UNIÃO DE FACTO
DISSOLUÇÃO
COMPROPRIEDADE
REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS DO CASAL
Sumário

I - Verifica-se uma omissão legal quanto ao destino dos bens adquiridos na constância de uma união de facto quando esta se dissolve.
II - Podendo os companheiros acordar na compropriedade dos bens, o certo é que a compropriedade não se presume, nem pode aplicar-se analogicamente o regime previsto para a separação de bens do casal.

Texto Integral

Processo 68/11.4TVPRT.P1

Recorrente – B….
Recorridas – C… e D….
Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

1 – Relatório:
1.1 – O processo na 1.ª instância
B… instaurou a presente ação declarativa com processo ordinário e, demandando as rés C… e D…, formulou os seguintes pedidos (considerando-se já a alteração formulada na réplica, e que foi aceite, aos pedidos a) e b) da petição inicial): a) Se declare que a 1ª ré interveio na escritura de aquisição do imóvel sito na Rua …, nº …/… no Porto, (correspondente ao prédio urbano com a descrição 2321 da 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto (descrição em Livro N.º 3731, Livro Nº 11), inscrito na matriz sob o art. U-2120 da freguesia …) como mandatária sem representação do autor e a ré (seja) condenada a transferir o referido prédio para o autor, ou, em alternativa, caso se entenda não ser admissível a execução específica em sede do mandato sem representação, ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de 720.000.00€, montante correspondente ao valor atual do referido imóvel, com juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento; b) Se declare que as rés intervieram na abertura de conta bancária nº 0088 7250 0179 no E… como mandatárias sem representação do autor e (sejam) condenadas a transferir para o autor os depósitos poupança, fundos de investimento e demais valores existentes na referida conta bancária, no montante de 395.551,21€, atualizado com os respetivos juros bancários remuneratórios à presente data, e com juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, ou, em alternativa, caso se entenda não ser admissível a execução específica em sede do mandato sem representação, serem as rés condenadas a pagar ao autor a quantia de 395.551,21€, com juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento; c) Ser a 1ª ré condenada a restituir ao autor os bens móveis que se encontram na moradia sita na Rua …, nº …, …, Porto, descritos no art. 139 da petição inicial por lhe pertencerem exclusivamente.
Subsidiariamente, relativamente aos pedidos formulados em a) e b) - Caso se entenda que os factos alegados nesta sede não consubstanciam um mandato sem representação, sempre deverá: d) A 1ª ré ser condenada a restituir ou pagar ao autor a quantia de 720.000.00€, montante correspondente ao valor atual da moradia sita na Rua …, acima melhor identificada, com juros de mora desde a citação até integral pagamento, com base na extinção da união de facto e consequente enriquecimento sem causa da 1ª ré; e) As 1ª e 2ª rés condenadas a restituir ou pagar ao autor a quantia de 395.551,21 Euros, atualizada com os respetivos juros bancários remuneratórios à presente data, referente a depósitos poupança, fundos de investimento e demais valores existentes na conta bancária nº ………… no E…, com base na extinção da união de facto e consequente enriquecimento sem causa das rés, com juros de mora desde a citação até integral pagamento.

O autor, fundamentando as suas pretensões, veio dizer o que ora se sintetiza:
- O prédio urbano em que o autor e a 1ª corré habitaram, enquanto perdurou a situação de união de facto em que viveram até ao mês de fevereiro de 2009, e onde a aludida ré atualmente habita, embora esteja registado em nome desta, foi pago integralmente pelo demandante, o mesmo se passando com a conta bancária que identifica, a qual, embora seja titulada pelas rés, foi constituída exclusivamente com dinheiro do autor, bens estes (imóvel e valores depositados) que as rés se recusam a entregar ou restituir e o autor pretende reaver com a presente ação.
- O autor e a 1.º ré mantiveram uma relação de facto, desde 1964 a fevereiro de 2009 e, não obstante as frequentes ausências do autor, nomeadamente no estrangeiro, mantiveram uma vida normal (dormiam no mesmo leito, tinham relações amorosas, tomavam refeições juntos e partilhavam alguns interesses comuns), tendo nascido dois filhos (F… e D…) dessa relação. Foi sempre o autor quem pagou as despesas do casal e dos filhos. Entretanto, a relação amorosa entre os dois (autor e 1.ª ré) foi-se desvanecendo e durante todo aquele período de relacionamento houve outros de separação e reconciliação. No início de 1998, o autor iniciou uma relação amorosa com outra mulher, mas em 1999 reconciliou-se com a 1.ª demandada e, depois disso sucederam-se períodos de separação e reconciliação, até que, em 2009, agravado o relacionamento, a 1.ª ré resolveu mudar a fechadura da casa sita na Rua …, local onde habitavam, e assim pondo fim à relação existente.
- O autor acordou com a 1ª corré que aquele prédio urbano seria comprado em nome desta, de modo a que o património do autor ficasse protegido dos credores da H…, Lda., da qual era sóciogerente, assumindo a ré a obrigação de transmitir a propriedade da casa para o demandante logo que já não houvesse problemas com os avales por este prestados à banca, relativamente a financiamentos que haviam sido contraídos pela citada sociedade.
- Apesar de a 1ª corré reconhecer que a casa, efetivamente, pertence ao autor, vem-se recusando a transferir para este a respetiva propriedade e também a entregar-lhe o recheio que se encontra nessa casa, composto por bens que o autor herdou de seus pais e por bens que adquiriu exclusivamente com o seu dinheiro.
- O autor acordou com as rés que as suas poupanças, no montante de quatrocentos mil euros, fossem depositadas numa conta bancária onde constariam apenas as rés como titulares, o que foi feito para pôr a salvo esse património da mulher com quem o autor manteve uma relação amorosa no ano de 1998, comprometendo-se aquelas (rés) a restituir-lhe os fundos depositados nessa conta logo que a mulher com quem o autor manteve o aludido relacionamento amoroso desaparecesse definitivamente da sua vida e deixasse de lhe pedir dinheiro.
- No entanto, apesar de as demandadas reconhecerem que os valores depositados naquela conta bancária pertencem exclusivamente ao autor, vêm-se recusando a devolver-lhe esses valores.

Com a petição, o autor juntou os documentos constantes de fls. 99 a 229. As rés foram citadas e, depois de pedirem o alargamento do prazo de oposição, contestaram (conjuntamente) a fls. 247 e ss.

Na contestação, as rés começam por excecionar a prescrição do direito (de crédito) à transmissão resultante do mandato sem representação alegadamente subjacente ao contrato de compra e venda da casa da Rua … e, bem assim, a prescrição do direito à restituição do alegado enriquecimento sem causa, sendo certo que – defendem - a união de facto que existiu entre o autor e a 1ª corré cessou, não na data avançada pelo demandante, mas em agosto de 2005. As rés defendem-se, ainda, por exceção dilatória, considerando que existe falta de causa de pedir para os pedidos de restituição fundados no enriquecimento sem causa, posto que o autor não alegou quaisquer factos que substanciem, autonomamente, a inexistência de causa para o enriquecimento que vem imputar às contestantes. Também advogam a inexistência de causa de pedir para os pedidos de reconhecimento de propriedade, dado que o autor não alegou qualquer facto de que possa retirar-se o efeito jurídico de aquisição de qualquer direito real sobre a casa da Rua … e sobre os fundos existentes na conta bancária do E…. As rés contestam, igualmente, por impugnação. Alegam que a 1ª corré contribuiu financeira, económica e organizativamente para a vida em comum com o autor, adiantando que entre o autor e aquela foi acordado que a casa da Rua … ficaria definitivamente para a contestante, sem que houvesse lugar a quaisquer restituições, em espécie ou em dinheiro, e que, em relação às quantias depositadas no E…, as mesmas foram utilizadas, conforme acordado entre as partes, para sustento e educação da 2ª corré e também para financiar parte dos gastos regulares e quotidianos da família.

O autor, depois de também requerer a ampliação do prazo, veio replicar no articulado de fls. 283 e ss., aí procedendo – como já se referiu – à alteração aos pedidos a) e b), formulados na petição. Na réplica o autor responde às diversas exceções suscitadas pelas rés.

Treplicaram as rés (fls. 346/347), atenta a alteração dos pedidos, mas concluíram essencialmente nos moldes da contestação.

Realizou-se audiência preliminar (fls. 351/352) e a instância foi suspensa a requerimento das partes. No prosseguimento dos autos, proferiu-se despacho saneador onde se fixou o valor da causa (1.165.551,21€), se conheceram as exceções que, nessa ocasião, era possível conhecer[1] e se relegaram as restantes para conhecimento a final[2]. Na mesma ocasião fixou-se a matéria de facto assente e organizou-se base instrutória.

Procedeu-se a julgamento nos termos que as diversas atas documentam. A base instrutória obteve as respostas constantes de fls. 597 e ss e, conclusos os autos, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e absolveu as rés dos pedidos formulados pelo autor.

1.2 – Do recurso:
Inconformado, o autor veio apelar. Junta, "nos termos do disposto no art. 524.º e 693.º-B do Código de Processo Civil, 1 documento, em virtude de se revelar necessário face ao alegado pelas recorridas na contestação e ser superveniente à ação" e pretende que, reapreciada a prova, sejam alteradas diversas respostas à base instrutória e que, com diversa aplicação do direito, seja revogada a sentença recorrida e substituída por acórdão que julgue procedentes as pretensões por si deduzidas na ação. Apresenta as seguintes conclusões:
Relativamente à matéria de facto
I – Do fim da união de facto entre o recorrente e a recorrida C… (nº 1 e nº 2 da BI)
1ª) A douta decisão de facto apenas teve em consideração os depoimentos prestados pelas testemunhas das recorridas, I…, J…, K… e F…, não valorando nesta sede os documentos juntos aos autos nem os depoimentos das testemunhas indicadas pelo recorrente que provam que a união de facto só terminou em 2009.
A) Depoimento da testemunha F…, filho do autor
2ª) Quanto à testemunha indicada pelas recorridas F…, que é filho do autor, disse aos costumes estar de relações cortadas com o pai ora recorrente (depoimento prestado em 29-11-2012 das 14:49:01 às 16:10:58), embora minimizando a gravidade dessas más relações, pois não mencionou o facto de o seu pai ter apresentado uma queixa-crime contra o filho por ameaças à sua integridade física, conforme alegado pelo recorrente a fls. 565/571 dos autos e que não foi refutado pelas rés.
3ª) Aliás, a forma desprimorosa e rancorosa com que esta testemunha falava do pai, ora recorrente, e enaltecia exageradamente as qualidades da mãe, ora recorrida, é uma constante do seu depoimento e uma evidência da sua parcialidade, chegando ao ponto de dizer falsamente de modo rancoroso e intolerante, que a senhora que teve uma relação com o recorrente em 1998/1999 era uma "PROSTITUTA", uma "TIPA ENCARTADA PROFISSIONAL" (depoimento da testemunha F… de 29-11-2012, ao minuto 27:36 a 28:36)
4ª) Para vir reconhecer a mágoa que tem perante o recorrente, ao dizer que o pai nunca lhe prestava atenção nem lhe dava nada (depoimento da testemunha F… de 29-11-2012, minuto 27:29 a 28:16), o que não é verdade, pois foi o pai que o iniciou na via profissional de arquiteto, recebendo-o no seu gabinete e dando-lhe trabalho e sociedade (vd. registo comercial junto a fls. 141 a 143), etc., como foi confirmado pela testemunha M… – vd. depoimento desta testemunha prestado em 10-10-2012 das 15:28:31 às 16:03:08, ao tempo 13:09 a 13:52.
5ª) Para além disto, o facto desta testemunha ter reconhecido que se encontra atualmente e desde 2009 a habitar na casa da Rua … (depoimento prestado em 29-11-2012 das 14:49:01 às 16:10:58 ao tempo 34:38 a 34:50) e admitindo inclusivamente que está de relações cortadas com o pai, evidencia que a testemunha tem um interesse direto e antagónico ao do recorrente, pois, sendo o motivo desta ação a entrega da casa ao recorrente, na procedência da ação esta testemunha terá necessariamente de a abandonar, face às péssimas relações entre ambos.
6ª) Acresce que o filho do autor, no decorrer da sua inquirição, quando questionado pelo Meritíssimo Juiz acerca da proveniência dos 402.446,06 Euros existentes numa conta do E… que tem por titulares a sua mãe e a sua irmã (alínea F) da Matéria Assente), disse de modo evasivo que “não sou muito atento a contas e dinheiros” (depoimento prestado em 29-11-2012 das 14:49:01 às 16:10:58, ao tempo 01:16:20 a 01:16:27) e que não conhece em rigor as contas bancárias dos pais (vd. tempo 01:17:53 a 01:18:2).
7ª) Perante este depoimento, o autor, no seu requerimento junto a fls. 545 a 547 dos autos, alegou que a quase totalidade do saldo daquela conta do E… identificada na alínea F) da Matéria Assente, mais concretamente 313.000,00 Euros, foi levantado em numerário dessa conta logo no dia a seguir à 1ª ré ter sido citada da ação dos autos, e ato contínuo depositado numa conta do E… aberta em nome da testemunha F…, que não podia assim desconhecer os valores existentes na conta do E…, o que as recorridas nem sequer refutaram, limitando-se a responder que representa "um depósito bancário em nome da testemunha; e nada mais além disso", tentando minimizar a gravidade da situação.
8ª) Ou seja, a testemunha F…, por ser filho e por estar de relações cortadas com o pai, por quem continua a revelar uma mágoa e um rancor injustificados, "está perto demais", e é "demasiado interessado", o que o impede de depor com isenção e com o afastamento necessário, tal como decorre do seu depoimento, o qual não pode assim ser valorado para prova dos nºs 1 e 2 da Base Instrutória nem para qualquer outra matéria a que depôs.
B) Depoimento da testemunha J…
9ª) Relativamente a esta testemunha das rés (depoimento, prestado em 29-11- 2012 das 10:42:06 ás 11:08:46), residente em Lisboa desde a altura dos factos que se discutem nesta ação, apenas usou como referência para determinar a data do fim da união de facto, a sua vinda de Lisboa ao Porto para o casamento da 2ª ré, que teve dificuldade em situar no tempo, referindo que o autor não estaria em casa na data do casamento porque viu o autor a entrar em casa para tirar fotografias com a filha, não se recordando contudo se entrou com as suas chaves, tendo admitido que nos últimos dez anos apenas vem duas vezes por ano ao Porto, o que é bastante inconclusivo e insuficiente para se aferir da data do fim da união de facto – vd. depoimento prestado em 29-11-2012 das 10:42:06 às 11:08:46, ao tempo 10:34 a 12:59.
C) Depoimento da testemunha I…, sogra da 2ª ré
10ª) A testemunha das rés I…, a qual referiu ser sogra da 2ª ré (depoimento prestado em 29-11-2012 das 14:36:34 ás 14:48:16), entrou constantemente em contradição, tal como resulta do seu depoimento, acabando por lhe “fugir a boca para a verdade”, ao admitir que não tinha conhecimento de nada, pois quem lhe terá dito que o autor tinha saído de casa foi a testemunha “N…”, amiga da ré C… e que disse ser sua professora, da qual contudo nem sequer sabia o apelido, conforme consta do seu depoimento, ao minuto 03:36 a 04:30.
D) Depoimento da testemunha L…, empregada doméstica ao serviço da ré C…
11ª) Por fim, e no que respeita à testemunha das rés L…, (depoimento prestado em 29-11-2012 das 11:09:41 ás 11:27:24) que é empregada doméstica ao serviço da ré C…, decerto por temor reverencial, “tomou o partido da patroa”, depondo contra a verdade e caindo em diversas contradições que retiram credibilidade ao seu depoimento.
12ª) O tom e o modo como depôs, com total falta de convicção e respondendo evasivamente na contrainstância, revelam que esta testemunha estava altamente comprometida naquilo que dizia, “lembrando-se” sempre que o autor terá saído de casa em 2005, mas já não se lembrando se foi em 2009 que a ré C… mudou as fechaduras da casa, apesar de reconhecer que a patroa mudou as fechaduras... (vd. depoimento prestado em 29-11-2012 das 11:09:41 às 11:27:24)
13ª) Acresce que esta testemunha, L…, referiu na contrainstância que a casa da Rua … tem um alarme, que foi montado em 2008 e que o autor não tem o código do alarme, não podendo entrar em casa – vd. depoimento prestado em 29-11-2012 das 11:09:41 a 11:27:24, ao tempo 11:49 a 12:08, e 12:14 a 12:27.
14ª) Perante esta afirmação da sobredita testemunha, o autor, de imediato e por requerimento ditado em audiência de julgamento (vd. fls. 537 dos autos), forneceu o código do alarme ao tribunal, que a testemunha filho do autor e da 1ª ré, a instâncias do Tribunal, veio a admitir estar correto (vd. depoimento da testemunha F… prestado em 29-11-2012 das 14:49:01 às 16:10:58, ao tempo 01:00:03).
15ª) E a testemunha L… tornou a faltar à verdade quando, a instâncias do mandatário do autor, afirmou que os bens do autor, que recebeu de herança de seus pais, nomeadamente o faqueiro de prata, móveis, quadros, etc., não se encontram na casa da Rua … desde 2005 (vd. Depoimento gravado em 29-11-2012 das 11:09:41 a 11:27:24), pois a testemunha F…, acabou por ter que reconhecer, na acareação a que foi sujeito com a testemunha M…, que esses bens (faqueiro de prata, móveis, etc.), são provenientes da herança do autor e que ainda se encontram na cada da Rua … - vd. acareação desta testemunha realizada em 24- 01-2013 das 09:49:25 às 10:16:39, ao tempo 22:50 a 24:37.
E) Dos depoimentos das testemunhas do recorrente, que provam que a união de facto entre autor e 1ª ré só terminou em inícios de 2009
16ª) Na versão das testemunhas das rés, o recorrente, em agosto de 2005, simplesmente sumiu, prescindindo de livre vontade de uma habitação condigna, tendo todas estas testemunhas o “cuidado” de não dizer para onde é que o autor foi viver - e não o disseram porque sabem que o recorrente nunca chegou a sair de casa, apenas foi impedido de entrar a partir de 2009 porque a ré C… mudou as fechaduras de casa sem lhe dar a mínima justificação...
17ª) Por isso é que o autor lhe escreveu em 28-02-2010 a carta junta a fls. 130 a 132 a pedir-lhe as novas chaves da casa e para continuar a habitar nela e a ter acesso a toda a sua documentação e bens pessoais que na mesma se encontram, documento que não sequer foi impugnado pelas rés.
18ª) A verdade é que, sendo impedido pela ré C… de habitar a casa que sempre habitou, o autor teve que ir viver - como disse a testemunha O…, sua irmã e que o tem amparado nestas horas difíceis – em condições precárias no gabinete de arquitetura onde trabalha, que dista cerca de 100 metros da casa da Rua ….
19ª) Como referiu esta testemunha, o autor dividia a sua vida profissional entre Guimarães e o Porto, indo constantemente a Guimarães para ajudar a família da ré C… num negócio de bombas de combustível, explorado pela sociedade P…, o que levou o autor a ir diariamente a Guimarães, ficando inclusivamente diversas vezes a dormir em Guimarães para evitar o cansaço de ir e vir do Porto todos os dias – vd. depoimento de O…, gravado em 10- 10-2012, das 9:59:17 às 11:57:14 ao tempo 33:54 a 37:56.
20ª) O facto de o recorrente ir e vir do Porto para Guimarães tratar dos assuntos da gasolineira, ficando por vezes a dormir em Guimarães, como referiu a testemunha O… no seu depoimento acima identificado, era uma situação normal, aceite pela ré C… e pelo autor, já que este, com tais deslocações e trabalho, estava a ajudar a família dela.
21ª) Na verdade, e como oportunamente alegado nos artigos 80 a 83 da réplica junta a fls. 282 e seguintes dos autos, o recorrente, com o objetivo de ajudar na subsistência da família da ré C…, investiu num negócio de exploração de combustíveis localizado em Guimarães, pertencente à sociedade P…, Lda., a qual estava numa situação económica difícil, tendo o autor inclusivamente emprestado a essa sociedade pertencente a familiares da sua ex-companheira C…, a quantia de 21.000.000$00, tal como consta do contrato promessa de cessão de quotas junto a fls. 333 a 336 dos autos, documento que não foi impugnado pelas recorridas
22ª) Aliás, e tal como também decorre do aludido contrato promessa de cessão de quotas junto a fls. 333 a 336 dos autos, a gestão da sociedade P…, LDA ficou desde logo assegurada pelo autor e pela ré C….
23ª) Significa isto que as idas para Guimarães do autor foram consensuais com a ré C… e no interesse de ambos, não consubstanciando pois, qualquer abandono pelo autor da sua morada na casa da Rua …, nem o fim da relação de facto entre o “casal”
24ª) Para além disto, a testemunha O…, referiu ter estado presente numa escritura realizada em junho de 2008 (vd. escritura de fls. 449 a 455) e que o autor veio para a mesma, acompanhado da ré C… – vd. depoimento realizado em 10-10-2012, das 9:59:17 às 11:57:14, ao minuto 20:01 a 24:19.
25ª) A testemunha O… referiu no seu depoimento que a ré C… mudou a fechadura da casa da Rua … em 2009, impedindo o recorrente de lá entrar (depoimento realizado em 10-10-2012, das 9:59:17 às 11:57:14, ao tempo 01:13:53 a 01:14:29 e ao tempo 01:40:45 a 01:44:01).
26ª) Acresce que a testemunha M…, que viveu cerca de oito anos em união de facto com o filho da ré C… e que conhece bem a realidade da família, tendo inclusivamente vivido na cada da Rua …, referiu no seu depoimento que em 2008 viu o autor e a 1ª ré C… a saírem juntos da casa da Rua …, para irem de automóvel ao Q… para tratarem de um empréstimo, sendo a sua perceção perante o que assistiu, que a relação entre autor e ré C… durou até finais de 2008 inícios de 2009 e só terminou verdadeiramente quando esta mudou as fechaduras da porta – vd. depoimento, realizado em 10-10-2012, das 15:28:31 às 16:03:08 ao tempo 06:24 a 07:14 e ao tempo 07:35 a 09:07.
27ª) Perante o sobredito depoimento, o recorrente diligenciou junto do Q…, tendo obtido junto desta instituição uma declaração que juntou aos autos a fls. 465 e que atesta que o empréstimo em que figura como titular o autor, foi liquidado em 07-07-2008, o que corrobora o depoimento da testemunha M…, documento que aliás não foi impugnado pelas rés.
28ª) Mais tendo referido a testemunha M… que os seus filhos ficavam na casa da Rua … porque a escola era lá perto, e que os ia lá diariamente buscar, e que encontrava na casa o recorrente, as recorridas e o filho F… - Depoimento prestado em 10-10-2012 das 15:28:31 às 16:03:08), ao tempo 29:18 a 31:33.
29ª) Tendo esta testemunha inclusivamente esclarecido que o recorrente estava diversas vezes em Guimarães a trabalhar, mas que vinha diariamente ao Porto, e que a relação entre autor e 1ª ré, foi uma relação pouco convencional, caracterizada por altos e baixos, e que o “casal” terá convivido nestas circunstâncias até inícios de 2009, quando a ré C… procedeu à mudança das fechaduras da casa - vd. depoimento da testemunha M…, prestado em 10-10-2012 das 15:28:31 às 16:03:08, ao tempo 29:18 a 31:33.
30ª) Aliás, a própria testemunha L…, que é empregada doméstica ao serviço da ré C…, acabou por reconhecer no seu depoimento que foi a ré C… que mudou as fechaduras, não querendo contudo dizer em que data... (vd. Depoimento da testemunha prestado em 29-11-2012 das 11:09:41 a 11:27:24, ao tempo 13:00 a 13:12)
31ª) Face à peculiaridade da relação entre autor e 1ª ré, que faziam uma vida independente um do outro, não passavam férias juntos, e nem sempre dormiam no mesmo quarto, (vd. depoimento da testemunha M… prestado em 10-10-2012 das 15:28:31 às 16:03:08, ao tempo 03:58 a 05:15, depoimento da testemunha O…, realizado em 10-10- 2012, das 9:59:17 às 11:57:14 ao tempo 08:59 a 13:32 e depoimento da testemunha S…, realizado em 10-10-2012 das 14:14:11 às 15:27:38, ao tempo 05:12 a 12:10), o único ato do qual se pode retirar com alguma segurança o fim da relação entre ambos, é a mudança das fechaduras da “casa de morada de família”, levada a cabo pela ré C…, impedindo o autor de entrar na “casa de morada de família”.
F) Dos documentos juntos aos autos que infirmam os depoimentos das testemunhas arroladas pelas recorridas e evidenciam que a relação entre o autor e a ré C… só terminou efetivamente em inícios de 2009
32ª) Para além da prova testemunhal acima referida, o recorrente juntou aos autos a fatura da água da casa da Rua … relativa ao mês de março de 2009, paga pelo autor por débito bancário na sua conta existente no T…, e declaração da U…, E.M. dirigida ao autor, com todos os pagamentos que este fez, de 2004 a 2009, - vd. documentos de fls. 468 e 469, que não foram impugnados pelas recorridas
33ª) O recorrente juntou inclusivamente faturas da V… referentes a março de 2009 e a junho de 2007, liquidadas pelo autor por débito direto na sua conta bancária - vd. documentos juntos a fls. 471 e 472 dos autos que não foram impugnados pelas recorridas
34ª) Tal como juntou as faturas de telefone da casa da Rua … referentes a fevereiro e março de 2009, as quais foram emitidas em nome do autor e foram pelo mesmo pagas - vd. documentos de fls. 473 e 474 que não foram impugnados pelas recorridas
35ª) Para além disto, o autor juntou a fls. 529 a 534 dos autos uma certidão de uma escritura notarial lavrada em 7 de fevereiro de 2006 na qual intervieram o autor e a 1ª ré na qualidade de mutuários, os quais declararam que o autor é “residente na Rua …, nº … no Porto” e que a 1ª ré é “residente com o outorgante atrás identificado”, documento que não foi impugnado pelas recorridas.
36ª) O recorrente juntou inclusivamente a fls. 449 a 455 uma escritura pública de compra e venda lavrada em 5 de junho de 2008 onde vem declarado que o recorrente reside na Rua … nº … no Porto e que a recorrida C… reside com ele, não tendo as recorridas impugnado esse documento nem respondido ao requerimento do recorrente junto a fls. 441 a 448 dos autos.
37ª) Os documentos acima referidos vêm confirmar que até inícios de 2009, recorrente e recorrida ainda viviam em união de facto, pois se ambos vão contrair conjuntamente empréstimos e responsabilizar-se solidariamente pelo respetivo cumprimento, e se o autor paga as despesas correntes da casa até inicio de 2009, é porque nesta data ainda têm interesses ou afetos comuns.
38ª) A união de facto entre o autor e ré C… perdurou efetivamente até inícios de 2009, data em que a ré C… mudou as fechaduras de casa, impedindo o acesso do autor à “casa de morada de família” e terminando definitivamente com a relação entre ambos.
39ª) De resto, já após a ação dos autos e supervenientemente à douta sentença recorrida, foi proferida sentença no processo nº 829/11.4PRPRT do 2º Juízo – 3ª Secção dos Juízos Criminais do Porto (embora a ré C… tenha recorrido), no qual ficou provado que a ré C…, assistente naquele processo, mudou a fechadura da porta da casa da Rua … à revelia e contra a vontade do autor, em 2009, encontrando-se o autor a residir no escritório, sito na …, onde pernoita e faz as refeições, tendo inclusivamente a ré C… reconhecido que a casa da Rua … foi adquirida com dinheiro do autor – vd. certidão da sentença junta sob o documento nº 1.

