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ALIMENTOS
INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO
LEGITIMIDADE
MAIORIDADE
Sumário
I - O filho que foi menor, titular de direito a alimentos jure proprio, tem legitimidade para reclamar as prestações vencidas e não pagas durante a sua menoridade, depois de adquirir com a maioridade a capacidade de exercer por si tal direito, nomeadamente provocando o incidente de incumprimento regulado nos artigos 181º e 189º da Organização Tutelar de Menores II - Divergindo os pressupostos da existência e do apuramento do montante de uma e de outra obrigação (artigos 1880º, 1874º e 1879º do Código Civil), não poderá sentença relativa à obrigação de alimentos para com o filho menor servir de título executivo com alcance que se estenda à obrigação alimentar que impende sobre os progenitores após a sua maioridade
Texto Integral
3ª SECÇÃO – Processo nº 262/13.3TBALJ.P1
Tribunal Judicial de Alijó
SUMÁRIO
(artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
I - O filho que foi menor, titular de direito a alimentos jure proprio, tem legitimidade para reclamar as prestações vencidas e não pagas durante a sua menoridade, depois de adquirir com a maioridade a capacidade de exercer por si tal direito, nomeadamente provocando o incidente de incumprimento regulado nos artigos 181º e 189º da Organização Tutelar de Menores
II - Divergindo os pressupostos da existência e do apuramento do montante de uma e de outra obrigação (artigos 1880º, 1874º e 1879º do Código Civil), não poderá sentença relativa à obrigação de alimentos para com o filho menor servir de título executivo com alcance que se estenda à obrigação alimentar que impende sobre os progenitores após a sua maioridade
Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto
I
RELATÓRIO
B… deduziu incidente de incumprimento de prestação de alimentos contra C…, pedindo a condenação do requerido no pagamento das prestações em atraso, no montante de 12.825,00 €, acrescida de juros vencidos e vincendos, ordenando-se o competente desconto no vencimento do requerido.
Fundamentou a sua pretensão, em suma, no facto de o requerido ter ficado obrigado, por acordo na acção de divórcio entre a mãe da requerente e o requerido, homologado por sentença de 10.11.98, a pagar 75,00 € mensais a título de alimentos para a filha de ambos, ora requerente, que perfez 18 anos de idade em 12.02.2013, quantia que nunca pagou.
A fls 24, foi proferido pela senhora juiz a quo o seguinte despacho.
Melhor compulsados os autos, constatamos que o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais é intentado pela filha do requerido, actualmente maior, por via do qual a mesma requer, nos termos do artigo 181.º e189.º b), ambos da OTM, a condenação do requerido no pagamento de todas as prestações de alimentos que lhe eram devidas e que este nunca liquidou.
Ora, dispõe o artigo 181º da OTM que, se relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao Tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo.
Do mencionado preceito decorre que apenas o progenitor e somente durante a menoridade do seu filho pode intentar contra o outro progenitor incidente de incumprimento das responsabilidades parentais.
Assim sendo, a requerente carece de legitimidade para lançar mão do presente incidente.
Em face do exposto, e com os fundamentos supra, indefiro o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais.
Custas pela requerente (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).
Valor: 30:000,01€.
Registe e notifique.
Inconformada, veio a requerente interpor recurso, pugnando pela revogação do despacho recorrido, que terá violado os preceitos dos artigos 8º, 9º, 10º e 1880º do Código Civil, 6º, 282º e 547º do Código de Processo Civil, reconhecendo-se a legitimidade do requerente para o pedido que formula e ordenando-se, em conformidade, o prosseguimento dos autos.
O recurso foi admitido, como de apelação, com subida imediata e nos próprios autos, sendo o seu efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. Questiona-se a legitimidade da requerente para suscitar o presente incidente de incumprimento da prestação de alimentos, fixada no âmbito do acordo de regulação do poder paternal pactuado entre os seus pais, durante a sua menoridade.
