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CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
ENCERRAMENTO PARCIAL
DESPEDIMENTO ILÍCITO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS INDEMNIZÁVEIS
Sumário
I - Em caso de encerramento parcial não há uma impossibilidade absoluta e definitiva do empregador receber a atividade profissional dos trabalhadores afetos aos setores encerrados, mas, quando muito, uma dificuldade agravada nesse recebimento. II - Não tendo a empregadora alegado, nem consequentemente provado, a contrapartida que um seu ex-trabalhador passou a auferir, após o respetivo despedimento, com a sua nova atividade profissional a tempo parcial, não pode o apuramento do valor dessa contrapartida ser relegado para liquidação em execução de sentença, pois que isso equivaleria a uma nova oportunidade de alegação e prova que a lei não consente. III - Mesmo em caso de despedimento ilícito, só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. IV - Não são indemnizáveis a simples mágoa e tristeza do trabalhador, decorrente do seu despedimento, se não forem alegados e demonstrados outros factos que permitam aferir a gravidade desses danos.
Texto Integral
Pº 1029/11.9TTVCT.P1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I- Relatório
1- B…, residente na Rua …, nº. ., freguesia …, …, Valença instaurou a presente ação declarativa com processo comum contra a C…, S.A., com sede na Rua …, em Valença, alegando, em breve resumo, trabalhou para esta sociedade, como escriturária, de 14/05/1990 a 31/10/2011, data a partir da qual lhe foi comunicado pela mesma que cessaria, por caducidade, o contrato de trabalho que vigorava entre ambas.
Ora, esta comunicação configura, a seu ver, um despedimento ilícito, uma vez que aquele motivo é falso.
Pretende, assim, que a Ré seja condenada a pagar-lhe, com juros moratórios:
a) Uma indemnização correspondente à sua antiguidade, no valor, já vencido, de 27.519,75€, sem prejuízo do que se vencer até à data da prolação da sentença;
b) As prestações pecuniárias vincendas (salários, férias, subsidio de férias e natal) até à data do trânsito em julgado da sentença, a liquidar oportunamente);
c) E, a quantia de 2.450.00, a titulo de danos não patrimoniais que diz ter sofrido.
2- Contestou a Ré reconhecendo a relação laboral que manteve com a A., mas não os créditos de que a mesma se diz titular, nem os fundamentos que os apoiam. Desde logo, porque, a seu ver, aquela relação laboral não cessou por despedimento, mas antes na sequência de um acordo previamente celebrado entre as partes, que a A. decidiu, depois, rejeitar. Além disso, alega ter pago todos os demais créditos salariais indicados pela A. Acresce que esta lhe disse que, a partir do mês de fevereiro de 2012, iria iniciar funções junto de outra entidade, o que deve ser levado também em consideração nestes autos.
Pede, a final, a improcedência da presente ação e a sua absolvição do pedido.
3- Replicou a A. reafirmando o seu despedimento, que tem como ilícito e, no mais, reconhece ter recebido os montantes referenciados na contestação, sendo que, em relação à sua nova atividade, diz tratar-se de trabalho a tempo parcial, sem qualquer relevância para a presente ação.
Daí que termine pelo pedido de improcedência das exceções invocadas pela Ré e a condenação desta nos termos por si já anteriormente peticionados.
4- Dispensada a audiência preliminar e a elaboração de base instrutória, o processo prosseguiu para a audiência de julgamento, finda a qual foi publicada a matéria de facto provada e não provada, com a respetiva motivação, após o que foi proferida sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência, condenou a Ré “a reconhecer a ilicitude do despedimento da A. e a pagar-lhe:
- a quantia de €19.278,70 de indemnização pelo despedimento ilícito;
- as retribuições que a A. deixou de auferir desde 30/11/2011 até ao trânsito em julgado da presente sentença, sendo já devida a este título a quantia de €22.735,77, a que se descontará o montante que se apurar ter recebido de subsídio de desemprego, que a R. deverá entregar à S. Social;
- a quantia de €2.200,00 a título de danos morais;
- juros de mora nos termos supra referidos”.
