SOCIEDADE
SÓCIO GERENTE
REPRESENTAÇÃO
IRREGULARIDADE
SUPRIMENTO
Sumário

I - Sempre que o tribunal entenda que a irregularidade de representação de uma sociedade é suprível, cabe-lhe providenciar por esse suprimento, nomeando representante especial ou convidando a parte a regularizar a sua representação, caso a lei estabeleça outra forma de a assegurar.
II - Numa ação em que a sociedade (que se faz representar por dois gerentes), é demandado por um dos sócios gerentes, o outro gerente, por si só e não havendo convenção contrária, pode representar a sociedade e outorgar procuração para a sua defesa.

Texto Integral

Sumário (da responsabilidade do relator): 1 – Sempre que o tribunal entenda que a irregularidade de representação de uma sociedade é suprível, cabe-lhe providenciar por esse suprimento, nomeando representante especial ou convidando a parte a regularizar a sua representação, caso a lei estabeleça outra forma de a assegurar. 2 – Numa ação em que a sociedade (que se faz representar por dois gerentes), é demandado por um dos sócios gerentes, o outro gerente, por si só e não havendo convenção contrária, pode representar a sociedade e outorgar procuração para a sua defesa.

Processo 2290/13.0TJVNF-C.P1

Recorrente – B…, Lda.
Recorrido – C…
Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

1 – Relatório:
B…, Lda., requerida nos autos de procedimento cautelar em que é requerente C…, veio apelar do despacho que ordenou o desentranhamento da oposição por si deduzida e julgou totalmente procedente a providência, decretando "a suspensão da deliberação social (que) decidiu destituir o requerente do cargo de gerente da requerida".

Trata-se do despacho certificado a fls. 351/361 e no qual se escreveu o que ora se resume:
"(…) foi, pelo requerente, suscitada uma questão prévia, da procedência da qual, a seu ver, terá de resultar o desentranhamento da oposição. Em prol da sua tese, sustenta que o único gerente que conferiu mandado para, em nome da requerida, deduzir oposição, não tem poderes para a representar validamente, nem para determinar a vontade desta e dos sócios. Resulta do contrato de sociedade (que) a requerida apenas se faz representar mediante a intervenção conjunta de dois gerentes. Não foram dois os gerentes a outorgar a procuração, nem, o sócio gerente que outorgou lançou mão, no prazo de oposição, do incidente de nomeação de representante incidental (…) Contraditou a requerida, considerando que o sócio gerente tem poderes e o procedimento deve prosseguir, mas se assim não for entendido, deve conceder-se-lhe prazo, nunca inferior a 30 dias, para que, em Assembleia Geral, se delibere quanto à representação da requerida pelo sócio gerente subscritor da procuração e sobre a ratificação dos atos praticados em juízo.
Decidir:
Estamos perante uma questão cuja resposta, confessadamente, está envolta de alguma complexidade. Temos por certo o seguinte: - A requerida é uma sociedade por quotas com o capital social, integralmente realizado de 150.000,00€; - Constituída em 2003, a partir de fevereiro de 2013, os sócios da requerida são: C…, titular de uma quota de 51.000,00€; D…, titular de uma quota de 24.000,00€; E…, titular de uma quota de 30.000,00€; F…, titular de quota de 22.500,00€ e G…, com uma quota de 22.500,00€; - A administração e representação da sociedade cabe aos sócios gerentes C… e E…; - Para vincular a sociedade é necessária a intervenção de dois gerentes; - A sociedade não dispõe de órgão de fiscalização; - Em AG de 19.07.2013, foi deliberado destituir o requerente das funções de gerente; - Em 25.07.2013, o requerente intentou contra a requerida este procedimento, visando suspender aquela deliberação; - A requerida, citada, deduziu oposição; - Para esse efeito, o sócio gerente E…, atuando como representante e atual único sócio gerente da requerida, outorgou procuração forense a sociedade de advogados; - Foi um dos advogados dessa sociedade que, com base na procuração, subscreveu a oposição ao procedimento.
Vejamos, então (…) Em regra, existe coincidência entre o critério de aferição da legitimidade ativa para as providências e para as ações, o que está de acordo com o nexo de dependência entre um e outro dos meios processuais. No entanto, a nível da anulação ou da declaração de nulidade de deliberações sociais, a regra não foi inteiramente acatada. A declaração de nulidade pode ser obtida mediante solicitação de qualquer interessado direto, seja ele sócio ou não. A anulabilidade pode ser arguida pelos sócios que não tenham votado favoravelmente a deliberação e pelo órgão de fiscalização (…) Já para o procedimento cautelar, impõe a lei a qualidade de sócio (…) Para quem não tenha essa qualidade, restará o recurso ao procedimento cautelar comum (…). A legitimidade passiva para a ação ou para a suspensão pertence unicamente à sociedade (…).
Pois bem, é então a sociedade que detém legitimidade passiva (…) No caso, temos a particularidade de a gerência da sociedade ser plural e conjunta, em que para os atos de representação, incluindo representação em Juízo (é) necessária a assinatura de ambos os gerentes. Sucede que a procuração forense apenas foi assinada por um dos sócios gerentes. De resto, a conferência de mandato forense, ainda que por razões doutrinárias ou jurisprudenciais possa não se considerar um negócio jurídico, é seguramente, pelo menos, um ato jurídico. A expressão "negócio jurídico", constante do artigo 261.º, n.º 1 do CSC, deve ser tomada como significando "ato jurídico" (…). Assim a maioria dos gerentes vincula a sociedade; se houver dois gerentes, os dois deverão intervir; se houver três ou mais, o preceito aplica-se literalmente, e deverá intervir a maioria. A não ser assim, a vontade da sociedade não está devidamente representada. Ora é precisamente isso que sucede.
A requerida, de acordo com o pacto social, apenas pode representar-se e vincular-se com a intervenção conjunta dos dois gerentes, a saber: o requerente, e o sócio gerente E…. Por isso, a representação da sociedade carecia do assentimento de dois gerentes, o que não sucedeu. É certo que um desses gerentes está destituído, por força da deliberação que aqui se pretende suspender. No entanto, isso não deixa de significar que a sociedade não está devidamente representada em Juízo. E não está porque, do nosso ponto de vista, não terão os sócios que votaram favoravelmente a destituição agido com a providência e a diligência que as circunstâncias exigiam. Naturalmente que esses sócios, sabendo ou não, podendo ignorar que a gerência era conjunta, limitaram-se a destituir um dos gerentes, não providenciando imediatamente pela nomeação de outro, deixando a sociedade votada à sorte e ou ao infortúnio, podendo mesmo, neste conspecto, responder pelos danos emergentes da conduta. Com efeito, neste caso – gerência plural e conjunta -, a deliberação de destituição de um dos gerentes, sem a tomada de qualquer providência para a imediata nomeação de outro, deixa a sociedade atada, inativa, incapaz de se obrigar e fazer representar legalmente, com todas as consequências que daí possam advir. Não pode, agora, pretender-se que seja o tribunal a suprir, no âmbito de um procedimento cautelar, caracterizado pela celeridade e superficialidade, uma omissão que apenas radica na improvidência de quem votou favoravelmente a deliberação. De resto, perscrutada a providência, verifica-se que a requerida, ainda que indevidamente representada, além de não ter recorrido do despacho que ordenou a citação, nem sequer requereu ao tribunal que designasse um representante especial, para a representar neste procedimento cautelar.
Perante estas considerações, e dada a natureza de um procedimento cautelar, incompatível com diligências de caráter pedagógico, é muito evidente que a oposição, deduzida pela sociedade indevidamente representada, não possa ser atendida e, como tal, tenha de ser desentranhada (…)
Portanto, temos que a requerida, apesar de pessoal e regularmente citada, não deduziu oposição, pois a tanto equivale a decisão exarada. A falta de oposição tem como consequência (…) factos esses que, por brevidade e economia de meios, aqui se dão por inteiramente reproduzidos para os devidos e legais efeitos. Concretamente, estão indiciariamente provados os factos, e não já os conceitos e conclusões, constantes dos artigos (…) retirando, quanto ao artigo 259.º, a expressão "manifestamente injusta e ilegal", todos do requerimento inicial (…)
A suspensão da deliberação depende da verificação cumulativa destes requisitos (…) Quanto ao dano, tanto pode ser provocado na esfera jurídica do sócio requerente, como na da sociedade requerida (…). Por outro lado, os danos podem ser apreciáveis, sem que sejam irreparáveis ou de difícil reparação (…). Ora, da factualidade atrás exposta, decorre, à saciedade, a verificação dos requisitos legalmente consignados para que a presente providência seja julgada totalmente procedente e, em consequência, se decrete a suspensão da deliberação social (…) que se consubstancia na destituição do requerente do cargo de gerente da requerida.
Decisão: Pelo exposto, decide-se julgar a presente providência cautelar totalmente procedente e, em consequência, decretar a suspensão da deliberação social (…)".

