EMPREITADA
OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DE IVA
TAXA REDUZIDA
OBRAS DE BENEFICIAÇÃO
OBRAS DE REMODELAÇÃO
OBRAS DE RESTAURO
OBRAS DE REPARAÇÃO
OBRAS DE CONSERVAÇÃO
Sumário

I - As obras de “beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de imóveis ou partes autónomas destes afectos à habitação”, realizadas no ano de 2005, beneficiam de redução de taxa de IVA face ao teor da verba 2.24 da Lista I anexa ao CIVA [actual verba 2.27, na sequência da renumeração e republicação do CIVA efectuada pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20.06.2008].
II - O Ofício-circulado n.º 30025, de 07/08/2000, da Direcção de Serviços do IVA, que interpreta a verba 2.24 da Lista I anexa ao CIVA, no sentido de se encontrarem excluídas da aplicação da taxa reduzida de IVA “as obras de construção e similares (acréscimos, sobreelevação e reconstrução de bens imóveis)”, constitui “orientação genérica” para a Administração Fiscal, vinculando os respectivos Serviços, nos termos do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária.
III - Tendo as partes expressamente estipulado no contrato que o IVA acrescia ao valor dos trabalhos facturados, omitindo a taxa de imposto aplicável, provando-se que os trabalhos efectuados e facturados pela autora constituem obras de reconstrução da habitação do réu, incluindo, nomeadamente, demolições, execução de ‘sapatas’ e ‘caboucos’, execução de estruturas de betão armado, execução de ‘alvenarias de tijolo’, execução da estrutura do telhado, etc., não se poderá considerar lesiva dos interesse do réu a liquidação do IVA feita pela autora (empreiteira) na “declaração periódica”, de acordo com o citado Ofício-circulado, com referência à taxa normal (20%).
IV - Sobre o réu (dono da obra) impende a obrigação de pagamento do IVA, peticionado na acção, liquidado pela autora nos termos referidos.

Texto Integral

Processo n.º 55207/10.2YIPRT.P1

Sumário da decisão:
I. As obras de “beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de imóveis ou partes autónomas destes afectos à habitação”, realizadas no ano de 2005, beneficiam de redução de taxa de IVA face ao teor da verba 2.24 da Lista I anexa ao CIVA [actual verba 2.27, na sequência da renumeração e republicação do CIVA efectuada pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20.06.2008].
II. O Ofício-circulado n.º 30025, de 07/08/2000, da Direcção de Serviços do IVA, que interpreta a verba 2.24 da Lista I anexa ao CIVA, no sentido de se encontrarem excluídas da aplicação da taxa reduzida de IVA “as obras de construção e similares (acréscimos, sobreelevação e reconstrução de bens imóveis)”, constitui “orientação genérica” para a Administração Fiscal, vinculando os respectivos Serviços, nos termos do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária.
III. Tendo as partes expressamente estipulado no contrato que o IVA acrescia ao valor dos trabalhos facturados, omitindo a taxa de imposto aplicável, provando-se que os trabalhos efectuados e facturados pela autora constituem obras de reconstrução da habitação do réu, incluindo, nomeadamente, demolições, execução de ‘sapatas’ e ‘caboucos’, execução de estruturas de betão armado, execução de ‘alvenarias de tijolo’, execução da estrutura do telhado, etc., não se poderá considerar lesiva dos interesse do réu a liquidação do IVA feita pela autora (empreiteira) na “declaração periódica”, de acordo com o citado Ofício-circulado, com referência à taxa normal (20%).
IV. Sobre o réu (dono da obra) impende a obrigação de pagamento do IVA, peticionado na acção, liquidado pela autora nos termos referidos.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Em 13.02.2010, a sociedade “B…, Lda.” apresentou no Balcão Nacional de Injunções, requerimento de injunção contra C… (Injunção n.º 55207/10.2YIPRT), pedindo que este seja notificado para pagar a quantia de a quantia de € 21.525,57 (vinte e um mil quinhentos e vinte e cinco euros e cinquenta e sete cêntimos) acrescida de juros de mora.