5- É contra o assim decidido que vem interposto o presente recurso que a Apelante remata com as seguintes conclusões:
“A)Decorre expressamente da sentença proferida que:
a) a Recorrente cessou a sua atividade em Valença em 31 de outubro de 2011;
b) que a Recorrida aceitou, para fazer cessar o contrato, receber uma indemnização no valor de €10.000,00 (dez mil euros);
c) que voltou atrás na decisão tomada.
B) Cessando a atividade industrial e administrativa da empresa e/ou estabelecimento da Recorrente, localizada em Valença, a 31 de outubro de 2011, a qual não se confunde com cessação da atividade da sociedade comercial, tendo a Recorrente passado a exercer a sua atividade, exclusivamente, com a sua empresa e/ou estabelecimento sito em Vila do Conde, temos de concluir, forçosamente, que se tornou absoluta e definitivamente impossível a possibilidade da Recorrida continuar a exercer a sua atividade na empresa e/ou estabelecimento de Valença.
C) E assim, caducou o contrato de trabalho da Recorrida, nos termos dos artigos 343º al. b) e 346º nº 3 do Código do Trabalho, tendo esta direito à compensação, de acordo com o artigo 346º nº 5 do mesmo Código do Trabalho, não se verificando pois, qualquer ilicitude no despedimento efetuado.
D) Muito embora a Douta Sentença ora recorrida seja omissa quanto a este aspeto, omissão esta extremamente relevante, a verdade é que a Recorrida “deu o dito por não dito” muito tempo depois do prazo de 7 dias estabelecido no artigo 350.º, n.º 1, do Código do Trabalho, estar precludido.
E) Esta omissão desde logo acarreta a nulidade da Douta Sentença de acordo com o disposto no artigo 668º nº 1 al. d) do CPC, uma vez que o Meritíssimo Juiz “a quo” não se pronuncia sobre questão que devia apreciar, nulidade esta que expressamente se invoca.
F) Ora, ao não ter a Recorrida voltado atrás na sua decisão, no prazo de 7 dias estabelecido no Código do Trabalho, é inequívoco que aceitou o acordo celebrado com a Recorrente quanto ao pagamento do quantum indemnizatório.
G) Razão pela qual, uma vez cessado o contrato em 31 de outubro de 2011, o valor acordado foi pago e sem delongas pela Recorrente e aceite por parte da Recorrida.
H) Com efeito, a Recorrida nunca comunicouà Recorrente a sua não-aceitação do acordo celebrado, sendo que a única manifestação de desacordo se traduziu na interposição da presente ação judicial, em 30 de dezembro de 2011, ou seja dois meses após ter cessado o contrato de trabalho.
I)Face ao exposto, conclui-se que a Sentença ora recorrida enferma da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1, do artigo 668.º, do C.P.C., dado que os seus fundamentos estão em oposição com a decisão.
J)Mesmo que assim se não entenda, o que mero raciocínio académico sempre se poderia admitir, a verdade é que a presente situação sempre se enquadra num manifesto abuso de direito.
K)Com efeito, ao ter a Recorrida aceite o valor indemnizatório proposto pela Recorrente, ao ter rececionado esse valor sem nada reclamar e ao propor, meses depois, uma ação judicial a exigir um outro valor, fazendo total “tábua rasa” do acordado, está a Recorrida a exercer um direito de forma ilegítima, pois excede, manifestamente, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico desse direito.
L) Decorre ainda do ponto 9 da Douta Sentença de que se recorre que a Recorrida, começou a trabalhar em regime de “part-time”, em fevereiro de 2012, para outra entidade.
M) Ora, não obstante o exposto, a verdade é que este facto não foi refletido nos montantes a pagar à Recorrida, não tendo sido, assim, cumprido, o disposto no artigo 390.º, n.º 2, a), do Código do Trabalho.
N) Com efeito, não se tendo conseguido apurar qual o valor recebido pela Recorrida no exercício da sua atividade, sempre teria o montante em causa de ser apurado em sede de liquidação de sentença.