Com a presente apelação, a recorrente pretende que seja 1) Revogado o despacho de desentranhamento proferido pelo tribunal a quo; 2) Revogada a sentença de igual modo proferida, substituindo-se por outra que não ordene o decretamento da providência cautelar e, 3) Caso assim não se entenda, em consequência da revogação do despacho de desentranhamento, deverá do mesmo modo ser revogada a sentença proferida, considerando-se a recorrente validamente representada nos autos, mais se ordenando o prosseguimento dos mesmos, com a admissão do mandatário constituído a intervir como legal mandatário da recorrente. Formula as seguintes Conclusões:
1 - A requerida estava e está devidamente representada em juízo, tendo o sócio e gerente que subscreveu a procuração forense apresentada em conjunto com a Oposição daquela, os necessários poderes para o efeito.
2 - Dispondo a requerida de dois gerentes nomeados, e tendo sido um deles destituído por deliberação regularmente adotada em Assembleia Geral, parece evidente que, intentada logo de seguida ação contra a recorrente visando tal deliberação, pode o único gerente que resta em funções assumir a sua representação em juízo.
3 - Por outro lado, ao contrário do que considerou o primeiro despacho recorrido, nada dispuseram os sócios no pacto social quanto à representação da requerida em juízo. Nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do C.P.C., as sociedades são representadas em juízo por quem a lei ou o pacto social designar. Na falta de estipulação do pacto social, haverá que recorrer à lei supletiva. Nada dispondo o C.S.C. quanto a esta matéria, deveremos recorrer, nos termos do disposto no artigo 2.º do mesmo Código, ao n.º 1 do artigo 985.º, ex vi n.º 1 do art. 996.º, ambos do C.C. Nos termos conjugados das referidas disposições, todos os sócios têm poderes para a prática de atos de administração.
4 - A representação numa ação como a ora em apreço (atente-se, em particular, no n.º 4 do artigo 383.º do C.P.C.), bem como a correspondente outorga de procuração a mandatário forense, é um ato de mera administração. Em causa não está qualquer ato de vinculação específica e direta da sociedade, nem sequer, ainda que potencialmente, a assunção de quaisquer obrigações ou a perda de quaisquer direitos da mesma.
5 - O n.º 1 do artigo 261.º do C.S.C. é erroneamente trazido à colação, uma vez que o mesmo nada dispõe quanto à representação das sociedades comerciais em juízo, regulando antes o seu modo de vinculação externa em negócios jurídicos.
6 - Assim, ao contrário do considerado na decisão de desentranhamento, não houve qualquer falta de "providência e diligência" por parte dos sócios que votaram favoravelmente a deliberação de destituição, por não terem providenciado "imediatamente pela nomeação de outro [gerente]".
7 - Em primeiro lugar, nada na lei societária exige ou sequer aponta para a necessidade de, em simultâneo com a destituição de um gerente, se nomear outro que o substitua.
8 – Aliás, dispõe a lei de um mecanismo judicial, previsto no n.º 3 do artigo 252.º do C.S.C., a ser usado quando não providenciam os sócios pelo suprimento da falta do gerente necessário para a vinculação da sociedade. Contudo, tal mecanismo judicial apenas pode ser desencadeado depois de decorridos 30 dias após a falta definitiva de um gerente – indicando, assim, a lei, ser este um prazo razoável para que os sócios, reunindo e deliberando, ultrapassassem tal situação. À data em que a recorrente apresentou a sua oposição, não tinham ainda decorrido sequer 15 dias.
9 - Ainda que houvesse alguma negligência processual por parte dos sócios, o que não se admite, não seria certamente imputável àqueles que votaram favoravelmente a deliberação de destituição – isto é, àqueles que, naturalmente, confiaram na validade e eficácia de tal deliberação e nunca calcularam que viesse a recorrente a ser chamada para, uns dias depois, contestar em processo judicial visando tal deliberação. Já os outros sócios, entre os quais, então, o requerente, necessariamente saberiam a situação em que, segundo o seu entendimento, ficaria a recorrente, proposta tal ação judicial.
10 - Não nomearam os sócios novo gerente imediatamente, desde logo, porque tal não é legalmente possível. Nos termos do n.º 3 do artigo 248.º do C.S.C., a convocação de uma assembleia geral de sócios deve ser feita com a antecedência mínima de 15 dias. Dispondo a requerida de 10 dias para apresentar oposição, seria impossível, a não ser em violação da lei, ter providenciado pela nomeação de um gerente que, em conjunto com o que restava em funções, a representasse nos autos.
11 - Tão pouco tal se revelaria materialmente viável, atenta a composição societária.
12 - Ao contrário do que sustenta o despacho que, não fica a requerida nestas circunstâncias "votada à sorte e ou ao infortúnio (…) atada, inativa, incapaz de se obrigar e fazer representar legalmente, com todas as consequências que daí possam advir". É preciso tomar na devida conta as consequências que, nos termos do n.º 3 do artigo 397.º do C.P.C., tem a citação neste procedimento cautelar especificado, paralisando os efeitos da deliberação e devendo o gerente destituído ser tido, para todos os efeitos, como em funções. Por outro lado, dispõe o n.º 3 do artigo 253.º do C.S.C. de um fácil expediente para ultrapassar tal iminente situação de infortúnio. Sem prescindir,
13 - Ainda que não estivesse a requerida devidamente representada em juízo, o que só se admite por mera hipótese e sem conceder, nunca o efeito da verificação da falta de tal pressuposto processual poderia ser o desentranhamento da oposição apresentada.
14 - Nos termos do artigo 265.º n.º 2, do artigo 24.º n.º 1 e do artigo 288.º n.º 1 al. c) e n.º 2, todos do C.P.C., e todos absolutamente desconsiderados pelo douto tribunal a quo, deveria este ter providenciado pelo suprimento da putativa irregularidade verificada, quer praticando oficiosamente os necessários atos, quer convidando as partes a praticá-los. Tal solução não sai, obviamente prejudicada pelo caráter urgente do procedimento em causa.
