SUBSÍDIO DE CHEFIA
Sumário

I - O subsídio de chefia atribuído pelos CTT aos seus quadros que exerçam, em comissão de serviço, funções de direcção ou chefia, constitui um complemento remuneratório intimamente ligado não só às efectivas condições de exercício do cargo, como igualmente ao desempenho concreto desse mesmo cargo pelo trabalhador que nele está investido.
II - Como tal, o direito a auferir o referido complemento não é intangível e, consequentemente, no caso do trabalhador deixar de prestar as funções associadas a tal cargo, perde o direito a esse complemento, sem que com isso se viole o princípio da irredutibilidade da retribuição ou a proibição constante da cláusula 74ª nº3 do AE publicado no BTE, 1ª Série, n.º 27, de 22/07/2006.

Texto Integral

Pº 617/11.8TTVNG.P2

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO
1- B…, residente na …, nº .., em ..., instaurou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra CTT – CORREIOS de PORTUGAL, SA, com sede na Rua …, nº .., em Lisboa, pedindo a condenação desta sociedade a pagar-lhe, com juros moratórios, o subsídio de chefia vencido de Outubro de 2006 a Junho de 2010, no valor total de 5.341,50€.
Alegou para tanto, em resumo útil, que exerceu para a Ré as funções de TGP, atualmente TNA, mediante a remuneração mensal de 1.293,20€, acrescida de 213,99€, de diuturnidades, e de 13,11€, a título de diuturnidade especial.
No ano de 1996, porém, passou a exercer funções de chefia, em regime de comissão de serviço, na EC/Loja …, recebendo em contrapartida dessas funções um subsídio de chefia.
Sucede que essa comissão de serviço cessou em Setembro de 2006, por iniciativa da Ré, e, com essa cessação deixou de lhe ser pago o referido subsídio.
Ora, do seu ponto de vista, este corte salarial é ilegal, uma vez que aquele subsídio lhe era devido nos termos da “Clª 3ª” do AE publicado no BTE nº 30, de 15/08/2000 e na Clª 33ª, nº 3, do AE de 2008.
Daí o pedido que formula.
2- Indeferida liminarmente a petição inicial, foi esse indeferimento revogado por Acórdão proferido por este Tribunal, no dia 11/06/2012.
3- Regressados aos autos à primeira instância, foi aí ordenada a notificação da Ré para contestar, o que não fez no prazo legal, pelo que foi proferida sentença que julgou confessados os factos articulados pela A. e improcedente a presente acção, com absolvição integral da Ré dos pedidos formulados pela A.
4- É contra o assim decidido que vem interposto o presente recurso, que a A. remata com as seguintes conclusões:
“1º A Recorrente desde 1996 a Setembro de 2006 exerceu funções de Chefia, em Comissão de Serviço de uma Estação de Correios.
2º Tal exercício era realizado em Comissão de Serviço.
3º Por esse exercício auferia a Recorrente 14 vezes por ano um Subsídio de €118,70.
4º Quando cessou a Comissão de Serviço por exclusiva vontade da Recorrida esta retirou o Subsídio de Chefia que vinha auferindo.
5º Violou esta situação o artº 3 da Clª 74 do Acordo de Empresa que prevê a manutenção da retribuição até a sua absorção pela evolução salarial ou na carreira da trabalhadora.
6º Ao negar esta pretensão à Recorrente errou a Douta Sentença, violando este princípio legal”.
Pede, assim que o presente recurso seja provido e substituída a decisão recorrida por outra que condene a Recorrida a pagar à Recorrente o Subsídio de Chefia até à sua absorsão pela evolução salarial ou na sua categoria profissional.
5- A Ré respondeu pugnando pela confirmação do julgado.
6- No mesmo sentido se pronunciou o Ministério Público junto deste Tribunal.
7- Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II- Âmbito do Recurso
Ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, nos termos do disposto nos artºs 684.º, nº 3, e 685.º-A, nº 1, do C.P.Civil, “ex vi” do disposto nos artºs 1.º, nº 2, al. a), e 87.º do C. P. Trabalho. E, assim, a única questão a decidir neste recurso consiste em saber se a A. tem, ou não, direito ao subsídio de chefia que reclama.
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III- FUNDAMENTAÇÃO
A) Fundamentação de facto
Na sentença recorrida foram julgados provados os seguintes factos:
1- A A. foi admitida ao serviço da Ré em 1969, tendo desde então exercido as funções de TPG, actualmente TNA, sob as ordens, instruções e fiscalização da Ré.
2- A Ré remunerava a A. à razão de 1.293,20 euros, a que acresciam 213,99 euros de diuturnidades e a diuturnidade especial de 13,11 euros.
3- Em 1996, a A. começou a exercer as funções de chefia, recebendo o respectivo subsídio, então de 56,40 euros.
4- Exerceu essas funções na EC/loja ….
5- Em Setembro de 2006 foi feita cessar pela Ré a Comissão de Serviço em que exercia as funções de chefia.
6- Por esse facto e desde Outubro de 2006, a Ré deixou de lhe pagar o referido subsídio de chefia, no valor mensal de 118,70 euros.
7- A A. solicitou por escrito à Ré a manutenção do pagamento daquele subsidio, conforme documento junto a fls. 10 e 11 e que aqui se dá por reproduzido.
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B- Fundamentação jurídica
A única questão a decidir neste recurso, como vimos, consiste em saber se a A. tem, ou não, direito ao subsídio de chefia que reclama.
Para a A., assiste-lhe esse direito, uma vez que, tendo exercido funções de chefia na Estação de Correios, na Loja ..., até Setembro de 2006, auferindo o dito subsídio, não podia o mesmo ser-lhe unilateralmente retirado pela Ré, com a cessação daquelas funções, uma vez que tal era proibido pela regulamentação colectiva aplicável; concretamente, pelo nº3 da Clª 74ª do AE publicado no BTE, 1ª Série, n.º 27, de 22/07/2006.
Já para a Ré, a posição é a oposta. Defende, em suma, que o subsídio em causa não se integra na previsão da cláusula convencional citada, por não constituir remuneração no sentido aí descrito, pelo que, cessada a comissão de serviço por parte da A., deixou de haver fundamento para lhe continuar a pagar aquela prestação.
Vejamos, então, como solucionar este diferendo.
Inserida na Secção dedicada aos “Cargos de Direcção e Chefia”, cujo exercício começa por determinar que deve ser levado a cabo em regime de comissão de serviço (clª 69ª, n.º 1), dispõe a clª 74ª, nºs 1 a 3, do referido AE, o seguinte:
“1- A comissão de serviço pode ser dada por finda por iniciativa da empresa ou do titular do cargo.
2- Quando cessar a comissão de serviço, o trabalhador retoma as funções do seu grupo profissional, com a categoria a que tiver entretanto ascendido.
3- Se a cessação da comissão de serviço foi da iniciativa da empresa, depois de decorrido um período de adaptação de seis meses, o trabalhador mantém o direito à remuneração que auferia até ao momento em que lhe couber, por actualização das tabelas salariais ou por evolução em categorias ou grupos profissionais, remuneração e diuturnidades que somem quantitativos superiores”.
Posto que a A. exerceu para a Ré funções de chefia, em regime de comissão de serviço, funções pelas quais recebeu o subsídio controvertido neste recurso, o que resta por determinar é se, não obstante a A. ter cessado essas funções, continua a manter o direito ao recebimento desse mesmo subsídio.
Começamos por observar que o subsídio de chefia, segundo informação não impugnada constante dos autos (fls. 153 a 182), foi, em 07/10/1999, enquadrado pela Ré numa acção de reformulação do “modelo de gestão das designadas Chefias Operacionais - directamente ligadas à operação do negócios dos CTT -, ou Administrativas, designadamente no que concerne ao incentivo mínimo para o exercício de funções de chefia”, “com o objectivo de conferir coerência – entre o nível de competência e de responsabilidade requeridas aos titulares de cargos e as contrapartidas oferecidas pela Empresa – e garantir competitividade para o exercício de funções de enquadramento…”.