Alegou a requerente: dedica-se à construção civil (CAE …..); no exercício da sua actividade comercial, e a solicitação do requerido, procedeu à reconstrução e ampliação de um prédio, sito na Rua …, da freguesia …; a obra foi realizada na sequência de uma proposta orçamental, segundo a qual o preço era de € 97.819,00, acrescido do IVA; foram realizados trabalhos suplementares, que ascenderam ao montante de € 4.665,00; em consequência, a obra ficou por um preço global de €102.484,00; ao qual acrescia o IVA à taxa de 20%, consubstanciado no valor de € 20.496,80; a requerente emitiu a factura n.º …, a 1 de Julho de 2009, que se vencia na mesma data; o requerido apenas procedeu ao pagamento do montante de € 102.484,00; falta pagar o valor de € 20.496,80; tal quantia deveria ter sido paga na data de 1 de Julho de 2009; o que não sucedeu apesar das várias tentativas extrajudiciais da autora para o efeito.
Efectuada a notificação do requerimento de injunção ao requerido, veio este apresentar oposição, alegando que ficou acordado entre as partes que o valor do IVA estava incluído no preço da obra.
Mais alegou que: ficou acordado que o valor global da obra seria de € 97.819,00 (art. 9.º da oposição); tal quantia tinha o IVA incluído; pagou a quantia de € 102.484,00 conforme alega a requerente (art. 12.º da oposição); a obra consistia em “reconstrução, arranjo e remodelação”, pelo que era aplicável a taxa de IVA de 5%, de acordo com a Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2005 – Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (art. 31 da oposição).
Por despacho de 19.05.2010, foi a requerente convidada a aperfeiçoar o requerimento inicial.
Em requerimento de 4 de Junho de 2010, veio a requerente declarar que o despacho de convite ao aperfeiçoamento não contém qualquer fundamentação, pelo que é “obscuro”.
Por despacho de 12 de Julho de 2010, a M.ª Juíza concretizou o despacho anterior, convidando a requerente a “concretizar quais as obras efectivamente realizadas”.
Através de requerimento de 1 de Setembro de 2010, veio a requerente dar cumprimento ao despacho de aperfeiçoamento, concretizando as obras realizadas.
Em 23.09.2010 foi designada data para julgamento, adiado por despacho proferido na respectiva acta em 10.03.2011, novamente adiado por despacho de 3.05.2011, novamente adiado (desta vez por iniciativa dos mandatários) por despacho de 17.05.2011, novamente adiado em despacho proferido em acta de 18.10.2011, finalmente realizado em 10.11.2011.
Em 26.03.2012 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Em face do exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e, consequentemente:
- condena-se o Réu a pagar à autora a pagar a quantia que vier a ser liquidada posteriormente».
Não se conformou a ré, e interpôs o presente recurso de apelação, apresentando alegações, onde formula as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto de sentença que condenou o réu, ora recorrido, no pagamento à autora da quantia que viesse a ser liquidada posteriormente.
Recurso de Facto
2. Foram realizados trabalhos suplementares, que ascenderam ao montante de € 4.665,00 (quatro mil euros seiscentos e sessenta e cinco euros).
3. Tal facto foi admitido por acordo no início da sessão de discussão e julgamento da causa,
4. E, ainda que assim não fosse, sempre deveria ter sido considerado admitido por acordo, pelo facto de não ter sido impugnado, nos termos do artigo 490° do CPC.
5. Assim, deve ser alterada a decisão proferida quanto à matéria de facto provada, inserindo-se nos factos provados o seguinte: “Foram realizados trabalhos suplementares, que ascenderam ao montante de € 4.665,00 (quatro mil euros seiscentos e sessenta e cinco euros)”.
Recurso de Direito
6. Ambas as partes celebraram um contrato de empreitada, de acordo com o definido no art. 1207° do Código Civil.
7. A obra consistia na reconstrução e ampliação de uma habitação própria do requerido, ora recorrido, conforme facto provado n.º 2 com a seguinte redacção “No exercício da sua actividade comercial, e a solicitação do requerido, a requerente procedeu à reconstrução e ampliação de um prédio sito na Rua …, da freguesia …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 249/120589 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º 402.º”
8. Por outro lado, resultou provado que a empreitada foi realizada na sequência de uma proposta orçamenta1, segundo a qual o preço era de 97.819,00 acrescido de I.V.A.