O) Não aceita a Recorrente que seja condenada ao pagamento de danos morais à Recorrida.
P)Com efeito, é referido na Douta Sentença em crise que a Recorrida sentiu mágoa e tristeza com a cessação da relação laboral.
Q) Ora, praticamente todos os trabalhadores sentirão mágoa e tristeza quando cessa o seu vínculo laboral, não se podendo daqui extrair qualquer violação do disposto no artigo 483º nº 1 do Código Civil, pelo que não deve ser a Recorrente condenada ao pagamento de qualquer quantia a este título.
R) Face a tudo quanto supra se aduz, o Meritíssimo Juiz “a quo” violou o disposto nos artigos 343º al) b, 346º nºs 3 e 5, 350º nº 1 e 390º nº 2 al. a) do Código do Trabalho, artigos 334º e 483º nº1 do Código Civil e, por fim as alíneas c) e d) do artigo 668º do CPC”.
Pede, assim, a revogação da sentença recorrida.
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6- A Apelada respondeu em apoio do julgado.
7- Por sua vez, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da manutenção em vigor da sentença recorrida, exceto no que toca à indemnização nela atribuída por danos não patrimoniais.
8- Colhidos os vistos e realizado o julgamento, cumpre decidir.
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II- Do mérito do recurso
1. Definição do objeto do recurso
O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, salvo questões do conhecimento oficioso, é constituído, neste caso concreto, pelas seguintes questões:
a) Em primeiro lugar, saber se a sentença recorrida é nula;
b) Em segundo lugar, determinar se o contrato de trabalho mantido entre as partes cessou por caducidade;
c) Em terceiro lugar, decidir se a A. atuou em abuso de direito;
d) Em quarto lugar, definir se os eventuais montantes auferidos pela A. na sua nova atividade deveriam ter sido deduzidos nos montantes que a Ré foi condenada a pagar-lhe;
e) E, por fim, conferir se à A. é devida a indemnização por danos não patrimoniais que lhe foi reconhecida na sentença recorrida.
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2. Fundamentos de facto
Na sentença recorrida consignou-se a seguinte factualidade provada, que não vem impugnada neste recurso:
1- No dia 14 de maio de 1990, a A. foi admitida ao serviço da R. - antes designada, D…, Ldª – para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer a atividade de escriturária.
2- Estas funções eram desempenhadas pela A. na sede da R. em Valença.
3- A A. auferia a retribuição base de 1.095,70€, acrescida de 4,00€/dia a título de subsídio de alimentação.
4- No dia 12 de outubro de 2011, a A. recebeu na sua residência uma carta da R. com o seguinte teor (parte relevante):
“(…)
Ao abrigo do disposto no artº. 343 do C. Trabalho, informamos que o contrato de trabalho que a une a esta empresa cessará no próximo dia 31 de outubro de 2011, por caducidade do mesmo.
A caducidade funda-se na impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de V. Exa. prestar o seu trabalho e de esta empresa o receber, uma vez que a unidade industrial desta sociedade passou exclusivamente a ser exercida nas instalações sitas em Vila do Conde, tendo passado igualmente todo o trabalho adstrito ao departamento administrativo em que V. Exa. se insere a ser efetuado nas mesmas instalações de Vila do Conde.
(…)
“Mais informamos que será colocada à disposição de V. Exa. a compensação devida pela caducidade do contrato de trabalho, bem como os créditos salariais que lhe são devidos”.
5- A R. havia efetivamente, em maio de 2011, transferido a sua atividade para as suas instalações sitas em Vila do Conde, tendo, no entanto, a A. continuado a desempenhar a sua atividade em Valença até 31 de outubro de 2011, pois que a R. tinha necessidade de manter ali um funcionário para prestar informações aos seus clientes.
6- Em maio de 2011, a R. havia proposto à A. que esta resolvesse o seu contrato de trabalho, invocando como justa causa o prejuízo sério com a sua deslocação para Vila do Conde, tendo-lhe oferecido para tanto a quantia de 5.000,00€; a A. recusou esta proposta, mas veio a aceitar uma outra de igual conteúdo, mas com o valor de 10.000,00€.