15 - Tal procedimento era sobremaneira justificado pelo facto de não ter a requerida agido com qualquer forma de negligência processual, seguindo, inclusivamente, o entendimento já sufragado por instâncias judiciais superiores.
16 - Sem prejuízo, sempre a suposta irregularidade verificada seria na prática irrelevante, atento o disposto no artigo 288.º n.º 3, 2ª parte. Destinando-se o pressuposto processual em crise a proteger, em primeira linha, o interesse da recorrente, e devendo a ação ser-lhe integralmente favorável, deveria ter logo o tribunal proferido sentença, indeferindo integralmente o pedido cautelar.
17 - A recorrente não recorreu do despacho que ordenou a sua citação uma vez que foi, nos termos do artigo 231.º do C.P.C., regularmente citada, não tendo, portanto, fundamento para o fazer.
18 - De igual modo, não requereu a nomeação judicial de um representante ad litem uma vez que tal seria desadequado ao processo em causa. Em primeiro lugar, a dedução de tal ação não suspende, por si só, o prazo para apresentação de oposição. Em segundo lugar, não parece compatibilizar-se com o caráter urgente e célere dos procedimentos cautelares (em particular, artigo 382.º n.º 2 do C.P.C.) a dedução de verdadeiras ações autónomas que façam parar a marcha dos mesmos.
19 - Quanto aos factos provados por confissão, em virtude do desentranhamento da Oposição, não poderia ter o tribunal a quo dado como provados os factos constantes dos artigos 87.º e 108.º do requerimento inicial do requerente (sendo alegada idêntica factualidade nos artigos 119.º, 150.º e 179.º, a que a sentença recorrida não faz qualquer referência), porque manifestamente contraditórios entre si.
20 - A sentença ora em crise carece de fundamentação, uma vez que se limitou o douto tribunal a indicar os factos que considerou provados (e isto, por indicação do número dos artigos do requerimento inicial) e o quadro jurídico que entendeu aplicável, sem nunca estabelecer entre estes dois elementos qualquer relação.
21 - Não logrando uma verdadeira subsunção dos factos ao direito, não é percetível qual o fundamento factual para o tribunal ter entendido que a deliberação adotada era ilegal ou antiestatutária, nem para considerar que a sua execução causaria dano apreciável à requerida ou a algum dos sócios.
22 - Nestes termos, violou a douta sentença recorrida os artigos 158.º e n.º 2 do artigo 659.º do C.P.C. Independentemente do que até aqui se disse,
23 - A providência cautelar de suspensão de deliberação social visa evitar que sejam provocados, com a execução da deliberação que se pretende suspender: (i) danos apreciáveis (artigo 396.º n.º 1 do C.P.C.); (ii) na esfera da sociedade ou de qualquer um dos seus sócios (tem a jurisprudência vindo a admitir a invocação de danos não apenas à sociedade, como também ao próprio sócio que requer a providência); (iii) causados em virtude da demora do desfecho da ação principal anulatória (periculum in mora); (iv) de verificação quase certa ou muito provável (exigência unânime por parte da jurisprudência); (v) graves e dificilmente reparáveis (artigo 381.º n.º 1 ex vi art. 392.º n.º 1 do C.P.C.).
24 - O requerente não logrou sequer articular factualidade que se pudesse subsumir a um dano apreciável, com os requisitos elencados. Não tendo alegado os factos necessários, não resultaram os mesmos provados, ainda que tenha havido uma confissão genérica por falta de oposição.
25 - Não constitui qualquer dano, muito menos um dano apreciável, o facto de ficar a sociedade apenas com um gerente em funções, quando nos termos do seu pacto social se exige a intervenção de dois gerentes para validamente se vincular. Isto porque, por mera deliberação dos sócios – de nomeação de novo gerente ou de eliminação da cláusula estatutária que exige a sua intervenção – pode tal situação ser ultrapassada. De qualquer modo, sempre haverá a possibilidade de nomeação judicial de um gerente, nos termos do n.º 3 do artigo 253.º do C.S.C., nunca podendo assim ser considerado como um dano de difícil reparação.
26 - Em consequência, não poderia o douto tribunal a quo ter dado como provados os artigos 241.º, 242.º, 244.º, 245.º, 246.º, 247.º, 248.º e 249.º do requerimento inicial. Isto porque os mesmos contêm ou matéria de direito ou factualidade alegada tendo por base o entendimento de que ficaria a requerida impossibilitada de se fazer validamente representar. Ora, se como de demonstrou, é inegável que pode a requerida fazer-se validamente representar, tal factualidade não poderia ter resultado provada.
27 - Não constitui um dano apreciável o facto de o requerente deixar de auferir as remunerações devidas pelo exercício da gerência. Tal é uma consequência da própria destituição, não sendo um prejuízo causado pela demora na ação principal. Por outro lado, sempre seriam danos causados nos seus direitos enquanto gerente e não enquanto sócio e, só quanto a estes últimos, é o presente procedimento o meio de tutela adequado.
28 - O desgosto, perturbação psicológica, prejuízo para a sua imagem de homem cumpridor, bom nome e consideração alegado pelo requerente não assumem a natureza de danos apreciáveis, desde logo porque não assumem uma gravidade que, à luz do n.º 1 do artigo 496.º do C.C., mereça a tutela do direito. Acresce que necessariamente saberia o requerente que, em virtude da faculdade conferida aos sócios pelo n.º 1 do artigo 257.º do C.S.C., poderia a todo o tempo ser destituído. De todo o modo e, novamente, são estes danos causados ao requerente em virtude de ser gerente e ter sido destituído, não porque é sócio.
29 - Sem prejuízo do exposto, o requerente não é mais sócio da requerida, tendo cedido a totalidade da sua quota. Assim, mesmo os direitos derivados da sua qualidade de sócio que, supostamente, visava o presente procedimento cautelar tutelar, se extinguiram.
30 - Assim, nos termos do artigo 389.º n.º 1 al. e) do C.P.C., verifica-se a caducidade da providência.
31 - Nos termos do n.º 1 do artigo 663.º do C.P.C., deve a sentença tomar em consideração a realidade existente à data da sua prolação, considerando mesmo factos posteriores à proposição da ação. Motivo que também milita contra a manutenção da sentença recorrida.