E, assim, determinou a Ré que a remuneração mensal destas Chefias seria “composta por duas componentes distintas, expressas no respectivo boletim de vencimento:
1. Remuneração base (correspondente à que lhe é devida pelo posicionamento na categoria do grupo profissional, por atribuição de RIAM ou pelos mínimos de chefia previstos no AE para o nível de cargo).
2. Subsídio de chefia (correspondente à que resulta da aplicação dos números seguintes desta OS)”.
E nesses números definiram-se, além do mais, os critérios para a determinação do montante inicial, prevendo-se que pudesse haver progressão nos escalões do subsídio de chefia, embora “em circunstâncias de efectivo aumento das exigências do mesmo cargo ou aquando da nomeação para um outro cargo de nível idêntico, conjugadas com o reconhecimento do mérito”, podendo a situação ser também reavaliada em caso de nomeação do trabalhador para um cargo de nível superior ou de aumento da remuneração base [ponto II, A) B) e C) e E)].
Em caso de exoneração – ficou estipulado igualmente – que se aplicam “as disposições previstas no AE e restante regulamentação interna” [ponto F)].
Neste último âmbito, já em 24/04/1996, a Ré tinha prescrito, através da Ordem de Serviço com o código ………., que “[a] cessação do exercício de funções de direcção e chefia em regime de comissão de serviço determina a cessação do estatuto remuneratório atribuído em função daquele, salvo decisão expressa do CA em contrário”.
Por vontade da Ré, portanto, o direito ao subsídio de chefia cessaria, como cessou no caso presente, com o fim do exercício das funções de direcção e chefia.
O que deve questionar-se, no entanto, é se, não obstante essa vontade, ainda assim a Ré permanece obrigada, nas aludidas circunstâncias, à continuação do pagamento de tal prestação.
Ora, do nosso ponto de vista, a resposta só pode ser negativa.
O enquadramento do subsídio de chefia que acabámos de descrever, ajuda-nos a perceber que esta prestação não se confunde com a remuneração base do trabalhador em cargo de chefia. Diversamente, essa prestação, cujo conteúdo inicial é fixo (embora resultante de diversas variáveis), pode ser redimensionada “em circunstâncias de efectivo aumento das exigências do mesmo cargo ou aquando da nomeação para um outro cargo de nível idêntico, conjugadas com o reconhecimento do mérito” ou ainda se o trabalhador for nomeado para um cargo de nível superior.
Trata-se, portanto, de um complemento remuneratório intimamente ligado não só às efectivas condições de exercício dos cargos de direcção e chefia, como igualmente ao desempenho concreto desse cargos pelo trabalhador que neles está investido. O que significa, do nosso ponto de vista, que o direito a auferir tal complemento não é intangível e, consequentemente, no caso do trabalhador deixar de prestar as funções associadas a tais cargos, perde o direito a esse complemento, sem que com isso se viole o princípio da irredutibilidade da retribuição, hoje consagrado no artigo 129.º n.º 1 alinea d) do Código do Trabalho em vigor e, antes, no artigo 122.º alínea d) do Código do Trabalho provado pela Lei nº 99/2003 de 27 de Agosto.
A A., todavia, rebate este entendimento, socorrendo-se do estipulado na clª 74ª, nº3, já citada, nos termos da qual “[s]e a cessação da comissão de serviço foi da iniciativa da empresa, depois de decorrido um período de adaptação de seis meses, o trabalhador mantém o direito à remuneração que auferia até ao momento em que lhe couber, por actualização das tabelas salariais ou por evolução em categorias ou grupos profissionais, remuneração e diuturnidades que somem quantitativos superiores”.
Ora, não cremos que a interpretação objectiva desta norma[1], imponha resultado diverso do que já alcançámos.
