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CONTRATO DE COMPRA E VENDA
BENS DE CONSUMO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
Sumário
Mesmo na venda de bens de consumo, o consumidor para ter direito a resolver o contrato defeituosamente cumprido pelo vendedor, terá de dar satisfação ao disposto no artigo 808º, 1, do C. Civil, que exige que o credor fixe um prazo para a obrigação em dívida seja cumprida (interpelação admonitória).
Texto Integral
Proc 4357/10.7TBGDM.P1
Apelação
TRP – 5ª Secção
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I RELATÓRIO
1 B…, residente na Rua …, n.º …, r/c Esq., em …, Gondomar, e C…, residente na Rua …, casa .., …, Santa Maria da Feira, intentaram a presente ação sob a forma de processo sumário contra D…, comerciante em nome individual, com estabelecimento comercial designado “E…”, sito na …, Gondomar, pedindo:
a) que seja declarado resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre as AA. e o R.;
b) que seja o R. a condenado a pagar às AA. a quantia de € 1.000,00 a título de danos patrimoniais e, ainda, condenado o R. a pagar a cada uma das AA. o montante de € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Alegaram, em síntese, que:
no dia 04-09-2009, adquiriram ao R. um veículo automóvel usado, de marca Audi .., pelo preço de € 12.750,00 e entrega de um automóvel Opel … e de uma moto 4 de marca Honda;
foi assegurado pelo R. que o veículo se encontrava em ótimas condições de funcionamento;
5 dias após, o veículo começou a ter problemas de funcionamento;
tal situação foi de imediato comunicada ao R.;
só passados 6 meses, em Abril de 2010, o veículo foi reparado;
durante esse período, não puderam beneficiar do veículo e gastaram € 1.000,00 com a reparação;
em julho de 2010, o veículo voltou a ter o mesmo problema, tendo sido de novo comunicado ao vendedor;
apesar de várias insistências, o veículo continua por reparar;
toda esta situação provocou nas autoras um sentimento de impotência, revolta, nervosismo e ansiedade.
2
O R. contestou, tendo alegado, em resumo, que:
vendeu a aludida viatura às AA. pelo preço de € 10.750,00, mas que, uma vez que a havia adquirido em leilão, por mais de uma vez, disse às AA. que não podia entregar a viatura de imediato, uma vez que não lhe tinha sido possível fazer um check-up de verificação do estado da mesma;
contudo, as AA., devido à enorme urgência em concretizarem o negócio, prescindiram do check up, bem como da garantia sobre o estado do automóvel, desde que o R. acedesse a uma redução do preço do mesmo em € 2.000,00;
ficou combinado que a viatura viesse a regressar ao E… passados dois dias, o que não sucedeu, tendo as AA. aparecido, apenas, quando a viatura avariou;
desconhece o R. a que tipo de esforços foi sujeita a viatura e a quantidade de km que a mesma percorreu naqueles dias;
desconhece o R. o alegado problema na viatura, desconhecendo o estado e os termos em que a viatura foi entregue na oficina que indicou.
Concluiu pela improcedência da ação.
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Responderam as AA., pedindo a condenação do R. como litigante de má fé face ao alegado na Contestação.
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O R. também veio pedir a condenação das AA. como litigantes de má fé.
5
O processo foi saneado e, invocada a simplicidade da causa, foi dispensada a seleção dos factos.
6
Teve lugar a Audiência Final, que culminou com a Decisão de Facto, tendo sido elaborados, então e para o efeito, o que o Tribunal designou por “quesitos” (Factos ou Pontos de Facto).
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Foi proferida a Sentença em cuja parte dispositiva está escrito:
“Nos termos acima expostos, julgo a presente acção totalmente procedente por provada e, consequentemente:
a) declaro resolvido o contrato de compra e venda celebrado em 04/09/2009 entre as autoras B… e C… e o réu D… relativo ao veículo automóvel de marca Audi, modelo …, de matrícula ..-CL-.., em consequência do que deverão as autoras devolver ao réu aquele veículo e o réu devolver aos autores a quantia de €12.750,00 e ainda os veículos Opel … e a moto 4 de marca Honda ou o montante de €4.734,74;
b) condeno o réu D… a pagar às autoras B… e C… a quantia de €1.000,00 (mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% contados desde a data da citação até integral pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais;
c) condeno o réu D… a pagar às autoras B… e C… a quantia de €2.000,00 (dois mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% contados desde a data da sentença até integral pagamento, a título de compensação por danos não patrimoniais.”
8
O R. veio apelar desta Sentença, tendo formulado as CONCLUSÕES que a seguir são transcritas:
«1. Por não se conformar, vêm aqui o Apelante recorrer da decisão proferida que declarou resolvido o contrato de compra e venda celebrado em 04/09/2009 entre as autoras B… e C… e o réu D… relativo ao veículo automóvel de marca Audi, modelo …, de matrícula ..-CL-.. e em consequência determinou que deverão as autoras devolver ao réu aquele veículo e o réu devolver às autoras a quantia de €12.750,00 e ainda os veículos Opel … e a moto 4 de marca Honda ou o montante de €4.734,74; e bem assim que condenou o réu D… a pagar às autoras B… e C… a quantia de €1.000,00 (mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% contados desde a data da citação até integral pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais; e ainda condenou o réu D… a pagar às autoras B… e C… a quantia de €2.000,00 (dois mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% contados desde a data da sentença até integral pagamento, a título de compensação por danos não patrimoniais.
2. Conforme resulta da sentença recorrida, existiam duas questões a decidir, consistindo o litígio essencialmente na verificação de existência ou não de defeitos na viatura em crise nos autos, para eventual declaração de resolução do contrato de compra e venda do mesmos e análise da justeza ou não de indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais. Assim, existiam, de acordo com o referido na própria sentença recorrida as seguintes questões a decidir: “1) Saber se o veículo de matrícula ..-CL-.. adquirido pelas autoras ao réu padece de defeitos e, em caso afirmativo, se as autoras tem direito à resolução do contrato de compra e venda celebrado; 2) Saber se as autoras têm direito às indemnizações peticionadas pelos danos patrimoniais e não patrimoniais.”
3. Salvo devido respeito por opinião diversa, a sentença recorrida padece e se fundamenta em erro notório na apreciação da matéria de facto, bem como violação da lei substantiva por erro de interpretação e de aplicação, e bem assim por violação dos limites da condenação nos termos do 661º do C.P.C. Mais se invoca a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, por os fundamentos estarem em contradição com a decisão proferida, por valoração de prova em violação do 617º do C.P.C., tudo nos termos do disposto nas alíneas c) d) e e) do art.º 668º do C.P.C., padecendo de errada apreciação da matéria de facto e incorrecta aplicação do direito.
4. O Recorrente não se pode conformar quer com os factos julgados como provados, pois para além de não encontrarem correspondência com a realidade do que efectivamente se passou, não encontram na prova produzida quer documental quer testemunhal o suporte necessário a tal julgamento, e bem assim, os factos julgados provados são contraditórios entre si e entre a própria versão dos factos apresentada pela A. que, para além do mais, viu, incorrectamente o seu pedido ser julgado integralmente procedente.
5. Acresce ainda que, parte da prova na qual o Tribunal a quo referiu ter encontrado suporte diz respeito a prova testemunhal, sendo que o depoimento essencial em que o Tribunal A quo baseia a sua fundamentação e decisão, não poderia ter sido julgado como válido, não só por o depoente em causa, F…, ter interesse directo na causa, como deveria ter sido declarado como parte, não só pelo seu interesse directo no resultado do pleito, como no facto de ser ainda que informalmente proprietário do veículo automóvel em crise e por tal qualidade resultar das suas próprias palavras ditas no seu depoimento, para além de outras testemunhas apresentadas pelas AA., que identificam o referido F… como “dono” da viatura em crise nos autos. Assim o Tribunal a quo deveria ter recusado o depoimento como testemunha deste F…, atento o disposto no art.º 617.º do Código do Processo Civil.
6. E por outro lado, não levou em conta prova documental carreada pelas próprias AA., designadamente a carta datada de 7 de Julho de 2010, na qual a A. B… confessa expressamente o valor total de aquisição da viatura Audi em crise, de €10.750,00. E que o Réu, desde logo no art.º 6º da contestação expressamente alegou e requereu que tal montante de aquisição devia ser dado como confessado para não mais ser retirado, para os devidos e legais efeitos, por revestir confissão sob a forma documental. Pelo que a decisão recorrida viola o princípio da irretractabilidade da confissão nos termos do disposto no art.º 567º do C.P.C.