7- Posteriormente, a A. decidiu voltar atrás e não aceitar aquela proposta - cessação do contrato de trabalho com o pagamento de 10.000,00€.
8- No dia 2 de novembro de 2011, a R. transferiu para a conta da A. a quantia de liquida de 12.892,80€ - correspondente a 14.072,32€ ilíquido - sendo 4.072,32€ de créditos laborais e 10.000,00€ de indemnização.
9- A A., em fevereiro de 2012, começou a trabalhar em “part-time” para outra entidade.
10- A A. sentiu mágoa e tristeza com a cessação da relação laboral.
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3. Fundamentação Jurídica
3.1. Da alegada nulidade da sentença recorrida
Começa a Ré por imputar à sentença recorrida este vício, com dois fundamentos distintos: omissão de pronúncia, motivada pelo facto daquela sentença não se ter pronunciado sobre a circunstância da A. ter rejeitado intempestivamente o acordo a que antes consigo tinha chegado sobre a cessação do contrato de trabalho que entre ambas vigorava; e contradição entre os fundamentos e a decisão, decorrente, se bem entendemos, do facto da A. nunca lhe ter comunicado a referida rejeição e de ter sido cumprido o referido acordo, o que determinou a cessação do contrato com este fundamento e não aquele que foi reconhecido na sentença recorrida.
Desde já adiantamos que não reconhecemos estes vícios na aludida sentença.
Efetivamente, nos termos do artigo 668º nº 1 als. c) e d) do Código de Processo Civil que vigorava à época[1], a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão” ou ainda quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Trata-se de vícios atinentes à estrutura e aos limites da própria sentença.
Em termos estruturais, a sentença não pode comportar qualquer contradição lógica em si mesma. Se “na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”.
Do mesmo modo, “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 660-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo conhecimento anterior de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado”[2].
Pois bem, regressando com estas noções ao caso em apreço, verifica-se que na sentença recorrida foi não só afirmado que a proposta informal aceite pela A. era destituída de validade jurídica para efeitos de cessação do contrato de trabalho que vigorou entre as partes, como se concluiu, em conformidade com a linha de raciocínio seguido, que o despedimento operado pela Ré foi ilícito.
Refere-se, a propósito nessa sentença, o seguinte:
“É certo que a R. vinha ainda trazer à colação, na tentativa de infirmar a ilegalidade do despedimento, a circunstância de terem ocorrido previamente negociações com a A., no sentido desta resolver o contrato de trabalho, invocando exatamente aquele prejuízo sério, propondo-lhe para tanto determinadas quantias monetárias. E é verdade que, a determinada altura, a A. chegou a aceitar tal situação, mediante o pagamento do valor de €10.000,00.
Simplesmente, e antes de se ter formalizado por qualquer forma o resultado de tais negociações, a A. decidiu voltar atrás e não aceitar a proposta que lhe estava a ser efetuada pela empresa.
Diga-se, sem necessidade de grandes desenvolvimentos, que a existência destas negociações é matéria de todo irrelevante, exatamente na medida em que não resultaram em nenhuma forma de acordo e que, sobretudo, este não veio a ser formalizado nos termos legalmente previstos.
Como é por demais sabido, a índole socializante do direito do trabalho estabelece claros limites à autonomia das partes no seu propósito de porem termo à situação contratual, ou melhor, delimita a livre disponibilidade jurídica da parte negocial em supremacia, como bem se refere em “Código de Trabalho Anotado e Comentado” – Paula Quintas e Hélder Quintas, pag. 679.
Daí que a extinção do vínculo laboral apenas possa ocorrer pelas formas taxativamente previstas na lei.
Ora, a trabalhadora não procedeu a qualquer resolução do contrato de trabalho, através da competente comunicação escrita, nem se verificou a formalização de um acordo de revogação nos termos do artº. 349 do C.Trabalho.