II – Quem pagou o preço da casa da rua … (nºs 6.º, 7.º e 8.º da BI)
40ª) Quanto à prestação no valor de 5.000.000$00 mencionada no nº 6 da base instrutória, devia ter ficado provado que o autor a liquidou em 15-02-1985 com a outorga do contrato promessa, uma vez que o promitente vendedor deu “plena quitação” desse valor na cláusula 2ª, al. a) do contrato promessa, documento que não foi impugnado pelas rés e que além do mais constitui a matéria da alínea F) da douta matéria assente.
Relativamente às duas últimas prestações do preço:
41ª) O recorrente juntou com o requerimento probatório, para prova da matéria constante do art. 8.º da douta Base Instrutória, dois recibos de quitação manuscritos e assinados pelo anterior proprietário da casa da Rua …, W…, um datado de 15-04-1985, dirigido ao recorrente, que acusa a receção do cheque sobre o X… entregue pelo autor, no valor de 5.000.000$00, referente à penúltima entrega do preço da venda da casa da Rua …, e outro datado de 15-05-1985, no qual o vendedor dá quitação ao autor do pagamento da quantia de 5.000.000$00, declarando que está integralmente liquidado o pagamento da casa da Rua … – vd. documentos juntos a fls. 383 e 384 dos autos, que não foram impugnados pelas recorridas
42ª) Acresce que o recorrente juntou cópias de cheques do X…, que confirmam que a conta existente no X…, conta da qual foram sacados os cheques para pagamento da casa da Rua …, era da exclusiva titularidade do autor – vd. documentos juntos a fls. 524 dos autos, que não foram impugnados pelas recorridas
43ª) E a testemunha Y…, que foi quem mediou o negócio de aquisição da casa da Rua …, depôs com conhecimento de causa, declarando que foi o recorrente que pagou o preço da casa – vd. depoimento realizado em 19-11-2012 e gravado das 09:54:03 às 10:15:03, ao tempo 08:35 a 09:06.
44ª) O recorrente não se conforma assim com o entendimento vertido na douta sentença, de que “na escritura que titulou a compra e venda do imóvel – cfr. fls. 122 e 123 - é referido que o preço foi pago pela compradora – a ora 1ª corré)", pois a escritura foi realizada em 31/07/1985 e o preço já tinha sido liquidado integralmente pelo autor em 15-05-1985, tal como resulta dos documentos acima referidos.
45ª) Na verdade não é pelo facto de a escritura dizer que o preço foi pago pela compradora, que assim foi, pois estamos perante uma situação peculiar, no âmbito do mandato sem representação e em que o preço já tinha sido integralmente pago pelo autor, pelo que não faria sentido constar da escritura que o preço foi pago pelo autor, pois isso seria revelar publicamente aos potenciais credores do autor que afinal a casa era deste.
46ª) De resto, o facto de a escritura mencionar que o preço foi pago pela compradora não faz fé pública, pois o notário não confirma se o comprador pagou efetivamente o preço – vd. PIRES DE LIMA e A. VARELA, "Cód. Civ. Anot.", I, p. 304, Ac. do STJ de 18.7.69, BMJ 189º-246 e VAZ SERRA “Provas – Direito Probatório Material”, Lisboa, 1962, p. 316.
47ª) Pelo que, com o devido respeito, não pode colher o argumento meramente formal, constante da douta sentença recorrida, de a escritura referir que o preço foi pago pela compradora, quando na realidade não o foi, como resulta da prova documental acima referida.

III – Proveniência do dinheiro com que foi adquirida a casa da rua … – dos rendimentos do recorrente e dos rendimentos da recorrida C… (nºs 6.º, 7.º e 8.º da douta base instrutória)
48ª) O recorrente fez também ampla prova, documental e testemunhal, de que efetivamente o dinheiro utilizado na compra da casa da Rua … lhe pertencia, não sendo correto, com o devido respeito, o referido na motivação da douta decisão de facto, de que a Ré C… “contribuiu para a liquidação do empréstimo contraído para a construção do prédio urbano onde o “casal” coabitou na Rua …, nº .., em Matosinhos, sendo que a quantia resultante da venda dessa casa (na ordem dos 12.000.000$00) foi canalizada para liquidar a parte substancial do preço da compra do imóvel referido na alínea C) da matéria de facto assente”.
49ª) A douta decisão de facto fundamentou-se, para tanto, no duvidoso depoimento da testemunha F…, filho do recorrente e com quem admitiu estar de relações cortadas, que terá referido que a ré C… contribuiu para a liquidação do empréstimo... Contudo, esta testemunha nunca poderia saber com conhecimento de causa destes factos, pois tinha na altura apenas sete anos!
50ª) Na verdade, a testemunha F…, tal como consta do assento de nascimento junto a fls. 331 dos autos, nasceu em 1967, e a aquisição do terreno da Rua … com recurso a financiamento junto da Z… foi feita em 1974, tal como consta da respetiva certidão predial junta a fls. 501/504 dos autos.
G) Da casa da rua …
51ª) E a verdade é que, além de a ré C… não ter contribuído para a liquidação do empréstimo (não juntou aliás qualquer prova documental nesse sentido), o empréstimo não foi para a construção da casa mas sim para a aquisição do terreno onde a mesma veio a ser posteriormente edificada pelo autor.
52ª) Pois o que consta dos autos e foi alegado (vd. arts. 60 e 61 da petição inicial) é que o autor adquiriu o terreno (vd. certidão predial junta a fls. 501 a 504 dos autos), e não a construção, com recurso a financiamento junto da Z…, cujas prestações forem exclusivamente liquidadas pelo autor, tendo junto o documento emitido pela Z… em 26/03/1985 a confirmar a liquidação do empréstimo, e documento comprovativo do respetivo pagamento efetuado pelo autor, a fls. 106 a 108 dos autos, documentos que não foram impugnados pelas rés, pelo que esta matéria devia ter sido dada como provada.
53ª) Aliás, o autor alegou nos arts. 62 e 63 da petição inicial que construiu uma moradia sobre esse terreno, que lhe pertence, não tendo as rés impugnado os documentos prediais juntos a fls. 102/104 e a fls. 501/504 dos autos).
54ª) E a testemunha AB…, funcionária da firma H…, Lda no período de 1972 a 1975 foi perentória em afirmar que a casa da Rua … foi construída pela referida firma, da qual o recorrente era sócio e gerente (vd. registo comercial junto a fls. 125 a 128, matéria que não foi impugnada pelas rés), obra que contemplava a construção de quatro moradias, sendo uma destinada ao autor (vd. (depoimento prestado em 19-11-2012 das 15:14:11 às 15:22:01 ao minuto 03:05 a 03:28 e ao minuto 07:15 a 07:35).
55ª) Ainda relativamente à casa da Rua …, o autor alegou no art. 66 da petição inicial que por contrato promessa celebrado em 14-01-1985 prometeu vender pelo preço de 12.000.000$00, a sua moradia sita na Rua …, juntando a fls. 110 dos autos o respetivo contrato promessa, matéria que não foi impugnada pelas recorridas
56ª) O autor alegou inclusivamente no art. 67 da petição inicial que em 26-03- 1985, vendeu a sua casa sita na Rua … ao referido promitente comprador, juntando a fls. 112 a 114 a respetiva escritura notarial, matéria que não foi impugnada pelas recorridas
H) Dos rendimentos do recorrente provenientes da sua atividade profissional de arquiteto, e dos investimentos imobiliários que efetuou
57ª) Acresce que o autor, nos arts. 175 a 207 da petição inicial, alegou que exerce a atividade profissional de arquiteto, vivendo da sua profissão e dos rendimentos prediais obtidos da herança de seus pais, tendo juntado para o efeito a fls. 145 a 207 dos autos as suas declarações de IRS relativamente aos anos de 1980 a 1997, que evidenciam os rendimentos que obteve nesses períodos (vd. documentos 14 a 30 juntos com a petição inicial), não tendo as rés impugnado esta matéria nem os respetivos documentos.
58ª) E o depoimento da testemunha Arq. AC…, colega e sócio do recorrente (vd. registo comercial junto a fls. 137 a 139), veio confirmar que o recorrente tinha uma carteira muito razoável de clientes, enumerando inclusivamente toda uma série de projetos elaborados pelo autor, e que auferia rendimentos acima da média, que lhe permitiam ter uma vida económica desafogada – vd. depoimento desta testemunha realizado em 12-11-2012 das 14:50:59 às 15:12:19, ao minuto 02:53 a 06:55.
59ª) Também esta testemunha referiu no seu depoimento, a instâncias do Meritíssimo Juiz, que quem comprou a casa da Rua … foi o recorrente, tal como resulta do seu depoimento (realizado em 12-11-2012 das 14:50:59 ás 15:12:19, ao minuto 17:07 a 19:15)
I) Dos rendimentos do recorrente provenientes da herança de seus pais
60ª) Por outro lado, o recorrente alegou no art. 205 da petição inicial que, juntamente com sua mãe e irmãos procederam à partilha da herança de seu pai, por ato notarial lavrado em 17/05/1978 no 6º Cartório Notarial do Porto, documento que se encontra junto a fls. 208 a 220 do autos, matéria que não foi impugnada pelas recorridas
61ª) E a testemunha O…, irmã do autor e co-herdeira na herança do pai de ambos, referiu no seu depoimento que não constavam da relação de bens depósitos bancários, porque ela e os irmãos levantaram o dinheiro à data da morte do pai (vd. depoimento realizado em 10-10-2012, das 9:59:17 às 11:57:14 ao minuto 46:22 a 47:30)
62ª) Acresce que o autor juntou a fls. 222 a 227 a relação de bens de sua mãe, falecida em 22/11/1988, tal como consta do aludido documento, sendo herdeiro, nomeadamente, de diversos imóveis e quotas sociais, matéria que não foi impugnada pelas recorridas.

IV – Dos rendimentos da recorrida C… ou de como esta não tinha meios que lhe permitissem ter uma conta bancária com 400.000,00 euros (al. e) da matéria assente) nem uma moradia de quatro frentes junto à … (relatório pericial de fls. 398/409)
63ª) Embora a douta decisão de facto tenha valorizado apenas o depoimento das testemunhas indicadas pelas rés, incluindo o duvidoso depoimento da testemunha do filho do autor, que depôs contra o pai com quem está de relações cortadas, a verdade é que as rés não juntaram um único documento que comprovasse os rendimentos da ré C… supostamente provenientes da atividade de professora, de pintora, ou de heranças que tivesse recebido...
64ª) Relativamente à atividade de pintora, embora admitindo que a ré C… o fizesse como hobby ou terapia, não ficou de todo provado que ela pintasse profissionalmente e vendesse a sua obra, não tendo a ré C… juntado um único catálogo de uma exposição que tenha feito, nem indicado uma única galeria comercial com que tenha trabalhado, nem juntado qualquer recibo de venda de um quadro.
65ª) Também quanto à questão de a decisão referir que as testemunhas das rés adiantaram que a ré C… recebeu “a importância de cerca de 5.000.000$00 na sequência da partilha da herança de seus pais”, não se vê, salvo qualquer lapso do recorrente, onde é que isso tenha sido dito, nem as rés juntaram qualquer documento que o comprove.
66ª) De resto, o recorrente já tinha alegado nos arts. 145 a 147 da réplica, que a Ré C… apenas recebeu 5.000 contos, por via da herança de seus pais, relativamente a uma casa em … (Esposende), em 1992, tendo junto o competente contrato promessa de compra e venda, a fls. 337 a 338, documento que não foi impugnado pelas rés, e que evidencia que a ré C… recebeu o seu quinhão hereditário, no valor de 5.000 contos, sete anos depois da aquisição da casa da Rua …, pelo que não podia ter sido utilizado nesta aquisição.
67ª) Ademais, o autor alegou no art. 147 da réplica que a 1ª ré deu os referidos 5.000 contos que recebeu da venda de metade da casa de … ao filho F…, como entrada para um apartamento que este adquiriu na Rua …, matéria que não foi impugnada nem objeto de resposta na tréplica apresentada pelas rés.
68ª) E quanto à questão de quem trabalhava, referiu a testemunha M… que nos oito anos que teve de vivência com a ré C…, por força da união de facto que manteve com o filho, referiu que nunca a viu a trabalhar, que ficava em casa e que pintava uns quadros com umas amigas para se distrair – vd. depoimento prestado em 10-10-2012 das 15:28:31 às 16:03:08, ao tempo 13:55 a 15:12.
69ª) E a prova cabal de que a ré C… trabalhou poucos anos e que não tinha rendimentos que lhe permitissem adquirir a moradia sita na rua … ou ser titular dos fundos no valor de cerca de 400.000,00 Euros depositados na conta do E…, está no facto de que a ré C… apenas aufere uma pensão de reforma na ordem dos 740,00 euros mensais, como se evidencia da sua declaração de IRS junta a fls. 510 a 513 dos autos, documento que não foi impugnado pelas recorridas.
70ª) Quanto ao facto de a Ré C… angariar clientes para o autor, facto que a douta sentença estriba no duvidoso depoimento do filho do autor, que disse que a mãe angariou o cliente AD… para o autor (depoimento prestado em 29-11-2012 das 14:49:01 às 16:10:58, ao minuto 06:07), tal afirmação foi diretamente contraditada pela testemunha AE…, sócio e gerente da AD…, que foi perentório em afirmar que conhecia o autor desde os tempos da escola e que os projetos que lhe foram adjudicados e que continuam a ser, não tiveram qualquer influência por parte da ré C… – vd. depoimento realizado em 19-11-2012 das 14:18:0014:49:12, ao minuto 03:49 a 06:04.
71ª) Também a testemunha Arq. AC…, colega e sócio do recorrente, e por conseguinte com conhecimento direto da vida profissional do recorrente, veio confirmar que a ré C… nunca trabalhou nem colaborou no gabinete de arquitetura do autor (vd. depoimento desta testemunha realizado em 12-11-2012 das 14:50:59 ás 15:12:19, ao minuto 09:13 a 10:07)

V – Da motivação do negócio ou porque é que a casa da rua … ficou registada em nome da recorrente C… (nº 9.º da douta base instrutória)
72ª) Relativamente a esta matéria, a testemunha Y…, que foi quem mediou o negócio de aquisição da casa da Rua … e elaborou a proposta de compra junta a fls. 116 dos autos, disse com conhecimento de causa que o autor lhe referiu nas negociações que a casa da Rua … iria ficar em nome da sua companheira, 2ª ré, devido aos problemas que tinha relacionados com a sociedade H…, por isso que a testemunha colocou na proposta que o contrato será em nome do comprador ou de quem ele indicar - depoimento realizado em 19-11-2012 e gravado das 09:54:03 às 10:15:03, ao tempo 09:44 a 10:03 e ao tempo 16:47 a 17:20.
73ª) Também a testemunha O…, irmã do recorrente, referiu com conhecimento de causa, o grande trauma por que o irmão passou em 1975 no período revolucionário, tendo sido sequestrado pelos trabalhadores da sua empresa H…, e tendo inclusivamente fugido para casa da sua irmã, tendo passado avais à Banca relativos à H…, que ainda se mantinham aquando da aquisição da casa da Rua …, e que foi por isso que pôs a casa que comprou em nome da companheira C… (vd. depoimento realizado em 10-10- 2012, das 9:59:17 às 11:57:14 ao tempo 05:28 a 08:31 e ao tempo 01:20:03 a 01:22:00)
74ª) Acresce que a testemunha AB…, funcionária da firma H…, Lda. no período de 1972 a 1975, foi perentória em afirmar que a empresa H…, Lda. passou momentos muito difíceis, com ocupação pelos trabalhadores e tendo entrado em autogestão, tendo o recorrente prestado avais à Banca relativamente a financiamentos da H… (depoimento prestado em 19- 11-2012 das 15:14:11 às 15:22:01, ao minuto 04:27 a 05:21)
75ª) Ora, o recorrente juntou aos autos uma execução judicial movida pela AF… em 1985 contra o autor e outros sócios gerentes da H…, Lda., que correu termos pelo proc. 5551/85, 3ª Secção do 2.º Juízo Cível do Porto, e que teve subjacente uma livrança avalizada pelo autor e demais executados, execução que terminou por acordo de pagamento datado de maio de 1985, tal como resulta do requerimento executivo e acordo de pagamento juntos a fls. 460 a 464 dos autos, documentos que não foram impugnados pelas recorridas.
76ª) Tais documentos vêm demonstrar que, embora a falência da sociedade "H…, Lda." tenha sido registada na Conservatória do Registo Comercial em dezembro de 1978 (vd. registo comercial junto a fls. 125 a 128 dos autos), em maio de 1985 o património do recorrente ainda corria riscos devido aos avais à Banca dados pelo recorrente relacionados com a firma “H…, Lda.”, sendo pertinente trazer à colação que a aquisição da casa da Rua …. foi negociada ainda na pendência da referida execução contra o recorrente, pois este assinou a proposta de compra da casa em 14-02-1985 – vd. documento junto a fls. 116.
77ª) Pelo exposto, o recorrente não pode concordar com o entendimento da douta decisão de facto, de que “não logrou demonstrar (maxime através de prova documental) que por ocasião da celebração da escritura pública que se alude em D) teria ainda responsabilidades por liquidar referentes a avais que havia prestado a favor da sociedade H…”), pois os documentos juntos a fls. 460 a 464 dos autos, aliás não impugnados pelas rés provam precisamente que na altura em que o autor formalizou a proposta de compra e venda e o contrato promessa, ainda tinha problemas relacionados com os avais que prestou.
78ª) Para além disto, o recorrente juntou a fls. 466 dos autos uma carta de um escritório de advogados, datada de 04-02-1986, que lhe é dirigida e na qual vem referido que “Encontra-se já terminado o assunto que V. Exa confiou a este escritório, respeitante à aquisição do imóvel sito à Rua …, …, Porto, pela Ex.ma Sra. D. C…”, mais dizendo no último parágrafo que “Segue em anexo a Nota de Despesas e Honorários referente a este assunto” – vd. fls. 466 dos autos.
79ª) O autor juntou também uma carta de uma solicitadora, datada de 04-11-1985, da qual resulta que foi o autor que contratou a solicitadora para efetuar o registo da casa da Rua … em nome da 1ª ré – vd. fls. 467 dos autos.
80ª) Estes documentos não foram impugnados pelas rés e vêm confirmar que, tendo sido o autor que contratou o advogado e solicitador, suportando os respetivos honorários com os serviços referentes à escritura e registo da casa da Rua … em nome da 1ª ré, então é porque a casa era efetivamente do autor, intervindo a ré C… como mera mandatária sem representação.
81ª) Factos estes que foram confirmados pela testemunha O1…, conforme resulta do seu depoimento realizado em 10-10-2012, das 9:59:17 às 11:57:14, ao tempo 01:17:00 a 01:17:40 e ao tempo 01:22:20 a 01:23:08.

VI – Da interpelação do autor a pedir a sua casa da rua … à ré C… e do reconhecimento desta (nºs 10 e 11 da douta Base Instrutória)
82ª) Quanto a esta matéria, a testemunha O… referiu que a ré C…, por ocasião da escritura de “venda da fábrica” que a testemunha e o autor herdaram dos pais, realizada em 2008 no AG…, na Rua …, reconheceu na sua presença e do autor, que a casa da Rua … e os valores depositados na conta bancária do E… identificada na al. E) da Matéria Assente, pertencem ao autor – vd. depoimento da testemunha realizado em 10-10-2012, das 9:59:17 às 11:57:14, ao minuto 30:18 a 32:56.
83ª) Perante o depoimento desta testemunha, o autor conseguiu localizar a mencionada escritura de compra e venda, que confirma que efetivamente todas as pessoas acima referidas estiveram presentes no dia 5 de junho de 2008 no AG…, na Rua …, documento que juntou aos autos a fls. 449 a 455, e que as rés não impugnaram.
84ª) Também a testemunha M…, que viveu durante determinado período na casa da Rua … com o recorrente e a recorrida C…, disse com conhecimento de causa que a recorrida C… lhe declarou que a casa era do autor e que estava em nome dela por causa de um processo em tribunal, para evitar que fossem sobre a casa (depoimento prestado em 10-10-2012 das 15:28:31 às 16:03:08 ao minuto 09:11 a 11:49)
85ª) E a verdade é que a testemunha filho do recorrente, perante as afirmações da testemunha M…, entrou em diversas contradições no seu depoimento, dizendo que se lembrava dessa conversa, embora tentando relativizar a sua importância, (vd. depoimento prestado em 29-11-2012 das 14:49:01 ás 16:10:58 ao tempo 40:12 a 41:46), para vir mais tarde na acareação realizada em 24-01-2013 das 9:49:25 às 10:18:39, ao tempo 02:51 a 03:22, dizer que afinal falou com a ré sua mãe e que esta lhe disse que essa conversa nunca existiu!

VII – Bens da herança dos pais do autor que se encontram na casa sita na rua … (nº 13º dos factos controvertidos)
86ª) Como é do conhecimento comum, nas relações de bens hereditários os herdeiros nunca indicavam com pormenor o recheio mobiliário, para evitar o imposto sucessório vigente na altura, limitando-se a declarar o mínimo que era normal – mesa, cadeiras, mobília de quarto, etc. – mas nunca um faqueiro de prata ou quadros valiosos.
87ª) Isso mesmo confirmou a testemunha S…, irmão do autor e co-herdeiro dos bens da herança dos pais de ambos, que identificou no seu depoimento os bens que foram adjudicados ao seu irmão ora recorrente, tendo ainda referido que encomendaram uma avaliação desses bens que não constavam da relação de bens destinada às Finanças (faqueiro de prata, quadros etc.) para divisão entre os irmãos – vd. (depoimento realizado em 10-10- 2012 das 14:14:11 às 15:27:38, ao tempo 25:37 a 28:48).
88ª) E na acareação realizada entre as testemunhas F…, filho do autor, e M…, esta testemunha referiu com conhecimento de causa, identificando os móveis da sala e o faqueiro, afirmando que em 2006/2007 jantou na casa da Rua …, tendo sido utilizado esse faqueiro, tendo a testemunha F… reconhecido que o recheio identificado no art. 139 da petição inicial está na casa da Rua … e que é proveniente da herança dos pais do autor, dando contudo a desculpa completamente “disparatada” de que esse recheio, embora fizesse parte da herança do autor, foi comprado pela 1ª ré, sua mãe... (vd. acareação realizada em 24-01-2013 das 09:49:25 às 10:16:39, ao tempo 22:50 a 24:37).
89ª) Ora, o recorrente alegou no art. 138.º da petição inicial que grande parte do recheio que herdou encontra-se na casa sita na Rua …, ao que as rés vieram dizer no art. 145 da contestação, que “não conhecem, nem têm obrigação de conhecer”.
90ª) Contudo, trata-se de um facto pessoal, pois a ré C… vive nessa casa, onde a filha 2ª ré também vai constantemente, pelo que, tendo em conta o disposto no art. 490.º, nº 3 do CPC, tal facto devia ter sido dado como provado, pois se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento – e o filho do autor reconheceu que o recheio em causa está efetivamente na casa da Rua ….
91ª) E a testemunha O…, irmã do autor, quando inquirida sobre o local onde o irmão se encontra atualmente a residir, disse com conhecimento de causa, porque conhece o espaço, que o irmão se encontra a habitar de modo precário no gabinete de arquitetura onde trabalha, localizado acerca de 100 metros da casa da Rua …, num quarto interior sem janelas e sem ventilação, onde aproveita também para aquecer a comida – vd. depoimento desta testemunha realizado em 10-10-2012, das 9:59:17 às 11:57:14, ao minuto 33:54 a 37:56
92ª) Ora, tendo sido perguntado a esta testemunha se o recheio identificado no art. 139 da petição inicial estava no local onde o autor atualmente reside, no seu gabinete de arquitetura, a testemunha foi perentória em afirmar que não, que o lugar que o autor ocupa nem sequer permite ter esse recheio, que aliás a testemunha identificou como sendo parte dos bens da herança dos pais que couberam ao recorrente – vd. depoimento desta testemunha, ao minuto 37:58 a 39:11.
93ª) Também a testemunha S…, igualmente irmão do autor e co-herdeiro dos bens dos pais de ambos, identificou no seu depoimento realizado em 10-10-2012 das 14:14:11 às 15:27:38, ao tempo 25:37 a 28:48, os bens descritos no art. 139 da petição inicial como a parte dos bens da herança de seus pais que foi adjudicada ao seu irmão ora recorrente.
94ª) Resulta assim do exposto que o recheio identificado no art. 139 da petição inicial se encontra na casa da Rua … e pertence efetivamente ao autor por via da herança de seus pais, pelo que lhe deve ser restituído sob pena de clamorosa injustiça.

VIII – Valor dos bens herdados pelo recorrente que se encontram na casa da rua … (nº 14º da douta base instrutória).
95ª) Relativamente ao valor dos bens, referiu a testemunha S…, irmão do autor, que os bens que foram adjudicados ao seu irmão tinham um valor de mercado, reportado a 1998, quando faleceu a sua mãe, de cerca de 5.000 contos (25.000 Euros), pelo que se atualizarmos este valor a janeiro de 2011, data da entrada da petição inicial, obtém-se com facilidade o valor indicado na petição inicial de 50.000 Euros (vd. depoimento realizado em 10- 10-2012 das 14:14:11 às 15:27:38, ao tempo 25:37 a 28:48).