9. Ficou igualmente provado que o recorrido pagou à recorrente a quantia de € 102.484,00.
10. Sucede que, no caso sub judice, o contrato de empreitada em análise não se enquadra no âmbito de aplicação da Lei n.º 55-B/2004 de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2005).
11. Tal resulta expressamente do Ofício Circulado n.º 30025, do SIVA de 7 de Agosto de 2000, que exclui expressamente as obras de construção que se reconduzem a acréscimos, sobreelevação e reconstrução de bens imóveis.
12. Dúvidas não há que não se aplica a taxa de IVA reduzida ao contrato de empreitada em discussão nos presentes autos.
13. Assim, os fundamentos de facto contradizem a decisão ora recorrida, o que conduz à nulidade da douta decisão proferida, de acordo com o disposto no artigo 668.º do CPC.
14. De qualquer modo, sempre a douta decisão proferida seria nula, por violação do disposto na Lei n.º 55-B/2004 de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2005), por violação do artigo 18° do CIVA e por violação da Lista I anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
O recorrido não apresentou resposta às alegações de recurso.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos[1]), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) reponderação da decisão da matéria de facto, nomeadamente no que concerne à questão dos trabalhos suplementares; ii) apreciação da questão do IVA declarado e devido pela realização das obras.

2. Recurso da matéria de facto
A recorrente restringe a impugnação da decisão da matéria de facto à alegação de que foram realizados “trabalhos suplementares”, que ascenderam ao montante de € 4.665,00, afirmando que tal facto foi admitido por acordo no início da sessão de discussão e julgamento da causa, e que, ainda que assim não o fosse, sempre deveria ter sido considerado admitido por acordo, dado não ter sido impugnado, nos termos do artigo 490° do CPC.
Com estes fundamentos preconiza a alteração da decisão proferida quanto à matéria de facto provada, inserindo-se nos factos provados o seguinte: “Foram realizados trabalhos suplementares, que ascenderam ao montante de € 4.665,00 (quatro mil euros seiscentos e sessenta e cinco euros)”.
Cumpre decidir.
Lidas as actas de audiência de julgamento, constatamos que em nenhuma delas se consignou qualquer acordo quanto aos “trabalhos suplementares”.
No entanto, do confronto do requerimento de injunção, com o requerimento de oposição, concluímos que está aceite por acordo a realização dos alegados “trabalhos suplementares.
Vejamos porquê.
A requerente alega no requerimento inicial: a obra “foi realizada na sequência de uma proposta orçamental, segundo a qual o preço era de € 97.819,00 (…) acrescido do IVA. Acresce ainda que foram realizados trabalhos suplementares, que ascenderam ao montante de € 4.665,00 (…). Em consequência esta empreitada apresentou um preço global de € 102.484,00 (…). O requerido apenas procedeu ao pagamento do montante de € 102.484,00 (…)”.
No articulado de oposição, o requerido alega que: ficou acordado que o valor global da obra seria de € 97.819,00 (art. 9.º da oposição); tal quantia tinha o IVA incluído; pagou a quantia de € 102.484,00, conforme alega a requerente (art. 12.º da oposição).
O requerido não impugna o orçamento global acordado, nem a realização dos “trabalhos suplementares” (trabalhos para além do orçamento acordado). Pelo contrário, confirma a realização de tais trabalhos, na medida em que aceita que pagou o valor de € 102.484,00, alegando que tal valor se refere apenas a trabalhos realizados (e não a IVA, que na sua versão estava incluído no preço).
Ora, se ao valor pago (€ 102.484,00), descontarmos o valor acordado no orçamento inicial (€ 97.819,00), obtemos o valor reclamado a título de “trabalhos suplementares (€ 4.665,00).
Do exposto se conclui: o requerido no articulado de oposição, não só não impugna a realização dos “trabalhos suplementares”, como confirma tê-los pago.
Revela-se manifesta a procedência do recurso nesta parte, pelo que se determina o aditamento do facto n.º 11, com o seguinte teor: “Foram realizados trabalhos suplementares, que ascenderam ao montante de € 4.665,00 (quatro mil euros seiscentos e sessenta e cinco euros)”[2].