O recorrido veio responder ao recurso e, defendendo a decisão recorrida, conclui:
1 - A recorrente já tomou cinco posições diferentes e contraditórias entre si, nos autos de procedimento cautelar e nos autos principais, relativamente à questão da sua própria representação em juízo.
2 - A representação orgânica da recorrente é assegurada pela intervenção conjunta dos dois únicos gerentes, nos termos do respetivo contrato e da lei (n.º 1 do artigo 261º do C.S.C.).
3 - Em demanda judicial intentada por um dos dois únicos gerentes e sócio, contra a sociedade, esta não pode fazer-se representar em juízo pelo outro gerente.
4 - Em tal demanda, não estamos perante ato de mera administração corrente ou ordinária, que possa considerar-se incluída no objeto social.
5 - A representação da sociedade em juízo, por um dos dois únicos gerentes, é admissível em demanda judicial com terceiros, como ato de mera administração e desde que o litígio se insira no âmbito da defesa e prossecução do objeto social.
6 - Tendo a recorrente sido citada para os termos do procedimento cautelar de suspensão da deliberação social de destituição de gerente, ficou impedida de dar execução a tal deliberação (n.º 3 do artigo 397º do C.P.C. em vigor à data da citação).
7 - Vedada que ficou a execução da deliberação social, o aqui recorrido continuou e continua investido nas funções de gerente, tal como o outro gerente, representando, ambos e em conjunto, a recorrente.
8 - Estando ambos os gerentes em funções, não ocorre falta de gerência, pelo que não há lugar à atribuição dessas funções aos sócios, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 253º do C.S.C.
9 - Como estão em funções os dois únicos gerentes que o contrato de sociedade permite, também não poderá haver lugar à nomeação de um novo gerente, nos termos do disposto no n.º 3 do referido artigo 253º.
10 - Competindo a representação orgânica da sociedade a ambos os gerentes, intervindo eles em conjunto, ocorre irregularidade ou inexistência de mandato, quando um deles outorga procuração para representação forense da recorrente, na lide judicial contra ela intentada por outro sócio e gerente.
11 - Suscitada a questão da irregularidade ou inexistência de representação válida, a recorrente foi notificada para exercer o direito ao contraditório.
12 - No exercício do contraditório e relativamente àquela questão, a recorrentes respondeu e tomou posição expressa de recusa da existência de irregularidade ou inexistência de representação válida.
13 - A recorrente declarou expressamente que se encontrava “devidamente representada no procedimento cautelar” apenas com a intervenção de um dos dois únicos gerentes.
14 - Nessas circunstâncias, não foi o Juiz que, nos termos do disposto no artigo 24º do C.P.C., então em vigor, se apercebeu da irregularidade da representação, pois que tal questão foi suscitada por uma das partes e objeto do contraditório, pela outra.
15 - Suscitada a questão da irregularidade ou da inexistência de representação válida da recorrente em juízo, deveria ter havido lugar à representação incidental, a qual só poderia ocorrer a solicitação da própria recorrente e, aí sim, com a intervenção do gerente que, indevidamente, conferiu o mandato forense.
16 - A representação incidental tinha de ser requerida, como a própria recorrente fez posteriormente, nos autos principais.
17 - No requerimento de representação incidental tem de sugerir-se o nome do representante a nomear e justificar-se a respetiva idoneidade (aplicação conjugada do disposto nos artigos 1484º e 1484º-A do C.P.C., então em vigor).
18 - O Tribunal não tinha que suprir oficiosamente o vício de irregularidade ou de falta de representação da recorrente, nos termos do disposto no artigo 24º do C.P.C. então em vigor, pois que ela recorrente tomou, previamente, posição expressa nos autos, recusando a existência de tal vício e não requerendo a representação incidental.
19 - Aliás, nas alegações do presente recurso a recorrente volta a pugnar pela regularidade e validade da representação em juízo, mediante a intervenção de um dos dois únicos gerentes, em litígio com o outro, apesar de também clamar pela intervenção oficiosa do Juiz para suprir a irregularidade cuja existência nega.
20 - Tendo a questão da irregularidade ou inexistência de representação da recorrente sido objeto de discussão e contraditório entre as partes, ao Juiz mais não restava que conhecer e decidir sobre a matéria controvertida.
21 - Muito bem andou o Tribunal recorrido, ao decidir que o gerente que conferiu mandato forense, em nome da recorrente, não tem poderes de representação desta, num litígio judicial entre o outro gerente e sócio e a própria sociedade.
22 - Não existe qualquer contradição na matéria de facto dada como provada, pois que o recorrido alegou que não tinha a responsabilidade na contratação de dois diretores que lhe foi imputada na deliberação social impugnada.