IX – Valores existentes na conta bancária do E… e dos motivos porque a mesma foi aberta em nome das rés (nºs 15, 16, 17, 18, 19 e 20 da douta base instrutória)
96ª) O recorrente, por requerimento junto a fls. 494/497 dos autos, juntou cópias de cheques das contas, de que foi titular, no já extinto “AH…, S.A.” e “AI…” (vd. documentos junto a fls. 498/500), alegando que tais documentos vêm confirmar que as contas bancárias cujos fundos foram transferidos para a conta do E… identificada na alínea E) da Matéria Assente eram da exclusiva titularidade do autor, matéria que não foi impugnada pelas recorridas.
97ª) A testemunha AJ…, licenciado em economia e na altura quadro do grupo E…, referiu que normalmente aconselhava o autor na aplicação das suas economias, e que quem aparecia para tratar dos investimentos das contas bancárias ou das aplicações era sempre o autor, o qual pôs esses valores em nome da ré C… e da filha para preservar o seu património do risco inerente à sua atividade empresarial – vd. depoimento prestado em 12-11-2012 das 09:52:56 às 10:42:35 ao minuto 15:50 a 17:39.
98ª) Como referiu a testemunha AJ…, o autor tinha aplicações na Suíça, na instituição na altura denominada “AK…”, pertencente ao grupo E…, e em Portugal, no valor global da ordem dos 400.000/500.000 Euros (vd. depoimento prestado em 12-11- 2012 das 09:52:56 às 10:42:35. ao minuto 03:17 a 07:40 e ao minuto 22:44 a 23:15).
99ª) Mais referiu esta testemunha que as reuniões relacionadas com as aplicações financeiras do autor eram sempre realizadas só com este, tendo havido uma reunião a pedido do autor, em que estiveram presentes a testemunha, o autor e as rés, cujo objetivo foi analisar burocraticamente o modo de o autor sair de titular da sua conta bancária da Suíça, e entrar a filha ora 2ª recorrida, de maneira que a conta passasse a ter como titulares apenas as recorridas, passando depois o dinheiro para o banco AI…, pertencente ao Grupo E…, o qual foi absorvido depois de 1992 pelo E… (depoimento prestado em 12- 11-2012 das 09:52:56 às 10:42:35 ao tempo 08:26 a 13:10).
100ª) Referiu ainda esta testemunha que ficou com a convicção, perante os documentos que o autor lhe exibia nas reuniões, tais como extratos bancários onde constava o autor como titular, projetos de investimentos imobiliários, etc., de que o dinheiro da Suíça e o das contas bancárias existentes em Portugal era do autor, oriundo da sua atividade profissional e empresarial, e da herança de seus pais, tal como consta do seu depoimento ao minuto 13:35 a 15:27, mais tendo referido ao minuto 24:59 a 26:56, relativamente à conta do E…, que as rés eram apenas “fiéis depositárias” desses valores.
101ª) Quanto à matéria dos nºs 17º, 18º e 19º da douta Base Instrutória, a testemunha O... (depoimento realizado em 10-10-2012, das 9:59:17 às 11:57:14) referiu que esteve presente numa escritura realizada em 2008, tendo nessa ocasião o recorrente solicitado à recorrida C… que lhe devolvesse os bens, e que a recorrida reconheceu perante o recorrente e na sua presença que os valores depositados no E… na conta identificada na al. E) da Matéria Assente lhe pertenciam a ele recorrente.
102ª) Na verdade, referiu a testemunha O… que a ré C…, por ocasião da escritura de “venda da fábrica” que a testemunha e o autor herdaram dos pais, realizada em 2008 no AG…, na Rua …, reconheceu na sua presença e do autor, que a casa da Rua …. e os valores depositados na conta bancária do E… que está em nome das rés pertencem ao autor – vd. depoimento realizado em 10-10-2012, das 9:59:17 às 11:57:14, ao minuto 30:18 a 32:56.
103ª) Perante este depoimento, o autor conseguiu localizar a escritura de compra e venda, que confirma que efetivamente todas as pessoas acima referidas estiveram presentes no dia 5 de junho de 2008 no AG…, na Rua …, documento que juntou aos autos a fls. 449 a 455 e que as rés não impugnaram.
104ª) Também a testemunha M…, que viveu durante determinado período na casa da Rua … com o recorrente e a recorrida C…, declarou que a recorrida C… lhe disse que os valores depositados na conta do E… pertenciam ao autor, e que este os pôs em nome das rés para evitar problemas relacionados com um caso amoroso que teve com outra mulher (depoimento prestado em 10-10-2012 das 15:28:31 às 16:03:08 ao minuto 09:11 a 11:49).
105ª) E na acareação das testemunhas M… e F…, a testemunha M… revelou que o dinheiro existente no E… em nome das recorridas, que à altura da entrada da petição inicial ascendia a 402.444,06 Euros, conforme consta da alínea E) da Matéria Assente, pertence ao recorrente, o que aliás o filho do autor confirmou – vd. Acareação realizada em 24-01-2013 das 9:49:25 às 10:18:39 ao minuto 10:07 a 10:49.
106ª) Tendo o autor alegado no art. 238 da petição inicial que quando a conta do E… foi constituída, em 1999, a filha do autor, ora 2ª ré, tinha apenas dezanove anos, matéria que não foi impugnada pelas rés e que demonstra que a 2ª ré, sem rendimentos próprios e com apenas 19 anos, não podia ter os valores que se encontram depositados na conta do E….
107ª) Resulta do exposto que, face aos meios de prova documental e testemunhal juntos aos autos, e tendo em conta as regras do ónus probandi, devem ser julgados provados os factos controvertidos constantes dos nºs 1, 6, 7 e 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20 da douta Base Instrutória, e não provado o nº 2.

Do direito substantivo do mandato sem representação.
108ª) Resulta da matéria provada que o autor, por ter interesse em não surgir na altura como proprietário da casa que pretendia adquirir, na Rua …, devido aos problemas ligados à sua empresa H…, Lda., por via da qual prestou avais à Banca e foi inclusivamente executado em 1985 pela AF… nessa qualidade, acordou com a 1ª ré que seria ela a outorgar a escritura de compra e venda e a figurar como proprietária do imóvel, acordando ainda ambos que logo que os problemas patrimoniais do autor desaparecessem, a ré transferia a casa para o autor, o mesmo se passando relativamente à conta bancária do E…, que foi constituída com fundos do autor e apenas estava provisoriamente em nome das rés para proteger o património do autor.
109ª) Procedimento que quadra na previsão legal dos arts. 1157º, 1180º e segs. do Código Civil, já que no mandato sem representação o mandatário, não obstante intervir por conta e no interesse do mandante, não aparece revestido da qualidade de seu representante, tornando-se formalmente o sujeito dos direitos e das obrigações promanados da atividade exercida, embora os deva transferir ao mandante, no interesse de quem essa atividade foi exercida – Galvão Telles, in "Mandato sem Representação", Coletânea de Jurisprudência, 1983,3º-9.
110ª) E no que toca à matéria de forma, o contrato de mandato sem representação é consensual, vigorando o princípio da liberdade de forma consagrado no artigo 219.º do Código Civil – vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-05-2000, BMJ 497.º-357 e de 14-09-2006 (dgsi, SJ200609140014737), e Pessoa Jorge, O Mandato Sem Representação, pág. 410, Lisboa, 1961.
111ª) Resulta do exposto que a 1ª ré, por força do disposto no art. art. 1181.º, nº 1 do Código Civil, encontra-se constituída na obrigação de transferir para o autor o imóvel em causa nos autos, do mesmo modo que as rés se constituíram na obrigação de transferir para o autor a titularidade dos fundos existentes na conta bancária no E….

Da extinção da união de facto e da consequente obrigação da 1ª ré de restituir os bens ao autor por força do instituto do enriquecimento sem causa. Da extinção da união de facto
112ª) Para além do pedido principal, estribado no mandato sem representação, o autor pediu subsidiariamente a condenação das rés a restituir ou pagar ao autor as quantias com que este contribuiu no âmbito da união de facto e que lhe são devidas por força da extinção desta relação.
113ª) E conforme resulta do disposto no art. 8.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 7/2001 de 11 de maio, a união de facto dissolve-se por vontade de um dos seus membros, não tendo de ser declarada judicialmente (vd. nº 2 do art. 8.º da Lei n.º 7/2001 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-02-2004, Proc. nº 0325347, dgsi).

Da obrigação da 1ª ré de restituir bens ao autor por força da extinção da união de facto e do instituto do enriquecimento sem causa.
114ª) Por força da extinção da união de facto havida entre autor e 1ª ré, esta deixou de ter causa justificativa para usufruir dos bens em causa, nomeadamente, da casa da Rua …, do recheio existente nesta moradia, e dos valores depositados na conta do E…, pelo que, mesmo a não verificar-se a existência do mandato sem representação, sempre o autor tem direito a haver aquilo que prestou no âmbito da união de facto, constituído pelo dinheiro que utilizou na aquisição da casa da Rua … e pelos fundos que se encontram na conta do E….
115ª) Na verdade, e tal como demonstrado e provado documentalmente, foi o autor que, com os seus rendimentos, pagou a totalidade do preço do imóvel sito na Rua …, sendo que também os valores existentes na conta nº …………. no E… são provenientes de rendimentos e aplicações do autor.
116ª) E uma coisa são as despesas que poderão ser consideradas relacionadas como atos de administração ordinária e corrente do agregado familiar (despesas com alimentação, água, luz, etc.); outra coisa, completamente diferente, são os investimentos de fundo feitos pelo autor na aquisição da casa que, em caso de ausência de qualquer título, sempre deverão ser consideradas benfeitorias.
117ª) Também no que se refere aos valores depositados na conta bancária nº ………… existente no E…, com o fim da união de facto, a 1ª ré deixou de ter causa justificativa para usufruir desses fundos, o mesmo se passando quanto à 2ª ré, pois esta apenas surgiu como titular da conta devido à união de facto existente entre seus pais, autor e 1ª ré.
118ª) E, como referiu o Acórdão Relação de Coimbra de 11/5/2004 (Proc. 712/04, dgsi), sobre um caso de rutura de união de facto idêntico ao dos autos, “O enriquecimento é injusto, não apresentando causa justificativa, quando não está de harmonia com a correta ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, em virtude de determinado valor se achar no património do beneficiado, quando o seu lugar era no património do prejudicado".
119ª) Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de maio de 1997, "III – Para se saber a medida de empobrecimento e de enriquecimento dos viventes em união de facto, há que determinar o quanto cada um deles contribuiu para a aquisição do imóvel" (Coletânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano V, Tomo II, 1997, pág. 81).
120ª) Ora, além de demonstrado e provado documentalmente que foi o autor que pagou a totalidade do preço do imóvel sito na Rua …, bem como lhe pertencem os valores que se encontram depositados na conta titulada pelas rés, no montante aproximado de 400.000,00 Euros, também ficou demonstrado pela negativa que a 1ª ré não tinha meios que lhe permitissem adquirir o imóvel sito na Rua … nem ter no Banco as elevadas quantias que se encontram depositadas na sua conta bancária, o mesmo se passando quanto à 2ª ré, relativamente às quantias depositadas no E…, dado que na altura tinha 19 anos e não trabalhava.
121ª) Assim, tendo havido um enriquecimento das rés à custa do autor, sem causa justificativa, devem as rés restituir os bens ou valores com que injustamente se locupletaram, tal como previsto no disposto no art. 473.º do Código Civil.
122ª) Quanto à questão da prescrição aflorada em nota de rodapé na douta sentença, a verdade é que, face aos depoimentos testemunhais e documentos juntos aos autos, conforme alegado em sede de impugnação da matéria de facto, a relação entre recorrente e recorrida C… só terminou em 2009, pelo que não ocorreu a prescrição do direito do recorrente de exigir a restituição à luz do enriquecimento sem causa.
123ª) Ademais, como referiu a testemunha O…, a ré C…, por ocasião da escritura de "venda da fábrica", que esta testemunha e o autor herdaram dos pais, realizada em 2008 no AG…, na Rua …, reconheceu na sua presença e do autor, que a casa da Rua … e os valores depositados na conta bancária do E… que está em nome das rés pertencem ao autor (vd. depoimento da testemunha realizado em 10-10-2012, das 9:59:17 às 11:57:14, ao minuto 30:18 a 32:56).
124ª) Tais factos quadram na previsão legal do disposto no art. 325.º do Código Civil: a prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.
125ª) Pelo exposto, seja pela data de início do prazo de prescrição, seja pelo reconhecimento pelas recorridas do direito do recorrente, não ocorreu a prescrição.

Foram violados os artigos 513.º e 515.º do Código de Processo Civil e os artigos 325.º, 473.º, 1157.º e 1180.º do Código Civil.

As rés responderam ao recurso (fls. 813 e ss.). Formulam as seguintes Conclusões:
I – Depois da reconfiguração operada na réplica, consistente no abandono dos pedidos de reconhecimento da qualidade de proprietário da casa da Rua … e dos fundos depositados no E…, o núcleo do objeto do processo passou a ser composto de quatro causas de pedir, duas principais e duas subsidiárias, e duas exceções de prescrição:
a) Primeira causa de pedir principal: contrato de mandato sem representação, concluído entre o apelante e a apelada C…, nos termos do qual esta, no interesse daquele, adquiriria a casa da Rua … em nome próprio, obrigando-se a restituir-lha mais tarde;
b) Causa de pedir subsidiária: não se provando o alegado contrato de mandato sem representação, haveria, com extinção da união de facto entre o apelante e a apelada C…, enriquecimento sem causa desta (que ficaria, por isso, na perspetiva do apelante, obrigada à restituição da casa);
c) Segunda causa de pedir principal: contrato de mandato sem representação, concluído entre o apelante e as duas apeladas, nos termos do qual estas, em seu próprio nome, constituíram, com fundos daquele, um depósito no E…, que mais tarde lhe restituiriam;
d) Causa de pedir subsidiária: não se provando o alegado contrato de mandato sem representação, haveria, com a extinção da união de facto entre o apelante e a apelada C…, enriquecimento sem causa (que ficaria, por isso, na prespectiva do apelante, obrigada à restituição dos fundos alegadamente depositados no E…).
e) Na sua contestação, as apeladas invocaram a prescrição do alegado crédito, que teria fonte no alegado mandato sem representação, à retransmissão da casa da Rua … e do alegado crédito à restituição de um suposto enriquecimento sem causa.
II – O apelante não provou a conclusão de qualquer contrato de mandato sem representação relativo à casa da Rua …, devendo, pois, manter-se a decisão da 1.ª instância sobre o ponto 9.º da Base Instrutória.
III – O apelante não provou a conclusão de qualquer contrato de mandato sem representação relativo ao depósito de fundos no E…, devendo, pois, manter-se a decisão da primeira instância sobre os pontos 17.º e 18.º da Base Instrutória.
IV- Para além de não ter provado os factos correspondentes, são inverosímeis e irrelevantes as motivações invocadas pelo apelante para a conclusão dos contratos de mandato sem representação, que também não logrou provar.
V – O apelante não alegou sequer quaisquer factos, que portanto não provou, integradores da previsão do instituto do enriquecimento sem causa, confundindo a falta da causa de atribuição que invoca (o mandato sem representação) – e que seria, também, a causa da restituição que pretende – com a inexistência de causa do enriquecimento que imputa às apeladas.
VI – O enriquecimento sem causa tem os seus próprios e autónomos pressupostos, que não se confundem com a não verificação dos pressupostos de qualquer outro instituto.
VII – É inverosímil, em face da própria narração da petição inicial e de documentos existentes nos autos, juntos pelo próprio apelante, a alegação de que a aquisição da casa da Rua … e a constituição do depósito no E… teriam sido devidos a dinheiro exclusivamente dele.
VIII – Se porventura se considerasse provado o facto da conclusão de um mandato sem representação relativamente à casa da Rua …, ter-se-ia de declarar prescrito, conforme a exceção invocada na contestação, o eventual direito de crédito que aquele pudesse constituir, por já ter passado o prazo de 20 anos previsto no artigo 309.º do CC.
IX – A união de facto que ligou o apelante e a apelada C… cessou no verão de 2005, devendo manter-se a decisão de facto relativamente aos pontos 1.º e 2.º da Base Instrutória.
X – Se porventura, por conseguinte, algum enriquecimento houvesse sobrevindo para a apelada C… com a cessação da união de facto, o eventual direito à sua restituição estaria prescrito, conforme exceção invocada na contestação.
XI – Deve, em suma, manter-se a decisão de facto quanto aos pontos 1.º, 2.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 13.º, 14.º, 15.º, 17.º, 18.º, 19.º e 20.º da Base Instrutória.

O recurso foi recebido nos termos legais (apelação com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo) e os autos correram Vistos.
Nada obsta à apreciação do mérito do recurso.

1.3 – Objeto do recurso
Definido pelas conclusões do apelante, o objeto do recurso concretiza-se nas seguintes questões (precedidas pela "questão prévia" que se enuncia):
Questão prévia – Se é admissível, na fase de recurso, a junção de documento pretendida pelo recorrente.
1.3.1 - Se, "face aos meios de prova documental e testemunhal juntos aos autos, e tendo em conta as regras do ónus probandi, devem ser julgados provados os factos controvertidos constantes dos nºs 1, 6, 7 e 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20 da Base Instrutória, e não provado o nº 2".
1.3.2 – Se, por efeito do mandato sem representação que existiu entre o autor e as rés, a 1.ª ré encontra-se constituída na obrigação de transferir para o autor o imóvel aqui em causa e, ambas as rés, a transferir para o autor a titularidade dos fundos existentes na conta bancária no E….
1.3.3 – Se a 1.ª ré deve ser condenada a restituir ao autor os bens móveis que se encontram na moradia sita na rua …, descritos no artigo 139 da petição inicial, uma vez que ao autor pertencem exclusivamente.
1.3.4 – Se, subsidiariamente, em razão da extinção da união de facto, e por força do enriquecimento sem causa, a 1.º ré deve restituir ao autor o valor à aquisição da casa da Rua … e o valor dos fundos que se encontram na conta do E…, obrigação de restituição que, quanto a estes fundos, abrange também a 2.ª ré.

2 – Fundamentação
2.1 – Fundamentação de facto
Sem prejuízo da questão enunciada em 1.3.1 (que abordaremos mais adiante), mas porque a impugnação do recorrente se refere, quase na totalidade, a factos que o tribunal considerou "não provados", deixe já descrevemos a matéria de facto fixada, apenas sublinhando o facto provado que o recorrente pretende ver alterado:
1 - O autor e a 1ª ré iniciaram uma relação amorosa e começaram a viver juntos, dormindo no mesmo leito, mantendo relações sexuais e tomando as refeições juntos, desde 1965 até, pelo menos, 2005 (alínea A) da matéria de facto assente).
2 - Desde agosto de 2005, não mais o autor e a 1ª corré viveram sob o mesmo teto, nem partilharam quaisquer afetos ou interesses (resposta ao facto controvertido nº 2).
3- A 2ª corré é filha do autor e da 1ª corré (alínea B) da matéria de facto assente).
4 - Encontra-se registada a favor da 1ª corré a aquisição do prédio urbano sito na Rua …, nºs …/…, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 2321 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia … sob o art. 2120 (alínea C) da matéria de facto assente).
5 - Em 31 de julho de 1985, no 6º Cartório Notarial do Porto, foi celebrada a escritura pública que se mostra junta a fls. 122 e seguinte, na qual a 1ª corré figura como compradora do imóvel identificado em 4º (alínea D) da matéria de facto assente).
6 - As rés são titulares da conta nº ………… no E…, a qual, em fevereiro de 2010, registava um saldo positivo de € 402.444,06 (alínea E) da matéria de facto assente).
7 - Em 15 de fevereiro de 1985, entre W… e o autor foi firmado o contrato, que denominaram de promessa de compra e venda, que se mostra junto de fls. 118/120 dos autos (alínea F) da matéria de facto assente).
8 - O autor tratou da negociação para a aquisição do imóvel referido em 4º, acertando com o seu então proprietário, W…, que o preço da venda se cifraria no valor de 15.500.000$00 (resposta ao facto controvertido nº 3).
9 - Ficando convencionado o pagamento de uma entrada inicial de 5.500.000$00, que deveria ser liquidada mediante a entrega de 500.000$00 com a assinatura do documento junto a fls. 116 e de 5.000.000$00 com o contrato promessa de compra e venda (resposta ao facto controvertido nº 4).
10 - Para pagamento da importância de 500.000$00 referida em 9º o autor entregou ao proprietário da moradia o cheque nº ……., no valor de 500.000$00, sacado sobre o X… (resposta ao facto controvertido nº 5).
11 - Na data referida em 7º foi paga ao proprietário da moradia a quantia de 5.500.000$00 através do saque do cheque referido em 10º e do cheque nº ……., no valor de 5.000.000$00, em 15 de fevereiro de 1985 (resposta aos factos controvertidos nºs 6 e 7).
12 - O remanescente do preço da aquisição foi pago através do saque dos cheques nº ……., no valor de 5.000.000$00, em 15 de abril de 1985 e nº ……., no valor de 5.000.000$00, em 15 de maio de 1985 (resposta ao facto controvertido nº 8).
13 - O valor de mercado do imóvel referido em 4º é atualmente de, pelo menos, € 676.000,00 (resposta ao facto controvertido nº 12).
14 - A quantia existente na conta referida em 6º encontra-se aplicada em parte num depósito poupança denominado “conta rendimento crescente”, com o nº …………, no montante de € 325.000,00 e num fundo de investimento denominado “AL…”, cujo montante, em fevereiro de 2010, se cifrava em € 70.551,21 (resposta ao facto controvertido nº 16).

Questão prévia
Questão prévia – Se é admissível, na fase de recurso, a junção de documento pretendida pelo recorrente.
Com as suas alegações, o recorrente junta um documento cuja junção pretende. Diz na conclusão 39, justificando essa pretensão que "já após a ação dos autos e supervenientemente à douta sentença recorrida, foi proferida sentença no processo nº 829/11.4PRPRT do 2º Juízo – 3ª Secção dos Juízos Criminais do Porto (embora a ré C… tenha recorrido), no qual ficou provado que a ré C…, assistente naquele processo, mudou a fechadura da porta da casa da Rua … à revelia e contra a vontade do autor, em 2009, encontrando-se o autor a residir no escritório, sito na …, onde pernoita e faz as refeições, tendo inclusivamente a ré C… reconhecido que a casa da Rua … foi adquirida com dinheiro do autor – vd. certidão da sentença junta sob o documento nº 1". Na parte final das suas alegações, o recorrente invoca o disposto no artigo 524 e 693-B do Código de Processo Civil (CPC) para a junção do documento, que justifica (citamos) "em virtude de se revelar necessário face ao alegado pelas recorridas na contestação e ser superveniente à ação dos autos".

O documento em causa (fls. 799/809) é a certidão da sentença proferida no processo 829/11.4PRPRT (Processo Comum/ Tribunal Singular), no qual é arguido o aqui autor e assistente a aqui ré C…. O crime imputado é "um crime de Violação de Domicílio, p. e p. pelo artigo 190.º, n.º 1 e 3 do Código Penal". A sentença não transitou em julgado.

Independentemente de, do conteúdo da sentença penal (seja dos factos que dá como provados e não provados), não se poderem extrair as conclusões fácticas que agora o recorrente alega,[3] o certo é que não há fundamento jurídico para a junção documental pretendida, ou seja, para a junção de uma sentença não transitada, que o recorrente justifica "face ao alegado pelas recorridas na contestação".

Nos termos dos preceitos citados, "as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 524, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º" (artigo 693-B do CPC). O artigo 524 esclarece, por sua vez, que a apresentação de documentos, "depois do encerramento da discussão só (é) admitida, no caso de recurso" se a apresentação não tiver sido possível até àquele momento (n.º 1). Atualmente, dispõe o artigo 651, n.º 1 do NCPC (Lei 41/2003, de 26 de junho) que "as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância" e o artigo 425 diz que "depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento".

Uma vez que a instrução da causa ocorre na 1.ª instância, visando a decisão que aí é proferida (e que o recurso apenas reaprecia, mesmo quando, eventualmente, a substitui)", é excecional a faculdade de apresentar documentos com as alegações de recurso" (Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª edição, Almedina, 2009, pág. 214). Comentando a norma pretérita (693-B do CPC), António Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 3.ª edição, Almedina, 2010, pág. 254) referia que "a jurisprudência anterior sobre esta matéria, a partir do que constava dos arts. 524.º e 706.º, n.º 1, não hesitava em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes dessa decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado. Tal jurisprudência mantém-se para os recursos em geral, sem embargo das especificidades que resultam da parte final do preceito"[4]. Comentando o normativo surgido com o NCPC, o mesmo autor (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 184/185) repete as mesmas palavras e acrescenta que o novo regime (apenas) sofreu "uma relevante restrição" em relação aos "recursos de apelação de decisões interlocutórias".

No caso presente, independentemente da superveniência do documento, não ocorre qualquer superveniência de facto, ou seja, os factos que o autor devia provar ou aqueles que às rés competia eram do conhecimento de um e das outras na ocasião do julgamento. Aliás, sintomaticamente, o autor justifica a junção como resposta ao alegado na contestação, mas não como prova ou contraprova de qualquer facto levado à base instrutória. Dito de outro modo, o documento – sequer na versão do recorrente/requerente – não tem a finalidade de provar (ou abalar a prova) de um qualquer facto. Tanto basta, salvo melhor saber, à impossibilidade legal da sua junção. Acrescente-se que a admissão da junção do documento significaria que podiam ter algum efeito probatório (de outro modo, não tendo qualquer efeito, o documento é impertinente ou desnecessário) as declarações de uma assistente, refletidas na fundamentação de facto de uma decisão judicial não transitada, quando nem sequer se requerera o depoimento pessoal, nesta sede civil, dessa mesma pessoa.

Pelas razões ditas, não se admite a junção e ordena-se, a final, o desentranhamento do documento que acompanha as alegações do recorrente, condenando-se este na multa de 1 (uma) UC, atenta a simplicidade – artigos 443, n.º 1 do NCPC e 27, n.º 1 do RCP.

2.2 – Reapreciação (impugnação) da matéria de facto e aplicação do direito.
2.2.1. – Impugnação/reapreciação da matéria de facto.
2.2.1.1 – Consideração prévia:
Aos presentes autos (na parte que ora importa) é aplicável o CPC[5], na versão que decorre das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de agosto. A modificabilidade da decisão de facto pode ocorrer, isto é, a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, além do mais, "se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685-B, a decisão com base neles proferida" (artigo 712, n.º 1, alínea a) do CPC)[6]. Preceitua, por sua vez, o citado artigo 685-B que, "quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida".

A concretização do ónus previsto no artigo 685-B, n.º 1, alínea b) do CPC não tem tido um entendimento completamente uniforme por parte da jurisprudência. Sem desnecessárias delongas, entendemos que, definido o objeto do recurso (que deverá versar também sobre a matéria de facto, sendo o caso) nas conclusões do recorrente, a este é imposto que identifique (especifique) os pontos de facto de que discorda, o sentido da discordância e os meios de prova em que se fundamenta. No caso de prova gravada, esses meios serão os concretos depoimentos (não, ou não apenas, depoentes) que suportam, no entender do recorrente, uma (concreta) fixação de facto diferente. E, cumprindo pelo recorrente o ónus acabado de referir, o recurso, também nessa parte, deve ser conhecido.

No caso presente, o recorrente cumpre cabalmente o ónus de impugnação que a lei lhe impunha e, por isso, há que prosseguir.

2.2.1.2 – Reapreciação, em concreto.
O recorrente entende que deviam ter sido dados como provados os pontos 1, 6, 7 e 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20 da base instrutória e como não provado o ponto 2 do mesmo despacho.

Nos pontos que se pretendem agora provados pergunta-se o seguinte:
"1 - Autor e 1ª corré viveram juntos até fevereiro de 2009, data em que esta, sem o conhecimento e consentimento do autor, mudou as fechaduras do imóvel referido em C), impedindo o acesso do autor ao mesmo?
6 - Na data referida em F) o autor procedeu ao pagamento ao proprietário da moradia da quantia de 5.500.000$00?
7 - O montante de 5.500.000$00 referido em 6º foi pago com dinheiro que o autor tinha depositado no X…, através do saque do cheque referido em 4º e do cheque nº ……., no valor de 5.000.000$00, em 15 de fevereiro de 1985?
8 - O autor procedeu ainda ao pagamento do remanescente do preço da aquisição através do saque dos cheques nº ……., no valor de 5.000.000$00, em 15 de abril de 1985 e nº ……., no valor de 5.000.000$00, em 15 de maio de 1985?
9 - O autor acordou com a 1ª corré que o imóvel referido em C) ficaria registado em nome dela e que a mesma figuraria na respetiva escritura pública de compra e venda, comprometendo-se a transmitir a propriedade da casa para o autor quando já não houvesse risco para o património deste em resultado dos avais que havia prestado a favor da sociedade H…, Lda.?
10 - O autor interpelou a 1ª corré por diversas vezes, nomeadamente em 1999, em 2002 e em 2009, para transmitir a propriedade do imóvel referido em C) para seu nome, fazendo-lhe ver que a situação de risco relacionada com a falência da H…, Lda. já tinha terminado?
11 - A 1ª corré, embora reconhecendo que o imóvel era do autor, respondia-lhe que "não se preocupasse, que ainda não era a altura para o fazer, que logo que fosse aconselhável o iria fazer, que nunca iria ficar com o que não era dela"?
13 - Os bens móveis mencionados no art. 139º da petição inicial foram herdados pelo autor e também adquiridos exclusivamente com o seu dinheiro?
14 - … tais móveis têm um valor de mercado de cerca de €50.000,00?
15 - No ano de 1999 o autor depositou na conta referida em E) as suas poupanças, no valor de cerca de €400.000,00, mediante a entrega de cheques sacados sobre contas suas na altura existentes no X… e no AH…, no valor de cerca de €200.000,00 e por via de uma transferência bancária no valor de cerca de €200.000,00, da conta que o autor tinha na agência do E… na Suíça?
17 - Autor e rés acordaram que aquele não surgiria como titular da conta referida em E) para pôr a salvo o seu património da mulher com quem o autor manteve uma relação amorosa em 1998, à qual havia feito diversos empréstimos em dinheiro?
18 - …comprometendo-se as rés a restituir ao autor as quantias que este utilizou para abrir a referida conta bancária, logo que não houvesse riscos decorrentes da relação amorosa que o autor mantivera com a referida mulher e para evitar que esta lhe pedisse mais dinheiro?
19 - O autor, em 2009 e por diversas vezes, solicitou à 1ª corré que lhe entregasse as quantias depositadas no E…, fazendo-lhe ver que já não havia qualquer risco de perder esse dinheiro, dado que a mulher com quem manteve uma relação amorosa desapareceu desde essa data completamente da sua vida e nunca mais o procurou?
20 - As rés apesar de reconhecerem que os valores depositados na conta referida pertencem exclusivamente ao autor recusam-se transferir a titularidade da conta para o autor ou de lhe restituir as quantias nela depositadas?".