7. A sentença recorrida padece de incorrecto julgamento da matéria de facto e de errada valoração de prova, admitindo e socorrendo-se de prova inválida para fundamentar a decisão. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão, tomando como válido um depoimento como testemunha de uma pessoa que tinha interesse directo no pleito e como tal deveria ter sido considerado como parte no processo e por via do disposto no art.º 617.º do Código do Processo Civil deveria ter sido impedida de depor. E o Tribunal a quo, apesar de advertido desse facto ignorou tal aviso e referiu que iria avaliar livremente o depoimento. Na verdade o depoimento da testemunha F… foi a pedra basilar de todo o incorrecto raciocínio do Tribunal a quo, que com base nos foros de incredibilidade que lhe atribuiu, o que na perspectiva do Réu Recorrente é inaceitável, permitiu fundamentar a decisão que tomou.
8. Ora esta testemunha F…, a quem o Tribunal a quo, atribuiu toda a credibilidade, foi descrito e mencionado no depoimento prestado pelo seu cunhado G…, e primeira testemunha indicada pelas AA. como proprietário do automóvel, sendo este identificado como a pessoa que viu o automóvel, que negociou a compra do mesmo, que entregou automóveis em troca do mesmo para pagamento, quem pagou o remanescente do preço do automóvel, quem comprou o mesmo, etc.. Não chega esta testemunha a referir qualquer das AA. como proprietária do automóvel, sendo que identifica o cunhado F... como o efectivo comprador do automóvel em crise e bem assim como sendo este quem diligencia e trata de todas as questões relacionadas com o mesmo e com os alegados defeitos do automóvel. E até o mandatário das AA. coloca as questões à esta testemunha identificando o F… como comprador e como tendo intervindo no negócio com tal qualidade.
9. A testemunha G…, sempre identificou o cunhado F… como o proprietário do automóvel, sendo este quem negoceia a compra, quem entrega veículos automóveis de sua propriedade para pagamento parcial do preço, quem reclama com o Réu Recorrente dos alegados defeitos, quem lhe pede para levar o carro à Audi, quem combina com o Réu Recorrente como consertar os alegados defeitos, em suma, quem faz tudo relativamente ao automóvel, ou seja, é aquele que é o efectivo dono do automóvel em crise nos autos. Igualmente a testemunha H…, irmã da “testemunha” F…, reconhece-lhe a mesma qualidade de proprietário do Audi .. em crise nos autos.
Mas, o Tribunal a quo, apesar destes tão flagrantes depoimentos a tornar impeditivo qualquer depoimento de F… na qualidade de testemunha, decidiu ouvir esta pessoa. Sendo que o efectivo dono do carro em crise nos autos, o Audi .. com o n.º de matrícula ..-CL-.., apesar de não constar o seu nome na Conservatória do Registo Automóvel, como não constam quase todos os automóveis de propriedade comum de pessoas casadas ou em união de facto, por só lá constar em regra um nome de proprietário, não se furtou a reconhecer no depoimento que prestou, tal qualidade. Resulta claro, objectivo e indiscutível, que a “testemunha” F… foi quem adquiriu o automóvel, quem pagava o crédito que foi pedido pela sua companheira para a aquisição do mesmo, quem mantinha o automóvel e até para o Tribunal a quo resultou que foi ele o comprador e o dono do automóvel, veja-se que até a questão do Tribunal é tratado como tal.
10. Assim, e por o Tribunal ter fundamentado a sua decisão quase na íntegra no depoimento do verdadeiro proprietário do automóvel em crise nos autos deve tal decisão ser revogada e substituída por outra que não tenha em consideração tal depoimento, e desse modo, absolva o réu do pedido, em virtude de não existir nos restantes depoimentos prova bastante para dar como provados os factos dados como provados pelo Tribunal a quo.
11. Caso assim se não entenda, o que só por mera cautela e hipótese académica se concebe, a acrescer à indevida valoração do depoimento da parte F… como testemunha, sempre se dirá ainda que foi erradamente dado como provado o quesito 3º:
“O preço acordado entre as partes foi de €12.750.00 e a entrega (à troca) do veículo automóvel Opel … e de uma moto 4 de marca Honda?”. Isto porque, no que diz respeito ao preço, o preço de aquisição do automóvel pela A. não foi de € 12.750,00, mas sim, de € 10.750,00. Aliás, este preço foi inclusivamente referido por escrito pela A. em missiva que remeteu ao R. em 7 de Julho de 2010 e que inclusivamente juntou aos autos como Doc. n.º 2 a acompanhar a PI. Facto que foi requerido que fosse dado como assente por confissão, porém o Tribunal a quo, por manifesto erro de apreciação da prova não julgou assente. Tendo inclusivamente omitido qualquer tipo de pronúncia sobre tal documento na fundamentação da matéria de facto na sentença ora em crise. E o Tribunal a quo, inclusivamente, atribui credibilidade àquilo que chamou de “versão das Autoras” e olvidou por completo o documento assinado e remetido por estas ao Réu e por elas juntos aos autos.
12. Ora, como pode o Tribunal a quo atribuir credibilidade à informação prestada pelas A. à Financeira que iria conceder o crédito não integral para o valor da aquisição, quando são as AA. a indicar tal montante, com vista, eventualmente a obter melhores condições de crédito (pois pedir 50% do valor de aquisição do crédito é melhor a nível de atribuição, de taxa de juro e de análise de risco, do que que 60% ou 70%), do que aquilo que elas mesmo referem como sendo o valor de aquisição em carta… E o Tribunal atribui credibilidade à “versão”, recorrendo à testemunha que tem uma relação próxima com uma das autoras e ao contrato de financiamento pedido pelas autoras toda a olvidando por completo o documento onde reclamam dos alegados defeitos da responsabilidade do Réu no automóvel, no que se não concede nem aceita, e dizem expressamente qual o real valor do negócio de compra.
13. Como pode o Tribunal atribuir credibilidade a uma versão contra documentos escritos e assinados pelas AA., em confronto com o depoimento de uma testemunha que chega a referir que o preço de compra do Audi .. foi de € 10.750,00 com recurso a um pedido de financiamento, não integral… ?
14. Tal dúvida, seria aceitável, se eventualmente o financiamento para a aquisição do automóvel correspondesse a 100% do respectivo preço, porém, não o foi e o Tribunal basta-se, no ver do Réu, incorrectamente com a versão, não fazendo qualquer referência à carta junta aos autos pelas próprias AA.
15. Nestes termos, em momento algum, atenta a confissão das AA., poderia o Tribunal a quo julgar, erradamente, que o preço da venda foi de € 12.750,00, quando na realidade, e como confessado pelas A. foi de € 10.750,00, pelo que, desde logo se impõe a alteração da decisão no que tange a este facto.
16. Todas as testemunhas são unânimes em afirmar que o preço do negócio foi de € 10.750,00 (dez mil setecentos e cinquenta Euros) e não o valor erradamente dado como provado pelo Tribunal.
17. Mas pior andou o Tribunal a quo a dar como assente o preço do negócio, com base em factualidade não alegada nem invocada pelas AA. nos respectivos articulados e que “surgiu” convenientemente em sede de audiência de discussão e julgamento nas palavras do proprietário do automóvel, quando refere que e cita-se: “Não obstante não ter sido alegado pelas autoras, a testemunha F… explicou, de forma que pareceu séria e credível, a questão do diferencial do valor anunciado no site (€10.750,00) e o valor da aquisição (€12.750,00). Referiu que, como o jipe dado à troca sofreu um acidente tendo tido prejuízos, ficou acordado entre as partes o réu ficar com o jipe acidentado, subindo contudo o valor da venda do Audi .. em €2.000,00.” Pelo que valorou tal depoimento para prova negativa dos quesitos 25º e 26º.
18. Ora, na verdade, o que sucedeu foi efectivamente a redução do preço em € 2.000,00, em consequência e em função da garantia do automóvel ter sido retirada pelo Réu Recorrente, não só por não ter verificado o mesmo antes da entrega, mas pela pressa dos adquirentes B… e F… em levarem do stand o automóvel que compraram. E por via disso foi retirado o montante de € 2.000,00 ao preço do automóvel e não por qualquer acerto de contas…
19. Aliás, facto não invocado pelas AA. e engenhosamente afirmado em sede de audiência de discussão e julgamento pelo proprietário real do Audi ... F… que quando instado sobre o preço do negócio refere que o Audi custou € 10.750,00 e que o preço foi pago com o crédito de € 6.015,26 e com os veículos que entregou em troca, uma moto e um jipe. E instado sobre o valor de avaliação refere que o valor da mota foi de € 3.000,00 e o valor do jipe foi € 2.000,00, montantes que somados perfazem o total de € 5.000,00. Se somarmos a estes € 5.000,00 o valor do financiamento €6.015,26, encontramos o valor total de € 11.015,26… Valor que resulta das despesas com registos do automóvel e comissão de abertura do crédito (€130,00) e imposto de selo (€36,09) – tudo como resulta do documento junto com a PI do contrato de crédito.