23 - Na deliberação impugnada foi imputada ao recorrido a responsabilidade exclusiva nas contratações dos diretores, o que ele refuta, aceitando que a responsabilidade é de ambos os gerentes.
24 - Também não ocorre falta de fundamentação da sentença, pois que esta respeita integralmente o disposto nos artigos 659º e 668º do anterior C.P.C. (artigos 607º e 615º do novo C.P.C.).
25 - Não assiste razão à recorrente, quanto à alegada falta de fundamento para o decretamento da providência.
26 - A providência foi decretada por se ter entendido, muito corretamente, segundo juízo de probabilidade, que existem razões para considerar que a deliberação social impugnada, além de contrária à lei, é apta a causar danos apreciáveis à sociedade e ao recorrido.
27 - Importa realçar que a recorrente não põe em causa que se possa qualificar a deliberação social impugnada como contrária à lei (n.º 1 do art. 396º do C.P.C.).
28 - Pelo que aceita que tal deliberação social, sendo contrária à lei, é anulável e pode ser suspensa (al. a) do n.º 1 do artigo 58º do C.S.C.).
29 - Alega a recorrente que não estão invocados factos que permitam concluir que a deliberação social impugnada pode acusar danos apreciáveis.
30 - Ora, nos itens 236º e ss. do requerimento inicial do procedimento cautelar, estão alegados os factos que permitem concluir, com alto grau de probabilidade e, em relação a alguns deles, com toda a certeza, que a deliberação social pode causar danos apreciáveis, se não for decretada a respetiva suspensão.
31 - Os danos apreciáveis a que se refere o n.º 1 do artigo 396º do C.P.C. então em vigor (artigo 380º do atual C.P.C.) tanto podem ser infligidos ao aqui recorrido como à sociedade (al. b) do n.º 1 do art. 58º do C.S.C.).
32 - Os danos alegados nos itens 240º e ss. do requerimento inicial não podem deixar de ser qualificados como apreciáveis, quer do ponto de vista material, quer do imaterial.
33 - Todos esses danos têm dignidade e relevância suficientes para merecerem a tutela do direito e justificarem a suspensão da deliberação social.
34 - Como a própria recorrente expressamente reconhece nas suas doutas alegações e como havia sido alegado no requerimento inicial do procedimento, os danos que a suspensão da execução da deliberação social procura evitar são os que podem resultar ou ser imputados à normal demora na tramitação da ação principal.
35 - Finalmente, pretende a recorrente que ocorre caducidade da providência, com fundamento na alegada perda da qualidade de sócio, por parte do recorrido, matéria esta em que também não lhe assiste razão.
36 - A invocada caducidade é questão nova, suscitada apenas no presente recurso, pelo que não foi assegurado ao recorrido o exercício do direito ao contraditório, nem tal questão foi objeto de decisão em primeira instância.
37 - Sendo nova, a questão da pretensa (mas inexistente) caducidade da providência não pode ser invocada em sede de recurso e conhecida pelo Tribunal de Segunda Instância.
38 - Por outro lado, a certidão de registo comercial apresentada com o presente recurso nada prova, para efeitos da invocada caducidade, pois que, em relação à qualidade de sócio, nas relações entre ele e a sociedade, a eficácia de transmissão de quotas entre descendentes e ascendentes não depende de registo (n.º 3 do art. 228º do C.S.C.).
39 - O Tribunal de recurso não dispõe de elementos quer lhe permitam determinar se o recorrido é ou não sócio da recorrente.
40 - Sem prejuízo das conclusões anteriores, a qualidade de sócio é questão de direito processual, a atender no momento da deliberação impugnada e no momento da impugnação em juízo, não sendo questão de direito substantivo.
41 - Questão de direito substantivo é a qualidade de gerente, na qual o recorrido continua investido e de que não aceita ser destituído sem justa causa e por deliberação ilegal.
42 - Só a alteração ou modificação em questões de direito substantivo podem ser atendidas na sentença, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão (nºs 1 e 2 do artigo 663º do anterior C.P.C. /nºs 1 e 2 do art. 611º do novo C.P.C.).
43 - O direito substantivo do recorrido é o de não ser destituído da gerência mediante a imputação, com falsidade grosseira e por deliberação ilegal e abusiva, de atos de violação grave dos respetivos deveres.
44 - A situação atual não sofreu alterações, do ponto de vista do direito substantivo, uma vez que o recorrido continua a exercer as funções de gerente, às quais não renunciou, nem delas foi afastado, por outro motivo ou com outro fundamento.
45 - Refira-se, ainda, que não ocorre caducidade da providência, porque se não verifica a hipótese prevista na al. e) do n.º 1 do artigo 373º do novo C.P.C. (al. e) do n.º 1 do art. 389º do C.P.C.).
46 - A douta decisão recorrida não merece qualquer censura, pois que se mostra totalmente conforme à lei e ao direito, devendo ser integralmente confirmada, como é de JUSTIÇA.