O ponto 2, que o recorrente pretende ver não provado tem o seguinte teor:
"2 - Desde agosto de 2005, não mais o autor e a 1ª corré viveram sob o mesmo teto, nem partilharam quaisquer afetos ou interesses?"

O tribunal recorrido respondeu aos pontos referidos do seguinte modo:
"Facto(s) controvertido(s) nº 1, 9, 10, 11, 13, 14, 16, 17, 18, 19 e 20 – não provado(s). Factos controvertidos nºs 6 e 7 – provado que na data referida em F) foi paga ao proprietário da moradia a quantia de 5.500.000$00 através do saque do cheque referido no facto controvertido nº 5 e do cheque nº ……., no valor de 5.000.000$00, em 15 de fevereiro de 1985. Facto controvertido nº 8 – provado que o remanescente do preço da aquisição foi pago através do saque dos cheques nºs ……., no valor de 5.000.000$00, em 15 de abril de 1985 e nº ……., no valor de 5.000.000$00, em 15 de maio de 1985".

E motivou do seguinte modo as respostas dadas (ora em síntese):
"(…) com relação à resposta dada aos factos controvertidos nºs 1 e 2, teve-se em consideração os depoimentos prestados, de forma que se nos revelou coerente e segura, pelas testemunhas I…, J…, F… e L…, especialmente esta última (que diariamente, e desde há mais de vinte e cinco anos a esta parte, desenvolve a sua atividade de empregada doméstica no imóvel), as quais relataram os termos em que, ao longo do tempo, se processou o relacionamento entre o autor e a 1ª corré, afiançando que desde agosto de 2005 aquele não mais pernoitou ou viveu nessa casa, deixando outrossim, a partir de então, de coabitar com a corré C…. No concernente à facticidade constante dos factos controvertidos nºs 3, 4 e 5 relevou o depoimento prestado por Y…, que, conforme referiu, numa fase inicial, intermediou o negócio tendente à compra do prédio urbano, tendo sido acertada nessa ocasião com o demandante as condições de pagamento do preço da projetada venda, tendo para tanto preenchido a proposta de compra que se mostra junta, por cópia, a fls. 116. Quanto à resposta dada aos factos controvertidos nºs 6, 7 e 8, teve-se em consideração os suportes documentais juntos a fls. 116, 383, 384 dos autos, que não foram alvo de expressa impugnação, de cuja exegese se extrai que os pagamentos foram realizados através dos cheques aí mencionados (…). Com relação à facticidade dada como não provada, a parte a quem competia o respetivo onus probandi não logrou, quanto a nós, produzir prova convincente no sentido de confirmar as concretas afirmações de facto aí vertidas. Desde logo, com relação à constante dos factos controvertidos nºs 9, 10 e 11, o autor não aportou aos autos qualquer elemento probatório consistente no sentido de permitir suportar conclusão segura de que entre ele e a corré C… tenha existido acordo em que esta figuraria na escritura pública de compra e venda do prédio como adquirente do mesmo tão-somente para afastar o risco de os eventuais credores daquele (em resultado de avais prestados a favor da H…, Lda.) pudessem requerer a penhora de tal bem, e bem assim que esta se tenha obrigado a transmitir-lhe tal imóvel logo que não existisse esse risco. Com efeito, a respeito de tal materialidade, foram ouvidas diversas testemunhas (registando-se a este respeito depoimentos discrepantes, mormente entre os testemunhos prestados por M… - que, no período compreendido entre 2001 e 2009, viveu em união de facto com F… - e este último (filho do autor e da 1ª corré), sendo que a acareação realizada entre os mesmos se revelou inconclusiva) que, na essência, prestaram depoimentos indiretos, ancorando-se para tanto no que as próprias partes lhes haviam confidenciado, não revelando, contudo, qualquer efetivo conhecimento do alegado acordo. Com o propósito de lograr demonstrar a referida factualidade, ainda que de forma indireta, o autor alegou que todo o dinheiro utilizado na aquisição da casa lhe pertencia, posto que a 1ª corré não possuía quaisquer bens ou rendimentos que lhe possibilitassem essa compra. Ora, para além de o demandante não ter produzido prova tendente a confirmar que efetivamente o dinheiro utilizado na compra da casa lhe pertencia (sendo certo, aliás, que na escritura que titulou a compra e venda do imóvel – cfr. fls. 122 e 123 - é referido que o preço foi pago pela compradora), resultou da prova produzida (conforme adiantaram as testemunhas N…, J… e F…) que a 1ª corré trabalhou, como professora do ensino secundário, durante vários anos até, pelo menos, ao nascimento de sua filha (a 2ª corré, ocorrido no ano de 1980), tendo nesse período contribuído para a liquidação do empréstimo contraído para a construção do prédio urbano onde o “casal” coabitou na Rua …, sendo que a quantia resultante da venda dessa casa (na ordem dos 12.000.000$00) foi canalizada para liquidar a parte substancial do preço da compra do imóvel. As mencionadas testemunhas adiantaram ainda que, para além da importância de cerca de 5.000.000$00 que a mesma recebeu na sequência da partilha da herança de seus pais, mesmo depois do nascimento de sua filha a ré auferia rendimentos resultantes da sua atividade como pintora, sendo certo outrossim que auxiliava o autor na angariação de clientes e na gestão do escritório de arquitetura.
De igual modo, o autor não logrou demonstrar (maxime através de prova documental) que por ocasião da celebração da escritura pública a que se alude em D) teria ainda responsabilidades por liquidar referentes a avais que havia prestado a favor da sociedade H…, Lda. (que foi declarada falida por sentença em 12 de março de 1976), sendo certo que, a este propósito, a testemunha F… adiantou que, nessa altura, o demandante já não tinha quaisquer obrigações, mormente cambiárias, por satisfazer ligadas ao indicado ente societário. Idênticas considerações são válidas no que tange à facticidade constante dos factos controvertidos nºs 15, 17, 18, 19 e 20, posto que o demandante, para além de não ter produzido prova segura (mormente documental) de que fosse o proprietário de todas as disponibilidades financeiras que foram depositadas na conta a que se alude na alínea E) da matéria assente, não apresentou igualmente prova consistente que possibilitasse concluir que firmou com as corrés um qualquer acordo no sentido de que estas apenas figurariam como titulares dessa conta para pôr a salvo da mulher com quem havia mantido uma relação amorosa o dinheiro que canalizaria para essa conta e que, de igual modo, se comprometeriam a restituir-lhe essas importâncias logo que isso lhes fosse solicitado. Na verdade, as testemunhas adrede inquiridas, prestaram, também neste particular, depoimentos de natureza claramente indireta, nada de concreto e efetivo sabendo adiantar sobre os contornos do alegado acordo. Daí que, na ausência de outros subsídios probatórios mais consistentes, mormente de natureza documental, e atentas as implicações neste domínio do princípio plasmado no art. 516º do CPC, propendemos, pois, para considerar não demonstradas as afirmações de factos plasmadas nos factos controvertidos nºs 9, 10, 11, 15, 17, 18, 19 e 20. No que respeita à facticidade constante dos factos controvertidos nºs 13 e 14, embora resulte dos elementos carreados para os autos (cfr. fls. 208 a 227) que, na sequência da partilha do acervo hereditário que compunha as heranças de seus pais, o autor recebeu diversos bens móveis, facto é que não logrou este demonstrar que dentre os bens móveis referidos no facto controvertido nº 13 estivessem contemplados alguns dos bens adquiridos por via sucessória e bem assim que tenha sido ele a comprar bens aí descriminados. Acresce, por outro lado, que identicamente não logrou demonstrar que os bens elencados se encontrem no imóvel, posto que as testemunhas a esse respeito inquiridas prestaram depoimentos pouco consistentes revelando ausência de conhecimento sobre essa matéria, desde logo porque só muito esporadicamente entraram nessa casa não acedendo ao interior da mesma há já vários anos (…)".
Prossigamos, reapreciando a prova que se encontra nos autos.

2.2.1.2.1 – A prova documental
Do vasto conjunto de documento existentes nos autos, que apreciámos; destacamos os seguintes:
- Fls. 102/104: Descrição, na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, da casa da rua …, com anotação de aquisição pelo autor em 4.03.1974 e constituição de hipoteca na mesma data, a favor da Z…, garantindo um empréstimo de 590.000$00.
- Fls. 106/107: Informação da Z… confirmando a liquidação, em 23.03.1985, do empréstimo antes referido.
- Fls. 110 e fls. 112/114: Contrato promessa relativo à venda da casa da rua … e contrato (definitivo) dessa venda.
- Fls. 116; fls. 118/120 e fls. 122/123: Proposta de compra da casa da rua …; contrato-promessa e contrato definitivo de compra e venda[7].
- Fls. 125/128: Livro de matrículas da sociedade H…, Lda[8].
- Fls. 130/131: Carta elaborada pelo autor, datada de 28.02.2010 e dirigida à ré C…[9].
- Fls. 134/135 (1 e 2): Extrato bancário, em nome da ré C…[10].
- Fls. 145/146: Declaração de rendimentos do autor para efeito de Imposto Profissional (1981): 558.000$00; fls. 154/155: Declaração de rendimentos do autor, referente ao ano de 1983, com rendimento coletável de 594.900$00; fls. 160/162: Declaração de rendimentos do autor, referente a 1985, com rendimento coletável de 928.730$00. Em 1986 (fls. 164) o rendimento coletável é de 897.000,00€; em 1987 (fls. 167) é de 964.301$00 e em 1988 (fls. 170) é de 1.403.330$00.
- Fls. 173 e ss.: Declarações de IRS, englobando rendimentos prediais, respeitantes aos anos de 1989, 1990, 1991, 1992, 1993[11], 1994, 1996, 1997.
- Fls. 208/220: Escritura de partilha, de 1978, por morte do pai do autor.
- Fls. 225/227: Relação de bens relativa ao falecimento da mãe do autor.
- Fls. 331: Assento de nascimento do filho do autor, testemunha F….
- Fls. 333/338: Contrato promessa de cessão de quotas e contrato promessa de compra e venda.
- Fls. 383/384: Documentos manuscritos relativos ao recebimento do preço da casa, datados de abril e maio de 1985.
- Fls. 399 e ss.: Perícia de avaliação da casa.
- Fls. 450 e ss.: Escrituras de compra e venda de 5.06.2008 e de 8.11.2000, juntas na sequência dos depoimentos prestados na 1.ª sessão de julgamento.
- Fls. 460 e ss.: Documentos relativos a ação judicial em que o autor é executado, juntos na sequência dos depoimentos prestados em audiência.
- Fls. 468/473: Faturas de água e comunicação, em nome do autor e dirigidas à morada da rua … (referentes ao ano de 2007 e de 2009).
- Fls. 480/489: Contrato de promessa de cessão de quotas, relativo à sociedade comercial AM…, Lda.
- Fls. 510/513: Declaração de rendimentos (IRS), Modelo 3, respeitante à ré C… e referente ao ano 2010.
- Fls. 524: Requisição de cheques ao X… (junto na sequência da terceira sessão de julgamento).
- Fls. 530 e ss.: Mútuo com hipoteca.

2.2.1.2.2 – Os depoimentos testemunhais
Ouvimos os depoimentos testemunhas gravados nas cinco sessões da audiência de julgamento e deles salientamos o seguinte:

1 – O…. Irmã do autor. Depôs à matéria perguntada nos pontos 1,3,7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 17, 18, 19 e 20 da base instrutória. Ficheiro 20121010095917 – 518273 – 2175858.
Conhece a relação entre o autor e a ré C…[12] quase desde o seu início, há quarenta e tal anos. O seu irmão estava em arquitetura quando conheceu a companheira. Ela era casada e eles foram para Lisboa, porque o seu pai não estaria de acordo "com juntar-se com uma pessoa casada"; andavam juntos na Faculdade. A relação foi mantida encoberta e ela só foi apresentada à família quando tiveram o filho (min. 4,50). Nunca casaram, porque ela só se divorciou muito mais tarde "e depois disso não casaram possivelmente para manterem os bens protegidos, porque o irmão tinha uma firma. A união foi antes do 25 de Abril (mas) depois deste houve problemas graves na firma "e havia problemas em relação ao que pudesse acontecer… o irmão era gerente e chegou a ser sequestrado e ocuparam a casa em que ele vivia; ele, para fugir refugiou-se em minha casa"; queriam (ficar com) a firma, (queriam) a autogestão (7,40). O irmão até resolveu entregar a autogestão, mas caiu o Governo do Vasco Gonçalves e ele ficou com a firma (mas) sem nada (8,30). O irmão, nessa altura, fazia avales de empréstimos, "o que era normal em todas as empresas" (9,00). A relação entre o casal foi de altos e baixos "e eu não via um beijo, um carinho dado", cada um era um pouco independente, até porque ele ficava a trabalhar quando iam de férias, ele velejava sozinho e ela não tinha a mesma ideia (de velejar), mantinham uma vida "um pouco … havia uma independência grande", mas tomariam algumas refeições juntos, que ele tinha o escritório perto da casa (12,00). Quando terminou a relação?... ele teve outra companheira ("ela dizia, ele que arranje alguém, mas longe") "empurrado" pela ré, "que não estava satisfeita com nada que ele fazia", embora o irmão trabalhasse até em férias e tivesse trazido "muita coisa para casa", além do que recebeu de herança (13,50). O seu pai tinha uma fábrica de gravatas e deixou aos filhos a fábrica e dinheiro, só de um quarto (são quatro irmãos), cada um recebeu 220 mil euros, fora a própria quota, e o irmão fez património, "com a herança e com os seus negócios", casas adquiridas e transformadas, e um terreno em Gaia com casas alugadas (16,30). Antes de viver na casa, o irmão viveu na … e antes na …. Foi ele que construiu a da …, pelo menos em parte e lá vivia com a ré e os filhos. Depois vendeu e comprou a casa, e vendeu também o andar da … (18,30). "Quem comprou a casa foi o irmão, que ela não tinha bens nenhuns; trabalhou como professora durante 3 anos… e só vi um quadro feito por ela"; ficava em casa, embora tivesse empregada (20,00). Na relação houve reconciliações e ele voltou para casa; chegou a ir à casa em 2006 e encontrou lá o irmão (foi numa altura em que a testemunha tinha tido uma zanga com o seu marido e foi para conversar com o irmão); depois, quando venderam o edifício da fábrica, a ré foi com ele (o irmão), "e isso foi, salvo o erro, em junho 2008" (23,00). Foram a C… (ré), o irmão, a testemunha e o seu marido, porque a ré, "com o dinheiro do irmão" (autor), "tinha comprado a parte do meu irmão mais novo" (24,00). O seu irmão (autor) foi com a companheira e "estivemos de conversa" e o irmão disse que ela (a ré) viria porque tinha comprado com o dinheiro que ele pôs em nome dela e da filha (25,10). O irmão sempre disse que a filha era a única pessoa em quem podia confiar (26,00). O irmão fez grandes projetos e "imensos trabalhos importantes"… quando pôs o dinheiro em nome da filha foi porque foi "quase exigido" e também por segurança que concordou, "pelos problemas próprios dos negócios", para se proteger (27,50). Teve uma relação com outra mulher, a quem emprestou dinheiro, mas "que o foram buscar", como a própria ré informou a testemunha: informou-a da relação amorosa, dos empréstimos e da recuperação do dinheiro. Isso foi a causa de pôr o dinheiro em nome da companheira e da filha, foi por causa disso e sempre com a preocupação dos negócios (30,20). A ré reconheceu que a casa e o dinheiro eram do irmão? – "Por exemplo, na escritura, em 2008, ele estava a falar que ela vendeu a sua parte e era dinheiro dele" e também falou da casa e, noutra ocasião, sem ele estar presente, (a ré estava) preocupada e nessa altura (disse) que a casa era "um bem que também era dele" (32,50). Entende que a relação, com muitos altos e baixos (só) terminou quando ela mudou as chaves de casa (34,00). Ele, atualmente, vive no escritório. Durante algum tempo ia e vinha a Guimarães, tomando conta de uma gasolineira que era negócio de um cunhado da ré, negócio que correu mal e o irmão ia ajudar; ia e vinha todos os dias, ficando lá algumas vezes e acabando por alugar casa lá (em Guimarães). Primeiro, a ré e a filha chegaram a ir lá, mas depois o irmão tomou conta… foi, mais ou menos, em 2005 (36,50). As coisas dele (que eram dele) não as tem no escritório e nem tem condições (de as lá ter). Os bens estão na casa, pensa; bens que eram da família. O irmão só lhe disse que tinham mudado a fechadura e não podia entrar em casa; antes disse não lhe disse que pretendia sair (42,50).
Contrainterrogatório: A H… faliu em 1976 e não tem conhecimento preciso dos avales, mas sabe que havia empréstimos. Não sabe os valores e quem eram os credores. Da herança do pai havia dinheiro em bancos que ficou para a mãe e, na altura, levantava-se de qualquer banco (em resposta à dúvida sobre a existência de dinheiro e da sua transmissão aos herdeiros, uma vez que não consta do processo de inventário); da herança do pai havia dinheiro que levantaram, não sabe quanto foi (47,50). A conta a que se referiu era uma conta que o irmão pôs em nome da cunhada e da sobrinha, aberta no AI…, depois E… e que a própria cunhada lhe falou e, quanto ao porquê, foi por causa dos problemas que houve na H… e o irmão continuou (em resposta à dúvida resultante da falência da H… ter ocorrido muitos anos antes) e a pensar nesses problemas, por segurança, e não queria ter a conta sozinho. Não sabe quando foi aberta, "em 2000, 1999, 2000 e qualquer coisa"… qualquer conta (que ele tinha) era em conjunto, mas aquela era só em nome delas. E também houve outras razões, "para (o) proteger, em princípio; para que ele não gastasse dinheiro". Aquilo "que acho é que insistiram com ele para essa conta e ele aceitou, para dar confiança às pessoas" (53,00). Os valores… "era duzentos e tal mil euros, acho", tinha muito a ver com os negócios e com as coisas herdadas. As partilhas do pai foram feitas logo a seguir à morte, em 1972, mas não receberam logo o dinheiro e a conta (em nome das rés) foi na altura em que "houve um caso" e foi por causa disso (55,40). O irmão fez o projeto e construção dos …; houve outras construções em que também ficou com dinheiro; ali "investiu três mil e tal contos e recebeu sete mil e tal" (57,00). Não consegue situar ao certo os altos e baixos da relação, mas esteve em casa deles em 2006; sabe da data porque foi quando teve uma zanga com o seu marido, mas não sabe o mês ou a época do ano (61,20). Depois de 2006 não voltou a estar na casa, mas a vida entre eles, em 2006, "pareceu-me muito amena" e estavam a falar bem, mas não sabe se viviam como marido e mulher, se dormiam na mesma cama, apenas "que estavam a falar bem" (63,50). Em 2008, aquando da escritura em que a ré esteve presente (falou-se)… da casa, e da parte comprada com o dinheiro do irmão, a conta em nome dela é que serviu para comprar parte da fábrica… aí é que se falou do assunto … mas antes a ré falou-lhe que a conta tinha sido feita por causa "dessa aventura" e, em 2008, "eu assisti à conversa do irmão a dizer que ela estava a comprar com o dinheiro dele… o que ele pôs na conta". Da casa, ela também assumiu que pertencia ao irmão e também se falou na escritura (em 2008); falaram porque "está relacionado… porque a casa, como o dinheiro, também era dele" e a ré, "não me lembro como o disse, reconheceu que era um bem dele". Só falaram desses dois bens (69,00). E ela voltou a falar-lhe, com medo que ele quisesse ir para os …, porque (ele) não tinha casa para viver. Ela falou que se houvesse "alguma coisa para dividir, havia também a casa". Foi uma conversa telefónica; o que ela queria saber era a situação do irmão da testemunha e tinha receio que ele ocupasse os …, que estavam arrendados (73,50).
Interrogatório do tribunal: A mudança da fechadura foi em 2009. Até então, o irmão residia na casa e em Guimarães (74,50). Em 2005 eles relacionavam-se, porque em 2008 ela foi com ele para a escritura (75,00). Nos jantares das sextas, a ré nunca acompanhava o irmão (76,20). Relativamente à casa, "de concreto" acha que foi o irmão quem a pagou: vendeu a … e outro andar para comprar a casa; a ré ficou na escritura por "uma questão de problemas, de falências". A testemunha ia muitas vezes lá a casa, mas depois de 2006 não voltou. Aquando da compra da casa havia empréstimos, mas não sabe se havia algum processo, mas "havia o trauma" do que aconteceu com a H… (82,40). Ouviu a ré, ela própria, dizer, e o irmão também, que era uma questão de segurança. A ré, nessa ocasião, não tinha rendimentos, vendeu apenas parte de uma casa em …; para a compra da casa acha que era só dinheiro do irmão e a ré não teve intervenção (86,30). O irmão já tinha pedido várias vezes para regularizarem a situação (no sentido de a casa passar para o nome dele), "acho". De concreto, ouviu ele a falar na altura da escritura (2008), "outras alturas não recordo" (88,30). Os titulares da conta ficaram a ser as rés, porque "tinha havido uma aventura, o que soube por ela". Não sei se ele vivia lá em casa e (ou) depois foi feita uma reconciliação, mas nessa altura foi-lhe pedido, por uma questão de segurança e de confiança e ele quis provar (a confiança) pondo o dinheiro em nome dela, "porque, pelos vistos, tinha dado dinheiro à outra senhora" (91,40). Foi para dar uma certa prova de estar arrependido e que não voltava a acontecer, "disse-lhe a cunhada", mas os dinheiros eram de uma conta dele, eram dinheiros que ele tinha, "todo o dinheiro e todos os bens foram do meu irmão" (93,40). A casa foi uma coisa mais recente (mas) depois do problema da H… o irmão ficou sempre traumatizado[13] e os "dinheiros eram sempre do irmão" (96,00). Sei que o dinheiro utilizado, em 2008, foi pedida autorização a ele[14]; aquilo era uma "situação periódica", para dar uma ideia de confiança, mas depois para ser posto em nome dele (98,40), conforme ouviu na escritura, em 2008, porque antes já tinha ouvido falar mas só ao irmão. À sobrinha, porém, nada ouviu (101,00). Quando aconteceu o problema com a gasolineira, inicialmente o irmão ia e vinha todos os dias, mas depois passou a ficar lá (em Guimarães) e nessa ocasião a ré continuava no Porto. Quando as fechaduras foram mudadas ele ainda "residia cá", apesar de passar várias noites em Guimarães (104,20).
Esclarecimentos finais: O irmão continua a ser arquiteto (quando ia e vinha de Guimarães) e exercia a profissão próximo da casa. A sobrinha não tinha meios para ter o dinheiro da conta, na altura em que foi aberta (106,30). Em relação aos avales, "o irmão claro que pagava", mas as dívidas podiam ser novas, não as de 1976, porque era preciso sempre empréstimos para os negócios. Não sabe quando se consumou o pagamento dos avales. Não me está a ocorrer (porque na partilha não houve receio de os bens ficarem em nome do irmão?), a casa da … estava em nome dele "mas foi um período diferente do que aconteceu na H…" (116,00).