20. Embora a testemunha refira que o jipe terá sido avaliado em €2.500, na realidade no cálculo final, foi desvalorizado para € 2.000 em virtude dos danos que apresentou após a primeira avaliação feita pelo Réu ao mesmo e não descontados €2.000,00 para arranjo do mesmo, como ardilosamente veio introduzir no seu depoimento, pois tal não faria sentido, gastar tal dinheiro na reparação de uma porta, ainda para mais em veículo com valor máximo de € 2.500,00). Da mesma forma que foi engenhosamente “plantada” uma questão dos quilómetros do automóvel quando na realidade o documento junto pelos AA. da I… refere os quilómetros reais manifestados no automóvel, tudo para toldar o raciocínio ao Tribunal a quo. E mais ainda, refere esta “testemunha” F…, que o dinheiro do crédito foi parar à conta da A. B… e não tendo o Réu Recorrente recebido mais do que o valor de €10.750,00, sendo parte em dinheiro e parte com base nos automóveis entregues à troca, ainda para mais quando afirmou de forma peremptória que o valor de compra do Audi foi de € 10.750,00 e que o “o valor está certo”.
21. Andou mal o Tribunal a quo ao dar como provado o quesito 3º nos termos em que o fez, pois não levou em conta prova documental carreada pelas próprias AA., designadamente a carta datada de 7 de Julho de 2010, na qual a A. B… confessa expressamente o valor total de aquisição da viatura Audi em crise, de €10.750,00. E que o Réu, desde logo no art.º 6º da contestação expressamente alegou e requereu que tal montante de aquisição devia ser dado como confessado para não mais ser retirado, para os devidos e legais efeitos, por revestir confissão sob a forma documental. Pelo que a decisão recorrida viola o princípio da irretractabilidade da confissão nos termos do disposto no art.º 567º do C.P.C. Pelo que deveria ter resultado como não provado o quesito 3º (da Matéria de Facto alegada na P.I.), resultando da prova documental e confissão das próprias AA. que o valor total do Audi foi de €10.750,00, parcialmente pago em dinheiro e parcialmente na entrega do automóvel Opel … e Moto 4 marca Honda.
22. O Tribunal não podia dar como provado o quesito 5.º, quando o próprio F… assumiu no depoimento supra transcrito na integra, que o Réu Recorrente afirmou que o automóvel tinha de ser revisto antes de ser entregue… E considerar para prova de tal quesito o depoimento do cunhado do dono do automóvel (F…), o G…, que afirmou que não assistiu à negociação, nem sequer esteve no stand do Réu Recorrente antes de o cunhado ter levado o Audi e lá deixado os outros veículos que entregou, não pode de todo aceitar-se ou conceber-se.
23. O Réu sempre disse que não garantia o automóvel sem proceder a todas as verificações e a uma revisão geral de check up antes da respectiva venda, razão pela qual sempre disse aos adquirentes, nomeadamente ao F…, que o automóvel tinha de ser revisto, e que a não suceder tal situação, não iria prestar qualquer garantia sobre o mesmo. Situação que é parcialmente aceite pelo F… no seu depoimento, pois, no mesmo, disse que de facto o automóvel tinha de regressar rapidamente ao stand para fazer uma revisão, e tal corresponde à realidade, pois, caso assim não fosse, não teria o F… e a B…, aceite proceder ao pagamento de metade da reparação do mesmo, em momento ulterior.
24. Não se pode aceitar, nem aceita, que tendo a A. B… e o dono do automóvel F…, tenham considerado inequivocamente que o automóvel não tinha qualquer tipo de garantia do Réu Recorrente, e por consequência tenham aceite proceder ao pagamento de metade do custo de uma reparação e agora, venham num claro abuso de direito, peticionar a condenação do Réu na anulação de um negócio que aceitaram, nos termos descritos, ou seja sem qualquer tipo de garantia sobre o bem vendido, por existir um defeito no bem vendido.
25. Não se pode aceitar que integre qualquer regra da experiência comum referida pelo Tribunal a quo, quando refere que não é compreensível nem aceitável que o stand tivesse um automóvel exposto para venda sem ter assegurado todas as condições de utilização do mesmo. Tal não é uma prática exclusiva do Réu Recorrente, existem muitos stands de veículos usados que não fazem nada aos automóveis antes de os venderem efectivamente, quer às retomas quer a outras compras, porquanto preferem que os potenciais compradores vejam os automóveis sem subterfúgios de pequenos arranjos para ficarem com melhor aspecto. Por uma questão de transparência preferem deixar os automóveis com pequenos riscos, mossas e amolgadelas e sem lhes mexerem na mecânica antes de uma efectiva venda, pois desse modo, mostram ao cliente o que vendem e não um automóvel que aparentemente está em perfeitíssimas condições. Os óleos de motor, caixa, líquidos de refrigeração e outros consumíveis automóveis têm uma duração limitada, quer ao nível de utilização quer ao nível de duração temporal, é frequente que os stands não façam nada aos automóveis enquanto os não vendem efectivamente, até porque, se o fizerem, podem correr o risco de terem de gastar dinheiro com a mesma coisa várias vezes, pelo que este quesito 5.º deveria ter sido dado como não provado.
26. O tribunal a quo andou mal a dar estes factos como provados, à excepção dos quesitos 6.º e a resposta dada ao 8.º. Na realidade, o Tribunal a quo, mais uma vez socorrendo-se da “credibilidade” da testemunha F…, que tem a “relação especial” com uma das Autoras e que comprou o automóvel sendo o seu dono, na respectiva fundamentação supra transcrita.
27. Ora, o automóvel efectivamente manifestou problemas de funcionamento, porém, o facto de o Réu Recorrente ter sugerido um mecânico para proceder à respectiva reparação não implica que tenha assumido qualquer tipo de garantia ou responsabilidade no alegado defeito, nem vai contra aquilo que negociou com as A. B… e com o F…, tendo o Réu por cortesia e interesse em manter o bom nome comercial acedido a suportar metade do custo da reparação.
28. Na realidade, a reparação foi concretizada pelo mecânico com ordem do F… e com a anuência deste em pagar o valor de metade da reparação. Ora, se existisse qualquer tipo de garantia esta situação não se iria colocar, pois quer a A. B… quer o F…, seguramente não iriam aceitar qualquer tipo de custo com uma reparação exigível em sede de garantia. Por outro lado, qual é a responsabilidade do Réu Recorrente na demora da reparação do automóvel? Qual a responsabilidade imputável a este pela não utilização do automóvel por parte da A. B… e do F…?
29. Assim deveria o Tribunal a quo ter considerado quanto ao quesito 7.º que o Réu Recorrente apenas indicou um mecânico a pedido das AA. e não por sua iniciativa ou por assumpção de qualquer responsabilidade em sede de garantia.
30. E quanto ao quesito 9.º deveria ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo que a utilização do automóvel não foi usufruída em virtude de atraso de reparação pelo mecânico não imputável ao Réu Recorrente.
31. E quanto ao quesito 10.º deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que o custo da reparação foi de € 2.000,00 tendo as AA. suportado metade do custo por não existir garantia de venda sobre o automóvel.
32. Isto porque o F…, na questão da assumpção de metade do custo da reparação, não explicou devidamente o porquê de terem assumido o custo da mesma e quanto à questão da garantia não ser concedida pelo Réu Recorrente, não se lembrava de ter sido falada tal questão. Ou seja, depois de o automóvel ter sido reparado pelo primeiro mecânico o F… e a Autora B… utilizaram o mesmo de forma desconhecida e percorrendo um número indeterminado de quilómetros no intervalo de tempo que mediou entre a entrega da primeira reparação em Janeiro de 2010 e o mês de Julho de 2010.
33. No que diz respeito aos quesitos 11.º a 16.º o Tribunal também mal andou na apreciação da prova e em considerar os mesmos como provados, à excepção do quesito
12.º, pois o mesmo resulta provado pela missiva remetida pela A. B… ao Réu Recorrente e à excepção do quesito 15.º tomando como válido e bom o orçamento junto pelas AA..
34. Em momento algum da prova carreada aos autos ou da prova testemunhal resulta qual o alegado defeito de que padece o automóvel em crise, apenas sendo referido que será um problema da caixa de velocidades. Porém, não se sabe se o alegado defeito de Julho de 2010 é o mesmo defeito de Setembro de 2009, se foi originado por uma incorrecta reparação por parte do mecânico J…, ou se é outra coisa completamente diferente e resultado de falta de manutenção, mau uso, ou o que quer que seja. Nestes termos o quesito 11.º não podia ser dado como provado como tendo o automóvel sofrido o mesmo defeito.
