ACTO FORA DE PRAZO
JUSTO IMPEDIMENTO
MANDATÁRIO
OBRIGAÇÃO DE COMUNICAÇÃO DE ALTERAÇÃO DE DOMICÍLIO
VIOLAÇÃO DO DEVER DE DILIGÊNCIA
Sumário

I – São susceptíveis de integrar o conceito de justo impedimento os eventos que um cuidado e diligências normais não fariam prever, não imputáveis à parte nem aos seus representantes, que impeçam a prática atempada de um acto e, à luz da equidade, revelem adequada a concessão de um prazo suplementar para a prática do acto omitido.
II – Não é necessário que tal evento seja imprevisível e estranho à vontade da parte
III – O cerno do conceito legal de justo impedimento situa-se, actualmente, na não imputabilidade do evento à parte ou seu mandatário e já não na sua normal imprevisibilidade.
IV – A alteração do domicílio profissional do Mandatário, não comunicada ao Tribunal, não configura justo impedimento, e, antes, omissão de dever de diligência imposto pelo dever de comunicação de alteração de domicílio.

Texto Integral

Processo nº 7759/12.0TBMTS.P1
Matosinhos

Acordam em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
2ª secção

I. RELATÓRIO
No processo de recurso de impugnação judicial de contra-ordenação nº 7759/12.0TBMTS.P1, do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Matosinhos, por despacho judicial datado de 16 de abril de 2013, foi decidido não se ter verificado justo impedimento para o pagamento, dentro do prazo, da taxa de justiça devida pela arguida/recorrente “B…, Lda.”, com os demais sinais dos autos.