3. Fundamentos de facto
Face à decisão que antecede, considera-se provada nos autos a seguinte factualidade vertida na sentença:
1. A requerente dedica-se à construção civil.
2. No exercício da sua actividade comercial, e a solicitação do requerido, a requerente procedeu à reconstrução e ampliação de um prédio sito na Rua …, da freguesia …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 249/120589 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº 402.
3. A empreitada foi realizada na sequência de uma proposta orçamental, datada de 02 de Março de 2005, segundo a qual o preço era de 97.819,00 acrescido de IVA[3].
4. No âmbito do referido contrato foram efectuadas as seguintes obras:
a) execução de todas as demolições necessárias, incluindo transporte a vazadouro, pelo montante de €978,00;
b) execução de todas as sapatas, respectivos caboucos, pelo preço de €5.869,00;
c) execução de todas as estruturas de betão armado, parte interior, pelo valor de €16.629,00.
d) execução de todas as alvenarias de tijolo 0,11, com parede dupla, referentes à obra de tosco, pelo montante de €10.760,00.
e) execução de toda a estrutura do telhado, colocação de telha estrela dalva, rofos e caleiras interiores, incluindo os respectivos acabamentos, pela quantia de €8.804,00;
f) execução de todos os rebocos interiores e exteriores, incluindo o fornecimento e aplicação dos revestimentos previstos, tendo sido as tijoleiras e azulejos escolhidos em obra, até ao valor de 12€/m2 (as fachas e decorativos foram por conta do cliente); cozinha, sala, hall, varandas e casa de banho; colocação de peitoris orlas (pedra 0,15m) e degrau em granito amarelo ou cinza (a cornize foi feita em cimento armado com moldes). Execução da escada interior no 1º andar em granito, a garagem ficara em cimento tal como o pavimento, pelo preço de €20.542,00;
g) execução de toda a instalação eléctrica necessária, quatro peças por compartimento (exceto qualquer sistema de antenas), pelo valor de €3.013,00;
h) execução de todas as caixilharias exteriores, em alumínio termo-lacado branco com vidro duplo e vitrais com vidro fosco, portadas verdes e portas de entrada, colocação de portão selecionado manual, verde ou branco, grades em ferro com primário, qualquer com, pelo montante de €7.336,00.
i) execução de todas as carpintarias interiores, portas folheadas em mogno (modelo 200), e rodapé, pavimento dos quartos em flutuante, carvalho, mogno ou faia (não está incluido cozinha, nem roupeiros embutidos), pelo preço de €6.358,00;
j) polimento e envernizamento com duas demãos de tapa poros e uma demão de verniz de todas as carpintarias interiores, bem como todas pinturas de paredes interiores e exteriores com duas demãos de tinta plástica; tinta e primários da Robbialac, pela quantia de €6.847,00.
K) execução de rede de água e esgotos em tubagem inox ou multicamada e pvc, respectivamente, incluindo todos os acessórios para um bom funcionamento, pelo valor de €3.424,00.
l) fornecimento e aplicação de todas as loiças sanitárias, da Roca, série Vitoria, incluindo misturadoras até ao valor de €50,00/unidade e respectivos acessórios de ligação, pelo montante de €2.445,00;
m) diversos tais como limpezas e pequenos imprevistos, pelo preço de €978,00;
n) arranjos exteriores constituídos, limpeza das paredes e de toda a área envolventes, pelo valor de €1.956,00.
o) execução da rede de tubagem milticamada, um ponto em cada compartimento (não inclui caldeira nem radiadores, pelo montante de €978,00.
5. A requerente relativamente a este contrato emitiu a factura n.º …, a 01.07.2009, com vencimento na mesma data.
6. O requerido procedeu ao pagamento da quantia de € 102.484,00.
7. A requerente solicitou ao requerido o pagamento da quantia em falta.
8. Entre requerente e requerido foi acordado que o preço seria realizado de acordo com o andamento da obra.
9. O requerido quando recebeu a factura supra referida (no ponto 5.º), devolveu-a à requerente, juntamente com a cópia de fls. 26.
10. Os trabalhos executados pela requerente trataram-se de uma reconstrução, arranjo e remodelação de uma habitação própria do requerido.
11. Foram realizados trabalhos suplementares, que ascenderam ao montante de € 4.665,00 (quatro mil euros seiscentos e sessenta e cinco euros).