35. Atento o facto de o Réu Recorrente não ter assumido qualquer garantia do automóvel, como ao deante se exporá e deveria ter sido dado como provado, não pode a este ser imputado o facto de nada ter feito, pois não tinha de o fazer e se o veículo automóvel continua por reparar tal deve-se em exclusivo às AA. que foram quem tinha que o reparar e não ficar à espera de uma intervenção do Réu Recorrente que não tinha nada que ver com a situação. O quesito 14.º deveria ter sido dado como provado, porém, deveria o Tribunal a quo referir ainda que tal impossibilidade de utilização resulta da falta de diligência das AA. ao não ordenarem a reparação do automóvel.
36. Quanto ao quesito 16.º não poderia o Tribunal a quo dar o mesmo como provado nos termos em que o fez, pois não foi produzida prova no sentido de poder dar o mesmo como provado. Desde logo, a Autora C… em momento algum foi referida pelas testemunhas como tendo sofrido qualquer tipo de perda, prejuízo ou o que quer que fosse com o automóvel em crise nos autos. Aliás, as menções à mesma nos depoimentos prestados pelas testemunhas resumem-se a dizer que a conhecem e que o automóvel é propriedade da irmã B… e do companheiro desta, F…. Aliás, em momento algum resulta qualquer intervenção desta, que não como fiadora do crédito ao consumo que foi celebrado. Pelo que este quesito não resultou provado quanto a esta A. C…, cuja intervenção nos autos como parte, aliás, nem se compreende. Assim, ser A. em um processo, por si só não basta para permitir a condenação do Réu Recorrente a pagar a esta uma indemnização a nenhum título devida, por não ser fundada em qualquer facto que a justifique.
37. Por outro lado, no que diz respeito à A. B…, não resulta dos autos nada que permita concluir pelo referido no quesito: “Toda esta situação, designadamente o lapso temporal verificado, a impossibilidade de usufruírem do bem estando a liquidar crédito subjacente, a falta de qualquer resposta do vendedor e/ou solução, repetição do defeito e vivência da situação de forma consecutiva, acarretou nas autoras um sentimento de impotência face ao sucedido, revolta, nervosismo e ansiedade”. A A. de acordo com a sua versão, à data da propositura da acção e para este efeito é esta a data que releva e não a da decisão como parece crer o Tribunal a quo, 13 de Dezembro de 2010, tinha o automóvel supostamente avariado desde Julho de 2010. Ou seja, desde a alegada avaria e o momento em que propôs a presente acção tinham decorrido menos de cinco meses, e nesse período não era possível ao homem médio, qualquer sentimento de impotência, revolta, nervosismo ou ansiedade, nem tal resulta das declarações das testemunhas. Aliás o que resulta é que a A. de vez em quando solicitava um automóvel emprestado à cunhada H… e nada mais.
38. Por outro lado, não resulta da prova produzida, como já exposto, que existisse uma qualquer situação de repetição de qualquer defeito, pelo que, também nestes termos não poderia resultar este quesito provado quanto a esta parte.
39. E por outro lado, não poderia a A. B… sentir-se revoltada, impotente, ou o que quer que fosse em face da falta de resposta do vendedor, pois bem sabia, como ao deante se demonstrará, que adquiriu o automóvel sem garantia, por via disso teve uma redução de preço e bem assim outorgou uma declaração onde renuncia a qualquer garantia em relação ao automóvel em crise nos autos.
40. Reiterando-se tudo quanto se referiu supra relativamente ao quesito 3.º este quesito 17º deveria ter sido julgado pelo Tribunal a quo como provado. E quanto ao quesito 18º deveria o mesmo ter sido julgado como provado, aliás como resulta da prova produzida pela “testemunha” F… que aceita o valor de € 10.750,00 e o pagamento pelo crédito €6.015,27 e pela avaliação que resultou dos automóveis que entregou em troca no valor de € 5.000,00, sendo o diferencial resultado das despesas com registos do automóvel e comissão de abertura do crédito e imposto de selo, como já supra exposto e que se reitera, o Tribunal a quo deveria ter julgados os mesmos como provados, atento o depoimento do F… que confirma a necessidade de o automóvel ser revisto, embora olvide a questão da garantia, certo é que o facto de os adquirentes do Audi terem aceite o custo da reparação efectuada ao automóvel, ao que acresce o facto de a A. B… ter subscrito uma declaração onde renuncia à garantia deveria ter feito o Tribunal a quo decidir de forma diversa da que fez.
41. No que diz respeito à declaração que não foi valorada como meio de prova pelo Tribunal A quo, devido a ter sido sujeita a um exame sobre a letra… Porém, o Tribunal a quo chamou a tal exame de prova pericial (?!!) e disse a esse propósito: “Além do mais, da perícia efectuada, resulta como pouco provável que a assinatura constante no documento de fls. 54 seja da autoria da ora autora B…”. Contudo, aquilo a que o Tribunal a quo apodou de perícia foi realizado com base em fotocópias, sem o documento original e por entidade a quem se não reconhece qualquer credibilidade como entidade avalizada à realização de perícias. Aliás, a alegada “perícia” foi realizada sem o respeito pelas regras essenciais definidas pela única entidade a quem os Tribunais na sua generalidade e larguíssima maioria atribuem credibilidade e capacidade para realização de perícias à letra e à escrita, que é o LPC da Polícia Judiciária, que desde logo, como é do conhecimento comum, exige o original do documento a ser periciado sob pena de não realizar qualquer tipo de exame, porquanto não lhe é possível avaliar uma série de elementos comparativos da escrita em fotocópias… Assim e uma vez que a assinatura aposta no documento de fls. é efectivamente da Autora B… e esta prescindiu de qualquer garantia do automóvel, não podia este quesito ter sido dado como não provado, sendo um claro abuso de direito desta vir agora peticionar a condenação do Réu recorrente face a tal renúncia à garantia.
42. Por outro lado, as testemunhas das AA. sempre tiveram o cuidado de referir que o anúncio, que não apresentaram, indicava um valor de € 10.750,00, para conjugar com a “estória” do arranjo do jipe e que anunciava um automóvel com uma quilometragem inferior à que consta do mesmo… Na verdade, o preço de venda inicial era de € 12.750,00, porém, atendendo ao facto de as AA. terem prescindido da garantia, e por via disso ter a autora B… outorgado a declaração onde prescindia da garantia (e posteriormente ter aceite custear a reparação efectuada no automóvel), no momento da negociação o Réu Recorrente acedeu à redução do preço do automóvel. Sendo que, o preço total fixado, e como deverá ser julgado confessado quer pelo documento junto pelas AA. aos autos com a P.I., e conforme explicado pelo F… foi de €10.750,00, os quais foram parcialmente liquidados através do crédito celebrado no montante de €6.015,26 (Doc. 1 da P.I.) e o remanescente com a entrega do Opel … e da Moto 4 Marca Honda.
43. A própria sentença recorrida refere que: “Quanto ao valor dos veículos dados à troca: Decorreu da prova produzida que o veículo vendido estava anunciado num site da internet pelo preço de €10.750,00. Mais resultou da factualidade que foi acordado entre as partes dar dois veículos à troca, mais concretamente um jipe e uma moto 4. Como o jipe havia sofrido um acidente, foi alcançado então o valor de €12.750,00 para a aquisição da carrinha Audi ... Nesse seguimento, foi celebrado um crédito com uma financeira para o montante remanescente (contrato de fls. 12 – de onde se alcança que o valor de aquisição da viatura foi de €12.750,00 e o montante total do crédito foi de €6.015,26). Pelo que, considerando a diferença entre o preço acordado (€12.750,00), o montante do crédito pedido à K… (€6.015,26) e a diferença pelo arranjo do jipe (€2.000,00), temos que o valor dos dois veículos entregues é de €4.734,74.” Ora, como pode então condenar o Réu a devolver às AA. a quantia de €12.750,00 e ainda os veículos Opel … e a moto 4 de marca Honda ou o montante de €4.734,74? Daqui resulta desde logo que a sentença recorrida é nula, por ter o Tribunal A quo condenado o Réu para além do pedido, por violação do disposto nos art.ºs 661º e 668º e) do C.P.C. Nulidade que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.
44. Aliás, a sentença proferida consubstanciaria o reconhecimento de um abuso de direito, como um enriquecimento sem causa das AA..
45. Por outro lado, e tal como reconhecem as testemunhas das AA. quer o F…, quer o G…, o automóvel teria de ser sujeito a uma revisão logo após a aquisição, mas que a mesma não foi feita, por motivo apenas imputável às AA. e ao F… que lá não compareceram com o mesmo por terem ficado excitadas com a aquisição do mesmo e só se preocuparam em andar no automóvel e não em qualquer tipo de revisão. Até porque, atenta a quilometragem do automóvel e tal foi transmitido pelo Réu à A. B… e ao F…, embora não o assumam, tal necessidade era imperiosa com vista a evitar avarias.