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Inconformada, a arguida/recorrente “B…, Lda.” interpôs recurso, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões:
“I. A recorrente foi notificada pelo tribunal de diversas notificações para pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação de impugnação judicial de decisão administrativa.
II. Tais notificações foram sempre remetidas para o antigo domicílio profissional do Mandatário da recorrente, tendo-lhe sido dado conhecimento das mesmas em 13.03.2013.
III. Data em que o mandatário da recorrente vem de imediato juntar aos autos o comprovativo de pagamento da taxa de justiça devida e alegar o seu justo impedimento.
IV. No entanto, o tribunal a quo decidiu pela não verificação do justo impedimento e pelo indeferimento da junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
V. Até ao dia 13.03.2013, o Mandatário da recorrente não teve conhecimento das notificações que lhe foram remetidas para o seu antigo domicílio profissional, uma vez que alterou o seu domicílio profissional.
VI. O que impossibilitou a Recorrente de pagar atempadamente a taxa de justiça devida.
VII. Tanto assim é que, assim que a Recorrente teve conhecimento da falta do pagamento da taxa de justiça em dívida, procedeu ao seu imediato pagamento e juntou o documento comprovativo do pagamento aos autos.
VIII. Pelo que a impossibilidade de pagar atempadamente a taxa de justiça, devida nos presentes autos, não é imputável à Recorrente.
IX. Não havendo fundamento factual ou legal, para que o justo impedimento invocado pela recorrente, seja indeferido e consequentemente indeferida a junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça em causa.”
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O Ministério Público, na primeira instância, respondeu, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho datado de 16 de maio de 2013.
Nesta Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer, no sentido do não provimento do recurso, remetendo para a resposta do Ministério Público na primeira instância.
Foi cumprido o artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, sem resposta.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal).
1. Questão a decidir
Face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada, a questão a apreciar e decidir é a de saber se o não pagamento atempado da taxa de justiça devida pela interposição do recurso de impugnação judicial se ficou a dever a justo impedimento.
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2. Ocorrências processuais com interesse para a decisão:
A) Em 10.12.2012 foi proferido despacho que admitiu o recurso de impugnação judicial interposto pela recorrente “B…, Lda.”, no qual também se determinou a sua notificação para, em 10 (dez) dias, proceder à liquidação da taxa de justiça devida pela impugnação da decisão administrativa, nos termos e em obediência ao disposto no artigo 8º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP).
B) Tal despacho foi notificado ao mandatário da recorrente, por carta registada, expedida em 11.12.2013, para a única morada que do mesmo constava dos autos, que era a …, nº …, ….-… Porto, indicada na procuração junta aos autos com a impugnação judicial.
C) Não tendo sido liquidada a taxa de justiça devida, em 04.03.2013 foi determinada nova notificação da recorrente para que liquidasse a taxa de justiça omitida, acrescida de multa de igual montante, com a cominação de que a falta de tal pagamento implicaria o não conhecimento do recurso.
D) O referido despacho, acompanhado das guias respectivas, foi notificado ao mandatário da recorrente, por carta registada, expedida em 05.02.2013, novamente para a morada supra mencionada al. B), que nessa altura continuava a ser a única morada desse senhor advogado que constava dos autos.
E) A taxa de justiça e multa não foram pagas no prazo legal, nada tendo também sido dito ou requerido
F) Em 04.03.2013 foi proferido despacho onde se determinou ficar sem efeito o requerimento de interposição de recurso de impugnação judicial de contra-ordenação, por falta do pagamento da taxa de justiça devida pela sua interposição, o qual foi notificado ao mandatário da recorrente, por carta registada, expedida em 05.03.2013, mais uma vez para a morada supra mencionada na al. B), que nessa altura continuava a ser a única morada desse senhor advogado que constava dos autos.
G) No dia 13.03.2013, o mandatário da recorrente deu entrada de requerimento onde informava ter alterado o seu domicílio profissional para …, nº …, ….-… Porto.
H) No dia 19.03.2013, deu entrada um requerimento da recorrente “B…, Lda.”, acompanhado de DUC comprovativo do pagamento, em 15.03.2013, da quantia de 102,00 € (cento e dois euros), pedindo que fosse admitido o pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso de impugnação, apresentado nesse momento, por verificação de justo impedimento, consubstanciado na circunstância de o seu mandatário ter terminado a fase complementar de estágio na Ordem dos Advogados em 07.12.2012, tendo consequentemente deixado de estar sob a alçada do seu patrono e alterado em 10.12.2012 o seu domicílio profissional, alteração essa que, devido a mero lapso, não comunicou a estes autos, o que apenas fez em 13.03.2013. Indicando uma testemunha para ser inquirida, se necessário.