4. Fundamentos de direito
A oposição do requerido (recorrido) resume-se à questão do IVA.
Alegou o recorrido no articulado de oposição, que ficou acordado que o IVA estava incluído no preço global da obra.
No entanto, provou-se exactamente o contrário, tendo a M.ª Juíza consignado no facto provado n.º 3 (não impugnado): “A empreitada foi realizada na sequência de uma proposta orçamental, datada de 02 de Março de 2005, segundo a qual o preço era de 97.819,00 acrescido de IVA”.
Como se referiu em nota anterior, encontra-se junto aos autos, a fls. 52, um documento titulado pelas partes como “Contrato de Empreitada – Reconstrução de Habitação”, assinado pelo recorrido, onde se consignou: “a) Preço: 97 819 Euros (noventa e sete mil, oitocentos e dezanove euros); b) IVA: Não incluído”.
O requerido não impugnou o referido documento nem a sua assinatura que dele consta, vindo no entanto, surpreendentemente, no articulado de oposição, pugnar pela condenação da requente como litigante de má fé, por esta exigir o pagamento do IVA.
Acresce que se encontra junta aos autos a fls. 54, um documento oficial, não impugnado pelo recorrido – “Declaração Periódica – Comprovativo da entrega de declaração (IVA) – via internet”, do qual se conclui que a recorrente declarou às Finanças o valor facturado (€ 102.484,00), e o consequente IVA, à taxa de 20%, no valor peticionado nesta acção: € 20.496,80.
Preceitua o n.º 4 do artigo 607.º do NPC[4], que na elaboração da sentença, para além do elenco factual provado, “o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
Deverá, em consequência, ter-se em consideração este facto provado documentalmente: a recorrente declarou às Finanças a facturação correspondente ao pagamento efectuado pelo recorrido (consignado no facto n.º 6), com o IVA correspondente a 20% desse valor (€ 20.496,80).
A questão remanescente resume-se assim, tão só, a saber se é devido o IVA à taxa de 20%.
No articulado de oposição, o recorrido alega que a obra consistia em “reconstrução, arranjo e remodelação”, pelo que era aplicável a taxa de IVA de 5%, de acordo com a Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2005 – Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (art. 31 da oposição).
Nas conclusões de recurso, contrapõe a recorrente: “10. Sucede que, no caso sub judice, o contrato de empreitada em análise não se enquadra no âmbito de aplicação da Lei n.º 55-B/2004 de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2005). 11. Tal resulta expressamente do Ofício Circulado n.º 30 025, do CIVA de 7 de Agosto de 2000, que exclui expressamente as obras de construção que se reconduzem a acréscimos, sobreelevação e reconstrução de bens imóveis. 12. Dúvidas não há que não se aplica a taxa (reduzida).”.
Na sentença recorrida, a M.ª Juíza, depois de considerar que “resultou provado que o valor constante do orçamento não incluía IVA”, condenou o requerido a pagar à requerente o IVA em “quantia que vier a ser liquidada posteriormente”, fundamentando tal decisão nestes termos:
«[…] tal como alegado pelo R a Lei nº55-B/2004 de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2005) veio estipular que a taxa de IVA aplicável às prestações de serviço constantes da Lista I anexa ao CIVA é de 5%, onde se inclui a empreitada de beneficiação, de remodelação, de renovação, de restauro, de reparação ou de conservação de imóveis, afectos à habitação, mas com exceção dos valor relativo a materiais.
Ora, da factura junta não consta discriminado qual o valor dos materiais e o valor da mão de obra, logo torna-se neste momento impossível determinar qual valor exacto do IVA que o R deve liquidar.
Nos termos do artigo 661º, nº 2 do Código Processo Civil, se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
E isto tanto se aplica ao caso de se ter formulado inicialmente pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido específico, como ao caso de se ter formulado pedido específico, mas não se chegarem a colidir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o objecto ou a quantidade da condenação. […]».
Provou-se a seguinte factualidade relevante:
«10. Os trabalhos executados pela requerente trataram-se de uma reconstrução, arranjo e remodelação de uma habitação própria do requerido».