A senhora juiz a quo, numa interpretação cingida ao teor do artigo 181º da OTM, entendeu que a requerente não tinha para tal legitimidade, que é naquele preceito conferida tão só ao progenitor não faltoso. A recorrente insurge-se contra esse entendimento.
Vejamos.
Transcreve-se o nº 1 do referido artigo 181º da OTM - «se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até 50000$00 e em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos».
Numa primeira leitura, a decisão pareceria não merecer censura. Na verdade, há disposição legal que expressamente confere ao outro progenitor legitimidade para suscitar o incidente em causa, aparentemente com carácter de exclusividade. Faculdade expressamente admitida no nº 3 do artigo 30º do Código de Processo Civil, ao ressalvar do critério relativo à titularidade do interesse relevante para efeito de legitimidade, que reporta aos sujeitos da relação controvertida, tal como configurada pelo autor, a «indicação da lei em contrário».
Dever-se-á, no entanto, atentar nas circunstâncias muito próprias em que tal legitimidade foi conferida. Apenas determinada pela incapacidade do menor e em termos de suprimento desta, como preconizado nos artigos 16º e 18º do Código de Processo Civil. Já que, como linearmente decorre dos preceitos dos artigos 1874º e 1879º do Código Civil, os filhos são os verdadeiros titulares do direito a alimentos que lhes são devidos pelos seus pais. O progenitor que se apresenta em juízo, durante a menoridade do filho, a requerer a sua fixação de alimentos (ou a sua cobrança coerciva), fá-lo-á não na qualidade de titular do direito, mas de representante daquele, suprindo essa incapacidade.
Vistas as coisas nesta perspectiva, parece nada haver que impeça o filho, que atingiu com a maioridade a plena capacidade judiciária, de actuar o seu direito, independentemente de este se reportar a crédito que nasceu na sua esfera jurídica enquanto menor.
O que turva um pouco esta linear visão do problema é o facto de, em regra, o progenitor não faltoso colmatar a omissão do progenitor relapso, assumindo os encargos com o filho que ele não custeou. E é nessa linha que lhe poderá ser também conferida legitimidade para a cobrança desse crédito, por sub-rogação legal, no caso de o filho ter entretanto atingido a maioridade, de acordo com o estabelecido no artigo 592º, nº 1, daquele código. Frisando esta particularidade refere-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5.12.2002 (Fernanda Isabel Pereira), in CJ, Tomo V, pág. 90, que “sendo também certo que o filho menor é o beneficiário e titular das quantias pagas a título de alimentos pelo progenitor que o não tem à sua guarda – progenitor não convivente -, tal não significa, porém, que o progenitor convivente, que teve o filho à sua guarda até este atingir a maioridade (…) e que cumpriu o seu dever de assistência (…) fique privado de legitimidade processual para exigir o cumprimento das prestações fixadas em decisão judicial vencidas e não pagas durante a menoridade, uma vez atingida a maioridade”. Pelo que, “se em tal caso o filho maior não requer a realização coactiva da prestação alimentar contra o progenitor que a ela estava obrigado, tem de aceitar-se que o progenitor que dele cuidou e lhe prestou, exclusivamente, alimentos, provendo ao seu sustento, segurança, saúde e educação na medida das suas capacidades durante a sua menoridade, possa tornar efectivas as prestações em dívida, mesmo que fixadas em sentença proferida durante a menoridade do alimentando, ao abrigo da figura da sub-rogação leal, de harmonia com o disposto no artigo 592º, nº 1, do Código Civil”. Opinião que vem colhendo largo consenso, nomeadamente dos acórdãos do STJ de 25.03.2010 (Alves Velho), do Tribunal da Relação de Coimbra de 23.06.2009 (Isabel Fonseca), e do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.12.2008 (José Augusto Ramos) e de 4.03.2010 (Ana Luísa Geraldes), todos in dgsi.pt.
O que importa não olvidar é que o filho sempre foi o verdadeiro titular do direito. Pelo que, adquirindo ele com a maioridade a plena capacidade judiciária, nada obsta a que exija o seu cumprimento, pese embora o crédito lhe tenha advindo enquanto menor.