I) Em 16.04.2013 foi proferido o despacho recorrido, que indeferiu o requerido, nos seguintes termos:
(transcrição)
“A fls. 67 e ss., vem a recorrente “B…, Lda.” requerer, nos termos e com os fundamentos ali descritos e aqui dados por reproduzidos, que lhe seja admitido o pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso, por verificação de justo impedimento, face à circunstância de tendo o seu mandatário terminado a fase complementar de estágio na Ordem dos Advogados, em 7/12/2012, e deixado de estar sob a alçada do seu Patrono, e tendo alterado em 10/12/2012, o seu domicílio profissional, se ter devido a mero lapso não ter comunicado tal alteração a estes autos, o que apenas fez em 13/3/2013.
Indicou testemunha.
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Ouvido o Ministério Público, nos termos previstos no art. 146º nº 2 do CPC, pronunciou-se o mesmo no sentido do indeferimento do requerido, por a alegação apresentada pela recorrente não infirmar os fundamentos da decisão tomada a fls. 62 dos autos.
Cumpre decidir, sendo certo que não se procederá à audição da testemunha indicada, por se mostrar desnecessária e irrelevante essa audição, atentos os fundamentos invocados.
Nos termos previstos no art. 146º do CPC “considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto”.
O juiz apenas admitirá o requerente a praticar o acto fora do prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
Tal como resulta documentado nos autos, em 10/12/2012 foi proferido despacho a admitir o recurso, nele mais se determinando a notificação da recorrente para pagamento da taxa de justiça devida pela sua interposição.
Tal despacho foi notificado ao Ilustre Mandatário na morada por si indicada nos autos, por notificação datada de 11/12/2012 (cfr. fls. 55).
Por não ter sido liquidada a taxa de justiça devida, em 4/2/2013, foi determinada nova notificação da recorrente para que liquidasse a taxa de justiça omitida, acrescida de multa de igual montante, e com a cominação de que a falta de tal pagamento implicaria o não conhecimento do recurso.
O referido despacho, acompanhado das guias respectivas, foi notificado ao Ilustre Mandatário da recorrente, por notificação expedida em 5/2/2013 para a morada por si indicada nos autos.
E porque no prazo legal tal pagamento não foi efectuado e nada foi requerido, em 4/3/2013 foi proferido despacho considerando sem efeito o requerimento de interposição de recurso de contra-ordenação, o qual, por notificação expedida em 5/3/2013, foi notificado ao Ilustre Mandatário da recorrente, para a morada indicada nos autos.
Apenas no dia 13/3/2013, veio o Ilustre Mandatário da recorrente informar do seu novo domicílio profissional.
Ora, para a verificação do justo impedimento, conforme referia Rodrigues Bastos (“Notas ao CPC”, Vol. I, 3ª Ed./216) “o que será necessário é que o juiz, em cada caso concreto, averigúe se o motivo invocado tem os requisitos legais: se era imprevisível, se não era imputável à parte ou aos seus representantes, e, finalmente, se obstava, de modo absoluto, à prática, em tempo, do acto judicial de que se tratava”.
Conforme se decidiu no Ac. da RP de 20/4/04 (in www.dgsi.pt) “1- Na Reforma Processual de 1995/1996 o conceito de justo impedimento alargou-se, tornando-se agora mais flexível a sua interpretação e atenuados os respectivos pressupostos. II - Deixou a lei de fazer qualquer exigência a respeito da normal imprevisibilidade do evento, estranho à vontade da parte, para se contar apenas na não imputabilidade à parte nem aos seus representantes ou mandatários pela ocorrência do obstáculo que impediu a prática do acto. III - Constitui justo impedimento o facto de se tentar enviar o documento para o tribunal por fax dentro dos limites legais de prazo e o mesmo não ser possível por telefone-fax não ligar, dando constantes sinais de interrupção.”. Já no AC. RP 22/3/04 (in www.dgsi.pt) considerou-se que “não constitui justo impedimento do pagamento da taxa de justiça o facto de a parte ter tentado efectuar sem êxito o pagamento em várias caixas do multibanco no penúltimo dia do prazo, sendo que o último dia era feriado no concelho onde tinha a sua sede”.
Ora, mesmo considerando que o conceito de justo impedimento se alargou nos termos vindos de referir, temos assim que o motivo invocado – mudança de domicílio profissional por termo da segunda fase de estágio -, não constitui, quanto a nós, por si só, motivo que obste à prática atempada do acto.
Com efeito, cabe aos Ilustres Mandatários darem conhecimento imediato ao processo da eventual alteração da morada profissional.
No caso dos autos, tal não sucedeu, conforme refere a recorrente.
Aliás, a omissão da comunicação do novo domicílio funcional aos presentes autos perdurou entre 10/12/2012 (tal como alegado pela recorrente) e 13/3/2013 (data em que foi dado conhecimento aos autos da nova morada), sendo certo que tal omissão apenas é imputável, com semelhante duração, ao mandatário da recorrente.
Face ao exposto, não se poderá ter por verificado o justo impedimento da recorrente para o prática do acto omitido – pagamento da taxa de justiça ou subsequente pagamento da mesma acrescida de multa, assim se indeferindo o requerido.

