada, tem a obra de remodelação em causa nos autos de ser integrada nas benfeitorias úteis [não se provou nomeadamente que em causa estivesse o risco de perecimento ou deterioração do imóvel].
Sendo caso evidente, pela própria natureza da obra, que o levantamento das benfeitorias sobre bem próprio do R. implicariam o detrimento da coisa, fica o titular beneficiário das mesmas – in casu o aqui R. - obrigado a satisfazer ao possuidor o valor daquelas, calculado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa [artigo 1273º n.º 2 do CC].
Conforme resulta dos factos provados e não provados, embora a A. tenha alegado que todo o material em tal obra utilizado e assim incorporado no prédio foi pago pelo casal, apenas logrou provar que na pendência do casamento e após a doação, foram realizadas obras em tal prédio com vista à sua remodelação, das quais e no que aos acabamentos concerne, após finalizado o esqueleto, foi o custo do material e mão-de-obra suportado pelo casal. Este de valor não apurado.
No que ao “esqueleto”do prédio respeita, provou-se que a mão-de-obra foi executada pelo R. e seus irmãos de forma totalmente gratuita, no âmbito de um acordo de entreajuda entre todos estabelecido entre o R., seus irmãos e pai, num contexto, portanto de favores recíprocos.
Quanto a material, apenas se provou que a maquinaria para a execução da obra (esqueleto) foi fornecida pela “SAF” (empresa familiar) que igualmente forneceu a telha.
No mais não se provou nem que A. e R. pagaram o demais material utilizado, nem tão pouco se provou a versão invocada pelo R. de que todo o material, como aliás a mão-de-obra foram oferecidos quer pelo pai do R. e/ou pela “SAF” com intuito de doação e em exclusivo a favor do R..
À A. incumbia fazer a prova da sua contribuição, o que apenas logrou relativamente aos acabamentos, nos termos já supra referidos.
Atenta a presunção estabelecida no artigo 1725º do CC e não afastada, há que presumir que o dinheiro para o efeito despendido era comum.
A medida da restituição a que o R. está obrigado perante aA., corresponderá como tal a metade do valor aportado ao imóvel por força dos acabamentos nele executados [após esqueleto]. Por tal ser o limite do enriquecimento do aqui R. [cfr. artigo 479º do CC sobre o objeto da restituição].
Nos autos foi realizada perícia.
Nesta foram avaliadas as benfeitorias – construção na sua totalidade – excluindo o terreno – em € 86.500,00, de forma global.
A percentagem deste valor que corresponde à valorização aportada ao imóvel na execução dos acabamentos não está descriminada.
Impõe-se nesta medida condenar o R. a reconhecer o direito da A. ao valor correspondente a ½ do valor aportado ao imóvel de sua pertença, por força dos acabamentos nele executados.
A tal não obstando o pedido genérico de condenação do R. “ao reconhecimento da A. sobre as benfeitorias” [cfr. ainda neste sentido o já citado Ac. do TRC e jurisprudência ali citada sobre este tema].
Valoreste a liquidar em incidente de liquidação, nos termos do artigo 609º n.º 2 e 358º n.º 2 do CPC.
Procede assim parcialmente a pretensão da recorrente.
Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).
I- Impugnada a decisão da matéria de facto com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação, com cumprimento dos requisitos previstos no art. 640º do NCPC, cumpre à Relação proceder à reapreciação desses meios de prova, sobre os mesmos formando a sua própria convicção nos termos do art. 662º.
II-Dissolvido, por divórcio, casamento celebrado sobre o regime de comunhão geral de bens, no que às relações patrimoniais entre os cônjuges concerne os efeitos do mesmo decorrentes têm de ser aferidos como se o casamento tivesse sido celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos [vide artigos 1788º a 1790º do CC].
III- A edificação ou remodelação de construção sobre bem próprio de um dos cônjuges com a contribuição do outro cônjuge, configura benfeitoria.
IV- No caso de benfeitorias feitas com recurso a dinheirona pendência de casamento a que é aplicável o regime de bens de comunhão de adquiridos, na dúvida sobre a proveniência do mesmo, presume-se este comum.
V- A vantagem patrimonial adveniente de benfeitorias úteis para o titular da coisa, em caso de divórcio, confere ao outro cônjuge o direito a ver-se indemnizado, segundo as regras do enriquecimento sem causa,na medida da sua contribuição para a valorização do imóvel.
VI- Não apurado o valor do enriquecimento em concreto, deve a sua liquidação ser relegada para incidente próprio posterior.
IV- Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação.
Em consequência erevogando parcialmente adecisão sob recurso decidem:
I-Condenar o R. a reconhecer à aqui A. o direito ao valor correspondente a ½ do valor aportado ao imóvel de sua pertença e referido em 2) dos factos provados, por força dos acabamentos nele executados após finalizado o esqueleto, conforme referido em 21) dos factos provados.
II- Valor este a liquidar em incidente posterior.
III- Quanto ao mais mantém-se a absolvição do R. do pedido.
IV-Custas da ação e do recurso na proporção de ½ para a A. e ½ para o R. (sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido).
Guimarães, 2017-02-23.
(Alexandra Maria Rolim Mendes)
(Maria Purificação Carvalho)