O recurso foi recebido nos termos legais e, nesta Relação, atenta a natureza urgente dos autos, foram dispensados os Vistos. Cumpre apreciar o mérito da apelação.

As questões a resolver, e que, decorrentes das conclusões da apelante, constituem o objeto do recurso, são as seguintes:
A – Se é válida a representação da sociedade e, por isso, a oposição ao procedimento não devia ter sido desentranhada ou, pelo menos e com a mesma consequência, devia ter sido providenciado o suprimento da irregularidade.
B – Se, embora a sentença careça de fundamentação, os factos alegados pelo requerente – mesmo que provados – não permitem o decretamento da providência.
C – Se deve ser decretada a caducidade da providência, uma vez que o recorrido já não é sócio da recorrente, e o tribunal deve tomar em consideração a realidade existente à data da decisão, considerando também os factos posteriores à proposição da ação.

2 – Fundamentação:
2.1 – Fundamentação de facto:
Resulta dos autos, com relevo à apreciação do recurso:
1 – O recorrido, invocando a qualidade de sócio, veio instaurar procedimento cautelar de suspensão de deliberação social, requerendo a suspensão da deliberação da assembleia geral de sócios da ora recorrente, realizada a 19.07.13, e que decidiu a destituição do recorrido do cargo de gerente e, ainda, que fosse determinado à requerida que se abstenha de promover qualquer ato registral daquela deliberação (fls. 2 a 50).
2 – Juntou, com o requerimento inicial, os documentos de fls. 51 a 216.
3 – A requerida, depois de citada, deduziu oposição, defendendo a improcedência da providência e a sua absolvição dos pedidos (fls. 220 a 266).
4 – Juntou, com a oposição, a procuração de fls. 269, na qual a sociedade, "representada pelo seu atual gerente único E…" constituiu, a 31.07.13, mandatário judicial.
5 – Na sequência da oposição apresentada, o recorrido (requerente), a 26.08.13, veio a juízo requerer que o tribunal declarasse "não recebida a oposição apresentada, ordenando-se o desentranhamento". Aí alega, em síntese, que a sociedade não pode estar em juízo mediante a intervenção de pessoa que, de direito, não a representa e que não pode praticar atos em seu nome (fls. 325 a 333).
6 – A requerida respondeu a fls. 335/349, defendendo que se julgue a sociedade devidamente representada, seguindo o procedimento cautelar os seus termos legais ou, caso assim se não entenda "deverá ser fixado prazo, nunca inferior a 30 dias, para que se proceda ao suprimento da irregularidade de representação, através da realização de uma Assembleia Geral que terá como Ordem de Trabalhos (1) deliberar sobre a atribuição de poderes para o gerente E…, sozinho, representar a sociedade em juízo e 2) deliberar sobre a ratificação do já praticado pelo mesmo nos presentes autos".
7 – Na sequência, a 25.09.2013, foi proferido a decisão objeto de recurso (fls. 351/361).
8 – Conforme certidão junta aos autos (fls. 471 e ss.), nos autos de "Nomeação e Destituição de Titulares de Órgãos Sociais", que correm termos com o n.º 2290/13.0TJVNF-B e em que é requerente E… e requerido C…, veio o primeiro requerer, nos termos do n.º 2 do artigo 25 e/ou 1054 do (novo) Código de Processo Civil, a "Nomeação de representante ad litem", invocando a ação ordinária que foi intentada contra a sociedade, que o autor da ação (e aqui recorrido) está impedido de intervir em representação da ré (sociedade), "por manifesto conflito de interesses" e, a final, requerendo a "nomeação de Economista para, em conjunto com o requerente, assumir a representação em juízo da ré", suspendendo-se a instância e, em sequência, o "prazo para oferecimento da contestação, até à designação de tal representante ad litem".

2.2 - Aplicação do direito:
Apreciemos as questões colocadas pelo recurso. Nessa apreciação, não seguimos a ordem apresentada pela recorrente, mas ordenamos o conhecimento das questões de acordo com os seus efeitos na extinção da lide. Por outro lado, em obediência ao disposto no artigo 7.º, n.º 2 da Lei 41/2013, aplicaremos o CPC vigente ao tempo da instauração do procedimento.

1 – (C) Se deve ser decretada a caducidade da providência, uma vez que o recorrido já não é sócio da recorrente, e o tribunal deve tomar em consideração a realidade existente à data da decisão, considerando também os factos posteriores à proposição da ação.
Refere a recorrente que o recorrido cedeu a sua quota e, por isso, os direitos que visava com este procedimento, extinguiram-se. Por isso, nos termos do artigo 389 n.º 1 al. e) do CPC, verifica-se a caducidade da providência. Acrescenta que, nos termos do artigo 663, n.º 1 do CPC, a sentença deve tomar em consideração a realidade existente à data da sua prolação, considerando mesmo factos posteriores à proposição da ação.

Em primeiro lugar, a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes refere-se ao momento do encerramento da discussão, como o preceito citado esclarece. Depois, a causa invocada para a extinção da providência tem natureza substantiva e não resulta de um mero decurso de um prazo.

Por ser assim, parece-nos claro que a questão não pode ser conhecida em sede de recurso, pois os recursos reapreciam decisões, e a questão não foi colocada à 1.ª instância.

2 – (B) – Se, embora a sentença careça de fundamentação, os factos alegados pelo requerente – mesmo que provados – não permitem o decretamento da providência.
Refere a recorrente que a sentença viola o disposto nos artigos 158 e n.º 2 e 659 do CPC, por haver contradição entre os factos dados como provados e porque a sentença não logrou "uma verdadeira subsunção dos factos ao direito".

O apelante acrescenta, depois, que a providência lhe devia ser totalmente favorável (e, por isso, "a suposta irregularidade" de representação seria irrelevante, atento o disposto no artigo 288 n.º 3, 2.ª parte do CPC), uma vez que o requente, independentemente do efeito cominatório decorrente do desentranhamento da oposição "não logrou sequer articular factualidade que se pudesse subsumir a um dano" apreciável, tanto mais que, atenta a faculdade conferida aos sócios pelo n.º 1 do artigo 257 do CSC, o recorrido sabia que poderia a todo o tempo ser destituído.