Contudo, estes de nada quiseram saber a não ser levar embora consigo o automóvel, tal como assume a certa altura do seu depoimento o F…. E como tal, sem essa revisão de check up o Réu Recorrente não assumiria qualquer tipo de garantia no automóvel, o que a A. B… bem sabia e por isso ao adquirir o automóvel prescindiu da garantia, como atesta o documento por ela outorgado e tudo o mais que sucedeu conforme já exposto, pelo que, sempre devia o Tribunal a quo julgar como provados os quesitos n.ºs 20.º a 34.º
46. No que diz respeito aos quesitos 35.º a 40.º sempre o Tribunal deveria ter julgado os mesmos como provados e não o fez incorrectamente, pois na realidade o Réu Recorrente apenas indicou um mecânico aos Autores e não assumiu qualquer tipo de garantia relativamente à reparação da viatura. Aliás, não foi o Réu Recorrente a ordenar qualquer reparação do automóvel, nem sequer procedeu a qualquer tipo de ordem, fiscalização ou verificação do que foi feito pelo mecânico que indicou, nem tinha de o fazer. De tal modo, que apenas acedeu a suportar metade do custo da reparação com vista a manter o seu bom nome e foi este o seu erro. Pois, deste modo, poderá criar uma réstia de dúvida sobre a assumpção de uma garantia que de facto não prestou nem assumiu, até porque a mesma tinha sido renunciada pela A. B…, como já supra exposto, em função da redução do preço e da não realização da revisão de check up.
47. A origem ou existência prévia à compra do alegado defeito na caixa de velocidades automática do automóvel não foi em momento algum demonstrada pelas AA. neste pleito. Nem sequer foi demonstrada a necessidade de uma reparação da caixa, a sua substituição ou o que quer que seja. Apenas referem de forma muito simplista que existe um problema na caixa de velocidades e que o automóvel não anda…. Facto que não foi verificado pelo Tribunal, nem foi periciado o automóvel, para se apurar a existência real do alegado defeito e de que o mesmo é impeditivo da utilização da viatura.
48. Por outro lado, desconhece-se o que aconteceu entre o momento que mediou a primeira reparação e o mês de Julho de 2010, data em que supostamente, o automóvel deixou de circular… E não quis o Tribunal a quo cuidar de saber se o mesmo circulou, quantos quilómetros circulou, quais as condições em que o mesmo circulou, se fez as revisões e operações de manutenção imprescindíveis ao seu bom funcionamento… nada!
Talvez por isso os AA. não foram ao primeiro mecânico reclamar da falha na reparação ou na incorrecta reparação do automóvel pela qual pagaram mil euros e recorressem a outro mecânico. Não se sabe o que foi feito no automóvel desde a data em que saiu do primeiro mecânico em Janeiro de 2010.
49. Por outro lado, é contraditório o Tribunal a quo dar como assente que o automóvel não circulou por motivos imputáveis ao Réu Recorrente e desse modo premiar a inércia das AA. em relação ao mesmo, resultando claro que o Tribunal a quo deveria ter julgado estes quesitos 35.º a 40.º como provados e não o fez indevidamente.
50. Em face do exposto, a sentença recorrida padece de erro de julgamento e erro na apreciação da prova ao concluir que os quesitos resultam provados da forma que julgou, quando na verdade, deveria ter julgado tais quesitos da forma que resulta exposta, por ser esta a realidade dos factos e não “a versão das autoras”.
51. A sentença recorrida tem, nesta parte, de ser revogada e substituída por outra decisão que absolva o Réu do pedido, não só por não ter sido prestada qualquer tipo de garantia relativamente a tal veículo automóvel, mas também, por se não ter demonstrado, algo essencial, para a condenação do Réu Recorrente, nos termos em que foi condenado indevidamente, no que se não concede, que era efectiva existência de um defeito no automóvel, qual defeito e qual a solução para o mesmo.
52. Foram desvalorizados documentos outorgados pela A. B…, e bem assim, valorado um depoimento como testemunha de alguém que deveria ter sido impedido de depor, por ser parte, não só interessada, mas parte efectiva do pleito.
53. Não resultando provado o defeito, como não pode resultar, não pode ser julgado o cumprimento imperfeito da obrigação da entrega da viatura em crise nos autos, nos termos do disposto no art.º 879º do C.C.
54. Sendo a existência do defeito um facto constitutivo dos direitos atribuídos ao comprador, cabe a este a respectiva prova (cfr. art. 342º, n.º 1, do citado diploma). Pelo que, "se o defeito é da coisa prestada, aquele que a recebeu terá de provar a desconformidade", a deficiência da coisa. Acontece que ao comprador não basta provar a existência do defeito. A viabilidade da pretensão por ele deduzida depende ainda da prova da gravidade desse defeito, "de molde a afectar o uso ou a acarretar uma desvalorização da coisa" (cf. Romano Martinez, in ob. cit., pág. 320).” Salvo o devido respeito não resulta qualquer prova nos autos de qualquer defeito concreto da viatura, apenas tendo sido feita referência a um alegado problema da caixa de velocidades, sem a concretização essencial á identificação do alegado defeito. A falta de alegação e concretização do alegado vício ou defeito não permite sequer a defesa condigna do Réu quanto ao mesmo.
SEM PRESCINDIR, NO QUE SE NÃO CONCEDE NEM ACEITA:
55. Não obstante todo o exposto e ainda que se considere provada a factualidade dada como assente pelo Tribunal a quo, no que se não concede nem consente e por mera hipótese académica se refere, sempre se defende que não se justificava a anulação do negócio nos termos em que o Réu Recorrente foi condenado, por desproporcionada em face do defeito de que o automóvel alegadamente padece, e ainda face à inércia, agora premiada das AA..
56. Sem prescindir, do que se alegou quanto à matéria de facto, ainda que se considere provada a existência de garantia sobre o automóvel, no que se não concede nem consente, sempre a condenação do Réu Recorrente a proceder ou a custear a reparação do mesmo era a solução adequada e justa para o pleito.
57. Não pode deixar de se considerar um abuso de direito virem as AA. exigir uma resolução do negócio sem demonstrarem o estado actual do veículo e desconhecendo-se o uso e manutenção do mesmo, sendo certo que, uma alegada avaria da caixa de velocidades pode decorrer do mau uso da mesma, desconhecendo-se em absoluto o uso que foi dado à viatura desde o momento em que a mesma foi levada do E…. Não basta alegar a existência de um problema na caixa de velocidades para o mesmo consubstanciar um defeito ou vício do bem. Havia e impunha-se às AA. descrever, demonstrar e provar qual o alegado problema e a existência do mesmo.
58. Andou mal o Tribunal A quo ao considerar que os factos não permitem concluir por abuso de direito por considerar que a autora deu ao réu, por duas vezes a possibilidade de proceder à reparação do defeito e o réu sempre lhe devolveu o carro com os mesmos defeito. Não resultando qualquer prova sequer de que a segunda avaria é igual à primeira, apenas que é uma vez mais na caixa de velocidades. Mas devido a quê? E como pode o Tribunal A quo imputar a responsabilidade da segunda reparação ao Réu quando inclusivamente a A. ordenou a primeira reparação tendo suportado metade do seu custo?
59. Desde logo, atente-se que o Tribunal a quo, decidiu anular um negócio e ordenar a restituição do bem ao Réu Recorrente num estado que até para o Tribunal é desconhecido… Não se conhecem quantos quilómetros foram circulados pelas AA. e pelo F… no mesmo, se foi interveniente em acidentes, se esteve guardado, se foram retirados componentes ao mesmo, etc…, em suma o Tribunal não tinha como saber, pois não cuidou de o fazer, qual o real estado de conservação do automóvel e o que lhe aconteceu desde o momento em que o mesmo saiu da reparação efectuada por J….
60. O Tribunal A quo condenou o Réu Recorrente a restituir um preço que não recebeu pelo automóvel e bem assim, não pode devolver os bens que recebeu como pagamento do mesmo, conforme supra exposto e do que se não prescinde.
61. Por outro lado condenou o Réu Recorrente a pagar uma indemnização a uma Autora, C…, que como já referido supra chegou a ser identificada como a “advogada do arguido” e que em momento algum foi referida por qualquer testemunha como tendo sofrido qualquer prejuízo, perda, sofrimento, o que quer que fosse.
62. Não obstante, sempre se mostra desproporcional a anulação do negócio, em função do facto, e tendo por bom o que foi referido pela testemunha G…, sem prescindir do supra exposto, que disse o automóvel estar bom de aspecto e de motor apenas não estando em condições a caixa de velocidades.