E, repete-se, nenhuma relevância tem o facto da A. ter, a determinada altura, chegado a dar o seu assentimento à proposta efetuada pela empresa, pois que ela sempre poderia, a qualquer tempo e após melhor reflexão, voltar atrás com a sua decisão. Repare-se que, mesmo que tivesse sido corretamente formalizado tal acordo, através de uma resolução por parte da trabalhadora ou mediante acordo de revogação, sempre a lei lhe concederia esta faculdade, desde que cumprido o prazo estabelecido nos artºs. 350 ou 397 do C. Trabalho.
O que aconteceu foi que a R., inconformada com a atitude da A. de ter recusado a proposta a que anteriormente dera o seu assentimento de princípio, resolveu ignorar a última manifestação de vontade da trabalhadora e atuar conforme mais lhe convinha, ou seja, efetuando a comunicação a que vimos fazendo referência e transferindo para a conta desta o montante de €10.000,00 a título de compensação.
Trata-se, por tudo quanto vimos expondo, de uma atuação de todo em todo ilegítima.
Daí a conclusão já inicialmente formulada de que se trata aqui de um linear despedimento ilícito”.
Não se vê, pois, em que medida se omitiu nesta sentença a pronúncia cuja falta lhe é imputada, nem mesmo a contradição que a Ré lhe assaca. Pelo contrário, cremos que a defesa da Ré, no ponto assinalado, foi abordada e rejeitada, concluindo-se, em conformidade com o raciocínio expendido, que a comunicação da mesma no sentido de pôr termo ao contrato se traduziu num despedimento ilícito.
E não se diga que a referida sentença não valorizou o facto da A. não ter comunicado à Ré a recusa da última proposta. Na verdade, a partir do momento em que se julgou juridicamente irrelevante o consenso alegadamente estabelecido em torno dessa proposta, por ausência de formalização desse mesmo consenso, tornou-se inútil a apreciação de quaisquer outros aspetos, seja atinentes à alegada intempestividade dessa recusa, seja da transmissão da mesma à Ré.
De modo que, a nosso ver, tanto basta para se poder concluir que a sentença recorrida não padece dos vícios formais que a Ré lhe imputa.
3.2. Da alegada caducidade do contrato de trabalho mantido entre as partes
Argumenta, a este propósito, a Ré que, “(…) cessando a atividade industrial e administrativa da empresa e/ou estabelecimento da Recorrente, localizada em Valença, a 31 de outubro de 2011, a qual não se confunde com cessação da atividade da sociedade comercial, como é óbvio, e tendo a Recorrente passado a exercer a sua atividade, exclusivamente, com a sua empresa e/ou estabelecimento sito em Vila do Conde, temos de concluir, forçosamente, que se tornou absoluta e definitivamente impossível a possibilidade da Recorrida continuar a exercer a sua atividade na empresa e/ou estabelecimento de Valença”, “[u]ma vez que tal atividade, pura e simplesmente, encerrou. E assim, caducou o seu contrato de trabalho, nos termos dos artigos 343º al. b) e 346º nº 3 do Código do Trabalho”.
Será assim?
Estipula o citado artigo 343.º alínea b) do Código do Trabalho o seguinte:
O contrato de trabalho caduca, nos termos gerais, “[p]or impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber”.
E acrescenta o n.º 3 do artigo 346.º que “[o] encerramento total e definitivo de empresa determina a caducidade do contrato de trabalho, devendo seguir-se o procedimento previsto nos artigos 360.º e seguintes com as necessárias adaptações”.
Esta última norma pretende concretizar a primeira, no que à impossibilidade superveniente de receber a prestação do trabalho, por parte do empregador, diz respeito. E, assim, encerrada total e definitivamente uma dada organização produtiva autónoma[3]/[4], extinguem-se por caducidade os contratos de trabalho com ela estabelecidos.
Com essa organização produtiva, porém, não devem confundir-se os setores que a compõem, ainda que geograficamente dispersos, nem outras estruturas equivalentes, pois que, nesses casos, o modo de impor a extinção dos vínculos laborais a elas adstritos, em caso de encerramento, é por via do despedimento coletivo e não por caducidade [cfr. artº 359.º n.º 1 do Código do Trabalho].