«4. No âmbito do referido contrato foram efectuadas as seguintes obras:
a) execução de todas as demolições necessárias, incluindo transporte a vazadouro, pelo montante de €978,00;
b) execução de todas as sapatas, respectivos caboucos, pelo preço de €5.869,00;
c) execução de todas as estruturas de betão armado, parte interior, pelo valor de €16.629,00.
d) execução de todas as alvenarias de tijolo 0,11, com parede dupla, referentes à obra de tosco, pelo montante de €10.760,00.
e) execução de toda a estrutura do telhado, colocação de telha estrela dalva, rofos e caleiras interiores, incluindo os respectivos acabamentos, pela quantia de €8.804,00;
f) execução de todos os rebocos interiores e exteriores, incluindo o fornecimento e aplicação dos revestimentos previstos, tendo sido as tijoleiras e azulejos escolhidos em obra, até ao valor de 12€/m2 (as fachas e decorativos foram por conta do cliente); cozinha, sala, hall, varandas e casa de banho; colocação de peitoris orlas (pedra 0,15m) e degrau em granito amarelo ou cinza (a cornize foi feita em cimento armado com moldes). Execução da escada interior no 1º andar em granito, a garagem ficara em cimento tal como o pavimento, pelo preço de €20.542,00;
g) execução de toda a instalação eléctrica necessária, quatro peças por compartimento (excepto qualquer sistema de antenas), pelo valor de €3.013,00;
h) execução de todas as caixilharias exteriores, em alumínio termo-lacado branco com vidro duplo e vitrais com vidro fosco, portadas verdes e portas de entrada, colocação de portão seleccionado manual, verde ou branco, grades em ferro com primário, qualquer com, pelo montante de €7.336,00.
i) execução de todas as carpintarias interiores, portas folheadas em mogno (modelo 200), e rodapé, pavimento dos quartos em flutuante, carvalho, mogno ou faia (não está incluído cozinha, nem roupeiros embutidos), pelo preço de €6.358,00;
j) polimento e envernizamento com duas demãos de tapa poros e uma demão de verniz de todas as carpintarias interiores, bem como todas pinturas de paredes interiores e exteriores com duas demãos de tinta plástica; tinta e primários da Robbialac, pela quantia de €6.847,00.
K) execução de rede de água e esgotos em tubagem inox ou multicamada e pvc, respectivamente, incluindo todos os acessórios para um bom funcionamento, pelo valor de €3.424,00.
l) fornecimento e aplicação de todas as loiças sanitárias, da Roca, série Vitoria, incluindo misturadoras até ao valor de €50,00/unidade e respectivos acessórios de ligação, pelo montante de €2.445,00;
m) diversos tais como limpezas e pequenos imprevistos, pelo preço de €978,00;
n) arranjos exteriores constituídos, limpeza das paredes e de toda a área envolventes, pelo valor de €1.956,00.
o) execução da rede de tubagem milticamada, um ponto em cada compartimento (não inclui caldeira nem radiadores, pelo montante de €978,00».
Previa a verba 2.24 da Lista I anexa ao Código do IVA (CIVA)[5] [actual verba 2.27, na sequência da renumeração e republicação do CIVA efectuada pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20.06.2008]: «As empreitadas de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de imóveis ou partes autónomas destes afectos à habitação, com excepção dos trabalhos de limpeza, de manutenção dos espaços verdes e das empreitadas sobre bens imóveis que abranjam a totalidade ou uma parte dos elementos constitutivos de piscinas, saunas, campos de ténis, golfe ou minigolfe ou instalações similares. A taxa reduzida não abrange os materiais incorporados, salvo se o respectivo valor não exceder 20 % do valor global da prestação de serviços».
Consta do ponto 4., do Ofício-circulado n.º 30025, de 07/08/2000, do Ministério das Finanças (Direcção de Serviços do IVA), que não estão compreendidos na verba referida, encontrando-se excluídos da aplicação da taxa reduzida “as obras de construção e similares (acréscimos, sobreelevação e reconstrução de bens imóveis)”.
Do mesmo documento consta que “estão claramente afastadas do preceito as empreitadas sobre bens imóveis utilizados para o exercício de uma actividade profissional, comercial, industrial ou administrativa”, excluindo-se ainda da aplicação da taxa reduzida: os trabalhos de limpeza; a manutenção de espaços verdes; as empreitadas em bens imóveis que abranjam a totalidade ou uma parte dos elementos constitutivos de piscinas, saunas, minigolfe, campos de ténis ou golfe e instalações similares.