A questão da nulidade da sentença só deve conhecer-se se se concluir que o desentranhamento da oposição deduzida pela sociedade é de confirmar, porquanto, não o sendo, os autos têm que prosseguir, observando-se o contraditório que, logicamente, precede a prolação da decisão final. Assim, nessa hipótese, voltaremos à questão.

O segundo motivo de discordância da recorrente deve apreciar-se, desde já. No fundo, a apelante diz que, atendo o alegado pelo recorrido, e olhando apenas ao por si alegado, a providência devia ser totalmente improcedente e, por isso, atento o disposto no artigo 288, n.º 3 do CPC, é irrelevante a irregularidade de representação, ou seja, mesmo que esta exista, não é de declarar.

Em primeiro lugar, não nos parece que seja aplicável ao caso em apreço a previsão citada, uma vez que a irregularidade de representação da requerida não conduziria (como, quando foi conhecida, não conduziu) à sua absolvição da instância. Mas relevantemente, ainda que se entendesse que o normativo tem aplicação a quem é demandado, não vemos como pudesse concluir-se que a decisão, independentemente da representação da recorrente, devesse ser, sem necessidade de outras provas, de indeferimento da pretensão do requerente da providência.

No fundo, o que está em causa é saber se, sem contraditório, a providência devia ser improcedente. A resposta é, no entanto, negativa: está em causa a destituição de gerente (sócio), decidida em assembleia geral, e com invocação de justa causa, deliberação essa em que o recorrido, naturalmente, não votou. E o recorrido alega que a deliberação é infundada, já que fundada em considerações vagas e genéricas e sem invocação de factos; que não visou defender o interesse societário, antes é contrária aos interesses da recorrente, traduzindo um "ajuste de contas" e promovendo o desequilíbrio das participações sociais. Acrescenta que o grupo de sócios que votou favoravelmente o fez em benefício próprio, sem nenhum interesse social e através de uma deliberação abusiva, "num puro ato emulativo, em que os votos de pai e filhos foram funcionalmente orientados". Descreve ainda os danos que, para o requerente, mas igualmente para a sociedade, resultam da deliberação.

Os factos alegados – e que aqui apenas sumariámos conclusivamente -, ao contrário do que defende a recorrente, justificam, quando em si considerados, o prosseguimento da causa.

Improcedendo, nesta parte, o recurso, cumpre conhecer da questão inicialmente enunciada.

3 – (A) – Se é válida a representação da sociedade e, por isso, a oposição ao procedimento não devia ter sido desentranhada ou, pelo menos e com a mesma consequência, devia ter sido providenciado o suprimento da irregularidade.
A decisão recorrida, como já se transcreveu, ordenou o desentranhamento da oposição, considerou confessados os factos alegados pelo requerente e deferiu a providência. Para assim decidir, suportou-se nos factos que descreve (essencialmente: - É uma sociedade por quotas; - A partir de fevereiro de 2013, os sócios são: C…, D…; E…; F… e G…; - A administração e representação da sociedade cabe aos sócios gerentes C… e E…; - Para vincular a sociedade é necessária a intervenção de dois gerentes; - Em AG de 19.07.13, foi deliberado destituir o requerente das funções de gerente; - Em 25.07.2013, o requerente intentou este procedimento, visando suspender a deliberação; - A requerida, citada, deduziu oposição; - Para o efeito, o sócio gerente E…, atuando como representante e atual único sócio gerente, outorgou procuração forense) e fundamentou-se nas seguintes razões:
1 – "Temos a particularidade de a gerência da sociedade ser plural e conjunta, em que para os atos de representação, incluindo representação em Juízo (é) necessária a assinatura de ambos os gerentes (…) de acordo com o pacto, apenas pode representar-se e vincular-se com a intervenção conjunta dos dois gerentes, a saber: o requerente, e o sócio gerente E…. Por isso, a representação da sociedade carecia do assentimento de dois gerentes, o que não sucedeu".
2 – "Um desses gerentes está destituído. No entanto, isso não deixa de significar que a sociedade não está devidamente representada em Juízo. E não está porque, do nosso ponto de vista, não terão os sócios que votaram favoravelmente a destituição agido com a providência e a diligência que as circunstâncias exigiam (…) a deliberação de destituição de um dos gerentes, sem a tomada de qualquer providência para a imediata nomeação de outro, deixa a sociedade atada, inativa, incapaz de se obrigar e fazer representar legalmente, com todas as consequências que daí possam advir. Não pode, agora, pretender-se que seja o tribunal a suprir, no âmbito de um procedimento cautelar, caracterizado pela celeridade e superficialidade, uma omissão que apenas radica na improvidência de quem votou favoravelmente a deliberação.
3 – "De resto, perscrutada a providência, verifica-se que a requerida, ainda que indevidamente representada, além de não ter recorrido do despacho que ordenou a citação, nem sequer requereu ao tribunal que designasse um representante especial, para a representar neste procedimento cautelar".

Se podemos resumir as razões do decidido, o tribunal esclarece o desentranhamento da oposição nos seguintes termos:
- A gerência pertence a dois sócios e só (sempre) esses dois a representam, mesmo em juízo.
- Assim continua a ser, mesmo que um deles esteja destruído, porque os sócios que deliberaram a destituição não cuidaram de, de imediato, nomear outro gerente.
- E não pode o tribunal o tribunal, mormente num procedimento cautelar, suprir a omissão que os sócios imprevidentemente causaram.
- Tanto mais que a oponente nem requereu a nomeação de um representante especial.

Salvo o devido respeito, não podemos concordar com a generalidade dos fundamentos avançados pelo tribunal, tanto mais que dos mesmos resulta uma decisão que, no fundo, permite que o princípio do contraditório seja postergado. Algo está errado se da interpretação dos normativos (que, embora não citados, estarão pressupostos no despacho) relativos à representação em juízo de um réu ou requerido resulta uma decisão final sem contraditório.

O processo civil, ciente da importância do contraditório, diz ao juiz que logo que se aperceba, entre outos vícios, da irregularidade de representação deve, "oficiosamente e a todo o tempo, providenciar pela regularização da instância" – artigo 24, n.º 1 do CPC.