2 – S…. Reformado. Irmão do autor. Depôs à matéria perguntada nos pontos 1,3,7, 8, 12, 13, 14, 16, 17, 18 e 19 da base instrutória. Ficheiro 201210141409.
Não conviviam como casais (a testemunha, quando casada, o irmão e a ré). A relação deles era atribulada e "tensa, estava à vista", e desde muito cedo (min. 4,00). Teve conhecimento de uma "relação extra" do irmão, mas não sabe se saiu de casa. Houve uma "certa reconciliação, não sei, ou várias". Está poucas vezes com o irmão, só às sextas no …, onde se reunia um grupo de pessoas, desde 2001 até – para a testemunha – 2009. O irmão ia sozinho, não levava a ré (7,00). O destino dele, depois do jantar… várias vezes foi com ele, dar um passeio, mas não entrava em casa (dele) ele ia para casa e em 2008, mais ou menos, ele até lhe trouxe de casa duas peças, que eram bens herdados (12,00). Ele tinha qualquer coisa em Guimarães, uma bomba (12,30). Da herança, além dos bens, receberam dinheiro; ele recebeu da venda da fábrica e da herança da mãe e outras coisas como a parte de Gaia, que era um terreno. Fizeram umas permutas, dois irmãos ficaram com umas coisas e ele e o irmão ficaram com outras coisas e houve pagamento em dinheiro, "mas o valor aproximado é difícil" (15,00). A H… foi uma empresa que ele e dois sócios fundaram antes do 25 de Abril e teve problemas gravíssimos, "até entrou em autogestão"; ele deve ter dado avales e "penso que teve uma execução, mas não sei se da H… ou dele" (17,00). Ele vivia na … quando houve os problemas com a H…. Depois vendeu e foi para a casa (…). Esta – soube na altura – foi comprada com dinheiro da casa vendida, havia uma pequena diferença, "ele teve alguns problemas e a casa foi comprada em nome da D. C…" (20,30). O irmão tinha absoluta confiança na filha e, por uma questão de mostrar confiança à família, pôs o dinheiro em nome delas e com esse dinheiro a D. C… comprou a minha parte da fábrica" (22,00). O problema, na altura, era o da aventura e "a base foi mostrar confiança a eles", mas porque continua a não ser titular (da conta) "sei pouco". A casa é de grande valor, setecentos, oitocentos mil euros (24,10). Quando lhe trocaram a fechadura, ele deixou tudo lá na casa. Há bens (que, nesta altura lhe são lidos pelo ilustre mandatário) que são da herança, quadros, comboio, violino, faqueiro de prata alemã, escultura, e foi uma vez à casa e viu que as camas eram as dos pais, e outras coisas. O valor desses bens, da herança ou pessoais… havia pintura valiosa, os faqueiros, tudo com uma "avaliação miserável" (no inventário) mas com muito valor no mercado, a parte dele, na altura… cinco mil contos (28,40). Conhece obras do seu irmão como arquiteto, por exemplo a obra da AD… e ele foi trabalhando regularmente, "era uma pessoa desafogada", sem razão para ter dificuldades financeiras. A ré trabalhou meia dúzia de anos a dar aulas, há mais de vinte anos e nunca viu nenhuma pintura dela vendida. Tinha um hotel, mas era da mãe e também dos irmãos e uma casa em … (32,00). O seu irmão ia e vinha a Guimarães, mas às vezes ficava lá, "tinha lá um apartamento". As rés estiveram lá a trabalhar na bomba de gasolina, ou a ajudar, mas mais assiduamente para Guimarães 8º irmão) foi, "sem pormenor", depois de 2000 (34,30).
Contrainterrogatório: A partilha dos bens do pai foi muito antes da mãe, que faleceu (a mãe) em 1988. Herdado do pai foi já dinheiro, "mas não tenho a noção disso, porque vendemos parte a ele e à irmã, em 1990. A venda de parte da fábrica, que fechou em 1992, foi em 1990 ou 1989, a partilha dos bens do pai foi em 1978. Primeiro ficaram os bens indivisos e depois houve um acordo (89/91) e o irmão recebeu dinheiro e bens (41,00). Não pode precisar a responsabilidade pessoal do irmão na H…; tinha avales nas livranças, mas em conjunto, e não sabe se pagou os da H…. A casa ficou em nome da ré por uma questão de resguardo, por causa dos avales e problemas (44,00). Era lógico resguardar uma parte, mas "era complicado esconder os bens todos"[15] (45,50). O dinheiro da conta bancária, pensa que foi o dinheiro que depois foi para a compra (da sua parte na fábrica), mas esse dinheiro, antes de chegar a essa conta (do E…), "não sei" (48,10). A compra da sua parte foi em 2000 e interveio também a ré, foi ela quem comprou, numa escritura feita em Espinho (49,00). Ainda a questão da conta, "eu falei com a C… e o problema da aventura trouxe problemas familiares e foi um assunto complicado"; a questão do dinheiro, "ele sempre disse que foi para mostrar confiança e basicamente na filha; pensa que terão acusado o irmão de ele "se perder com a aventura" e ele quis mostrar confiança à família (52,20).
Interrogatório do tribunal: Quem lhe transmitiu a "mudança da fechadura" foi o irmão e foi em princípios de 2009. Nessa altura ele residia "naquela vida": férias sozinho, …, que não deixou, Guimarães … tinha as chaves da casa e tinha vida lá e em Guimarães (54,00). A testemunha era pouco visita da casa, que "nós tivemos um litígio que fomos quase ao Supremo tribunal" e ele também não ia a minha casa. Na altura da troca das chaves o relacionamento (com a ré) estava mau, mas não sabe quando cessou (o relacionamento). Em 2004 foi lá a casa e reparou que ele vivia "num quarto qualquer" (56,50). Quando comprou a casa, o que sabe é que "a C… não gostava de viver em Matosinhos, e apanhou aquela oportunidade"; não sabe quem negociou com o vendedor. Não participou em qualquer conversa entre eles e só ouviu da parte dele que a casa era (assim) para não ter o património todo na parte dele. A ré não tinha património para pagar o preço todo da casa, pois a casa da … era do irmão e foi o dinheiro dele (irmão) que pagou a casa. O património da ré era uma casa da mãe, em … e quem ficou com ela foi a irmã mais velha, que pagou à ré, mas não sabe quanto (62,00). A execução que referiu seria uma da AF…, "mas não sei a ordem de grandeza das dívidas" (64,30). Não sabe pessoalmente se o irmão solicitou que a ré passasse a casa para o nome dele, nem a ré assumiu consigo que a casa não seria dela (65,30). O dinheiro da conta pertencia ao irmão e "deve ter sido" o que recebeu da parte dos irmãos, e ele tem (também) as receitas do trabalho de arquitetura. Relativamente a este dinheiro, também nunca presenciou qualquer pedido de restituição (67,00). A escritura de Espinho foi em 2000; teve por objeto a venda de 25% da fábrica, a minha parte, à ré e foi ela que pagou com dinheiro de uma conta do AI…, que estava em nome dela, "mas era do meu irmão" (69,00).
Esclarecimentos finais: A casa da …, não sabe como foi comprada, de onde veio o dinheiro e não sabe precisar quando foi comprada e não sabe se nessa altura a ré trabalhava como professora (72,00).

3 – M…. Enfermeira. Conhece o autor e as rés. Viveu em união de facto com o filho do autor e da ré C… (F…) e tem dois filhos, netos daqueles. A união de facto durou entre 2001 e 2009, mas já conhecia a família antes, desde 1999/2000. Responde aos pontos de facto 1, 9, 10, 11, 15, 17, 18, 19 e 20. Ficheiro 2012 10105830 (depoimento) e 20130124094922 (contradita entre si e a testemunha F…).
De 2001 a 2009 viveu com o filho do autor (e da ré) num apartamento dele (filho) na Boavista, mas esteve dois meses na casa, no ano de 2002. A relação entre o autor e a ré, não sabendo antes dessa ocasião, não era uma relação fácil, cada um fazia a vida que queria, não passavam férias juntos, não era uma relação comum (min. 5,30). O seu filho mais velho ficava lá (nasceu em 2001) e ia lá buscá-lo à casa. De 2005 a 2009… "acho que o relacionamento terminou verdadeiramente quando mudaram a fechadura em 2009" (teve conhecimento pelo seu companheiro). Quando ia buscar o filho, algumas vezes estava lá o autor, mas em março de 2009 "terminei o meu relacionamento e deixei de ir lá" (7,40). Em 2008, já depois do casamento da (ré) D…, que foi em 2007, viu o autor e a ré "juntos a sair de casa" e (perguntando ao companheiro) disse-lhe este que o pai "recebeu o dinheiro da fábrica e foi liquidar o empréstimo" (9,30). Sabe pela ré, quando lá esteve em casa, que tinham um processo no tribunal e "quando compraram a casa ficou só em nome dela" e que o dinheiro que tinha na conta "dela e da filha, ou dos filhos era do marido e não tinha tocado nele" (11,10)… as coisas "eram dos dois" (11,30). O autor trabalhava no escritório e na bomba de gasolina, em Guimarães, onde estava antes um cunhado da ré que ficou incapacitado e o autor passou a ir cada vez mais a Guimarães (13,00). Naquela altura (2001/2009) a ré estava em casa e tinha empregada, saía com as amigas e também pintava; tinha dado aulas, poucos anos, antes desse período (15,30).
Contrainterrogatório: Não se dá nem bem nem mal com a ré. Quando se separou (do filho) houve atritos, mas "está tudo normalizado" (16,20). Soube por ela, ré, que quando venderam a casa da … compraram a casa (…) que ficou em nome dela "por causa de um processo" (23,00) e, em relação ao dinheiro (disse-lhe o que já referiu) na mesma conversa. Depois, falou com o autor e o assunto foi sendo aflorado (24,30).
Interrogatório do tribunal: A fonte de rendimentos da casa era o pai e o filho, não conhecia património à ré, embora soubesse que herdou parte de uma casa em … e vendeu e terá emprestado (dinheiro) ao filho (26,20). O filho confirmava a versão que a casa só estava em nome da mãe e o dinheiro em nome da mãe e da filha, "não explicando porque não estava em nome dele", filho. Perguntei porque não "puseram em nome dos dois" e disseram "que confiavam" (28,40). Encontrava lá em casa todos, mas não todos os dias (30,30).
Esclarecimentos finais: A regulação do poder paternal (dos seus filhos) terminou em 2012, e por acordo. Da conversa que teve percebeu que, se não fosse o motivo, a casa, tal como as outras coisas, estaria em nome dos dois (34,50).

Na acareação: Mantém que a ré lhe disse que a casa era dos dois e confirma que "o F… disse que era isso" (min. 3,00). Numa conversa co o companheiro, ele disse, "não é só da minha mãe, também é do meu pai" (11,00) e ficou com a ideia que a casa era dos dois (11,30). Esclarece que, no seu depoimento, não disse que eles (autor e ré) estariam juntos, nomeadamente entre 2006 e 2009; viu-os mais que uma vez, mas não sabe se o autor dormia lá (16,30); que ia lá, ia… tinha a chave (17,20). Acha que na casa há bens do autor, herdados e várias vezes encontrou lá, na casa, o arquiteto, mas também "não ia lá muitas vezes (25,30).

4 – AJ…. Reformado, licenciado em Economia. Trabalhou no E…/Investimentos (que abriu no Porto em 1988). Conhece o autor há 45 anos, mas não é visita de casa. Respondeu aos pontos 15,16,17 e 20 da base instrutória. Ficheiro 20121112095255.
Pensa que o autor tinha investimentos em Portugal e na Suíça, num Banco ligado ao Grupo E… (min. 6,30). Pensa que entre 200/300.000 euros era o investimento na Suíça. Eram contas em nome "do autor e da senhora" (a ré). Recorda uma reunião conjunta com o autor, a ré e a filha, mas há muitos anos, "talvez no final do século", 98/2000 e o tema da reunião foi uma consulta para saber como se devia alterar o posicionamento dos titulares da conta, conta que tinha sido aberta antes e no nome do autor e da ré e "na viragem do século" consultaram-no (para saber a) forma "do arquiteto sair da conta e introduzir a filha" (11,00). Essa conta era no Banco sediado na Suíça; mais tarde ocorreu em relação a contas de outros bancos, "que decidiu juntar numa conta aqui em Portugal, no AI…" (12,30). Do AI… passou, uns anos depois, para O E…, porque o AI… foi absorvido. Nas contas de cá, não sabe se o autor era o único titular ou o 1.º titular (14,30), mas sempre lhe deu a ideia que o autor "estava a tratar do seu dinheiro, pelo menos em parte substancial das contas" (15,40). Quando o autor saiu de titular explicou-lhe que (1) tinha uma atividade de risco empresarial, tentando preservar o que ia ganhando e (2) porque não havia risco (da saída), atenta a confiança absoluta que tinha na filha (18,00). A conta objeto da consulta estava em nome do autor e da ré e foi anulada; a conta nova ficou em nome da ré e da filha e foi "para preservar os riscos da atividade empresarial que estava a correr, na altura" (20,10). Havia uma conta na Suíça e cá, e nas de cá o titular era o arquiteto… era o arquiteto "o proprietário do dinheiro" (21,30). Não lhe disse se seria uma situação provisória e o que se passou depois, ou atualmente, não sabe (27,30).
Contrainterrogatório: O risco, na Suíça ou cá, é praticamente o mesmo[16] (31,00) e a decisão foi tomada pelo autor e pela ré "e vai desaguar na constituição de uma conta com a filha"; a decisão foi tomada pelos dois; o autor saiu e foi substituído pela filha, a ré já fazia parte das contas (33,00). "Não tenho dúvida" que foi uma decisão dos dois (33,40). Os "depoimentos" do arquiteto que o convenceram que o dinheiro era dele foram sobre negócios e a herança; os documentos (que viu) eram os extratos das contas, "mas a origem do dinheiro só o próprio é que sabe" (36,00). Não recorda a atividade de risco do autor, mas "é natural que me tivesse dito" e eram empresas na área do imobiliário (43,00).
Interrogatório do tribunal: O autor nunca se referiu a outra proveniência do dinheiro (que não dele), mas desconhece se a companheira tinha ou não qualquer atividade, "isso nunca foi falado".
Esclarecimentos finais: Além da conta na Suíça, titulada pelos dois, não pode dizer se as outras também eram assim porque os extratos vinham com o 1.º titular: na conta da Suíça viu os dois titulares; nos bancos portugueses viu os extratos e o 1.º titular era o autor, mas "não pode dizer mais que isso" (49,10).

5 – AN…. Viúva. Médica. Irmã da ré C…. Respondeu aos pontos 3,7,8 e 15. Ficheiro 20121112144502. Conhece o autor há muitos anos: é arquiteto e sempre trabalhou; a (sua) irmã era professora e tem o curso de Belas artes (min. 3,00). A irmã pintava e tinha um atelier na …. Nunca foi lá, mas tem um quadro dela e foi a uma exposição, há muito tempo, uma coisa esporádica (4,20). "Não faço a mínima ideia" se os rendimentos dela permitiam ter aquela casa (4,30).

6 – AC…. Arquiteto. Trabalhou com o autor 11 anos. Não era visita da casa, mas conhece as rés. Respondeu aos pontos 3, 8 e 15. Ficheiro 20121112145058.
Trabalhou com o autor desde finais de 1977 (na altura ainda não era arquiteto), inicialmente na … e depois na …. Conhece o percurso do autor até 1989, quando deixou de trabalhar com ele. O autor – o atelier – fez muitos trabalhos, uma torre habitacional na Régua, dois edifícios em Penafiel, mais dois na … e dois em Matosinhos, as AO… de Lisboa e Porto, as instalações da AD… em Braga… (min. 6,20). Não havia dificuldade em arranjar trabalho e o autor tinha automóveis (Saab), um barco à vela, "uma vida folgada". Terá sido em oitenta e pouco, talvez mais, que se mudou para a casa, junto ao escritório, mas "nunca lá entrei". A sua ideia é que foi o autor quem a comprou, mas não tem outras provas além de conversas de escritório e a ideia que, talvez, a companheira não trabalhasse, "devia estar em casa, para onde ligava (o autor) habitualmente" (10,00).
Contrainterrogatório: Chegou a ser sócio, com o autor e outro arquiteto. Tinha 25% e depois passou a 20%, quando entrou outro colaborador (15,00).
Interrogatório do tribunal: Da aquisição da casa sabe o que ouviu ao próprio autor, mas não interveio nas negociações e, de concreto, o que sabe é que ele tinha uma casa e disse que se ia desfazer da casa para comprar aquela… foi a ideia que ficou (19,30). Também constava que ele tinha umas fábricas que eram do pai. Tem a impressão que o autor conduziu o processo negocial (da aquisição da casa), "mas nem sei quanto custou ou quem pagou o preço" (21,20)

7 – AP…. Arquiteto. Trabalhou no gabinete do autor de 1999 a 2003. Respondeu ao ponto 15. Ficheiro 20121119094030.
Trabalhou no edifício …, que era uma obra grande, demorada e proveitosa e o autor ficou com um T4 na cobertura; quando saiu, em 2003, ainda era dele e estava em conclusão. Trabalharam lá pai e filho e em 2003 houve uma passagem da direção da obra do autor para o filho (min. 5,00). Não sabe o destino posterior da fração, que era das melhores do edifício, com valor elevado também pela zona (…), talvez valesse 300 ou 400 mil contos (6,30).
Contrainterrogatório: Qualquer resultado da comercialização da fração terá sido posterior a 2003. O valor, talvez 300 mil contos, por fração. Desconhece, no entanto, os custos do investimento (11,00).

8 – Y…. Reformado. Conhece as partes. Respondeu aos pontos 3 a 9. Ficheiro 20121119095405.
Conhece a casa pois foi quem propôs ao arquiteto a compra e fizeram negócio, porque a testemunha fazia mediação (min. 2,30). O dono da casa era o W…. Mostrou a casa ao autor, ele tinha vendido uma casa e a coisa foi resolvida rapidamente. O valor da venda foi quinze mil e quinhentos contos e ele sinalizou com 500. Foi uma proposta feita pela testemunha, à mão, reconhecendo agora o documento (documento de fls. 116, que lhe foi mostrado), pois é a sua letra (4,50). O arquiteto disse-lhe, Não sei em que nome vai ficar e a testemunha explicou ao W…. Eram três tranches de 5.000 contos, além dos 500; eram no contrato, a sessenta dias e a noventa dias. Foram pagas em cheque, "disse-me o W…". Os pagamentos foram diretamente ao vendedor e "eu não fui à escritura". Na altura, o arquiteto disse que não sabia ainda em nome de quem ia ficar "por causa de uma empresa" (10,20). O autor e a família eram pessoas que tinham património, estavam ligados ao têxtil, e o arquiteto tinha muitas obras (12,00). De certeza que (o autor) tinha dinheiro para comprar a casa. Nas negociações até estavam os dois, o autor e a ré (12,40).
Contrainterrogatório: Não esteve presente na subscrição do contrato-promessa. O arquiteto disse que tinha vendido outra casa, "mas não sei se meteu mais algum" (15,20).
Interrogatório do tribunal: Em princípio, se calhar, "ficava em nome da senhora" e a ré estava presente, mas a negociação passou pelo autor. A justificação dada por ele é que estava com problemas numa empresa (17,20).
Esclarecimentos finais: O aditamento (ou a quem indicar…) foi sugerido pela testemunha, porque o vendedor "era uma pessoa um bocado dura" (19,10). A sugestão foi porque ainda não havia definição (20,00)

9 – AE…. Gerente. Foi "colega de carteira" do autor e mais tarde, em 70, reataram o relacionamento. Respondeu aos pontos 1, 7, 8, 9 e 20. Ficheiro 20121119141742.
A partir de 1970 conheceu a ré, amiga da sua cunhada, e conviveram "casal/casal". O relacionamento entre eles foi normal durante anos, dentro de uma relação estranha, ainda que "nada de grave" (min. 3,40) Também teve relações profissionais com o autor (a testemunha era gerente da AD…) e o autor fez trabalhos para a empresa, incluindo novas instalações (5,00). Não é verdade que fosse por ação da ré ou da sua cunhada, amiga dela (que a AD… escolheu o gabinete do autor) embora fossem sócias (mulher e cunhada da testemunha) da empresa "porque eu ligava diretamente com o arquiteto" (7,00). A relação entre autor e ré terá terminado com um problema sério entre o casal, em finais dos anos noventa, e as relações "azedaram-se por causa de uma aventura do arquiteto" (8,30); depois disso, ela descobriu e fez-lhe a vida negra ("ele ia-me contando…"), ele acabou com a relação (a "aventura") e queria reconstituir a família e até pôr todo o dinheiro "para a conta da mulher… contou-me ele… achei fora de propósito" (10,10). Ele continuou a morar com ela em casa, mas "não sei até que altura" (11,00). Venderam a da … e compraram a casa… "depois disso deve ter azedado a relação"; depois, disso, no sentido de ajudar, ficou com a responsabilidade de um posto de gasolina e deslocava-se diariamente, praticamente, a Guimarães, até que achou bem alugar um apartamento em Guimarães, mas não se mudou (14,00). A ré (que saiba) não trabalhava, mas depois as relações entre os casais esfriaram e "não sei" (14,30). Foram muitos milhares de contos as obras entregues ao arquiteto, "mas não sei o que significa em termos de honorários". Ele teve uma empresa que entrou em falência e, por segurança do património, pôs as coisas em nome da ré. A D… não tinha posses para ter dinheiro, ainda estava a estudar. O que lhe foi contado é que (ele) tinha posto em nome da mulher cerca de 60 mil contos. Em relação à filha não sabe (21,00).
Contrainterrogatório: Quem mandava na AD… era o seu sogro e mais dois sócios. Eles discutiram a contratação (do arquiteto), mas foi o sogro quem comunicou à testemunha. Pensa que havia uma relação escolar entre a ré e a sua cunhada, mas não sabe se o seu sogro conhecia a ré, "talvez conhecesse" (24,20). Os honorários eram pagos à empresa, não diretamente ao arquiteto. A última vez que foi à casa, não sabe precisar, mas seguramente não foi depois do episódio de 98/2000. Olhando para trás, acha (que o relacionamento) "acabou em 1999" (29,10) embora residisse na casa depois disso e contou-lhe que deixou as coisas lá, mesmo quando vivia em Guimarães e que tinha as chaves, até que um dia "chegou e não abria a porta" (30,00).

10 – AQ…. Reformado. Cunhado do autor, que é irmão da sua mulher. Conviviam antigamente, mas não agora com a ré C…. Respondeu aos pontos 1, 10 a 14 e 16 a 19 da base instrutória. Ficheiro 20121119144945.
As conversas que teve não foram com a ré mas com o autor. Teve uma empresa que trabalhou com a H…, fazendo parte desta o autor e mais dois sócios. A empresa (H…) teve um fim agitado "no período do Vasco Gonçalves, o pessoal ocupou-a e o cunhado até andou fugido" (min. 4,10). Vivia na …, nessa altura, em casa que a testemunha conheceu. Vendeu essa casa e foi para a casa (…). Nesta casa "acho que viveu" pelo menos até 2007/2009, "porque fui ao escritório, ele não estava e passado uns minutos chegou, porque estava em casa e, numa segunda vez aconteceu o mesmo e deixei-o ficar na rua da casa e isso foi há 5 ou 6 anos", em 2007/2008, porque "me lembro que era nessa altura o problema que eu tinha" (9,20). A casa, "pelo que julgo saber" foi da venda da … e está em nome da ré porque "ele teve o problema da H…" e com preocupação de avales que tivesse, "pôs em nome da família, digamos assim", pois era ele quem dinheiro porque era quem trabalhava e a herança, não chegando para a casa, ajudava, porque "nós sabíamos" que "ela não tinha grande ocupação profissionalmente", em tempos lecionou, (mas) não sabe se fez trabalho de pintura (12,10). Soube (há pouco tempo e porque lhe disseram) que houve um relacionamento dele; na altura a testemunha não soube "e não tenho conversas desse género" (13,30). A herança deles foi feita em lotes e ao autor saiu a mobília da sogra, cristais, faqueiro de prata valioso, "tinha uns quadros, um óleo do …, outro do …", cada lote (valia) aí 10.000 contos e isso deve estar na casa (porque) agora o autor está a viver no escritório e este não tem dimensão para aquele tipo de mobílias (16,00).
Contrainterrogatório: Não sabe se a casa da … foi construída com empréstimo bancário (17,10). Sabe que ele (autor) mudou de quarto, já separado da mulher, ainda na casa (…), talvez em 2005, 2006 já dormia separado[17]; tomar as refeições? – "Não sei", sabe que habitava a casa e passou a dormir no rés do chão, "ele mesmo contou" (19,30) e "não tomei conhecimento que ele tivesse mudado" (20,30) mas já não a (a casa) frequenta há uns doze anos (21,00).

11 – AS…. Trabalhou com o autor como empregada de escritório de fins de 1972 a 1975, antes da H… falir. Respondeu ao ponto 9 da base instrutória. Ficheiro 20121119151153.
"Aconteceu o 25 de Abril e as coisas na altura começaram a piorar e a não correr bem". Os trabalhadores ocuparam a empresa que esteve, durante um período, em autogestão (min. 3,00). O autor vivia no mesmo prédio do escritório da H… e estava a construir a casa na …. Ele era sócio e gerente e havia problemas financeiros como letras a fornecedores que ele avalizava (4,30), Não conhece, desse período, nenhum problema com tribunais, eram os bancos (da BB... e AF…), mas desconhece execuções (5,40).
Contrainterrogatório: Lembra-se dele avalizar. Se os outros sócios o faziam, não sabe. Acha que bastava a assinatura dele (6,30).
Esclarecimento final: Das moradias da …, uma era para o arquiteto (7,40).

12 – N…. Viúva. Professora reformada. Conhece a ré há 41 anos. Conviveu (com autor e ré) até estes saírem da …. Respondeu aos pontos 1 a 8 da Base instrutória. Ficheiro 20121129095051.
Lecionaram juntas (testemunha e ré) na …, e em … e em … (min. 3,00). A ré deu aulas até ficar grávida da D… (corré) e "depois o B… (autor) convidou-a para trabalhar com ela" (min. 4,20). Quando o F… (filho) nasceu continuou a dar aulas. Teve um problema de saúde grave em 1984, e foi operada pelo marido da testemunha. Por essa altura mudaram da … para a casa; estava em convalescença "quando comprou" a casa (7,40). A ré é pintora e tem o curso; antes pintava esporadicamente (mas) depois de se separar passou a pintar mais e a vender quadros; não sabe a data (em que se separou", "acha que foi em 2005" que o autor saiu de casa. Conversava com a ré e com os filhos e sabia que, após 2005, o autor não dormia lá em casa (11,50). Não sabe se antes de 2005 a ré fez exposições, mas, mais ou menos até 1980, deu aulas (13,10). A testemunha não ia ao escritório (do autor) mas sabia que a ré trabalhava lá e era uma espécie de secretária (14,50).
Contrainterrogatório: Acha que a ré estava em … quando deixou de dar aulas, em "setenta e tal". Antes da separação, nunca presenciou problemas com o casal e dava-se bem com eles e ia a casa deles, "até 2005, para mim, foi uma vida normal". Foi em 2005 (a separação) porque a ré disse-lhe logo a seguir, "e eu fiquei muito admirada" (19,50). Foi ver uma exposição (da ré) que era particular, eram quatro pintoras e elas é que montaram a exposição, os quadros não teriam preço alto, "que elas não tinham nome conhecido" (21,00). Nunca entrou no escritório, a ré era uma espécie de secretária, "porque ela me dizia" (21,50). A casa da … era uma moradia em banda, com jardim e dois andares. A atual é uma moradia de elevado valor, pela casa em si e pelo local, embora seja antiga (23,00). Tem esta casa (por causa) de tudo: ela trabalhou, ele trabalhou, ambos herdaram, o pai do arquiteto tinha uma ou duas fábricas. Ela herdou mas não sabe o quê, "acho que tinha um hotel em Guimarães, no …, e estava lá a mãe dela" (24,30). Eles tinham mais casas… nos …, "que o filho fez e o pai colaborou" e "conheço o andar da D…". A ré tem uma casa no Algarve, "acho que ela a comprou" (mas) não tem a certeza se a do Algarve é só dela ou também do autor (28,00). Tinha empregada em casa, que ainda mantém. Da empresa H…, nada sabe (33,50)
Interrogatório do tribunal: Quando nasceu o primeiro filho a ré ainda dava aulas, deixou com o nascimento da filha. Depois de 2005, não sabe (onde morava o autor), o arquiteto tinha o tal andar em Guimarães; a ré disse-lhe que ele estava num andar em Guimarães, embora mantivesse o atelier no Porto. Ouviu falar de mudança de fechaduras, mas não sabe quando ocorreu (38,00). Os amigos da ré avisaram-na, mas ela não via nada, até que encontrou provas que ele tinha outro relacionamento, "mas viveram ainda juntos" e quando ele saiu é que foi definitivo (40,00). A ré disse-lhe que deu ao autor várias oportunidades, "se calhar ele voltou para casa, mas a certa altura houve a separação total" (41,20). A ré disse-lhe que a casa era dela e estava em nome dela e que, porque não casaram, "o que iam comprando" iam pondo em nome de um ou de outro ou dos filhos e "aquele ficou de comum acordo em nome dela" (45,00).
Esclarecimento final: O autor saiu de casa há mais tempo que há 3 anos (48,30). Não sabe dos problemas do período revolucionário (49,30). Não sabe em concreto o que (que bens) ficou em nome dele (50,00).