O Ofício-circulado citado constitui “orientação genérica” para a Administração Fiscal, vinculando os respectivos Serviços, nos termos do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária[6], que dispõe no seu n.º 1: «A administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias».
De acordo com a interpretação da Administração Fiscal, as “obras de reconstrução”, não estão abrangidas pela redução do IVA, encontrando-se também expressamente excluídos (face à redacção da verba 2.24 da Lista I anexa ao CIVA), “os trabalhos de limpeza, de manutenção dos espaços verdes e das empreitadas sobre bens imóveis que abranjam a totalidade ou uma parte dos elementos constitutivos de piscinas, saunas, campos de ténis, golfe ou minigolfe ou instalações similares”, bem como “os materiais incorporados, salvo se o respectivo valor não exceder 20 % do valor global da prestação de serviços”.
Ora, de acordo com o facto provado n.º 10 “Os trabalhos executados pela requerente trataram-se de uma reconstrução, arranjo e remodelação de uma habitação própria do requerido”, incluindo, nomeadamente: execução de demolições necessárias [facto n.º 4, a)]; execução de todas as sapatas e respectivos caboucos [facto n.º 4, b)]; execução de todas as estruturas de betão armado [facto n.º 4, c)]; execução de todas as alvenarias de tijolo 0,11, com parede dupla, referentes à obra de tosco [facto n.º 4, d)]; execução de toda a estrutura do telhado [facto n.º 4, e)]; execução de todos os rebocos interiores e exteriores [facto n.º 4, f)]; execução da escada interior no 1º andar em granito [facto n.º 4, f)]; limpezas [facto n.º 4, m)]; e arranjos exteriores [facto n.º 4, n)].
As obras em apreço integram-se no conceito de reconstrução, encontrando-se, de acordo com o Ofício-circulado n.º 30025, de 07/08/2000, excluídas do elenco da verba 2.24 da Lista I anexa ao Código do IVA e da consequente redução da taxa deste imposto.
No entanto, o Ofício-circulado citado, apesar de constituir “orientação genérica” para a Administração Fiscal, vinculando os respectivos Serviços, não tem força de lei, não vinculando o Tribunal, que pode ter uma interpretação divergente.
Haverá assim que definir e delimitar a questão fulcral que nos ocupa: não se trata de saber se a interpretação do Ministério das Finanças está correcta[7], mas sim de averiguar se a recorrente, na relação tributária estabelecida com a Administração Fiscal, agiu correctamente ao proceder à liquidação do IVA com base na taxa de 20%.
A resposta afigura-se-nos afirmativa, considerando que a recorrente agiu de acordo com a orientação da Administração Fiscal. Na perspectiva desta entidade, os trabalhos executados e facturados não beneficiam da taxa reduzida de IVA, pelo que, se a recorrente tivesse agido de modo diverso – liquidando o imposto pelo valor reduzido – a Administração não aceitaria tal critério, procedendo mais tarde à liquidação oficiosa com base na taxa de 20%.
Ora, tendo as partes estipulado expressamente que ao preço acordado acrescia o IVA, sem definir a taxa aplicável, afigura-se-nos que no âmbito da relação tributária (estabelecida entre a recorrente e a Administração Fiscal), a “Declaração Periódica” (fls. 54) apresentada pela recorrente em conformidade com o critério constante do Ofício-circulado, vinculativo dos serviços de cobrança, se deverá considerar previsível, não se afigurando lesiva dos interesses do recorrido.
Uma vez feita a liquidação do imposto de acordo com o critério seguido pela Administração, sobre o recorrido (dono da obra) recai a obrigação do respectivo pagamento.
Reconhecemos ao recorrido o direito de discordar do critério seguido pela Administração Fiscal, mas entendemos que tal divergência teria que ser manifestada no momento da celebração do contrato, fixando no mesmo a taxa reduzida. Se tal taxa fosse aceite pela recorrente (prestadora dos serviços facturados) seria defensável considerar da responsabilidade desta a parte correspondente à diferença entre a taxa normal (20%) e a taxa reduzida - acordada no contrato (5%).