63. Ora, a ser verdade o afirmado por esta testemunha, e não se dando provimento àquilo que foi supra exposto e defendido e que ora se reitera e do que se não prescinde, no que se não concede nem aceita, sempre se dirá que deverá esse Venerando Tribunal revogar parcialmente a sentença recorrida, considerando-se que a condenação do Réu Recorrente a reparar ou a custear a reparação do automóvel nos termos do orçamento apresentado pelas AA. será uma condenação justa, adequada e correcta para a questão em apreço. Desde logo, há que ter em conta o reconhecido pelas testemunhas das AA. quando referem que não foi feito o check up do automóvel, conforme foi dito e pedido pelo Réu Recorrente, ser uma condição essencial ao bom funcionamento do automóvel e ter sido dado como assente pelo Tribunal a quo que os adquirentes do automóvel ficaram excitados com a aquisição do mesmo e desse modo, o que quiseram foi levar o mesmo de imediato embora. Ora, se as AA. não quiseram saber de cuidar desde logo do bem usado que adquiriram, o que o Tribunal a quo deu como verdadeiro, deve-se premiar as mesmas com uma anulação de um negócio e da restituição integral do preço e até no que não pagaram? E olvidar a possibilidade muito mais justa, proporcional e adequada de reparação do bem e desse modo permitir a sua utilização e fruição total.
64. Na verdade, afigura-se-nos, sem prescindir do supra exposto, no que se não concede, que é muito mais razoável, adequado e justo a todos os níveis a condenação do Réu Recorrente a reparar ou a custear a reparação do automóvel nos termos do orçamento apresentados pelas AA. do que a anulação do negócio, com as legais e devidas consequências.
65. Nestes termos, urge que se faça Justiça e que, dessa forma, V.ª Ex.as revoguem totalmente a decisão proferida pelo Tribunal a quo e absolvam o Réu Recorrente do pedido por tal ser conforme com a realidade do que se passou.
66. Caso assim se não entenda, no que se não concede nem aceita e só por cautela e mera hipótese se concebe, devem V.ªs Ex.ªs revogar parcialmente a decisão proferida nos termos supra expostos e com base no objecto do presente recurso e profiram uma decisão onde condenem o Recorrente a reparar ou a custear a reparação do automóvel em crise.»
E terminou
«Nestes termos e nos melhores de Direito que Vª Ex.as doutamente suprirão, deve a presente apelação merecer provimento, e em consequência, e por todo supra exposto, ser a douta sentença proferida revogada, alterando-se a matéria de facto provada nos termos supra expostos, e em consequência:
- Ser julgado totalmente improcedente a acção e absolvendo-se in totum o Réu recorrente do pedido, com todas as devidas e legais consequências;
Sem prescindir, e caso assim não se entenda, no que se não concede nem consente e por mera hipótese académica se refere,
- Ser o Réu apenas condenado a reparar proceder ou a custear a reparação da viatura Audi em crise nos autos, por ser o que se mostra mais proporcional, adequado e justo.»
9
As Recorridas, em Contra-Alegações, pronunciaram-se pela confirmação da Sentença.
II FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
A -
Da Sentença constam como adquiridos para os autos os seguintes FACTOS:
1) O R. dedica-se ao comércio de automóveis em nome individual.
2) Em 4 de setembro de 2009, as AA. adquiriram ao R., por forma verbal, o veículo automóvel usado, de marca Audi, modelo …, com a matrícula ..-CL-...
3) O preço acordado entre as partes foi de € 12.750.00 e a entrega (à troca) do veículo automóvel Opel … e de uma moto 4 de marca Honda.
4) A referida viatura foi adquirida pelo R. em leilão.
5) Associado à compra e venda efetuada foi celebrado contrato de crédito.
6) Nessa altura foi assegurado pelo vendedor, ora R., que o veículo se encontrava em ótimas condições de funcionamento.
7) As AA. levaram consigo a viatura no dia da compra.
8) No momento da venda, as partes combinaram que a viatura regressaria novamente ao E…, para fazer um "check up", passados 5 dias.
9) Após 5 dias da compra efetuada o referido veículo começou a demonstrar problemas de funcionamento.
10) Tendo logo sido dada a comunicação da situação ao vendedor, ora R., este indicou oficina para se proceder à reparação e o veículo foi lá entregue.
11) O R., na sequência do supra referido, indicou às AA. a oficina do Sr. J…, um mecânico seu conhecido.
12) O veículo foi apenas entregue às AA. passados cerca de 4 meses.
13) Durante todo esse período, as AA. viram-se impossibilitadas de usufruir do veículo.
14) Considerando o valor global da reparação, no montante de € 2.000,00, as AA. suportaram metade desse valor (€ 1.000,00) e o R. a outra metade (€ 1.000,00).
15) Em julho de 2010, o veículo voltou a ter o mesmo problema.
16) De imediato foi dada comunicação do sucedido ao vendedor, ora R.
17) Apesar de várias insistências efetuadas para a resolução da situação, esta mantém-se na mesma, ou seja, o veículo continua por reparar e as AA. impossibilitadas de usufruir do mesmo desde essa data.
18) O contrato de crédito associado tem vindo a ser cumprido, apesar da impossibilidade de utilização do bem.
19) Para a reparação de tal defeito é necessária a quantia de € 3.626,21, sem IVA.
20) Toda esta situação, designadamente o lapso temporal verificado, a impossibilidade de usufruírem do bem estando a liquidar crédito subjacente, a falta de qualquer resposta do vendedor e/ou solução, repetição do defeito e vivência da situação de forma consecutiva, acarretou nas autoras um sentimento de impotência face ao sucedido, revolta, nervosismo e ansiedade.
B -
A Apelação e os Factos –
O Recorrente impugnou a Decisão de Facto nos termos constantes das CONCLUSÕES transcritas e no que diz respeito, essencialmente, aos “quesitos” 3º, 5º, 7º, 9º, 10º, 11º, 14º, 16º, 17º, 18º, 20º a 34º e 35º a 40º
No seu entender o 3º devia ter sido julgado “não provado”, assim como o 5º; o 7º devia ter sido julgado como o R. apenas indicou um mecânico a pedido das AA. e não por sua iniciativa ou assunção de qualquer responsabilidade em sede de garantia; o 9º que a utilização do automóvel não foi usufruída em virtude de atraso de reparação pelo mecânico, não imputável ao R.; o 11º não devia ter sido dado como provado que o automóvel sofreu o mesmo defeito; o 12º provado que o custo da reparação foi de e 2.000,00, tendo as AA. suportado metade do custo por não existir garantia de venda sobre o automóvel; 14º provado, mas a impossibilidade de utilização resulta da falta de diligência das AA. ao não ordenarem a reparação do automóvel; o 16º não provado; o 17º, 18º, 20º a 34º e 35º a 40º provados.
Apreciando -
Diremos que foi o R. que confessou que o contrato de compra e venda do veículo foi celebrado entre ele e as AA. – ver artigo 5º da Contestação. Assim, são estes as partes no negócio jurídico em causa e no presente processo, pois que são elas que, face ao alegado em concordância pelas AA. e R., que exclusivamente têm interesse direto em demandar e contradizer – ver artigo 26º do CPC.
A testemunha F…, que não é casado com nenhuma das AA. procedeu às negociações e também conduziu a viatura, como resulta do seu próprio depoimento e do de G…, o que a transforma em testemunha especialmente qualificada para transmitir ao Tribunal como decorreram as negociações com o R. e o que aconteceu ao veículo.
Do doc. de fls. 14, que foi junto com a P.I., o qual está subscrito pela A. B…, resulta confessado por esta que o preço de aquisição do Audi foi de € 10.750,00. Por outro lado, a testemunha F… confirmou que o preço era aquele, porém, sem concretizar qualquer montante, referiu que a porta do jipe, que ia ser dado à troca, foi estroncada e que o R. lhe disse que ia pôr “mais um orçamento em cima do crédito, mais um bocado de valor acima do crédito” o que foi aceite.
Assim, não é possível concluir que o preço da compra e venda tenha sido superior ao mencionado pelo R. - € 10.750,00.
Da prova produzida não resulta que a A. C… tenha sofrido qualquer prejuízo, tanto mais que a sua intervenção no negócio resultou de uma exigência da financeira (K…) para garantir o integral cumprimento do empréstimo – ver depoimento de F… (fls. 217). O veículo nunca se destinou, pois, ao seu uso.
Da prova produzida, nomeadamente dos depoimentos de F…, G… e L… o Audi teve problemas na caixa de velocidade, que era automática. Porém, não foi produzida qualquer prova no sentido de demonstrar que, além de ser no mesmo órgão mecânico da viatura, era a mesma a avaria. Pelo contrário, L… referiu, no seu depoimento, que a 1ª se manifestava por um barulho e a 2ª consistiu em perda de óleo.