Em sentido idêntico ao propugnado se pronunciaram já, aliás, os acórdãos deste tribunal da Relação do Porto de 15.01.2013 (Maria João Areias) e de 10.07.2013 (Rodrigues Pires), ambos in dgsi.pt. Cujo comum sumário se transcreve – “quer o filho maior, quer o progenitor convivente, poderão gozar de legitimidade, substantiva e processual, para reclamar as prestações vencidas e não pagas durante a menoridade do filho: o filho, como titular do direito a alimentos jure proprio; o progenitor, no caso de invocação de que prestou alimentos para além do que lhe cumpria, por sub-rogação”. Também nesse sentido, apelando à figura da substituição processual (o progenitor convivente agiria, na menoridade do filho, como substituto deste, quanto à atribuição das prestações alimentícias, pelo que o caso julgado seria extensível ao substituído, não obstante este não ter intervindo na acção, por força dos preceitos dos artigos 57º e 271º, nº 3, do Código de Processo Civil), J P Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores), Coimbra Editora, 2ª Edição, págs. 344 e sgs.
Que tal legitimidade se estende aos incidentes previstos nos artigos 181º e 189º da OTM, parece decorrer do nº 2 do artigo 1412º do Código de Processo Civil. Sendo com esse fundamento que, no referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5.12.2002, se concluiu que o disposto naquele artigo 189º “não impede que o referido processo se conclua, quer por impulso processual do filho (credor da prestação de alimentos) que atingiu a maioridade, quer do progenitor que o teve à sua guarda durante a menoridade e lhos prestou para além do que lhe cumpria”. Em idêntico sentido, o também já aludido acórdão desta Relação do Porto de 15.01.2013. 2. Tendo o incidente suscitado pelo requerente sido reportado não só às prestações vencidas e não pagas durante a menoridade do requerente mas também às que alegadamente se terão vencido depois de ele ser maior, vemo-nos relançados para a questão de saber se a prestação alimentar deve ou não cessar automaticamente, com a maioridade do alimentando.
No sentido afirmativo, tem-se pronunciado recorrentemente o Supremo Tribunal de Justiça.
Assim, no acórdão do STJ de 31.05.2007 (Salvador da Costa), in dgsi.pt (tal como os arestos a que seguidamente se alude), cujo sumário se transcreve – “1. A manutenção da obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos depois de atingirem a maioridade ou emancipação depende, na falta de acordo, da alegação e prova, a título de causa de pedir, dos factos relativos ao seu não completamento da formação profissional e à razoabilidade dessa manutenção. 2. A sentença condenatória do obrigado a prestar alimentos aos filhos enquanto menores é insusceptível de constituir de título executivo para além da quantia exequenda devida até eles atingiram a maioridade”.
Bem como no acórdão do STJ de 23.01.2003 (Dionísio Correia), do qual se extrai trecho significativo – “A sentença que, em acção de regulação do poder paternal, fixou os alimentos da B na situação de menor, não constituía, portanto, título executivo por alimentos após a sua maioridade. Por isso, foi bem indeferido liminarmente o requerimento de execução por alimentos, relativamente às prestações posteriores à data em que a B atingiu a maioridade (11.11.1996), por exceder os limites do título executivo”.
Ou no acórdão do STJ de 22 de Abril de 2008 (Pereira da Silva), onde se afirma – “Dir-se-á, assim, ser a regra no sentido de que o direito a alimentos do filho menor no confronto dos respectivos progenitores cessa com a respectiva maioridade. Ele tem, porém, direito à manutenção da referida obrigação alimentar, no mesmo ou em diferente montante, conforme as circunstâncias, para completar a sua formação profissional. Mas para tanto importa que o peça em juízo, articulando e provando os factos integrantes da causa de pedir concernente ao direito substantivo previsto no artigo 1880º do Código Civil, isto é, demonstrando que o seu direito a alimentos se mantém (artigos 3º, 264º, nº 1 e 467º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil).”