O que não se pode aceitar, é a omissão da definição da taxa no contrato, e a posterior recusa do pagamento depois de a recorrente, de acordo com as orientações da Administração Fiscal, ter procedido à liquidação do imposto com base na taxa normal[8].
Decorre de todo o exposto, a procedência do recurso, considerando que: as partes expressamente estipularam no contrato que o IVA acrescia ao valor dos trabalhos facturados, omitindo a taxa de imposto aplicável; o valor dos trabalhos facturados (e pagos pelos recorrido) cifra-se em € 102.484,00); sobre tal valor foi feita a liquidação do IVA, à taxa de 20%, no valor peticionado na acção - € 20.496,80; a liquidação foi efectuada de acordo com o critério estabelecido pela Administração Fiscal; a obrigação de pagamento do IVA incumbe ao recorrido (art. 19.º do CIVA).
Em suma, a factura emitida na sequência dos trabalhos prestados pela recorrente ao recorrido no âmbito do contrato de empreitada não se encontra totalmente paga, faltando o valor correspondente ao IVA, que as partes expressamente consideraram não incluído no preço, sendo de direito e de toda a justiça que o recorrido proceda ao respectivo pagamento.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente procedente o recurso, ao qual concedem provimento, e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, condenando o requerido a pagar à requerente o valor de € 20.496,80, referente ao IVA liquidado, acrescido de juros de mora à taxa de 4% (Portaria n.º 291/2003, de 08 de Abril), a contar de 1.07.2009[9], até integral pagamento.
Custas do recurso a cargo do recorrido.

*
O presente acórdão compõe-se de dezassete páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
*
Porto, 18 de Dezembro de 2013
Carlos Querido
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
________________
[1] Trata-se de acção instaurada após 1 de Janeiro de 2008, tendo sido o recurso distribuído neste tribunal após 1 de Setembro de 2013, pelo que, atento o disposto no n.º 1 do artigo 5.º e no n.º 1 do artigo 7º (a contrario), da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, é aplicável ao presente recurso: no que respeita as formalidades de preparação, instrução e julgamento, o regime emergente do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho; no que respeita aos pressupostos da sua admissibilidade, a lei vigente à data de interposição do recurso.
[2] Pese embora a irrelevância desta factualidade quanto ao mérito da decisão jurídica, face ao facto n.º 6: “O requerido procedeu ao pagamento da quantia de €102.484,00”. Tal pagamento, de acordo com a versão do próprio requerido, reporta-se apenas a trabalhos realizados pela requerente e não a IVA (que alegadamente estaria incluído no preço).
[3] Encontra-se junto aos autos, a fls. 52, um documento titulado pelas partes como “Contrato de Empreitada – Reconstrução de Habitação”, assinado pelo requerido, onde se encontra consignado: “a) Preço: 97.819 Euros (noventa e sete mil, oitocentos e dezanove euros); b) IVA: Não incluído”. O requerido não impugnou o documento nem a assinatura, e veio no articulado de oposição, pugnar pela condenação da requente como litigante de má fé, por esta exigir o pagamento do IVA. Revela-se, no mínimo, surpreendente, a conduta processual do requerido (ora recorrido).
[4] Correspondente ao n.º 3 do artigo 659.º do CPC anterior à reforma introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
[5] Aditada pelo n.º 6 do art.º 30.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.
[6] Aditado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.
[7] Este Tribunal, de jurisdição civil, não foi nem pode ser chamado a apreciar a validade e o mérito interpretativo do despacho em causa.
[8] É certo que se a recorrente tivesse procedido à liquidação do IVA pela taxa reduzida, contra a orientação da Administração Fiscal, sempre poderia mais tarde impugnar a liquidação adicional feita pelos Serviços Tributários. No entanto, não lhe era exigível essa forma de liquidação nem a posterior impugnação de resultado incerto, considerando: que no contrato não foi definida a taxa aplicável; que a recorrente na relação tributária se limitou a seguir o critério dos respectivos Serviços de Cobrança.
[9] Face ao facto provado n.º 5: “A requerente relativamente a este contrato emitiu a factura nº …, a 01.07.2009, com vencimento na mesma data”.