13 – J…. Pintora. Conhece a ré há 50 anos e foi colega e do mesmo ano de curso do autor. Respondeu aos pontos 1 a 8. Ficheiro 20121129104204.
Conheceu-os em 1954/60 e fala muito com a ré. Pintam as duas. Sabe que a ré deu aulas. A testemunha, quando acabou o curso, foi para Lisboa. Eles também foram para Lisboa. Lembra-se do nascimento do filho (min. 5,00). Depois eles vieram para o Porto, o filho teria dois anos e a testemunha "vinha cá" regularmente. A ré terá dado aulas quando veio para o Porto, não sabe se logo, mas deu aulas alguns anos (7,00), até que esteve doente (gravidez ectópica e um cancro) e nasceu a D… e aí já não estava a dar aulas (8,00). Em Lisboa a vida não era tão desafogada, mas nesse período (posterior) tinham uma vida boa. A ré pintava e houve várias fases; pintou mais depois de ter os filhos criados. Viu três exposições da ré (10,30). O casal está separado. No casamento da D…, o autor já não estava em casa há uns dois anos; o casamento foi em 2007 e o pai (autor) veio de fora para o casamento (12,00). Já não havia nada em comum e quando vinha ao Porto (a testemunha vem duas vezes por ano e antes vinha mais) não via o autor em casa (14,00).
Contrainterrogatório: Não tem a certeza se em Lisboa o autor já trabalhava; não se lembra da …, mas ele gostava muito de barcos. Já tinha carro (16,50). Na casa do Algarve esteve uma vez com o autor, mas ele não ia sempre nem todo o tempo. Sabe que ele teve uma relação amorosa, mas a separação terá sido só em 2005 e quando foi passar férias ao Algarve, com as rés, o autor já não foi. A relação amorosa foi 4 ou 5 anos antes da separação. No casamento da D… o arquiteto veio a casa, não estava lá (22,50), "fiquei com a ideia que ele não estava em casa; como entrou em casa, não sabe, mas entrou "numa casa que já não era"; foi em junho de 2007, pelo menos em 2007 (24,00). Não sabe nada de dinheiros, mas o curso de pintura não dá para isso (comprar a casa) mas a ré trabalhou no escritório; "cheguei a vir ao Porto e ir lá ter com ela" e ela não ia lá pintar, "estava a fazer coisas para o escritório" (25,40). O autor teve bastantes obras e a família dele vivia numa boa casa, na … (26,30).

14 – L…. Empregada doméstica. Trabalha para a ré C… desde há 29 anos e ainda trabalhou na …. É empregada doméstica diária. Respondeu aos pontos 1 e 2 da base instrutória. Ficheiro 20121129110940.
O seu horário é entre as nove e as dezanove. O autor não vive lá em casa e deixou de viver desde 2005, depois das férias. A ré e os filhos chegaram de férias e a testemunha chegou de férias "e ele já não estava" (min. 4,00). Antes de 2005 tratava da roupa dele, fazia a cama e estavam todos ao almoço, Depois deixou de fazer isso e, nomeadamente, de tratar da roupa (5,30). Algumas vezes, depois disso, ele foi lá, que a testemunha "pressentiu e ouviu-o, mas saiu logo". Desde 2005 nunca mais almoçou. A casa tem alarme, depois do casamento da D…, ele 2008, ela casou em junho de 2007 (7,20). A testemunha tem um código para o alarme e acha que também o tem a ré e os filhos; eles ligam porque "eu tenho de o desligar" (8,00). Houve uma altura, antes de 2005, que autor e ré estavam em quartos separados, pois "tinha duas camas para fazer" (9,30). Depois de 2005 deixou de ser usada a cama onde antes dormia o arquiteto (10,10).
Contrainterrogatório: As coisas do autor não estão lá. O faqueiro não sabe; sabe que ele não voltou mais para lá, nunca mais fez almoço (para ele). Resolveram pôr o alarme em 2008 e ainda se mantém. O arquiteto, que saiba, não tinha acesso ao alarme, mas tinha chave (12,50); o alarme não estava ligado durante o dia (13,00). Mudaram as fechaduras… não sabe, sabe que lhe pediram as dela, "acho que mudaram duas vezes e a segunda disseram que foi lá o arquiteto e até chamaram a polícia" (14,00). Não se lembra da data da mudança das chaves e acha que o arquiteto não tem o código (do alarme). No princípio, logo que saiu vinha (ainda) o nome dele nas faturas (15,30).
Interrogatório do tribunal: As roupas, os sapatos, deixou de ver lá. Não sabe para onde o autor foi viver (17,00) e não sabe de quem era o mobiliário (17,30).

15 – I…. Gestora de Lar. Sogra da ré D…. Respondeu aos pontos 1 e 2 da base instrutória. Ficheiro 20121129143362.
O casamento da D… foi em 16.06.2007, e a convivência com eles foi anterior, em 2004, próximo da Páscoa, sendo esta a primeira vez que viu o autor, quando almoçaram em Guimarães (min. 3,00). A ré não vive com o autor. Em março de 2006, quando a ré fez uma exposição, a testemunha esteve com a Dra. N…, que tinha sido sua professora, e ela disse-lhe que (e exposição) era importante para a ré, "por causa das confusões". E disse-lhe que ele (o autor) tinha saído de casa em setembro. O seu filho disse-lhe, então, que não, "foi em agosto, mas foi melhor assim" (5,00). Foram jantar no pedido de casamento e não estava o autor; no … o seu filho teve um pneumotórax e o autor não falou nem apareceu; no Hospital estava a nora (M…, testemunha, companheira do filho do autor) e falaram do autor e ela disse-lhe que ele, de certeza, iria ao casamento, embora não estivesse em casa. Foram a uma série de jantares e até ao casamento só viu o autor uma vez (7,00). Na véspera do casamento ligaram-lhe e a nora pediu ao autor para vir mais cedo (7,20). Foi várias vezes à casa e tem a perceção que ele (autor) não vivia lá, nunca se cruzaram e almoçou e jantou lá várias vezes (9,20). No jantar de 2007 nem sequer lá passou, como nos outros jantares seguintes, fossem na casa do (seu) filho ou na sua (10,00).
Contrainterrogatório: A separação foi em agosto de 2005, como lhe disse o filho. A Dra. N… tinha-lhe dito em setembro (11,30)

16 – F…. Filho do autor e da ré C…. 45 anos (nasceu em 1967) Irmão da ré D…. Está de relações cortadas com o pai (autor), desde março ou abril do ano passado (2011). Respondeu a toda a matéria. Ficheiro 20121129144859 e (acareação) 20130124094922.
A mãe deu aulas até a irmã nascer, em 1980. Teve problemas de saúde graves a seguir ao nascimento da irmã. Recorda-se quando mudaram de casa, teria uns 18 anos e estava no 12.º ano. A mãe contribuiu para o orçamento "estrategicamente"; dava aulas, também, o que era uma garantia, por não ser uma profissão liberal, sujeita a altos e baixos; também arranjou "clientes para o escritório do meu pai", especialmente quando este deixou de ter sócios no escritório (AT…, AU…) e a mãe "tinha os clientes da AD…" e, depois da doença, teve a ideia de fazer uma galeria de pintura e "refrescou a imagem" do escritório, voltando a haver mais clientes (min. 7,30). A AD… foi importante e a mãe tinha sido colega da filha de um dos sócios fundadores, e o escritório foi beneficiado com isso em várias obras. Por volta de 1985 visitou várias casas com a mãe e ela "nem sempre estava bem, nem sempre estava mal", mas mais tarde montou a galeria e fez quatro exposições, a do AV…, por exemplo (10,30). O envolvimento da mãe no escritório… sempre o pai pediu o apoio dele, também nos negócios, por exemplo na ocasião da AW… e no AX…, em Bragança… e a mãe intervinha (12,00). Quando a testemunha começou a trabalhar fez uma sociedade com o pai, seria para ser a 50%, mas, afinal, a percentagem ficou 80/20 e ainda uma pequena percentagem da mãe. Isso foi em 1989/1990 (13,30). A mãe acompanhava a gestão e estava todos os dias no escritório, porque o pai estava muito tempo na … e na marina de …, depois "passou todo o trabalho para mim, e eu precisava de todo o apoio da minha mãe" (14,30). Houve um trabalho importante que foi a… em Coimbra, era difícil trabalhar com a Câmara … e "eu ocupei-me desse trabalho", foi cerca de 1990 e depois do Plano de Pormenor do Porto (18,00). A casa, não pode dizer de quem era o dinheiro, mas de certeza dos dois, não podendo apurar a proporção. De duas vendas anteriores se formou esse dinheiro e foi comprada "do equilíbrio da economia familiar" (23,00). Houve um empréstimo para a casa da … (23,30). Há uma altura em que a mãe descobriu; descobriu o telefone de uma AY… e descobriu a relação extraconjugal (25,50). Quando descobriu foi uma "desilusão de uma vida". Houve discussão, períodos de raiva, a irmã ficou afetada com isso e prejudicada nos estudos. Foi em 1999, em janeiro, que a mãe descobriu. Houve dinheiro gasto "com uma prostituta… foi o pai que contou", os dinheiros do escritório e da família tinham ido para outro fim; tinha havido dinheiro empestado à senhora, uma conta conjunta (29,40). O dinheiro da Suíça era uma reserva e veio e ficou em nome das duas (rés) e serviu para suplantar a crise e acudir ao escritório. Houve anos de tentativas de conciliação, quase seis anos, até que (o autor) saiu de casa em 2005 (31,00). O primeiro filho da testemunha nasceu em 2001, altura em que a testemunha saiu da casa, mas ia lá com frequência e almoçava todos os dias. Os seus filhos ficaram com a avó antes de irem para a escola. O pai saiu no verão de 2005, no final de agosto já não estava (34,00). A testemunha, atualmente, mora em casa da mãe, desde que se separou, em 2009. (35,00). O pai foi-se embora e nunca mais lá pernoitou. Antes, a vida conjugal teve altos e baixos, o pai ia para Lisboa todos os fins de semana (onde estava a tal senhora), depois há uma tentativa de conciliação (mas) a relação nunca se compôs, dois anos antes de 2005 (já) eles dormiam em, quartos separados (37,00). O pai foi morar para Guimarães, onde geria um posto de combustível que a mãe gerira antes, perante a impossibilidade do (seu) tio (39,00). Lembra-se de conversar com a sua ex-mulher, Eugénia ("ela teve uma conversa, sim") e, a propósito da casa, o que confirmou é que ela estava em nome da mãe, "é verdade que estava em nome da mãe". No entanto, a parte (da conversa) de ser para evitar os credores nem sequer "falámos, porque nem sequer existiam, nunca houve credores dos negócios dos pais" (43,30)[18]. A testemunha desconhece completamente qualquer risco, "nem o haveria" (45,30). Os pais não são casados por causa de um primeiro casamento que a mãe teve (houve complicações… "aquilo que hoje é normal então não era") mas sempre entenderam bem a situação. Nunca ouviu o pai pedir a devolução da casa, nunca foi falado, é uma situação de agora (47,30). Os pais tinham vários bens e iam decidindo ("não sei com que critérios") que ficavam em nome de um, ou dos dois, "e com os contos" também, eram decisões caso a caso. O pai saiu em 2005 e a irmã casou-se em 2007. A testemunha insistiu na colocação do alarme (alarme de deteção de movimento, salvo no quarto da mãe). A testemunha tinha o código, e o pai não foi indicado (para ter código) pois "eu temia"… o pai tinha forçado a entrada em casa "roubando-me a chave do escritório e foi chamada a polícia" (59,00). As únicas pessoas avisadas (do alarme) é a testemunha, a irmã e a mãe (59,30).
Interrogatório do tribunal: O pai não pode ter código do alarme (60,20). É lido à testemunha o código (que o autor, por requerimento, fez chegar aos autos) e a testemunha confirma que corresponde ao código de acesso (não sabendo explicar como o pai o conhece). O senhor Y… era mediador e sabia que estavam à procura de casa e sabia que o W… queria vender (63,40). Os pais sempre conversaram. Quem definiu o valor da compra foi a mãe, que a casa, inicialmente, era 20.000 contos (64,30). Se a mãe não teria rendimentos para aquela compra? – Se formos a avaliar bem "o que fez a mãe foi muito importante"; era uma economia conjunta e a testemunha não sabe o que cada um ganhava. Antes de avançar para a casa eliminou-se um aval, ainda "da empresa do 25 de Abril", uma "pendência sem significado" (71,20). O dinheiro era dos dois, e a casa da … foi paga conjuntamente, "mas não sei as proporções". A mãe também contribuiu para a casa da …, que foi sendo paga pelos dois, foi preciso pagar o crédito. O empréstimo para a da … terá sido em nome do pai, mas a mãe contribuía (74,00). O dinheiro da conta do E…, não sabe exatamente o valor; o dinheiro da Suíça gastou-se, cerca de trinta mil contos, e não tem conhecimento de outro (78,00). Houve uma herança para a sua mãe; sempre soube que tinham conta conjunta e o "dinheiro vem de antes" 879,20)

Na acareação: Mantém que houve uma conversa com a testemunha (sua ex-mulher) em 2004/2005, de cerca de dois minutos e num fim de semana. Confirmou que a casa era da mãe e ela disse que tinha conversado com a mãe "e eu disse que sim, que era uma tranquilidade" (5,20). Mas nunca foi conversada a questão da necessidade de proteger os bens; na aquisição da casa já não existiam dívidas da H…, pois antes foi resolvido o problema que existia e as dívidas da H… seriam insignificantes, desde sempre (7,40). Os bens da casa não foram herdados, mas comprados na morte da avó. Lembra-se de (depois da separação) o pai ir à casa duas ou três vezes e entrou lá mais duas ou três vezes (26,40)

2.2.1.2.3 – Análise crítica
Ponderando os documentos analisados e todo o conjunto de depoimentos prestados nas diversas sessões de julgamento, e tendo ainda em mente o objeto do recurso, na parte em que o recorrente impugna a matéria de facto, imposta dizer o seguinte:

1 – "As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos[20] " (artigo 341 do CC). Como refere Fernando Pereira Rodrigues (A Prova em Direito Civil, Coimbra Editora, 2011, págs. 12/13) "Conhecer a realidade de um facto é de difícil labor, na maioria dos casos até de impossibilidade verificada, porque os factos nem todos se caracterizam pela maior singeleza, antes se revestem, quase sempre, de grande complexidade, pelo que nunca se apreende a realidade toda, tanto mais se se tratar de uma realidade do passado". E, citando Antunes Varela (Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 116.º, pág. 339), acrescenta: "A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjetiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a atividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça. A prova tem, por isso mesmo, atenta a inelutável precariedade dos meios de conhecimento da realidade (especialmente dos factos pretéritos e dos factos do foro interno de cada pessoa), de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: A probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas da espécie para convencer o julgador (que conhece as realidades do Mundo e as regras da experiência que nele se colhem) da verificação ou realidade do facto."
1.a – No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da prova livre, e não o "da prova tarifada ou com valor fixo" (J.P. Remédio Marques, Ação declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2011, pág. 217) ou da liberdade de julgamento. Nos termos do artigo 655 do CPC, o tribunal "aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto" (n.º 1), salvo quando a lei exigir, "para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial", que, então, não pode "ser dispensada" (n.º 2). Nos mesmos moldes, o n.º 5 do artigo 607 do NCPC afirma que "O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só podem ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes".
1.b – A prova documental é a que resulta de documento – artigo 362 do CC – "objeto elaborado pelo homem, e não oferecido pela natureza, com a finalidade de representar pessoa, coisa ou facto (Fernando Pereira Rodrigues, A prova… cit., pág. 52), com uma função representativa ou reconstitutiva do objeto (Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I… cit., pág. 321). Os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares. Os primeiros fazem "prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público representativo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora"; os documentos particulares cuja autoria seja reconhecida "fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor" (artigos 363, n.º 1; 371, n.º 1 e 376, n.º 1, todos do CC).
1.c – A prova testemunhal é "a declaração de ciência de um terceiro que não é parte na lide, que tem por objeto a narração sob juramento de um facto pretérito ou atual de que o declarante tem conhecimento, direto ou indireto[21] ". O depoimento testemunhal "versa sobre os enunciados feitos pelas partes sobre os factos e não sobre os factos em si mesmos (…) todavia não é possível encontrar enunciados sobre factos puros de forma que a testemunha introduz, normalmente, no seu depoimento o seu juízo sobre os enunciados factos. De todo o modo, o objeto da prova é, em primeira linha, os enunciados fácticos e não as valorações, as qualificações e não os juízos que a testemunha formule sobre tais enunciados. Sem prejuízo do que antecede, existem situações em que esta estrutura histórico-narrativa meramente descritiva do depoimento não pode ser totalmente expurgada de juízos de valor, sendo a emissão do juízo de valor incidível da descrição dos factos" (Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, Almedina, 2013, pág. 173/175). A admissibilidade do depoimento de determinada testemunha pode ser impugnada pela parte contra a qual aquela é produzida (artigo 514 do NCPC), mas, como referia Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, 3.ª edição (Reimpressão), Coimbra Editora, 2012, pág. 348, "todas as pessoas devem ser admitidas a depor a fim de, com o seu depoimento, auxiliarem a descoberta da verdade. Se têm a posição de partes é nessa qualidade que pode ser exigido o seu depoimento; se não têm essa posição, então hão de poder depor como testemunhas. A circunstância de uma pessoa ter interesse direto na causa é elemento a que o juiz atenderá naturalmente para avaliar a força probatória do depoimento; mas não deve ser fundamento de inabilidade".

2 – Na presente ação, o autor pretende (e, por isso, a matéria alegada e quesitada reflete essa pretensão) que se reconheça que determinados bens (uma moradia e uma soma monetária) são sua propriedade, não obstante a primeira não ter sido (desde logo, formalmente) comprada por si diretamente e o dinheiro estar depositado em conta bancária de que o demandante não é titular. Independentemente da construção jurídica que fundamenta a sua pretensão (mas também por causa dela) o autor veio dizer que foi com o dinheiro dele que a moradia foi comprada, ou melhor, que todo o dinheiro da compra era dele e que o dinheiro depositado também é todo seu. E que quem interveio na compra lhe deve devolver a propriedade ou o equivalente, pois já com esse fim e os titulares da conta bancária devem igualmente devolver as quantias monetárias correspondentes. E diz mais: aconteceu assim porque (quanto à casa) o autor não queria ter o bem em seu nome, já que tinha problemas de responsabilidade societária, ou seja, se não fosse assim o bem podia responder por dívidas societárias que ele avalizou e (quanto ao dinheiro), além da mesma motivação, a sua família e ele mesmo queriam proteger-se (proteger os valores) da ação de uma terceira pessoa com que o autor se envolveu. Finalmente, o autor alega que pediu à ré e às rés (respetivamente) a devolução de um e outro bem e que, de todo o modo, elas (sua ex-companheira e sua filha) se encontram enriquecidas com o bem ou dinheiro dele, sem causa que tal justifique, acrescentando (pressupostamente) que pode ainda invocar esse injustificado enriquecimento porque a relação de união de facto que manteve com a primeira ré só cessou no ano de 2009.
2a – A prova dos factos relevantes, antes descritos, onera o autor – artigo 342, n.º 1 do CC.
2b – As rés defendem que a união de facto cessou, não em 2009 mas em 2005. Cessando nesta altura, as rés podem invocar que a pretensão de restituição fundada no enriquecimento sem causa se extinguiu, porque prescreveu.
2c – A prova deste último facto (dado efetivamente como provado, mas que o recorrente impugna), o facto constante do quesito 2.º, onera as rés – artigo 342, n.º 2 do CC.

3 – Na sua impugnação, além da análise crítica que faz à avaliação da prova, o autor começa por invocar a inconsistência dos depoimentos das testemunhas (arroladas pelas rés) que sustentaram a prova de que discorda e/ou abalaram a prova dos factos que, pretende, obtenham resposta positiva. Neste circunstancialismo, o recorrente, ora em síntese, refere (no que respeita ao quesito 2.º cuja prova, como se disse, competia às rés) que "a testemunha F… disse estar de relações cortadas com o pai, embora minimizando a gravidade dessas más relações, pois não mencionou o facto de o seu pai ter apresentado uma queixa-crime contra o filho por ameaças à sua integridade física; que a forma desprimorosa e rancorosa com que falava do recorrente, e enaltecia exageradamente as qualidades da recorrida é uma evidência da sua parcialidade, chegando ao ponto de dizer falsamente de modo rancoroso e intolerante, que a senhora que teve uma relação com o recorrente era uma "prostituta", uma "tipa encartada profissional"; que o pai nunca lhe prestava atenção nem lhe dava nada, o que não é verdade, pois foi o pai que o iniciou na via profissional de arquiteto, recebendo-o no seu gabinete e dando-lhe trabalho e sociedade; que o facto de ter reconhecido que se encontra desde 2009 a habitar na casa e admitindo inclusivamente que está de relações cortadas com o pai, evidencia que a testemunha tem um interesse direto e antagónico ao do recorrente; que, no decorrer da sua inquirição, quando questionado acerca da proveniência dos 402.446,06 Euros existentes numa conta do E… disse de modo evasivo que “não sou muito atento a contas e dinheiros”, mas 313.000,00 Euros, foram levantados em numerário dessa conta logo no dia a seguir à 1ª ré ter sido citada da ação dos autos, e ato contínuo depositado numa conta do E… aberta em nome da testemunha, que não podia assim desconhecer os valores existentes na conta". Enfim, "a testemunha F…, por ser filho e por estar de relações cortadas com o pai, por quem continua a revelar uma mágoa e um rancor injustificados, "está perto demais", e é "demasiado interessado", o que o impede de depor com isenção e com o afastamento necessário, tal como decorre do seu depoimento, o qual não pode assim ser valorado para qualquer matéria a que depôs". A testemunha J… "apenas usou como referência para determinar a data do fim da união de facto a sua vinda de Lisboa ao Porto para o casamento da 2ª ré, que teve dificuldade em situar no tempo, referindo que o autor não estaria em casa na data do casamento porque viu o autor a entrar em casa para tirar fotografias com a filha, não se recordando contudo se entrou com as suas chaves, o que é bastante inconclusivo e insuficiente". A testemunha I… entrou em contradição, acabando por lhe “fugir a boca para a verdade”, ao admitir que não tinha conhecimento de nada, pois quem lhe terá dito que o autor tinha saído de casa foi a testemunha “N…”, amiga da ré C… e que disse ser sua professora, da qual contudo nem sequer sabia o apelido. A testemunha L…, decerto por temor reverencial, “tomou o partido da patroa”, depondo contra a verdade e caindo em diversas contradições que retiram credibilidade ao seu depoimento; estava altamente comprometida naquilo que dizia, “lembrando-se” sempre que o autor terá saído de casa em 2005, mas já não se lembrando se foi em 2009 que a ré mudou as fechaduras. Acresce que referiu que a casa tem um alarme, montado em 2008 e que o autor não tem o código e, por requerimento ditado em audiência, o autor forneceu o código do alarme ao tribunal, que a testemunha filho do autor veio a admitir estar correto. E tornou a faltar à verdade quando afirmou que os bens do autor, que recebeu de herança de seus pais, nomeadamente o faqueiro de prata, móveis, quadros, etc., não se encontram na casa".
3a – A propósito da desconsideração que o recorrente faz dos depoimentos antes referidos, cumpre dizer o seguinte:
3aa – É inequívoco que a testemunha F… está de relações cortadas com o seu pai. Ele mesmo o disse no início do seu depoimento, dizendo mesmo que esse corte de relação já vinha dos primeiros meses do ano anterior. Também é verdade que apodou a pessoa que teve uma relação com o pai de "prostituta", ainda que tendo acrescentado "foi o pai que contou". Também é certo que vive com a mãe na casa que se encontra em nome desta e que é o relevante objeto do litígio. Podemos dizer, em suma, que a testemunha não tem consideração pessoal pelo recorrente, mas esse juízo não contamina o conjunto de factos que descreveu e que fundamentou. A saída do pai da casa – equivalendo à cessação da união de facto – não é um depoimento deslocado de outros depoimentos e da acareação entre si e a ex-companheira, contrariamente ao que o recorrente parece concluir, ficou a ideia comum a ambos que o autor, depois de 2005/2006, esteve na casa três ou quatro vezes à vista dos, então, presentes e outras tantas sem se fazer anunciar. Mesmo que tais presenças nunca tenham coincidido na perceção das duas testemunhas, estamos a falar de uma dúzia de idas à casa, durante, pelo menos, três anos, ou seja, numa média máxima de 4 vezes por ano. Recorde-se que a ida do autor à casa é apenas instrumental ao facto quesitado, pois se pergunta se, depois de determinada data "não mais o autor e a 1ª corré viveram sob o mesmo teto, nem partilharam quaisquer afetos ou interesses?". Ir a uma casa com uma frequência de, se tanto, três em três meses, parece-nos revelador sobre a comunhão (melhor, a falta dela) debaixo do mesmo teto.
3.ab – Mas, no exato contexto do facto relevante quesitado, também os depoimentos das testemunhas J… e I…, não merecem o descrédito que o recorrente lhes aponta. Usar como referência a data de um casamento, concretamente da filha do autor, para determinar uma outra e anterior data (como o faz a primeira das testemunhas referidas) não nos parece "apenas" ou irrelevante, na medida em que se fundamenta numa compreensível conexão temporal entre factos. Já quanto ao depoimento da testemunha I…, ele não tem apenas o conteúdo que o recorrente agora lhe aponta. É certo que se estriba inicialmente no depoimento da outra testemunha, mas para dizer que, afinal nem foi em setembro, como ela dissera, mas em agosto, como o seu filho, marido da 2.ª ré, lhe referiu. Mas a testemunha referiu muito mais que isso: explicou o relacionamento anterior ao casamento do seu filho, a constante não presença do autor e o facto de este ter sido "avisado" para que não viesse tarde ao casamento da filha. Não nos parece razoável que o pai da noiva, continuando a viver em união de facto com a mãe desta, carecesse de tal alerta.
3.ac – Finalmente, sobre este mesmo ponto de facto, a testemunha L… fez coincidir a ausência definitiva do autor, o fim da união de facto, com a sua chegada de férias e com a chegada da família de férias, mas sem o autor. Não nos parece carecido de fundamento, num juízo de normalidade, uma lembrança temporal com esta determinação. Mas a testemunha também refere que deixou de fazer a cama onde dormia o autor, deixou de tratar das suas roupas e de lhe preparar o almoço. A testemunha – acentua o recorrente – disse que ele não sabia o código do alarme e ele sabia (sem dúvida, disse-o ao tribunal e a testemunha F…, seu filho, confirmou-o) e que os bens da casa não eram dele, autor. Não relevamos que uma empregada doméstica possa não saber a origem dos bens existentes numa casa onde, até uns anos antes, vivia um casal em união de facto e os seus filhos, nem nos parece exigível que, da mera utilização de determinados bens – como um faqueiro, por exemplo - resulte qual dos membros do casal o comprou ou herdou. Quanto ao alarme, a testemunha referiu expressamente quem tinha o código e acrescentou que "achava" que o autor não o tinha. Salvo o devido respeito, não vemos como tal afirmação possa inquinar o seu depoimento, de forma a considerar que o mesmo é deficiente para demonstrar a demais realidades sobre que depôs.
3.ad – Ainda a propósito, o autor faz referência à carta que escreveu à ré C…, pedindo-lhe a chave para aceder "à porta principal" da casa. A carta foi escrita um ano depois da alegada (pelo autor) cessação da união de facto e, sintomaticamente, não faz referência específica a qualquer bem dos que a empregada doméstica referiu já não existirem na casa: artigos de uso pessoal e roupa.
3.ae – Se a prova positiva feita pelas testemunhas antes referida não merece a crítica que o recurso lhe faz, já a prova que o recorrente diz alicerçar o fim da união de facto (apenas) em 2009 nos parece muito débil. Se é consensual que o autor ia assiduamente a Guimarães – e, a determinada altura, lá passou a pernoitar – e que para tanto tinha uma razão plausível que, em si mesma, não afastava a manutenção da união de facto, não é mesmo verdade que os depoimentos das testemunhas O… e M… não demonstram minimamente que, até 2009, entre o autor e a ré continuou a haver "partilha de afetos ou interesses sob o mesmo teto". A primeira das referidas testemunhas disse que o autor foi viver para o escritório ou ficava a dormir em Guimarães e não se percebe, em rigor, se tal foi consequência da impossibilidade física de entrar em casa ou da decisão de o não fazer. Não se esqueça que o autor escreveu uma carta a pedir as chaves apenas em fevereiro de 2010 e que dessa carta resulta que o autor tinha acesso à moradia, ainda que (legitimamente, em seu entender) pretendesse fazê-lo pela porta principal. A testemunha M… viu uma vez o autor e a ré a saírem juntos para irem tratar de um assunto comum, em 2008., "assunto" que depois o recorrente alicerça documentalmente. Mas daí retirar a manutenção da união de facto parece-nos claramente excessivo: houve escrituras e negócios que autor e ré realizaram depois de 2005, mas ter interesses em comum (especialmente quando se é comproprietário) não é sinónimo de viver em união de facto.
3.af – Também os documentos juntos pelo autor (faturas da água ou das comunicações) referentes a 2007 e mesmo a 2009, enviadas para a rua … e em seu nome não podem ter o significado que se lhes atribuiu, ou melhor, não são minimamente suficientes para abalar os depoimentos contrários. Por eles não se prova, no contexto da vivência anterior de autor e ré, que a união de facto continuou, até porque, e tanto bastaria, economia comum (que nem se demonstra) e união de facto são realidades distintas. É plausível, parece-nos, que as faturas continuassem a vir em nome do anterior titular dos respetivos contratos e daí não se pode inferir a manutenção de um relacionamento com as características de uma união de facto, de uma vivência em comum.
3.bg – Em suma, as rés fizeram prova positiva da cessação da união de facto, no sentido de terem demonstrado que o autor deixou de ter comunhão de vida com a ré C… bem antes de 2009, quando, nesta data, foram mudadas as fechaduras (ou melhor dito, atenta a carta escrita pelo próprio autor e por ele junta aos autos, a fechadura da porta principal).