Assim, se o tribunal entendia que a irregularidade era suprível (e admitimos que sim, uma vez que faz referência ao facto de a sociedade não ter requerido a nomeação de um representante especial), cabia-lhe providenciar por esse suprimento, nomeando representante especial ou convidando a parte a regularizar a sua representação, caso a lei estabelecesse outra forma de assegurar essa representação – artigo 21, n.º 2.

As razões que levaram o tribunal de 1.ª instância a não seguir o caminho acabado de indicar, depois de ter afirmado que a defesa da ré havia de ser assegurada pelos dois representantes, não se revelam convincentes: nem a natureza urgente do procedimento, muito menos a dita falta de cautela dos sócios, aquando da deliberação.

Concluímos, assim e desde já que, havendo razões para a nomeação de um representante da sociedade, enquanto forma de suprir a sua falta de representação, esse suprimento tem que ter lugar, e, se necessário, por iniciativa do tribunal. Em suma, não devia ter ocorrido o desentranhamento da oposição deduzida pela requerida e a cominação que levou à confissão dos factos alegados pelo requerente, bem como a imediata decisão final.

No entanto, importa saber se no caso, esse suprimento tem de ocorrer, ou seja, se, só por si, um único gerente pode representar a sociedade.

A resposta negativa parte da seguinte construção: a sociedade é representada por (e obriga-se com) dois gerentes. Um deles demanda a sociedade e, por isso, relativamente a este, ocorre manifesto conflito de interesses. Então, é preciso nomear um representante à sociedade, substituindo a gerente em conflito. A leitura da 1.ª parte do artigo 21 do CPC parece dizer isso mesmo. Mas fará sentido que o gerente que propõe a ação continue "a ter que estar representado", ainda que através de um representante especial, para assegurar a representação da sociedade, de modo a defender-se de si mesmo? E se se entender que o representante especial substitui ambos os gerentes, faz sentido que o gerente não destituído não possa representar a sociedade?

O CSC, verdadeiramente, não resolve a questão[1]. Por isso, importa reler o artigo 21, n.º 2 do CPC, conjugado com o seu n.º 3: as funções do representante especial cessam logo que a representação seja assumida. A previsão refere-se aos casos em que não há representante ou, então, todos os representantes estão em conflito. Sintomaticamente, a versão original do preceito (então artigo 22) referia que o juiz nomeava, como representante especial, alguém "de entre os membros da pessoa coletiva"[2]. Deixou de ser assim, porque a solução "podia não ser concretamente a mais adequada" (José Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 44) mas deixou de haver essa obrigatoriedade, não essa possibilidade. Dito de outro modo, o representante pode ser outro sócio.

Ora, se um sócio gerente intenta uma ação contra a sociedade que gere, ele não pode representar a sociedade, mas, nesse conflito, se há outro ou outros gerentes que podem representar a sociedade não vemos a razão para a necessidade da nomeação de um representante especial. E não se diga que tem por finalidade assegurar que os representantes sejam aqueles dois, pois equivaleria a dizer que o representante ocupava o lugar do sócio em conflito.

Acresce que, não obstante o referido na decisão (que não nos factos que a suportam), o pacto social da recorrente não prevê a representação da sociedade em juízo (documento de fls. 54/57). Por isso (e citamos do Ac. da relação de Lisboa de 28.04.2008, dgsi) "uma vez que nada foi clausulado no pacto social, nem no documento complementar, sobre a representação da sociedade em juízo, tem de se aplicar a regra supletiva prevista no artigo 985.º ex vi artigo 996.º, ambos do Código Civil. Ora da combinação destes dois preceitos resulta que, não havendo convenção em contrário, qualquer sócio pode representar a sociedade em tribunal (cf. Ac. STJ 12-7-2007, proc.º n.º 1874/07, dgsi). Esta representação implica naturalmente a outorga de procuração a um mandatário judicial (…)".

Em conclusão, entendemos que a representação da recorrente pelo sócio gerente que com a mesma não está em conflito é válida. E, por isso, é válida a outorga da procuração que constituiu o mandatário que veio a subscrever a oposição deduzida.

Em conformidade, revoga-se a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que ordene o prosseguimento da providência cautelar. No entanto, atendendo à natureza cautelar do procedimento e à sua dependência relativamente à ação (com reflexo, inclusivamente, na representação da sociedade, se esta já estiver decidida vinculativamente na ação), esse prosseguimento ocorrerá apenas se, em razão do que se haja decidido na ação principal, nada o impedir e o mesmo prosseguimento ainda se justificar.

3 – Decisão:
Pelas razões ditas, acorda-se no Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a presente apelação e, em conformidade, revogando a decisão recorrida que ordenou o desentranhamento da oposição deduzida pela recorrente e decidiu o mérito da causa, ordena-se o prosseguimento dos termos do procedimento cautelar, mas apenas se, em razão do decidido na ação principal, nada o impedir e esse prosseguimento ainda se justificar.

Custas pelo recorrido.

Porto, 18.12.2013
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Carlos Querido
_______________
[1] Efetivamente, o exercício da gerência, previsto no artigo 261 do CSC não deve confundir-se com a validade da representação em juízo e a vinculação da sociedade prevê-se, isso sim, no artigo 260 do mesmo diploma. Por outro lado, a previsão relativa à destituição da gerência, nos casos em que a sociedade tem apenas dois sócios (artigo 257, n.º 5 do CSC) não serve de paralelo ao caso presente, ou seja, o conflito que a norma pressupõe, já a ela não atende quando a sociedade tiver, como aqui sucede, mais de dois sócios. Sobre a questão – e parecendo, atenta a omissão de tratamento específico, que, verdadeiramente, não estamos perante uma questão – cf. Jorge M. Coutinho de Abreu (coord.), Código das Sociedades Comerciais em Comentário, n.º 4, Almedina, 2012, págs. 115/176; Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coordenação António Menezes Cordeiro, Almedina, 2012, págs. 745/756 e Vasco da Gama Lobo Xavier, Anulação de Deliberações Sociais e Deliberações Conexas, Almedina, 1998, pág. 285, nota 34.
[2] Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª edição, Reimpressão, Coimbra Editora, 2012, págs. 59/63.