E no acórdão do STJ de 2.10.2008 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), no qual nomeadamente se sumaria – “4. Diferentemente do que o artigo 1879º dispõe quanto a filhos menores, o artigo 1880º do Código Civil apenas obriga os pais a suportar tais despesas “na medida em que seja razoável” e “pelo tempo normalmente requerido para que aqueça formação se complete”, não contendo a lei nenhuma presunção de verificação de tais requisitos. 5. Assim, na falta de acordo, é necessário o reconhecimento judicial do preenchimento dos requisitos enunciados no artigo 1880º do Código Civil e a subsequente fixação dos termos em que a obrigação deve ser cumprida.”
Ou, finalmente, no acórdão do STJ de 13 de Julho de 2010 (Garcia Calejo) – “É certo que a lei (art. 1880º) fala em manutenção da obrigação. Mas isto não significa que o interessado não deva provar os pressupostos de que depende o reconhecimento da prestação. O que resulta do dispositivo é que a obrigação da pensão alimentar cessa quando os filhos atingirem a maioridade, a não ser que eles requeiram a sua manutenção. Nesta conformidade já poderemos responder à questão que nos é colocada. A legitimidade activa para o pedido de alimentos de filho maior, pertence exclusivamente a este e não a qualquer dos progenitores (no caso vertente, à mãe).”
Também no acórdão da Relação de Lisboa de 10.09.2009 (Teresa Albuquerque), ibidem, se sustenta que “os alimentos que decorrem da obrigação de quem detém o poder paternal só podem manter-se enquanto se mantiver o poder paternal”. Sendo que, “quando este se extingue – com a maioridade ou emancipação do filho – caducam, sem necessidade de qualquer pedido de cessação nesse sentido, mesmo que o filho esteja na situação do artigo 1880º do CC, isto é, não haja ainda completado a sua formação profissional”.
Em sentido contrário, ver todavia os acórdãos dos Tribunais da Relação do Porto de 9.03.2006 (Fernando Batista) e da Relação de Guimarães de 19.06.2012 (Ana Cristina Duarte), ainda ibidem, defendendo que os alimentos fixados a menores não cessam pelo simples facto de terem atingido a maioridade, antes se mantendo, nos termos do artigo 1880º do Código Civil, sem que tal assuma a natureza de uma nova obrigação. Tal é também a opinião acriticamente adiantada por J P Remédio Marques, ob. cit. pág. 335, nota (446), se bem que louvando-se em abundante jurisprudência e doutrina.
Aderimos àqueloutra jurisprudência.
Julgamos para tal decisiva a constatação de que os pressupostos da obrigação alimentar prevista no artigo 1880º divergem marcadamente dos da obrigação alimentar para com os filhos menores prevista nos artigos 1874º e 1879º.
Existe desde logo um facto negativo constitutivo daquele, que não deste, direito – “o filho não ter completado a sua formação profissional”. Depois, o próprio alcance da obrigação é diferente, pois a obrigação só se mantém “na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento”. Por fim, tem uma duração temporal determinada, só se justificando “pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.
Face ao que se nos afigura insustentável e desajustado defender que a sentença relativa à obrigação alimentar para com os filhos menores possa servir de título executivo com alcance que se estenda à obrigação alimentar, após eles atingirem a maioridade. Parecendo que a expressão do artigo 1880º «manter-se-á a obrigação» não visa conferir continuidade à concreta obrigação fixada durante a menoridade, cingindo-se a um âmbito substantivo genérico, como mera afirmação de que também há obrigação alimentar dos pais para com os filhos maiores. E não mais do que isso.
III
DISPOSITIVO
Pelo exposto, revoga-se o despacho recorrido, devendo os autos prosseguir, com alcance circunscrito às prestações devidas e alegadamente não pagas durante a menoridade do requerente.
Sem custas.
Notifique.
Porto, 16 de Janeiro de 2014
José Manuel de Araújo Barros
Pedro Martins
Judite Pires