Em tais hipóteses de encerramento parcial não há, na verdade, uma impossibilidade absoluta e definitiva do empregador receber a atividade profissional dos trabalhadores afetos aos setores encerrados. O que pode existir é uma dificuldade agravada nesse recebimento, mas, nesse caso, estamos perante uma figura jurídica distinta. Note-se que a lei, no artigo 343.º do Código do Trabalho, reconduz a caducidade nela referida aos termos gerais de direito, o que nos remete, particularmente, para o regime previsto no artigos 390.º e 391.º do Código Civil, em que a impossibilidade, subjetiva ou objetiva, de realização de uma prestação ocorre quando a mesma já não é realizável no contexto em que ela era devida[5]. Ora, quando uma organização empresarial se reestrutura, a manutenção de todos os trabalhadores ao seu serviço pode tornar-se mais difícil, mas não impossível. Daí que não se possam extinguir os vínculos a que os mesmos estão adstritos por caducidade.
Esta noção é importante porque, justamente, no caso em apreço, a Ré insiste em considerar que o contrato de trabalho que manteve com a A. se extinguiu por caducidade, em virtude do encerramento definitivo do seu estabelecimento em Valença.
Ora, sabendo nós pela factualidade provada (ponto 6), que a Ré transferiu a sua atividade para Vila do Conde, a possibilidade da mesma continuar a receber a prestação laboral da A. não passou a ser impossível; quando muito, passou a ser mais difícil, designadamente para a A., caso continuasse a manter o seu centro de vida na zona de Valença.
Daí que não possa considerar-se que o contrato de trabalho entre as partes se tenha extinguido por caducidade, mas, sim, por despedimento unilateral e ilícito desencadeado pela Ré, como se decidiu, e bem, na sentença recorrida.
3.3. Do alegado abuso de direito, por parte da A.
Sustenta a Ré, nesta parte, que tendo a A. aceitado e recebido o valor indemnizatório que lhe foi proposto, sem nada reclamar, está a atuar em abuso de direito.
Ora, também não cremos que neste ponto assista razão à Ré.
Vejamos.
Nos termos do artigo 334º do Código Civil “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Para que o exercício de um direito seja considerado abusivo é necessário, pois, que o respetivo titular exceda manifesta e clamorosamente, os limites que deve observar, impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa-fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito. Em qualquer uma destas hipóteses, o dito excesso, à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante injustiça[6]. E é, por isso, que não pode ser juridicamente tolerado.
Pressupõe-se, com efeito, numa ordem jurídica estruturada que os direitos sejam exercitados para os fins económicos e sociais para que foram criados.
Por conseguinte, quando alguém, detentor embora de um determinado direito, o exercita fora ou contra esses fins, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do seu direito e as consequências a suportar por aquele contra o qual o mesmo é invocado, devem ser paralisados os efeitos desse exercício.
Ora, no caso em apreço, não há qualquer dado nos autos que nos permita afirmar que a A. atuou em tais termos. Designadamente, como diz agora a Ré, que aquela tenha aceitado e recebido o valor indemnizatório que lhe foi proposto, sem nada reclamar e, posteriormente, tenha instaurado esta ação fazendo “tábua rasa” do que consigo tinha anteriormente acordado.
Na verdade, se atentarmos na versão que a Ré apresentou na contestação, verificamos que a mesma alegou uma realidade diversa. Ou seja, que a A. depois de ter aceitado resolver o contrato de trabalho que consigo mantinha recebendo como contrapartida 10.000,00€ e de ter sido ajustado que a mesma permaneceria no estabelecimento de Valença até ao final do mês de setembro de 2011, houve necessidade, nessa altura, de prolongar a relação laboral com a mesma e mantê-la até ao final do mês subsequente.
Ocorre - alega a Ré - que a A. “decidiu voltar atrás e não aceitar o pagamento acordado com a Ré, em maio de 2011, pela cessação do contrato”, “[n]ão aceitando mais fazer cessar o contrato de trabalho que a unia à Ré quando antes, repete-se, tinha aceitado a resolução contratual, tendo inclusive proposto o valor que pretendia receber a título de indemnização”.