4 - Em relação aos demais factos que o demandante pretende que tenham resposta positiva (e que eram seu ónus demonstrar) diremos o seguinte:
4.a – A precariedade da motivação. O autor defende que a razão para ter ficado em nome da autora a casa da … foi o receio da sua responsabilidade como avalista, em razão do que tinha acontecido com a H…. E acrescenta que a constituição da conta teve a mesma motivação, além da prova de confiança familiar e da fuga à pessoa com quem se envolveu. Os documentos existentes nos autos revelam que a H… faliu em 1978; que o autor tinha em seu nome uma casa de valor quase idêntico ao da que comprou e que ainda ficou com outros bens imóveis em seu nome (em compropriedade). Não conseguimos entender, por isso, e no raciocínio de normalidade que se nos exige, a grande relevância da motivação avançada. A testemunha AJ…, ainda que a propósito da conta aberta em nome das rés, que não seria possível afastar todos os bens, no sentido em que, assim sendo, se afastariam alguns (da responsabilidade enquanto avalista). Temos que admitir essa possibilidade, mas ela não se coaduna com o depoimento do filho do autor que disse nunca ter havido risco para os bens dos pais e que a última responsabilidade, advinda ainda da H…, mesmo insignificante, foi liquidada antes da compra da casa[22]. Por outro lado, aquela testemunha AJ… não conseguiu explicar o que a todos parecerá intrigante: tentando afastar (da responsabilidade avalista) uma conta bancária sediada na Suíça (e na qual a ré C… já era cotitular) a melhor solução (e a testemunha aconselhava soluções) foi importá-la para Portugal. Depois, a motivação pessoal quanto à conta (a existência de uma relação extraconjugal), enquanto motivação adequadamente causal, careceria de prova com outra concludência: a ré C… já era titular da conta importada da Suíça e, quanto à filha, é consensual a extrema confiança do autor na ré D…. Naturalmente que não podemos afastar as motivações subjetivas do autor ou sequer dizer que os acontecimentos revolucionários não o mantiveram receoso, mas a factualidade alegada revela-se objetivamente incongruente, num juízo de normalidade, com outros factos demonstrados.
4b – A titularidade exclusiva do dinheiro que comprou a casa e do que constituiu a conta conjunta das rés. Salvo o devido respeito, a prova sobre este ponto é claramente insuficiente, se não o é mesmo em sentido contrário. Quando dizemos "em sentido contrário" estamos a comparar "titularidade exclusiva" com "titularidade não exclusiva" do dinheiro que comprou a casa ou que foi depositado, uma vez que o autor, com a presente ação, se propôs provar que era seu todo esse dinheiro. Por isso, a questão não é saber se a ré tinha (todo) o dinheiro para comprar a casa ou para constituir a sua parte do depósito, mas a prova positiva de que era só o autor quem o tinha. Não uma parte, note-se, todo o dinheiro. Não interessa (ou é apenas instrumental e por si só insuficiente) quem entregou o dinheiro do preço para se comprar a casa, mas se todo ele era do autor e só do autor. Ora, a ré trabalhou vários anos como professora e continua a receber a sua aposentação (como os documentos comprovam). Recebeu de herança, pintou quadros (poucos ou muitos) e vendeu alguns e a casa da … foi comprada com um empréstimo. Como resulta das contas conjuntas, o dinheiro do casal (ou algum dele, pelo menos) estava em comum. Mas, se assim é, e inequivocamente é, que prova (não documental) pode demonstrar que todo o dinheiro para a compra da casa e para a conta conjunta era, todo ele, do autor. Salvo o devido respeito, não vemos nenhuma prova consistente nesse sentido. Não se duvida que o autor teve muitos proventos do seu trabalho (aliás, as declarações de Imposto Profissional e de IRS dizem quanto), mas daí não pode resultar que não houve contribuição da ré C….

5 – Da interpelação a pedir a casa ou o valor depositado na conta bancária. O depoimento da testemunha O… é confuso e pouco convincente quando afirma que, em 2008, a ré C… terá reconhecido que a casa era do autor. A testemunha M… ficou com a perceção que ela, a casa, deveria ser comum (estar em nome dos dois) e a generalidade dos depoimentos que versam a questão afirmam que a divisão entre os membros da união de facto, quando adquiriam qualquer bem, era feita caso a caso. Não vemos qualquer prova de que o autor tenha interpelado a ré ou as rés e o único documento escrito pelo autor, a carta enviada em fevereiro de 2010 à ré, também o não revela: embora o autor considere sua a casa, nunca interpela a ré C… para que a devolva. Em relação ao dinheiro depositado na conta bancária e no que respeita à segunda ré, salvo o devido respeito, não há a mínima prova de qualquer interpelação.

6 – Os bens da herança que se encontram na … e o valor dos mesmos. A propósito dos quesitos 13.º e 14.º, a fundamentação da 1.ª instância referiu o seguinte: "No que respeita à facticidade constante dos factos controvertidos nºs 13 e 14, embora resulte dos elementos carreados para os autos (cfr. fls. 208 a 227) que, na sequência da partilha do acervo hereditário que compunha as heranças de seus pais, o autor recebeu diversos bens móveis, facto é que não logrou este demonstrar que dentre os bens móveis referidos no facto controvertido nº 13 estivessem contemplados alguns dos bens adquiridos por via sucessória e bem assim que tenha sido ele a comprar bens aí descriminados. Acresce, por outro lado, que identicamente não logrou demonstrar que os bens elencados se encontrem no imóvel, posto que as testemunhas a esse respeito inquiridas prestaram depoimentos pouco consistentes revelando ausência de conhecimento sobre essa matéria, desde logo porque só muito esporadicamente entraram nessa casa não acedendo ao interior da mesma há já vários anos (…)". Ora, salvo o devido respeito, importa precisar o seguinte: documentalmente, os bens que o autor, e seus irmãos, receberam por morte do pai, foram móveis, mas no seu sentido jurídico, não móveis (mobílias ou utensílios), ou seja, receberam quotas sociais e dinheiro. A verba número 1 foi atribuída à mãe do autor, D. AZ…, viúva (documento de fls. 208 e ss., a fls. 212/213 e 216) e essa verba é que consistia em "mobílias, roupas, trem de cozinha, aparelho de televisão…". Mais tarde, com o falecimento da mãe do autor (em novembro de 1988) é apresentada a relação de bens de fls. 225/226, em março de 1989, onde constam vários bens que se traduzem em mobílias e aparelhos domésticos. Assim, em termos documentais, não pode dizer-se que o autor tenha recebido diversos bens móveis, salvo se entendermos como tal quotas e dinheiro, o que, não deixando de o ser, não são os artigos que estão em causa na reivindicação do autor e na descrição que faz no artigo 139 da sua petição.
6.a – Neste contexto e com este esclarecimento melhor se percebe a segunda parte da fundamentação da 1.ª instância: tendo em conta a data de aquisição da casa da rua … e a data de falecimento da mãe do autor, a prova testemunhal produzida é insuficiente para se concluir que estes ou aqueles bens concretos era do autor, no sentido de serem exclusivamente seus, porque os herdou ou porque só ele os comprou. E o depoimento da testemunha F… é sem sentido divergente daquela alegação, dizendo que foram comprados pela mãe o que significa, no mínimo, que não foram comprados exclusivamente pelo pai. Por outro lado, cabendo ao autor demonstrar a titularidade exclusiva desses bens, as testemunhas que apresentou nesse sentido pouco frequentaram a casa e, ainda que identificando alguns dos bens reivindicados, não conseguiram demonstrar que, em contrário ao testamento ou à relação de bens eles eram efetivamente do autor, antes de o poder ter sido por compra efetuada já quando (e ainda) o autor e a ré C… viviam em união de facto e com economia comum.
6.b – E porque assim é, prejudicada está a prova positiva de um valor para esses bens, prova essa que, ainda assim, apenas se suportava na ideia de uma das testemunhas (irmão do autor) que atualizou o valor em causa, sem qualquer fundamento técnico ou objetivo, para os cinquenta mil euros atuais.

7 – Na reapreciação da prova tivemos a oportunidade de verificar que o tribunal esteve atento e foi interventivo, sem nunca coartar ou diminuir a intervenção das partes. Apercebeu-se da necessidade da acareação logo que foi detetada a primeira contradição (entre o depoimento das testemunhas M… e F…). Tal intervenção construtiva e abrangente permitiu-nos uma reapreciação global e, nesse sentido, a melhor possibilidade de apreciar as divergências do autor, colocadas em sede de recurso.
2.2.1.2.4 – Conclusão
Os factos alegados pelo autor – e que fundamentam a sua pretensão – não devem ter resposta diversa da que tiveram na 1.ª instância, ou seja, devem continuar a considerar-se "não provados". O facto alegado pelas rés e que constitui o quesito 2.º deve manter-se como provado.

Prosseguindo

2.2.2 - Aplicação do direito
1.3.2 – Se, por efeito do mandato sem representação que existiu entre o autor e as rés, a 1.ª ré encontra-se constituída na obrigação de transferir para o autor o imóvel aqui em causa e, ambas as rés, a transferir para o autor a titularidade dos fundos existentes na conta bancária no E….

A decisão proferida na 1.ª instância começa por identificar, de modo muito claro, o objeto do processo, realçando que "a causa de pedir, enquanto facto jurídico que está na base da pretensão formulada, emerge dos fundamentos de facto invocados pelo autor delimitando o tema de investigação e instrução dos factos no âmbito do processo" e que, "tal como flui da exegese da petição inicial, verifica-se que o demandante faz ancorar as concretas pretensões de tutela jurisdicional que formula a título principal no facto de as rés, enquanto mandatárias, terem incumprido as obrigações para elas advenientes dos contratos de mandato sem representação que com ele haviam firmado, posto que a 1ª corré se recusa a transmitir-lhe a propriedade do imóvel sito na Rua …, nº …/…, nesta cidade, que adquiriu em execução desse mandato, sendo que ambas as demandadas, de igual modo, se recusam a restituir-lhe os depósitos poupança, fundos de investimento e demais valores existentes na conta nº ………… no E…, valores esses que lhes foram entregues em execução de mandato com elas celebrado. Já com relação ao pedido subsidiariamente deduzido o demandante filia tal pretensão de tutela com base no facto de as rés se encontrarem injustificadamente enriquecidas, porquanto no ínterim cessou a união de facto que mantinha com a 1ª corré, sendo que foi esta relação que motivou o referido incremento patrimonial".

É de toda a pertinência a definição que antecede e ela corresponde, efetivamente, às pretensões (a principal e a subsidiária) formuladas pelo demandante. Com efeito, quer a causa de pedir quer o pedido são elementos constitutivos do objeto do processo (Manuel Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1993, pág. 320 e Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Ação Declarativa, Almedina, 2004, pág. 35) e o tribunal não pode condenar "em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir" (artigo 609, n.º 1 do NCPC e 661, n.º 1 do CPC).

A 1.ª instância, apreciando aquela que, também em sede de recurso, constitui a primeira questão a resolver (existência e consequências do mandato sem representação) disse o que, ora sinteticamente, se repete: "importa, como prius, determinar se efetivamente entre autor e rés foi celebrado contrato de mandato nos termos figurados por aquele. Tal como emerge do respetivo regime jurídico (cfr. arts. 1157º, 1159º e 1161º, al. a)), constitui-se um vínculo de mandato sempre que uma pessoa promete a outra a sua colaboração jurídica, pondo à disposição dela a sua capacidade de agir no mundo do Direito, contratando com terceiros ou praticando outros atos jurídicos em face deles. Estabelece-se assim entre mandante e mandatário uma relação de gestão, ao abrigo da qual o mandatário coopera com o mandante, praticando atos jurídicos que este podia realizar diretamente. A atividade do mandatário é, pois, sempre substitutiva da do mandante (…) no mandato sem representação, o mandatário, apesar de intervir por conta e no interesse do mandante, não aparece revestido da qualidade de seu representante. O que caracteriza esta forma de mandato é, portanto, o facto de o mandatário agir em seu próprio nome (nomine proprio), de que resulta que este adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos atos que celebra. Todavia, embora o mandato seja exercido em nome próprio, o negócio pertence sempre ao mandante, pelo que os resultados úteis conseguidos pelo mandatário devem ser para aquele transferidos (…) o mandato sem representação pressupõe a verificação dos seguintes elementos: a) o interesse de certa pessoa na realização de determinado negócio sem intervenção pessoal própria ou por intermédio de representante; b) a interposição de outra pessoa para esse efeito por incumbência não aparente do titular daquele interesse; c) a celebração do negócio pela pessoa interposta com exclusão de qualquer referência ao verdadeiro interessado na produção dos efeitos conseguidos por essa pessoa; d) a transmissão para o mandante dos direitos adquiridos pelo mandatário na execução do mandato (…).
Ora, como tal como deflui da resposta dada aos factos controvertidos (…) não logrou o autor demonstrar, como lhe era imposto, que entre as partes tenha sido celebrado qualquer acordo passível de consubstanciar contrato de mandato sem representação nos moldes por ele figurados. De igual modo, não logrou provar que os móveis descritos no artigo 139º do articulado inicial lhe pertençam e que se encontram no ajuizado imóvel".

Apreciando.

Quem "realiza um ou mais negócios jurídicos em nome e por conta de outrem", atua "em representação (desse) outrem" trate-se de uma representação[23] direta, seja naqueles "casos em que o intermediário celebra negócios jurídicos em nome próprio mas por conta de outrem, não mencionando a simples existência daquele por quem negoceia, ou seja, os casos vulgarmente apelidados de representação indireta (a situação mais frequente é a do comissionista ou do mandatário sem representação) em que o "representante" atua em seu nome próprio, assumindo todos os direitos e obrigações emergentes do contrato e que mais tarde podem ser transferidas para o "principal". Neste tipo de representação, o intermediário é ele mesmo parte principal na relação com os terceiros e permanece um representante na relação com o seu próprio representado" – Helena Mota, Do abuso de Representação – Uma análise da problemática subjacente ao artigo 269.º do Código Civil de 1966, Coimbra Editora, 2001, págs. 15 e 19.

O artigo 1180 do CC consagra a figura do mandato sem representação, ou seja – como diz a epígrafe do preceito -, quando o "mandatário age em nome próprio", dizendo: "O mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos atos que celebra, embora o mandato seja conhecido de terceiros que participem nos atos ou sejam destinatários destes". Os preceitos seguintes disciplinam os direitos adquiridos e as obrigações contraídas em execução do mandato; a responsabilidade do mandatário e a responsabilidade dos bens adquiridos pelo mandatário (artigos 1181 a 1184 do CC): "1. O mandatário é obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato; 2. Relativamente a créditos, o mandante pode substituir-se ao mandatário no exercício dos respetivos direitos" (1181). "O mandante deve assumir, por qualquer uma das formas indicadas no n.º 1 do artigo 595.º[24], as obrigações contratadas pelo mandatário em execução do mandato; se não puder fazê-lo deve entregar ao mandatário os meios necessários para as cumprir ou reembolsá-lo do que este houver despendido nesse cumprimento" (1182). "Salvo estipulação em contrário, o mandante não é responsável pela falta de cumprimento das obrigações assumidas pelas pessoas com quem haja contratado, a não ser que no momento da celebração dos contratos conhecesse ou devesse conhecer a insolvência delas" (1183) e "Os bens que o mandatário haja adquirido em execução do mandato e devam ser transferidos para o mandante no termos do n.º 1 do artigo 1181.º não respondem pelas obrigações daquele, desde que o mandato conste de documento anterior à data da penhora desses bens e não tenha sido feito o registo de aquisição, quando esta esteja sujeita a registo" (1184).

O mandato sem representação não estava previsto, "pelo menos ostensivamente", no Código Civil de 1867 (ao contrário da admissão do contrato de comissão, no artigo 266 do Código Comercial), mas a doutrina já o admitia "abertamente" (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1986, pág. 746).

Efetivamente, já Fernando Pessoa Jorge, na monografia de 1961 (correspondente à sua dissertação de doutoramento apresentada à FDUL) o estudara com referência ao Código Civil anterior. Segundo este autor (O Mandato sem Representação (Reimpressão), Almedina, 2001, págs. 100/101; 190/191 e 411), o mandato sem representação responde a "certas necessidades sociais, perfeitamente dignas de proteção legal. Sucede, na verdade, com frequência que uma pessoa, desejando realizar certo negócio, tem interesse legítimo em não intervir pessoalmente na sua efetivação e em se manter oculto, a fim de que as outras pessoas, especialmente a parte contrária, ignorem ser ela o interessado real. A ocultação do verdadeiro interessado não é ilícita nem significa simulação; ocultar a verdade, quando não há qualquer obrigação de a manifestar nem disso deriva prejuízo injusto para outros, nada tem de imoral".[25]

Mais adiante (págs. 190/191), refere: "Quando o contraente não declara, nem por qualquer modo manifesta a vontade de atuar em nome alheio, entende-se que atua em nome próprio, ainda que porventura a outra parte saiba que ele pratica o ato por conta de outrem. Como atua em nome próprio, assume a posição de parte e, em princípio, recebe na sua esfera jurídica os efeitos que decorrem do negócio (…). No fundo, o alcance da atuação em nome próprio é o de fazer projetar sobre a esfera jurídica do agente, além dos efeitos característicos da posição de parte, os de natureza pessoal: é ele quem tem legitimidade para exigir e receber o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, é contra ele que a outra parte se deve dirigir, não só para reclamar os seus créditos, como para fazer valer quaisquer ações pessoais derivadas do contrato, nomeadamente a respeitante à sua validade ou eficácia".

E, definindo este negócio jurídico, diz o mesmo autor (pág. 411) que o mandato sem representação é aquele contrato "pelo qual uma pessoa (mandante) confia a outra (mandatário) a realização, em nome desta mas no interesse e por conta daquela, de um ato jurídico relativo a interesses pertencentes à primeira, assumindo a segunda a obrigação de praticar esse ato; ou, dada a noção de interposição de pessoas, como o contrato pelo qual alguém se obriga a intervir, como interposta pessoa, na realização de um ato jurídico que ao segundo respeita".

Como consequência do mandato sem representação, o mandatário, quando estão em causa direitos adquiridos em execução do mandato, é obrigado a transferir para o mandante esses direitos (1181, n.º 1 do CC).

E, um vez que, nos termos do artigo 1180 do CC, o mandatário "adquire" o direito, não pode dizer-se que o Código Civil /66 tenha consagrado a possibilidade da (chamada) projeção imediata e, por isso, no âmbito do mandato para adquirir, está consagrada a (chamada) dupla transferência: "os efeitos dos negócios não se repercutem diretamente na esfera do mandante, mas antes na esfera do mandatário, de onde terão que ser posteriormente transferidos para o mandante" (Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, 8.ª edição, Almedina, 2013, págs. 409/411),[26] seja através de uma contrato ou de um ato jurídico[27], seja, ou não, com a possibilidade de execução específica[28].

Vistas as características do mandato sem representação, tal como os efeitos, para mandante e mandatário que do mesmo resultam, e sendo inequívoco que é com base nessa figura jurídica que o autor reclama o deferimento da pretensão que formula em via principal, temos de constatar que a matéria de facto por si alegada, e posteriormente levada à base instrutória, já que controvertida, não ficou provada. Ao autor cabia, no entanto, demonstrá-la, como resulta do n.º 1 do artigo 342 do CC.

Mostra-se desnecessário, nesta sede, repetir as razões pelas quais mantivemos inalteradas as respostas negativas dadas à base instrutória e que sustentavam (enquanto causa de pedir) a pretensão do autor. Dito de outro modo, não se provou que entre o autor e as rés tenha existido um mandato sem representação (único negócio jurídico invocado e aqui em causa). Por isso, nos termos em que já a 1.ª instância o afirmara, consideramos improcedente a pretensão (principal) do autor e a apelação, na parte em que reflete aquela mesma pretensão.

1.3.3 – Se a 1.ª ré deve ser condenada a restituir ao autor os bens móveis que se encontram na moradia sita na rua …, descritos no artigo 139 da petição inicial, uma vez que ao autor pertencem exclusivamente.
Sobre esta questão, a sentença recorrida, depois de considerar que o autor não demonstrou ter celebrado com as rés qualquer mandato sem representação ("tal como deflui da resposta dada aos factos controvertidos (…) não logrou o autor demonstrar, como lhe era imposto, que entre as partes tenha sido celebrado qualquer acordo passível de consubstanciar contrato de mandato sem representação nos moldes por ele figurados"), acrescenta que, "de igual modo, não logrou provar que os móveis descritos no artigo 139º do articulado inicial lhe pertençam e que se encontram no ajuizado imóvel".

Efetivamente, os pontos 13 e 14 da base instrutória (13 – Os bens móveis mencionados no artigo 139.º da petição inicial foram herdados pelo autor e também adquiridos exclusivamente com o seu dinheiro?; 14 – … tais móveis têm um valor de mercado de 50.000$00?) receberam respostas negativas e, em sede de recurso, foram mantidas, pelas razões oportunamente referidas, essas mesmas respostas.

Não pode, por isso. Por isso, condenar-se a 1.ª ré à entrega dos aludidos bens ou ao pagamento do valor que eventualmente lhes corresponda e, tal como na ação, também no recurso improcede a pretensão formulada, ou seja, também nesta parte a apelação é improcedente.

1.3.3 – Se, subsidiariamente, em razão da extinção da união de facto, e por força do enriquecimento sem causa, a 1.º ré deve restituir ao autor o valor à aquisição da casa da Rua … e o valor dos fundos que se encontram na conta do E…, obrigação de restituição que, quanto a estes fundos, abrange também a 2.ª ré.
A terceira questão que importa conhecer nesta sede, também já na ação tinha natureza subsidiária, ou seja, era de conhecer se a pretensão do autor não procedesse por via principal.

Na 1.ª instância considerou-se que também por esta (subsidiária), também pelo instituto do enriquecimento sem causa, a pretensão do demandante não podia proceder. E, fundamentando essa conclusão, deixou-se dito o que ora se sintetiza: "(…) o demandante busca fundamento jurídico para essa pretensão apelando ao instituto do enriquecimento sem causa. E procura suportar facticamente tal pedido na circunstância de, com o fim da união de facto que existiu entre o autor e a 1ª corré, ter terminado o projeto de vida em comum e o investimento material de ambos com esse objetivo, deixando as demandadas de ter causa justificativa para usufruírem dos mencionados bens, gerando-se consequentemente um enriquecimento injustificado dos seus patrimónios, ao manterem a propriedade e gozo de bens que foram adquiridos exclusivamente com dinheiro daquele, cuja fruição apenas tinha razão de ser na pendência da aludida união de facto (…) estaríamos em presença de um enriquecimento por prestação, na modalidade de recebimento com base em causa que deixou entretanto de existir, ou seja, a situação em que a causa jurídica da prestação realizada desaparece posteriormente à sua realização, situação que se mostra normativamente contemplada, entre outras, no nº 2 do art. 473º. Com efeito, o enriquecimento por prestação respeita a situações em que alguém efetua uma prestação a outrem, mas se verifica uma ausência de causa jurídica para que possa ocorrer por parte deste a receção dessa prestação. Nesta categoria, o requisito fundamental do enriquecimento sem causa é a realização de uma prestação, que se deve entender como uma atribuição finalisticamente orientada, sendo por isso, referida a uma determinada causa jurídica (…), o incremento consciente e finalisticamente orientado de um património alheio. De acordo com a cláusula geral do art. 473º, nº 1, são os seguintes os pressupostos constitutivos do enriquecimento sem causa: - existência de um enriquecimento; - obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; - ausência de causa justificativa para o enriquecimento. Ora, no caso vertente, não se verifica qualquer dos enunciados pressupostos, já que o autor não logrou demonstrar que fosse o titular do património que alegadamente terá sido transferido. De igual modo, não provou a ausência de causa justificativa (…) Não bastará para esse efeito, segundo as regras do onus probandi, que não se prove a existência de uma causa de atribuição; é preciso convencer o tribunal da falta de causa. Porque assim, por inverificação dos mencionados pressupostos, de igual modo terá de improceder o pedido formulado a título subsidiário".[29]

Sobre esta questão, o recorrente vem, em sede de recurso, reafirmar as suas razões e diz-nos (em síntese) que "conforme resulta do disposto no art. 8.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 7/2001 de 11 de maio, a união de facto dissolve-se por vontade de um dos seus membros, não tendo de ser declarada judicialmente (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-02-2004, dgsi) e, por força da extinção da união de facto havida entre autor e 1ª ré, esta deixou de ter causa justificativa para usufruir dos bens, nomeadamente, da casa da Rua …, do recheio existente nesta moradia, e dos valores depositados na conta do E…, pelo que sempre o autor tem direito a haver aquilo que prestou no âmbito da união de facto", uma vez que "foi o autor que, com os seus rendimentos, pagou a totalidade do preço do imóvel sito na Rua …, sendo que também os valores existentes na conta, no E…, são provenientes de rendimentos e aplicações do autor. E uma coisa são as despesas que poderão ser consideradas relacionadas com atos de administração ordinária e corrente do agregado (despesas com alimentação, água, luz, etc.); outra coisa, completamente diferente, os investimentos de fundo feitos pelo autor na aquisição da casa que, em caso de ausência de qualquer título, sempre deverão ser consideradas benfeitorias. Também no que se refere aos valores depositados na conta bancária, com o fim da união de facto, a 1ª ré deixou de ter causa justificativa para usufruir desses fundos, o mesmo se passando quanto à 2ª ré, pois esta apenas surgiu como titular da conta devido à união de facto existente entre seus pais". Citando jurisprudência, refere ainda o recorrente: "como referiu o Acórdão Relação de Coimbra de 11/5/2004 (Proc. 712/04, dgsi), sobre um caso de rutura de união de facto idêntico ao dos autos, "O enriquecimento é injusto, não apresentando causa justificativa, quando não está de harmonia com a correta ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, em virtude de determinado valor se achar no património do beneficiado, quando o seu lugar era no património do prejudicado" e ainda que, segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de maio de 1997, "III – Para se saber a medida de empobrecimento e de enriquecimento dos viventes em união de facto, há que determinar o quanto cada um deles contribuiu para a aquisição do imóvel" (Coletânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano V, Tomo II, 1997, pág. 81). Por fim, refere o recorrente: "Quanto à questão da prescrição aflorada em nota de rodapé na sentença, a verdade é que, face aos depoimentos testemunhais e documentos juntos aos autos, conforme alegado em sede de impugnação da matéria de facto, a relação entre recorrente e recorrida C… só terminou em 2009, pelo que não ocorreu a prescrição do direito do recorrente de exigir a restituição à luz do enriquecimento sem causa. Ademais, como referiu a testemunha O…, a ré C… (…) reconheceu que a casa da Rua … e os valores depositados na conta bancária do E… pertencem ao autor" factos que "quadram na previsão legal do disposto no art. 325.º do Código Civil: a prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido".