Não está aqui em causa - importa clarificá-lo e repeti-lo para que não restem quaisquer dúvidas - o nível de remuneração base do trabalhador que exerce funções de direcção ou chefia. Esse nível, sim, parece dever manter-se “até ao momento em que lhe couber, por actualização das tabelas salariais ou por evolução em categorias ou grupos profissionais, remuneração e diuturnidades que somem quantitativos superiores”.
Mas a prestação que temos vindo a analisar comporta, como dissemos, outras características e não vem sequer prevista no instrumento de regulamentação colectiva citado. De modo que mal se perceberia que a irredutibilidade da retribuição fosse indistintamente aplicada a toda e qualquer prestação remuneratória que o trabalhador auferisse antes de deixar o cargo de chefia ou direcção. Basta pensar noutros acréscimos remuneratórios para perceber o resultado absurdo a que nos conduziria uma semelhante interpretação. Pense-se, por exemplo, nas quantias auferidas a título de remuneração por trabalho nocturno, suplementar ou mesmo em eventuais prémios de assiduidade. Poderá defender-se que estas prestações, se auferidas com regularidade, continuam a ser devidas mesmo depois do trabalhador deixar de exercer o cargo de direcção, só porque antes integravam a sua remuneração em sentido amplo[2]? E se nas novas tarefas de que for incumbido o trabalhador vier a perceber prestações a idênticos títulos, poderá haver cumulação?
Cremos ser evidente que a resposta a estas questões só pode ser negativa.
Bem se vê, pois, por estes exemplos, quão infundada é a pretensão da A. em ver integrada na proibição constante da cláusula citada o direito ao subsídio de chefia cujo pagamento reclama.
Trata-se, como já dissemos, de um complemento remuneratório que só é devido enquanto o trabalhador desempenhar as funções que justificaram sua atribuição e em razão, aliás, nalguns casos, também do respectivo nível de desempenho.
De modo que, reportando-se o subsídio que a A. reclama nesta acção exclusivamente ao período subsequente àquele em que exerceu funções de chefia, concluímos não lhe assiste o direito a receber tal subsídio[3].
A sentença recorrida é, pois, de confirmar, assim improcedendo, na íntegra, este recurso.
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IV- DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e, por consequência, mantém-se na íntegra a sentença recorrida.
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Porque decaiu na totalidade, as custas serão pagas pela Apelante.
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Porto, 18/12/2013
João Diogo Rodrigues
Paula Maria Roberto
Machado da Silva.
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[1] Cfr. no sentido de que este deve ser o critério interpretativo prevalente, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Direito do Trabalho, Verbo, pág. 285, onde afirma que se deve “ter em conta, sobretudo, o carácter objectivo e normativo das cláusulas das CCT” .
[2] Correspondente ao “conjunto de vantagens patrimoniais de que o trabalhador beneficia em razão do seu contrato de trabalho e que podem ou não decorrer o trabalho prestado” – Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 4ª ed., Almedina, pág. 570.
[3] Cfr. no mesmo sentido, 29/02/2012, Pº 2992/09.5TTLSB.L1-4, consultável em www.dgsi.pt., no qual se sumariou, a este propósito, o seguinte:
“I- Resultando do AE de 1996 que os cargos de chefia são, dentro dos CTT, sempre exercidos em comissão de serviço e que, cessada a mesma, o trabalhador tem direito à remuneração base que auferia no momento e em virtude desse exercício de funções de chefia, no condicionalismo descrito no mesmo AE, é legítima a atitude dos CTT de retirar, após essa cessação, todas as parcelas remuneratórias que estavam dependentes, por determinação da entidade empregadora, do efectivo exercício das funções de chefia.
II- As mesmas não integravam a retribuição do trabalhador, já que pagamento dessas prestações não podia criar nele qualquer expectativa em relação ao futuro, pois sabia que o exercício dessas funções e o pagamento dessas parcelas eram meramente temporários, durariam apenas enquanto durasse a comissão de serviço”.