Também o R. não logrou provar que as AA. renunciaram à garantia de regular funcionamento da viatura, assim como nem as AA. e o R. conseguiram esclarecer e provar o motivo pelo qual foi repartido, igualmente, por AA. e R. o custo da 1ª reparação.
A testemunha M…, que esteve presente no “E…” quando da compra não ouviu falar em renúncia à garantia, mas só na necessidade de revisão da viatura, a efetuar na 2ª feira seguinte ao dia em que as AA. se deslocaram ao “E…” para conclusão das negociações visando a aquisição da viatura.
Há, pois, que proceder à alteração da Decisão de Facto, com base nestes depoimentos, nos termos seguintes:
3º - provado que o preço acordado entre as partes foi de € 10.750,00 e a entrega como troca de um veículo automóvel Opel … e de uma moto 4 de marca Honda;
9º - provado, apenas, em relação à A. B…, pois que não fora adquirido para uso da A. C…;
10º - provado, apenas, em relação à A. B…;
11º - provado, apenas, que em julho de 2010 o veículo voltou a ter um problema na caixa de velocidades;
16º - provado, apenas, em relação à A. B…;
17º - provado;
18º - provado o decidido quanto ao 17º;
31º e 32º - provado, apenas, que as AA. só voltaram a contactar o R. para comunicar a 1ª avaria, além do decidido quanto aos 6º e 7º.
Toda a demais Decisão de Facto é de manter, pois que nenhum elemento de prova existe que exija a sua alteração.
DE DIREITO
As AA. pretendiam, ao intentar esta ação:
“a) que seja declarado resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre as AA. e o R.;
b) que seja o R. a condenado a pagar às AA. a quantia de € 1.000,00 a título de danos patrimoniais e, ainda, condenado o R. a pagar a cada uma das AA. o montante de € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais.”
A primeira questão a apreciar respeita à resolução do contrato de compra e venda do veículo automóvel e a segunda respeita à obrigação de indemnização das AA. pelo R. A resolução do contrato consiste na sua extinção por manifestação de vontade de uma das partes, válida, desde que para tal tenha fundamento na lei ou no próprio contrato[1]. A resolução traduz-se na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato, no intuito de fazer regressar as partes à situação anterior à celebração do mesmo, como se não tivesse sido realizado[2].
A resolução efetiva-se: extrajudicialmente, através da declaração à contraparte - artigo 436º, 1 e 2, do CC -, ou mediante o recurso ao tribunal - artigo 1047º do CC[3].
E a resolução é um direito potestativo[4]. É, pois, um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento[5].
Diz-nos o artigo 432º, 1, do CC: "É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção." Existem, pois, duas modalidades de resolução - a legal e a convencional[6]. A resolução depende da verificação de um motivo previsto na lei ou da convenção das partes[7].
A resolução convencional, que se funda na liberdade contratual, apresenta múltiplas facetas e depende de diferentes requisitos seguindo os termos acordados pelas partes[8].
Para que haja o direito de resolução legal de um contrato em geral, é necessário que se verifique uma das seguintes situações: impossibilidade parcial e definitiva não imputável ao devedor (artigo 793º, 2, do C. Civil); impossibilidade total e definitiva imputável ao devedor (artigo 801º, 2, do C. Civil); impossibilidade parcial e definitiva imputável ao devedor (artigo 802º, 1, do C. Civil) e mora convertida em incumprimento definitivo, nos termos do artigo 808º, 1, do C. Civil[9].
A lei impõe ao credor que proceda à interpelação admonitória do devedor para que cumpra e dentro de um prazo que razoavelmente lhe deve fixar ou que as partes acordaram como razoável. O artigo 808º, 1, do C. Civil exige que o credor fixe um prazo para que a obrigação em dívida seja cumprida.
Atente-se que o incumprimento definitivo também pode resultar de atos concludentes do devedor (não só quando exista declaração expressa do devedor)[10], independentemente da fixação do prazo admonitório[11].
No sentido do acabado de escrever já decidiu o acórdão desta Relação do Porto, de 7-12-2009, em www.dgsi.pt.
No caso em apreço está provada a existência de qualquer situação de resolução convencional, pelo que só será aplicável a fundada na lei.
E o motivo invocado pelas AA. para a resolução do contrato de compra e venda celebrado com o R. consiste, essencialmente, no seguinte:
“15) Em julho de 2010, o veículo voltou a ter um problema na caixa de velocidades.
16) De imediato foi dada comunicação do sucedido ao vendedor, ora R.
17) Apesar de várias insistências efetuadas para a resolução da situação, esta mantém-se na mesma, ou seja, o veículo continua por reparar e a A. B… impossibilitada de usufruir do mesmo desde essa data.”
Isto é, foi comunicada a avaria ao R., logo que esta ocorreu e que este, apesar de algumas insistências para que a solucionasse, nada fez.
Temos de ter em atenção que esta ação deu entrada em juízo a 13-12-2010 e a avaria ocorreu em julho anterior.
Mas destes factos não é possível concluir pela declaração tácita do R., até à data da propositura desta ação, de recusa a reparar o veículo, sendo certo que foi através da citação para contestar esta mesma ação que foi comunicada ao R. declaração de resolução do contrato por iniciativa das AA.
Mas não houve interpelação admonitória por parte das AA.
Dos factos apurados não resulta, assim, nenhuma das seguintes situações:
impossibilidade parcial e definitiva não imputável ao devedor (artigo 793º, 2, do C. Civil); impossibilidade total e definitiva imputável ao devedor (artigo 801º, 2, do C. Civil); impossibilidade parcial e definitiva imputável ao devedor (artigo 802º, 1, do C. Civil) e mora convertida em incumprimento definitivo, nos termos do artigo 808º, 1, do C. Civil.
Daqui somos forçados a concluir que não existe qualquer fundamento para resolução do contrato invocado.
Resta-nos averiguar a questão da indemnização.
O Código Civil ocupa-se da matéria da responsabilidade civil em três lugares distintos: no capítulo sobre fontes das obrigações, sob a epígrafe responsabilidade civil - artigos 483º a 510º; no capítulo sobre modalidades das obrigações, sob a epígrafe obrigação de indemnizar - artigos 562º a 572º; e no capítulo sobre cumprimento e não cumprimento das obrigações, sob a epígrafe falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor - artigos 798º a 812º)[12].
Dispõe o artigo 483º do CC, sob a epígrafe "princípio geral": 1. aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.
Por sua vez dispõe o artigo 496º, 1, do CC: "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito".
São pressupostos da responsabilidade civil: 1- facto voluntário (pode ser ação ou omissão, mas quanto a esta ver o artigo 486º do CC); 2 - ilicitude (infração de um dever jurídico, por violação direta de um direito de outrem e violação da lei que protege interesses alheios ou violação de obrigação contratualmente assumida); 3 - nexo de imputação do facto ao agente (culpa - dolo ou mera culpa -, implicando uma ideia de censura ou reprovação da conduta do agente); 4 - dano (perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses materiais, espirituais ou morais, que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar; 5 - nexo de causalidade entre o facto e o dano (o facto tem de constituir a causa do dano)[13].
Além das duas grandes diretrizes de ordem geral fixadas no artigo 483º sobre o conceito de ilicitude, como pressuposto da responsabilidade civil, o Código trata de modo especial alguns casos de factos antijurídicos - veja-se, por ex. o do artigo 484º do CC - afirmação ou divulgação de factos capazes de prejudicarem o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa[14].
Há que referir que os danos podem ser classificados em patrimoniais e não patrimoniais. Os primeiros incidem sobre interesses de natureza material ou económica, refletindo-se no património do lesado, e os segundos reportam-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral[15]. De acordo, porém, com o disposto no artigo 496º, 1, do CC “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
O artigo 562º do CC dispõe que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação[16].
Daqui não resulta, sem mais, a exclusão da função punitiva da indemnização[17].
Por seu turno, o artigo 563º do CC, consagrando a teoria da causalidade adequada[18], dispõe que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
O montante indemnizatório deverá equivaler ao dano efetivo, como grande princípio, com a avaliação concreta do prejuízo sofrido, que deverá prevalecer sobre a avaliação abstrata[19].
E o artigo 564º, 1, do CC determina que o dever de indemnizar compreende o prejuízo causado e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (danos emergentes e lucros cessantes).
Dentro dos danos indemnizáveis estão os danos futuros, desde que previsíveis - artigo 564º, 2, do CC.