“Ora, perante a atitude da Autora, e porque esta sempre se recusou a acompanhar a Ré para as suas instalações de Vila do Conde e porque não havia mais necessidade de manter as instalações de Valença abertas para lá do dia 31 de outubro de 2011”, “[f]oi remetida à Autora a carta junta como documento n.º 3, da petição inicial”.
“Para além disso, foi pago à Autora o valor de €10.000,00 (dez mil euros) (…)” (artigos 17.º a 21.º da contestação).
Parece resultar desta versão da Ré, portanto, que esta, quando pagou à A. o citado valor, já sabia que a mesma não o aceitava. De modo que, a ter sido assim, toda a conduta subsequente da A., não pode ter constituído surpresa para a Ré. De qualquer modo, nem se provou o contrário, nem se mostra ter sido formalizado qualquer acordo, escrito e juridicamente relevante, para a extinção desta relação contratual.
Donde não se pode considerar abusiva a forma como a A. questionou essa extinção, nos termos em que foi levada a cabo pela Ré.
Em suma, não se mostra comprovado o abuso de direito da A.
3.4. Do alegado direito à dedução dos valores retributivos auferidos pela A. após o despedimento
Após ter ordenado o desconto das quantias eventualmente recebidas pela A. a título de subsídio de desemprego, a sentença recorrida negou o direito ora em apreço, previsto no artigo 390.º, nº. 2, a), do Código do Trabalho, argumentando que: “(…) para que este normativo fosse aplicável à situação dos autos era necessário que a R. tivesse alegado e provado que a A., depois do despedimento, passou a auferir montantes que não receberia se não fosse aquele despedimento e, mais do que isso, os concretos montantes em causa.
Ora, no que a isto se refere, a R. só alegou e provou que a A., em fevereiro de 2012, começou a trabalhar em “part-time” para outra entidade, o que manifestamente não permite a aplicação do que resulta do dispositivo legal supra referido”.
Divergindo desta perspetiva, sustenta a Ré, ao invés, neste recurso, que “não se tendo conseguido apurar qual o valor recebido pela Recorrida no exercício da sua atividade, sempre teria o montante em causa de ser apurado em sede de liquidação de sentença” (clª N).
Mas sem fundamento legal.
Efetivamente, a Ré não alegou, nem consequentemente provou, que contrapartida passou a A. a auferir com a sua nova atividade profissional a tempo parcial (cfr. artº 32º da contestação). Ora, relegar a liquidação do valor dessa contrapartida para execução de sentença equivaleria a uma nova oportunidade de alegação e prova que, a nosso ver, a lei não consente.
De modo que esta pretensão tem também de ser indeferida.
3.5- Do alegado direito indemnizatório por danos não patrimoniais
Está em causa, neste ponto, saber se a A. tem, ou não, direito a ser ressarcida pelos danos não patrimoniais que sofreu com a conduta da Ré.
Na sentença recorrida, esse direito foi-lhe reconhecido com o argumento de que, encontrando-se reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, particularmente a mágoa e a tristeza sofridas pela A. em consequência da atuação ilícita da Ré, o referido direito estava demonstrado e, consequentemente, haveria de ser quantificado num montante indemnizatório que se fixou em 2.200,00€; o equivalente, disse-se, a cerca de dois salários da A.
A Ré é que não se conforma com este entendimento, pois alega, ao invés, que “praticamente todos os trabalhadores sentirão mágoa e tristeza quando cessa o seu vinculo laboral, não se podendo daqui extrair qualquer violação do disposto no artº 483º nº1 do Código Civil, pelo que não deve ser a Recorrente condenada no pagamento de qualquer quantia a este título” [clª Q].