As rés, na resposta ao recurso, vieram dizer que o autor "não alegou sequer quaisquer factos, que portanto não provou, integradores da previsão do instituto do enriquecimento sem causa, confundindo a falta da causa de atribuição que invoca (o mandato sem representação) – e que seria, também, a causa da restituição que pretende – com a inexistência de causa do enriquecimento que imputa às apeladas. O enriquecimento sem causa tem os seus próprios e autónomos pressupostos, que não se confundem com a não verificação dos pressupostos de qualquer outro instituto (…) Se porventura algum enriquecimento houvesse sobrevindo para a apelada C… com a cessação da união de facto, o eventual direito à sua restituição estaria prescrito, conforme exceção invocada na contestação".

Apreciemos.

Começamos por referir o acórdão da Relação de Coimbra de 11.05.2004, expressamente referido pelo recorrente como correspondendo a uma situação idêntica à dos autos. Cita o recorrente (e corretamente) o ponto 2. do sumário do aludido acórdão ("O enriquecimento é injusto, não apresentando causa justificativa, quando não está de harmonia com a correta ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, em virtude de determinado valor se achar no património do beneficiado, quando o seu lugar era no património do prejudicado"), mas, esquecendo o ponto 1. da mesma decisão ("1. Pagando com o seu dinheiro metade do preço da casa onde a autora vivia com o réu e os respetivos atos notariais e de registo, agindo na convicção de que a união de facto entre ambos se manteria e de que, assim, contribuía para a formação de um património comum, ocorreu uma causa de deslocação patrimonial constitutiva do pressuposto do enriquecimento sem causa") terá visto uma identidade de situações onde, com todo o respeito, não a vislumbramos. Ora, naquele acórdão, a autora veio alegar (e ficou genericamente provado) que, depois de voltar a viver com o réu (em união de facto) "anuiu em comprar uma casa, conjuntamente com o réu (…) o réu disse à autora que esta não necessitava de estar presente na celebração da escritura, pois que, como se encontravam a viver juntos, a casa ficaria em nome de ambos (…) mas outorgou como único adquirente. O fundamento da pretensão – analisado no acórdão - foi apenas o enriquecimento sem causa, pois a autora, naquele processo, não invocou outra causa. Ao invés, no caso presente, o recorrente, antes de invocar a cessação da união de facto, invoca uma causa, o mandato sem representação (sendo esse o fundamento do seu pedido principal), mas, mais relevante que isso, defende que todo o dinheiro (que comprou a casa ou que constituiu a conta) é exclusivamente seu. Por isso, salvo o devido respeito, não há, ou é muito ténue a semelhança entre os dois casos.

Os restantes acórdãos citados pelo recorrente, e na parte em que são citados, não merecem específica referência, na medida em que, salvo melhor saber, em nada questionam o que nos parece ser o correto entendimento das questões que abordam: o desta Relação do Porto, de 19.02.2004 (dgsi)[31], salientando que a extinção da relação de união de facto não precisa de ser judicialmente declarada e o do STJ, ao afirmar (na própria citação do recorrente) que a medida do empobrecimento e do enriquecimento se deve aferir pelo resultado da contribuição de cada um dos unidos (e ainda que, no caso aqui em apreciação, o recorrente invoque, defenda e se funde na sua contribuição exclusiva).

Abordemos, então, o instituto do enriquecimento sem causa e, de seguida, a sua eventual aplicação ao caso presente.

O enriquecimento sem causa, cuja origem remonta às antigas ações per condictionem[32] do Direito romano, tem assento legal nos artigos 473 a 481 do atual Código Civil, e foi "animado pelo extenso estudo preparatório que lhe dedicou Vaz Serra" – BMJ 81/1958 e 82/1959 (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, Almedina, 2010, págs. 137 e ss., a págs. 137 e 139/140).

Segundo o artigo 473, n.º 1, "Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou" e (n.º 2) "A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou". Acrescenta-se que "não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento" (artigo 474) e também "se, ao efetuar a prestação, o autor sabia que o efeito com ela previsto era impossível, ou se, agindo contra a boa fé, impediu a sua verificação" (artigo 475). O Código Civil, depois de prever a "repetição do indevido; o cumprimento de obrigação alheia na convicção de que é própria e o cumprimento de obrigação alheia na convicção de estar obrigado a cumpri-la (artigos 476, 477 e 478 do CC, respetivamente) define o objeto da restituição no artigo 479: "1. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. 2 . A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas alíneas do artigo seguinte": "a) Ter sido o enriquecido citado judicialmente para a restituição; b) Ter ele conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento ou da falta do efeito que se pretendia obter com a prestação" (artigo 480 do CC).

Finalmente, "O direito à restituição por enriquecimento sem causa prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento" (artigo 482 do CC).

O enriquecimento sem causa, cuja ideia base é a proibição de alguém enriquecer à custa do empobrecimento de outro, quando esse enriquecimento, porque injustificado, é injusto, é assim, uma fonte autónoma de obrigações, que se verifica quando estiverem presentes cumulativamente três requisitos: a) a existência de um enriquecimento; b) que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de outrem[33] e que c) lhe falte (uma) causa justificativa (Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8.ª edição, Almedina, 2000, págs. 439/441). O enriquecimento sem causa justifica-se na lembrança do "dito célebre de Pompónio: Iure naturae aequum est neminem cum alterius detrimento et iniuria fiere locupletorem (Digesto 17,206) («Por direito natural, é justo que ninguém se enriqueça com prejuízo e ofensa de outrem») – Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações – Programa 2010/2011, Apontamentos, aafdl, Lisboa, 2011, pág. 64.

O enriquecimento sem causa é fonte de obrigações porque obriga a "restituir": estabelece um "vínculo jurídico, por força do qual o enriquecido sem causa fica a "dever" o montante do enriquecimento e o "empobrecido" a ter o "direito" de exigir esse montante", isto é, "surge um credor e um devedor" (Jorge Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, Volume I, Almedina, 1990, pág. 364).

A obrigação de restituir, que se impõe ao enriquecido, pressupõe que não haja causa[34] para o incremento ou valorização patrimonial e que haja uma relação com o titular do direito à restituição ("um juízo de enriquecimento"). A medida da restituição, por sua vez, atenderá a três limites: "deve ser restituído o enriquecimento em concreto (1.º limite até ao dano em abstrato (2.º limite) ou em concreto (3.º limite), consoante o que se mostre mais elevado (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil… cit., págs. 243/248).

Depois, nos termos do artigo 474 do CC, o enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária[35] (ainda que tal natureza não tivesse sido originalmente prevista, aquando do projeto do CC/66 e mereça críticas[36]) no sentido de só a ele se recorrer quando a lei não facultar ao titular do direito à restituição outro meio de ser indemnizado ou restituído. Finalmente, "a falta de causa terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no artigo 342.º, por quem pede a restituição. Não bastará para esse efeito, segundo as regras do ónus probandi, que não se prove a existência de uma causa de atribuição; é preciso convencer o tribunal da falta de causa" (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, 1987, pág. 456).

Regressemos ao caso em apreciação.

Fundando-se no fim da união de facto, o recorrente, pretende reaver a casa e o dinheiro depositado na conta bancária, porque corresponderia a um ilegítimo enriquecimento que a 1.ª ré continuasse a utilizar aquela ou, ambas as rés, a beneficiarem do dinheiro depositado nesta.

A questão que o recorrente coloca em via subsidiária entronca numa realidade de facto, numa omissão legal e numa conclusão interpretativa.

A realidade de facto, que o dia a dia revela, é que que quem vive sob o mesmo teto e em economia comum, quem vive numa união de facto, em especial se ela perdurou por muitos anos, terá naturalmente adquirido habitualmente com o esforço ou contributo de ambos os membros da união, um conjunto de bens, móveis ou imóveis, adquiridos, justamente na constância da união de facto.

A omissão legal é que a lei não disciplina o destino desses bens, ocorrida a dissolução da união.

A conclusão interpretativa é que (não obstante os companheiros poderem acordar na compropriedade de dos bens) este princípio não tem aplicação geral, ou seja, a compropriedade não se presume, nem tem aplicação analógica o regime previsto para o regime de separação de bens no casamento - 1736, n.º 2 do CC (José António França Pitão, Uniões de facto e Economia Comum, 3.ª edição, Almedina, 2011, pág. 158).

Perante a realidade – de facto e jurídica – acabada de referir a jurisprudência tem colocado os casos em que se desfaz uma união de facto como fundamento para intervir o enriquecimento sem causa, na vertente de "causa finita", enriquecimento em virtude de uma causa que deixou de existir, considerando que "tudo o que tenha sido prestado, no contexto de uma união de facto, deve ser restituído quando esta acabe, caso venha a provocar um enriquecimento de um dos ex-parceiros, à custa do outro" (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil… cit., págs. 273/275, onde dá nota de várias decisões das relações e do Supremo).

No caso presente, porém, a pretensão do recorrente não tem sustentação fáctica que permita enveredar juridicamente pelo enriquecimento sem causa. É que o autor nem sequer alega que contribuiu para a economia comum, para a economia daquela união de facto, ou que foi dessa economia que resultou a aquisição do imóvel e, por isso, não demonstra qualquer enriquecimento das rés.

Relativamente à 2.ª ré, aliás, não se vê como a dissolução da união de facto possa ser a "causa finita" do enriquecimento (provasse-se este), porquanto a relação é de filiação que, obviamente, não cessou. Mas também quanto à 1.ª ré, ficou por demonstrar o enriquecimento.

Tanto basta, definitivamente, à improcedência da pretensão (subsidiária) formulada pelo autor e, nesse sentido, à total improcedência do recurso.

E, atenta a conclusão precedente, não existindo o direito à restituição com base no enriquecimento sem causa, é irrelevante se o recorrente exerceu tempestivamente (no prazo previsto pelo artigo 482 do CC) o seu direito.

As custas são a cargo do recorrente.

3 - Sumário (da responsabilidade do relator):
1 – Não se provando a existência de um mandato sem representação, o alegado mandatário não tem qualquer obrigação de restituição perante o alegado mandante.
2 - A obrigação de restituir, que se impõe ao enriquecido no enriquecimento sem causa pressupõe que não haja causa para o incremento ou valorização patrimonial e que haja uma relação com o titular do direito à restituição.
3 - O enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, mas tal não significa que não possa ser invocado subsidiariamente, para a hipótese de naufragar a causa que a lei facultava ao empobrecido para ser indemnizado ou restituído.
4 – A dissolução da união de facto pode dar origem a restituição ou indemnização, relativamente a bens adquiridos na pendência da união, mas sempre terá de se provar que houve enriquecimento do membro da união a quem se reclama essa restituição ou indemnização.

4 – Decisão:
Pelas razões ditas, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em:
a) Ordenar o desentranhamento e restituição ao recorrente do documento junto com as suas alegações, condenando-se o mesmo na multa de 1 (uma) UC;
b) Julgar improcedente a presente apelação e, em conformidade, confirmar a sentença proferida na 1.ª instância.

Custas pelo recorrente.

Porto, 28.10.2010
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Carlos Querido
_____________
[1] "As rés, entre outras exceções, vieram invocar a exceção de ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir para os pedidos subsidiários de restituição fundados no enriquecimento sem causa, alegando fundamentalmente que o autor não alega quaisquer factos que substanciem, autonomamente, a inexistência de causa para o enriquecimento que imputa às demandadas. Na réplica o autor veio pugnar pela improcedência da exceção deduzida alegando fundamentalmente que a causa de pedir se mostra perfeitamente definida e concretizada. Apreciando (…) Posto isto, revertendo ao caso sub judice, se olharmos para a forma como o autor verteu no seu articulado inicial os elementos objetivos da instância no que concerne ao pedido subsidiariamente formulado, afigura-se-nos que não podemos deixar de reconhecer que alegou os factos essenciais subjacentes a essa concreta pretensão de tutela jurisdicional, a qual faz ancorar facticamente na circunstância de se ter operado a cessação da relação de união de facto que mantinha com a 1ª coré deixando esta, a partir de então, de possuir título que legitime a detenção dos bens cuja entrega reclama e de cujo valor pretende ser embolsado. Porque assim, a petição é apta, não existindo outras nulidades principais".
[2] "Mostra-se ainda suscitada a exceção perentória da prescrição do direito do autor. Todavia, considerando que o conhecimento de tal exceção está dependente de prova a produzir, relega-se, por isso, o seu conhecimento para final. Inexistem exceções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito".
[3] Na matéria de facto provada refere-se que a casa foi paga com dinheiro do arguido e da assistente" e na motivação que a assistente referiu que está "de relações cortadas com o arguido" e contou que o arguido abandonou a residência em 2005, depois de quarenta anos de vida em comum " e reconheceu que a casa foi paga "igualmente com dinheiro do arguido" (sublinhados nossos).
[4] Especificidades que não estão minimamente em causa no presente recurso.
[5] Entretanto, como brevemente se referiu antes, com efeitos a 1.09.2013, entrou em vigor um novo Código de Processo Civil (NCPC), anexo à Lei 41/2013, de 26 de junho. Entendemos que o novo diploma é imediatamente aplicável, incluindo aos recursos se, quanto a estes a admissão do recurso e a remessa dos autos aos Vistos (ou a sua dispensa) ocorreu já depois daquela data (1.09.2013). No entanto – e daí a referência feita no texto – no momento em que foi interposta esta apelação (e, por isso, na ocasião em que o recorrente havia de ter preenchido os requisitos da impugnação da matéria de facto) vigorava o anterior CPC, precisamente na versão introduzida pelo Decreto-Lei 303/2007, uma vez que esta ação teve início depois de 2008. Naturalmente que se os requisitos para a impugnação da matéria de facto fossem, no domínio do NCPC, diversos e menos exigentes continuaria a aplicar-se de imediato, mesmo para a impugnação da matéria de facto, o novo diploma adjetivo. Não pensamos que assim seja e, por isso, às considerações que fazemos irrelevam, no caso concreto, as alterações surgidas com o novo Código de Processo Civil.
[6] Para a que aqui fica dito não diverge o artigo 662 do NCPC que, no seu n.º 1, refere que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa". Ainda que a substituição da expressão "pode ser alterada" pela expressão "deve alterar" não se traduza em "meras "operações cosméticas" (António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código… cit., pág. 222), sempre entendemos que o poder da Relação que o poder da Relação era, já antes um poder vinculado. Dito de outro modo, a relação deve – como devia – alterar os factos fixados na 1.ª instância se se mostrarem verificados os pressupostos dessa alteração, pressupostos esses que, isso sim, não nos parece terem sido alterados com o novo diploma legal.
[7] Documento (o de fls. 116) a que se refere expressamente o depoimento testemunhal (infra) de Y…. Documento (o de fls. 122/123) no qual é segunda outorgante a ré C… e onde, em 31.07.1985, declara o primeiro outorgante (vendedor) que "pela presente escritura e pelo preço de QUATRO MILHÕES DE ESCUDOS, vende à segunda outorgante um prédio urbano composto de casa de dois pavimentos sito na Rua …, n.º …/…, freguesia de …, desta cidade (…). Que, tendo já recebido da compradora o mencionado preço, dá como efetuada a venda, livre de qualquer ónus ou encargos"
[8] Constituída em 1971, com o capital social inicial de 300.000$00, dividido por seis quotas de 50.000$00 cada. A gerência era exercida por todos os sócios, devendo ser assinada qualquer responsabilidade por "dois deles, em conjunto". Em 1973 foi cancela a gerência de quatro dos seis sócios. A 12.12.1978 foi inscrita a falência da sociedade, por cessação de pagamentos.
[9] Onde refere: "Como conversámos na altura, vim temporariamente viver para Guimarães, para tratar mais de perto os assuntos do Posto, na perspetiva de arrumar a casa e travar o acumular de prejuízos daquele negócio em que entrei a teu pedido, para ajudar a tua irmã e família. Entretanto procedeste à mudança da fechadura da porta principal da minha casa na Rua …, n.º …, sem o meu conhecimento ou consentimento, impedindo deliberadamente o meu acesso normal àquela moradia. Venho assim pedir-te que me entregues a nova chave, uma vez que a minha já não serve, para poder usufruir, como sempre usufruí, até essa mudança, da moradia que bem sabes ser da minha pertença e aceder inclusivamente a toda a minha documentação pessoal e profissional que está na minha escrivaninha de escritório do corredor de baixo, na sala/escritório do rés do chão e noutros locais, bem como a todos os meus outros bens. Aguardo assim o teu contacto para que, com a brevidade possível, me entregues as atuais chaves da minha casa, casa que eu pretendo continuar a usufruir, até porque as tarefas a que me propus em Guimarães estão terminadas, e pretendo regressar ao Porto".
[10] Extrato 2/2010, datado de 1.02.2010. Saldo credor de 402.444,06€ (depósitos poupança e fundos investimentos: 325.000,00€ e 70.551,20€). Durante o mês de janeiro de 2010 a conta à ordem foi creditada com o pagamento da pensão do CNP (732,83€), juros, liquidação de depósito (325.000,00€) e depósito de cheques, este no montante de 3.750,00€. O depósito liquidado foi transferido dois dias depois.
[11] A título exemplificativo, os rendimentos prediais (… – 50%) são no montante anual de 201.520$00 em 1992 e no montante anual de 133.304$00 em 1993.
[12] Por simplificação, quando escrevermos apenas "ré" referimo-nos à ré C…. Igualmente, "casa" sem outra indicação é a moradia sita na rua ….
[13] Quando questionada sobre o porquê de não ter sido seguido sempre o mesmo (e este) procedimento, em razão de existir comunhão noutros bens.
[14] Quando perguntada se as titulares da conta podiam movimentá-la.
[15] Perante a afirmação de o autor ter então (outros) bens em nome dele.
[16] Respondendo à questão do porquê de se trazer dinheiro da Suíça para Portugal, quando (e se) existia risco de responsabilidades perante eventuais credores.
[17] À pergunta "até quando viveram juntos".
[18] A questão da conversa e do seu conteúdo é objeto da acareação, prontamente decidida pelo tribunal, a que se fará referência mais adiante.
[19] Não houve contrainterrogatório.
[20] Os factos a que se refere o artigo – esclarecem Pires de Lima /Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, 1987, pág. 305) "abrangem os indícios dos factos e os factos auxiliares", mas não "os conceitos legais, como a boa fé, os bons costumes, posse de estado, etc., mas apenas os factos que servem de base ou apoio a tais conceitos".
[21] Diz este autor, na obra a seguir citada (a págs. 177, 192 e 193): "É indireto quando a testemunha tem conhecimento de um facto através do que lhe transmitiu um terceiro (através de uma representação oral, escrita ou mecânica), não provindo o conhecimento da testemunha sobre o facto da sua perceção sensorial imediata. (…) No processo civil inexiste norma expressa equivalente ao Artigo 129.º do Código de Processo Penal" e "Alberto dos Reis escreveu que "o juiz pode formar a sua convicção através do depoimento de testemunha auricular e em sentido contrário ao depoimento da testemunha ocular".
[22] O documento de fls. 460 e ss., não o esquecemos, comprova efetivamente que foi movida uma execução contra o autor e mais outros dois executados, mas desconhece-se nos autos qualquer outro processo. Esta documentada execução era no valor de 293.497$00, que veio a ser pago (em rigor 299.280$00) pelo autor em maio de 1985, isto é, no tempo referido precisamente pela testemunha F….
[23] Sobre o problema da representação no contrato, Inocêncio Galvão Telles, Manual do Contratos em Geral, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2002, págs. 419 e ss., em especial, págs. 423/425 e também Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição atualizada, Coimbra Editora, 1996, págs. 535 e ss. Na pág. 538 refere que pode haver mandato sem representação "quando o mandatário não recebeu poderes para agir em nome do mandante; age por conta do mandante, mas em nome próprio: é o caso (…) e do contrato de mandato sem representação, cuja regulamentação foi introduzida pelo novo Código Civil (art. 1180.º)".
[24] "Assunção de dívida".
[25] Este, que segundo Pires de Lima e Antunes Varela, constitui o "problema geral da admissibilidade ou não admissibilidade do mandato sem representação e da interposição de pessoas que lhe está inerente" resolve-se na afirmação da licitude da interposição, "porque é real e verdadeira, e não fictícia ou simulada e porque não há interesse jurídico, social ou moral em a proibir " (Código Civil Anotado, Volume II… cit., pág. 747)
[26] Pessoa Jorge defendia, ao contrário do que veio a consagrar o CC/66, a teoria da projeção imediata e afastava a tese da dupla transferência: "Quer se encare este princípio sob o ponto de vista da proteção aos interesses da outra parte ou de terceiros – que confiaram na aparência de o mandatário ser o verdadeiro interessado e, portanto, o real destinatário do efeito do ato que praticou – quer se encare sob o aspeto da pretensa inoponibilidade ao mandante daquele ato, não vemos que tal princípio possa admitir-se em termos absolutos" (O mandato sem representação… cit. pág. 307)
[27] Pessoa Jorge, admitindo a repercussão direta no mandante do negócio celebrado pelo mandatário, defendia que o (segundo) ato transmissivo não podia ser um contrato (compra e venda, doação…) uma vez que seria inequivocamente simulado, mas não é esse o entendimento doutrinal dominante – Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações… cit., págs. 410/411, nota 932; Fernando Pessoa Jorge, O mandato sem representação… cit., págs. 317 e Miguel Galvão Teles, Obrigação de Emitir Declaração Negocial (1963-2012), Almedina, 2012, pág. 21.
[28] Afastando claramente a execução específica: Ac. STJ de 22.01.2008 (dgsi), onde pode ler: "Daí ser de concluir que a doutrina do mencionado art. 830, nº 1, só é aplicável naqueles casos em que a obrigação de celebrar um contrato resulta de um contrato promessa. Neste sentido tem decidido a jurisprudência deste Supremo (Ac. S.T.J. de 11-5-00, Bol. 497-357, que seguimos de perto; Ac. S.T.J. de 11-6-80, Bol. 298-287)". Em sentido diferente, entre outros, Manuel Januário da Costa Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, 2000, pág. 35, nota 125.
[29] Terminando a sentença com a nota de rodapé que ora repetimos: "Sendo de ressaltar, de qualquer modo, que sempre o direito de exigir a restituição à luz do enriquecimento sem causa se mostraria, in casu, prescrito, pelo decurso do prazo estabelecido no art. 482º, já que, como resultou provado, a união de facto que existiu entre autor e a 1ª corré cessou em agosto de 2005 e, portanto, mais de três anos antes da propositura da presente ação (que foi instaurada em 24 de janeiro de 2011)".
[30] Sublinhado nosso.
[31] Do qual retiramos, ainda assim, estas considerações: "Extinta a relação, há que proceder à liquidação e partilha do património do "casal", que pode suscitar dificuldades, sobretudo, quando a vida em comum durou muito tempo: haverá então, frequentemente, bens adquiridos pelos membros da união de facto, dividas contraídas por um ou por ambos, contas bancárias em nome dos dois, confusão dos bens móveis de um e outro, etc.. Não valendo aqui os artigos 1688º e 1689º do C. Civil, que só ao casamento respeitam, as regras a aplicar são as que tenham sido acordadas no “contrato de coabitação”, eventualmente celebrado e, na sua falta, o direito comum das relações reais e obrigacionais (Pereira Coelho, ob. cit., vol. I, p. 128). A situação de uma pessoa haver adquirido bens com a colaboração de outra no âmbito de uma relação de união de facto só é, eventualmente, suscetível de relevar para o efeito de se reconhecer a existência de uma situação de compropriedade ou no quadro do instituto do enriquecimento sem causa (…) Assim, a alegada contribuição pecuniária do Autor para a aquisição dos veículos e do imóvel que a Ré veio a inscrever em seu nome no registo automóvel e predial, poderá fundamentar eventual pedido com base no enriquecimento sem causa ou numa situação de compropriedade (…) Por outro lado, ao contrário do defende o apelante estava vedado ao tribunal " a quo” mandar alterar ou corrigir a causa de pedir e o pedido. As partes é que – através do pedido e da defesa – circunscrevem o thema decidendum. O juiz não tem que saber se, porventura, à situação das partes conviria melhor outra providência que não a solicitada, ou se esta poderia fundar-se noutra causa de pedir (v. Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 374). O tribunal não pode alterar a causa de pedir em que o autor baseia a sua pretensão, nem o pedido por este formulado".
[32] Sobre a evolução do instituto, Júlio Manuel Vieira Gomes, O Conceito de Enriquecimento, o Enriquecimento Forçado e os vários Paradigmas do Enriquecimento sem Causa, Universidade Católica Portuguesa, Porto, 1998, págs. 25 e ss.
[33] Obter o enriquecimento à custa de outrem significa, como quase unanimemente tem entendido a doutrina, que o instituto implique a existência de um empobrecido. Em sentido divergente, porém, Júlio Vieira Gomes (O Conceito de Enriquecimento…, cit., pág. 397) critica "as limitações de uma conceção de enriquecimento sem causa, em que a obrigação de restituição surge limitada pela existência de um empobrecimento, sobretudo quando se equipara, precipitadamente, a existência de um empobrecimento com a existência de um dano patrimonial". A crítica, porém, parece suportar-se numa ideia restritiva de dano ou, pelo menos, numa visão contabilística deste. Como refere António Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil… cit., págs. 227/228) "podemos manter o "dano" ou "empobrecimento", desde que se esclareça que ele tem, aqui, um sentido especialmente amplo: mais amplo do que o da responsabilidade civil. De outro modo, não podemos identificar o titular da restituição".
[34] A "causa", como refere António Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil… cit., págs. 236/237) "é, fundamentalmente a fonte"; uma "prestação não terá "causa justificativa" quando não advenha de nenhuma fonte válida e, ainda, quando, não obstante, o Direito não permita a sua retenção"; "numa afirmação que podemos extrapolar para o enriquecimento por intervenção (…) a falta de causa é a inaplicabilidade de uma norma (ou princípio) que legitime a aquisição".
[35] No que não se confunde com pretensão subsidiária, como parece resultar, salvo o devido respeito, da resposta das rés ao recurso. O pedido subsidiário é admissível, justamente para a hipótese de não ser dado provimento ao pedido principal. Diogo Leite de Campos (A subsidiariedade da Obrigação de restituir o Enriquecimento (Reimpressão), Almedina, 2003, pág. 520) dá exatamente esse exemplo, para a hipótese de um pedido principal fundado na responsabilidade civil e um pedido subsidiário no enriquecimento sem causa.
[36] "A subsidiariedade da pretensão de enriquecimento pode efetivamente considerar-se em grande parte como um requisito inútil e prejudicial", sendo necessário necessário "procurar a melhor interpretação a dar ao art. 474.º do Código Civil (Luís Menezes Leitão, O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil (Estudo dogmático sobre a viabilidade da configuração unitária do instituto, face à contraposição entre as diferentes categorias de enriquecimento sem causa), Almedina, 2005, págs. 914/915).