De acordo com o disposto no artigo 496º, 3, do CC o montante da indemnização por danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal. A indemnização por tais danos não se destina a reconstituir a situação que ocorreria se não tivesse sido o evento, mas principalmente a compensar o lesado, na medida do possível[20]. Na fixação desta indemnização deverá ser atendido o grau de culpabilidade dos agentes, a situação económica destes e dos lesados e demais circunstâncias do caso que o justifiquem - artigos 496º, 3, 1ª parte, e 494º do CC[21].
E esta indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente[22].
No caso em apreço há que excluir o direito a indemnização por parte da A. C…, pois que não ficou provado que tivesse sofrido qualquer dano.
Resta-nos averiguar se para o R. nasceu a obrigação de indemnizar a A. B… e, no caso afirmativo, qual o respetivo montante.
Não está em causa que a A. B… seja “consumidora” para efeito de aplicação do regime jurídico constante do DL n.º 67/2003, de 8-4, pelo que este regime é aplicável aos autos, o que não prejudica o acima escrito quanto à resolução.
E isto significa que, conforme se lê no Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 24-11-2008, que a A. “beneficiava de uma garantia de bom estado e bom funcionamento do veículo no período da garantia, sendo que esta garantia de bom funcionamento tem o significado e os efeitos de uma obrigação de resultado, na medida em que durante a sua vigência, o vendedor assegura o regular funcionamento da coisa vendida (artºs. 4° nº 1 da Lei 24/96 de 31/7 e 2° nºs. 1 e 2 do Decreto-Lei 67/2003 de 8/4). Por isso, dessa garantia resulta uma presunção ilidível de que o vício ou defeito que a coisa venha a revelar após a entrega já existia nessa data, com os consequentes reflexos a nível do ónus da prova (artº 3° do Decreto-Lei 67/2003 de 8/4).”
O prazo da garantia para coisa móvel usada é de 2 anos, que pode, convencionalmente, ser reduzido a um – artigo 5º, 2, daquele DL 67/2003.
O veículo em causa, pela avaria apresentada, não estava, nem está em condições de circular, logo, não ao é adequado ao uso específico para o qual a A. B… o destinava – a circulação automóvel.
Relembremos que o devedor tem de realizar a prestação a que está adstrito com o respeito pelos três princípios que informam o cumprimento das obrigações – a prestação deve ser pontualmente cumprida – artigo 406º, 1, e 762º, 1, do CC, o solvens deve agir nos termos impostos pela boa-fé – artigo 762º, 2, do CC e a prestação deve ser efetuada integralmente – artigo 763º do CC.
Como é sabido, são três as formas de não cumprimento: incumprimento definitivo, mora e cumprimento defeituoso.
O cumprimento defeituoso consiste na prestação realizada pelo devedor que não cumpre as condições de integridade e identidade do cumprimento; abrange também os vícios e defeitos que pode ter o objeto da prestação; ou que não foi oferecida às pessoas que a deviam receber ou em circunstâncias de lugar e tempo de cumprimento acordadas.
Nos artigos 798º e 799º do CC está admitida a figura do incumprimento em sentido amplo, no qual se inclui o cumprimento defeituoso.
Contudo, o CC, apesar da referência que faz ao cumprimento defeituoso no artigo 799º, 1, não o regula especialmente.
E dispõe o artigo 799º, 1, do CC: “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.
Daqui teremos de concluir que a conduta do R. preenche os mencionados requisitos da responsabilidade contratual do R. para com a A., fazendo nascer a obrigação de indemnização que, face aos factos dados como provados entendemos ter sido equilibrada fixada com recurso à equidade, pelo que se deve manter no montante global de € 2.000,00, sendo € 1.000,00 pelos danos materiais e € 2.000,00 pelos danos não materiais.
Não é possível a condenação na reparação ou no correspondente montante por não ter sido pedido pelas AA., nomeadamente pela A. B… – ver artigo 661º, 1, do CPC (artigo 609º, 1, do NCPC).
III DECISÃO
Por tudo o que exposto fica acordamos em revogar parcialmente a Sentença recorrida no que diz respeito à resolução do contrato e indemnização à A. C… e na sua confirmação quanto à condenação do R. a indemnizar a A. B….
Custas nesta e na 1ª Instância a cargo de AA. e R. na proporção dos respetivos decaimentos.
Porto, 2013-11-04
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
Correia Pinto
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[1] ANA PRATA, Dicionário Jurídico, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1989, p. 522, a propósito de "rescisão".
[2] JORGE A. ARAGÃO SEIA, Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, 1995, p. 230; ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, vol. II, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 1990, p. 265; ver, ainda, JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, A Resolução do Contrato no Direito Civil, Separata do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1983, p. 75; e PEDRO ROMANO MARTINEZ, Da Cessação do Contrato, Almedina, Coimbra, 2005, p. 65.
[3] MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 281.
[4] AC. DA RELAÇÃO DE LISBOA, de 10-11-1998, CJ, Ano XXIII, T. V, p. 87; AC. DA RELAÇÃO DE COIMBRA, de 8-2-2000, CJ, Ano XXV, T. II, p. 6.
[5] BAPTISTA MACHADO, Obra Dispersa, Scientia Juridica, Braga, 1991, vol. I, p. 130.
[6] MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., p. 281; PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 409.
[7] PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob. cit., p. 65; AC. DO STJ, de 21-5-2009, já cit..
[8] PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob. cit., p. 65.
[9] BAPTISTA MACHADO, ob. cit.., pp. 126 e 127.
[10] Ver PEDRO ROMANO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, Almedina, Coimbra, 1994, p. 312.
[11] Ver AC. DO S. T. J., de 3-10-1995, CJSTJ, Ano III, T. III, p. 44. No sentido de necessidade de declaração inequívoca de não cumprimento ver Doutrina citada naquele Ac. do S. T. J..
[12] INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 7ª ed., Coimbra Editora, 1997, ob. cit., pp. 216-217.
[13] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, I, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, pp. 525 e segs.; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 500 e segs.; PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I, 4ª ed., Coimbra Editora, pp. 471-475. Ver JAVIER TAMAYO JARAMILLO, De la Responsabilidad Civil, I, Editora Temis, Santa Fe de Bogotá, 1999, p. 41 e 169.
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, II Direito das Obrigações, T. III, Almedina, Coimbra, 2010, p. 432, refere que, seja qual for o tipo de responsabilidade civil, há um ponto sempre presente que é o dano, cabendo ao Direito decidir sobre a sua imputação a outra pessoa, através da obrigação de indemnizar, podendo a imputação ser delitual, objetiva e pelo sacrifício de quem tenha provocado o dano, apesar de lícito.
[14] ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 548; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., p. 507.
[15] MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., p. 534; RUI DE ALARCÃO, Direito das Obrigações, ed. policopiada, Coimbra, 1983, p. 229. Ver, ainda, ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., pp. 600-601. Ver, também, a defesa da Teoria da Diferença feita por PAULO MOTA PINTO, em Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, Coimbra Editora, 2008, pp. 553-567.
[16] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 576, consideram que é a consagração do dever de reconstituir a situação anterior à lesão. CALVÃO DA SILVA, RLJ, 134º. p. 113, escreve que o sentido e fim da indemnização é a criação da situação em que o lesado estaria presentemente, no momento em que é julgada a ação de responsabilidade, se não tivesse tido o lugar o facto lesivo - situação hipotética ou provável (criação da provável situação atual) -, ficando, assim, superada a 2ª parte do artigo 2364º do C. de Seabra. Esta última parece ser a mais correta.
[17] - Ver PAULA MEIRA LOURENÇO, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2006, pp. 373 e segs., que defende que a função punitiva é um fator de modernização da responsabilidade civil; PAULO MOTA PINTO, ob. e vol. cits., pp. 818-841, quanto à “função da indemnização e justiça corretiva”; e, ainda, RUI SOARES PEREIRA, A Responsabilidade por Danos Não Patrimoniais do Incumprimento das Obrigações no Direito Civil Português, Coimbra Editora, 2009, pp. 223-226.
[18] Ver CALVÃO DA SILVA, RLJ, 134º, p. 113, nota (1), e toda a Doutrina aí citada, AC. DO STJ, DE 20-1-2010, CJSTJ, XVIII, T. I, p. 32, esclarecendo que é a causalidade adequada na sua formulação negativa.
[19] CALVÃO DA SILVA, RLJ, 134º, p. 114.
[20] AC. DO S. T. J., de 26-1-1994, CJSTJ, II, I, p. 67.
[21] AC. DO S. T. J., de 7-7-1999, CJSTJ, VII, III, p. 18.
[22] AC. DO S. T. J., de 7-7-1999, já citado. Ver, ainda, o AC. DO S. T. J., de 10-2-1998, CJSTJ, VI, I, p. 67, além da doutrina e jurisprudência aí citadas.