Notifique.”
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3. Apreciação do recurso

A questão em causa é a de saber se o não pagamento atempado da taxa de justiça devida pela interposição do recurso de impugnação judicial se ficou a dever a justo impedimento.
Vejamos.
O Código de Processo Penal (CPP), no artigo 107º, nº 2, admite a hipótese, a título excecional, da prática de ato fora de prazo, desde que se prove justo impedimento, numa derrogação da regra geral da disciplina processual de extinção do direito de praticar o ato pelo decurso de um prazo peremtório.
O conceito de justo impedimento, por sua vez, encontra-se definido na lei processual civil (aqui aplicável por força da remissão feita no artigo 4º do CPP), que no artigo 140º, nº 1 do atual Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06 (cuja redação é exatamente a mesma do correspondente artigo 146º, nº 1 da anterior versão do CPC, esta introduzida pela reforma do D. L. nº 329-A/95 de 12/12) dispõe:
“Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato”.
São assim suscetíveis de integrar o justo impedimento os eventos que um cuidado e diligências normais não fariam prever, não imputáveis à parte nem aos seus representantes, que impeçam a prática atempada de um ato e, à luz da equidade, revelem adequada a concessão de um prazo suplementar para a prática do ato omitido.
Não sendo no entanto necessário que o evento seja, também, imprevisível e estranho à vontade da parte, pois tal exigência deixou de constar do texto da lei a partir da reforma introduzida no CPC pelo DL n.º 329-A/95 de 12/12 (já supra referida). A este propósito, salienta-se, nas palavras de Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª ed., Coimbra Editora, 2008, págs. 273-274), que a nova redação introduzida no nº 1 do artigo 146º visou a “a flexibilização do conceito de justo impedimento, de modo a permitir abarcar situações em que a omissão ou o retardamento da parte se haja devido a motivos justificados ou desculpáveis que não envolvam culpa ou negligência séria (…) à luz do novo conceito, basta, para que estejamos perante o justo impedimento, que o facto obstacularizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção. Tal não obsta à possibilidade de a parte ou o mandatário ter tido participação na ocorrência, desde que, nos termos gerais, tal não envolva um juízo de censurabilidade (…) passa assim o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário... cabendo à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa”
De tudo assim decorrendo que o cerne do conceito legal de justo impedimento se situa, atualmente, na não imputabilidade do evento à parte ou ao mandatário e já não na sua normal imprevisibilidade.
Posto isto, e retomando o caso sub judice, temos que o motivo invocado pelo mandatário da recorrente como consubstanciador do justo impedimento, é a circunstância de ter alterado o seu domicílio profissional e, devido a mero lapso, não ter comunicado tal alteração aos autos, motivo pelo qual não chegou a receber as cartas expedidas com a notificação para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida.
Ora, a comunicação da alteração do domicilio profissional ao processo onde o advogado tenha a qualidade de mandatário de uma parte, enquadra-se no dever de acompanhamento da respetiva causa, decorrente do próprio mandato, sendo as consequências do seu incumprimento muito graves, embora até absolutamente previsíveis.
In casu, o senhor advogado, ao não cumprir o dever de comunicação da alteração do domicílio profissional não agiu com a diligência que lhe era exigida segundo as circunstâncias concretas do caso e capacidades pessoais, sendo essa omissão do dever de diligência abstratamente idónea à ultrapassagem do prazo peremtório de pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso de impugnação judicial, para cuja liquidação havia sido notificado por via postal.
Não pode pois aqui falar-se em justo impedimento da prática do ato, já que a ultrapassagem do prazo em causa ficou a dever-se, exclusivamente, a manifesta culpa do mandatário da recorrente, pelo que o respetivo resultado “sibi imputet”.
Não merecendo assim qualquer reparo a decisão recorrida.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso interposto.
Custas pela recorrente, fixando-se em 5 (cinco) UC a taxa de justiça.
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Porto, 30 de outubro de 2013
Elaborado e revisto pela relatora (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal)
Fátima Furtado
Elsa Paixão