A questão, no entanto, a nosso ver, deve ser solucionada numa outra sede que tem a ver com o regime previsto no artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil, de acordo com o qual só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A gravidade do dano é um conceito relativamente indeterminado, carecido de preenchimento valorativo, caso a caso, de acordo com a realidade fáctica apurada. Todavia, não obstante dever essa apreciação ter em conta as circunstâncias de cada caso, a gravidade deverá medir-se por um padrão objetivo, e não de acordo com fatores subjetivos, ligados à sensibilidade do lesado[7]; e, por outro lado, repete-se, deverá ser apreciada em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.
A reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelos trabalhadores em consequência de despedimento ilícito encontra-se expressamente prevista no artigo 389.º, n.º 1. al. a) do Código do Trabalho, havendo lugar a ela sempre que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil previstos no artigo 483.º, n.º 1 e 496.º, n.º 1 do Código Civil; ou seja, sempre que o despedimento seja considerado ilícito, culposo e cause, direta e necessariamente, danos não patrimoniais ao trabalhador que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Não basta, assim, alegar e provar que o despedimento causou danos não patrimoniais; não basta alegar e demonstrar, como sucedeu no caso presente, que o despedimento causou mágoa e tristeza. Por regra, como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16/01/2008, Pº 7884/2007-4, consultável em www.dgsi.pt, “todos ou quase todos os trabalhadores vítimas de despedimento ficam magoados, tristes, frustrados, ansiosos, angustiados e deprimidos, mas estas situações não justificam, só por si, a atribuição de uma indemnização. É necessário que essa mágoa, essa angústia, essa ansiedade, essa depressão sejam graves, e para aferir essa gravidade é necessário caracterizar, com elementos de facto concretos, cada uma destas situações; é necessário alegar e demonstrar que cada uma destas situações causou ao trabalhador danos relevantes, isto é, danos graves, pois, como resulta do art. 496º, n.º 1 do Cód. Civil, o juiz na fixação da indemnização deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Quer isto dizer que só quando o trabalhador demonstre que sofreu danos não patrimoniais graves, em consequência de um despedimento declarado ilícito é que o mesmo tem direito a ser indemnizado.
Ora o que se verifica no caso em apreço é que apenas se encontra provado que a A. sentiu mágoa e tristeza pelo despedimento que lhe foi imposto pela Ré.
De modo que esses danos, sem qualquer outro elemento de caracterização adicional, não se podem julgar suficientemente graves para serem ressarcidos.
Em resumo de tudo o exposto, procede o recurso da Ré nesta parte, sendo de manter, no mais, a sentença recorrida.
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III- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em: 1º- Conceder parcial provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogar a sentença recorrida quanto à condenação da Ré no pagamento de 2.200,00€ (dois mil e duzentos euros), a título de danos não patrimoniais; 2º- Negar, no mais, provimento ao presente recurso e, nessa medida, manter a sentença recorrida.
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Porque ambas as partes decaíram nas pretensões que defenderam neste recurso, as custas serão pagas pela Apelante e Apelada, na proporção do respetivo decaimento.
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Porto, 18/11/2013
João Diogo Rodrigues
Paula Maria Roberto
Machado da Silva.
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[1] Ora revogado pelo artigo 4.º alínea a) da Lei nº 41/2013 de 26 de junho.
[2] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 704.
[3] Cfr sobre noção equivalente, “unidade produtiva autónoma”, Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª ed. revista e atualizada, Principia, pág. 88, e a doutrina aí referenciada de onde diz ter sido recolhida esse conceito.
[4] O conceito de empresa para efeitos da norma citada (artigo 346.º n.º 3 do Código do Trabalho), como refere Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 4ª ed. revista, Almedina, pág.791, “deve entender-se no sentido mais amplo possível por forma a abranger a organização mais rudimentar, e, designadamente, para possibilitar a aplicação da norma aos contratos de trabalho não empresariais – assim, por exemplo, o contrato de trabalho da secretária de um advogado em nome individual cessa com a morte deste”.
[5] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol II, 5ª ed. Almedina, pág. 62.
[6] cfr. Antunes Varela, ob cit, pág. 536 e 537; e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1967, pág. 217.
[7] Cfr. neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol I, pág. 499.