CONTRADITA
CONTEÚDO DO DEPOIMENTO
NOVOS FACTOS
FACTOS ACESSÓRIOS
RAZÃO DE CIÊNCIA
CREDIBILIDADE DO DEPOIMENTO
Sumário

Na contradita prevista nos art. 640º e 641º CPC, não se trata de atacar o conteúdo do depoimento, fazendo valer a sua falsidade, mas de invocar novos factos (acessórios) que, sendo exteriores ao depoimento, ponham em causa a razão de ciência invocada pela testemunha ou a fé que ela possa merecer, destruindo ou enfraquecendo o depoimento prestado, de modo a que o juiz não possa tê-lo em conta, ou o tenha só reduzidamente em conta, no juízo que fará sobre a prova dos factos que dele foram objecto.

Texto Integral

Contradita-Multa-1256/12.1TBLSD-A.P1-1362-13TRP
Trib Jud Lousada-2ºJ
Proc. 1256/12.1TBLSD-A.P1
Proc. 1362/13-TRP
Recorrente: B…
Recorrido: C…

-
Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Ana Paula Carvalho
Rita Romeira
*
*
*
Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
No presente procedimento de Tutela da Personalidade do Nome e da Correspondência Confidencial, nos termos do art. 1474º CPC, figuram como:
- Requerente: B…, casada, residente na Rua …, nº …, r/c, dto, freguesia …, Lousada; e
- Requerida: C…, casada, residente na Rua …, nº …, .º andar, dto, freguesia …, concelho de Lousada.
-
Em sede de audiência de julgamento veio a requerente formular o requerimento que se transcreve:
“Tendo em conta o depoimento da testemunha acabada de ouvir, que informou que a roupa que punham a secar não passava para a casa da vizinha, tendo, inclusive, referido «não terem cobertores com 4 ou 5 metros de altura», requer-se a V Exa a junção aos autos de duas fotografias que, no entender da autora esclarecem bem esta situação, provando exactamente o contrário.
Este requerimento é efectuado agora, tendo em conta o depoimento da testemunha acabada de inquirir e em ordem à descoberta da verdade material”.
-
Proferiu-se o seguinte despacho:
“Nos termos do art° 523° do C.P.C., os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação devem ser apresentados com o articulado em que se alegam os correspondentes factos, podendo ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1a instância, sendo neste caso a apresentante condenada em multa, exceto se os não pode oferecer com o articulado.
Na presente situação, alega a requerente que só agora os documentos em causa se tornaram pertinentes, atento o teor do depoimento da testemunha, sendo que no que respeita a este depoimento nada mais foi requerido.
Trata-se assim de prova testemunhal e prova documental que o Tribunal deve valorar. Donde, com os presentes documentos, o que a requerente pretende é tão só fazer prova dos factos que alegou.
Face ao exposto, há que considerar que os documentos foram tardiamente apresentados e podiam ter sido apresentados com o respetivo articulado.
Decide-se pois o seguinte:
- Admitir os documentos ora em causa por eventualmente pertinentes para a boa decisão da causa.
- Condenar a sua apresentante em multa, fixando-se esta no mínimo legal.
Notifique”.
-
No decorrer da audiência de julgamento a requerente formulou, ainda, novo requerimento, com o teor que se transcreve:
“Tendo conta o depoimento da testemunha acabada de inquirir, pelo facto da mesma ter referido que a sua filha vive no 1° andar da entrada da requerente, e que não lava a sua varanda com mangueira, entende a autora ser necessário juntar aos autos, em ordem ao esclarecimento completo da verdade, documento fotográfico que prova precisamente o contrário, nomeadamente para efeitos de se apurar a razão de ciência da testemunha e da sua própria credibilidade.
Caso a parte contrária não prescinda do prazo de vista, desde já a requerente informa pretender confrontar a testemunha com o documento cuja junção se requereu, em função da negação da verdade pela testemunha acabada de inquirir, nomeadamente para efeitos de participação crime, tudo nos termos e para os efeitos do disposto nos arts 640° e 641°do C.P.C“.
-
O requerimento mereceu o despacho que se transcreve:
“Pretende a requerente a contradita da testemunha que acabou de ser inquirida, invocando que quando a mesma refere que a varanda da residência da sua filha, situada ao lado da varanda da requerida não é lavada com mangueira, não fala com verdade.
A contradita visa abalar o crédito das afirmações deduzidas pela testemunha em causa, em razão de uma qualquer circunstância, constante do depoimento, e que lhe permite ter conhecimento dos factos tal como os relatou ou ainda que faz duvidar da imparcialidade desse relato.
Assim, o fundamento da contradita não pode ser o de que o depoimento é falso mas sim um ataque à própria testemunha. O que poderia ser o caso, dada uma alegada animosidade. Porém, os factos em causa e relatados não integram o objeto dos presentes autos e também não se vislumbra em que medida tais factos possam por em causa os em discussão, sendo que competirá ao tribunal aferir da credibilidade ou não da testemunha. Porém, repita-se, que o facto de a testemunha referir outros factos que nada têm a ver com os presentes, não é fundamento para deduzir a contradita, ou seja, para se poder concluir ou não que, por causa deles, a testemunha não prestará um depoimento de acordo com a verdade e o seu conhecimento.
Face ao exposto, indefere-se a pretensão da requerente.
Notifique”.
-
A requerente veio interpor recurso dos despachos.
-
Nas alegações que apresentou a recorrente formulou as seguintes conclusões:
I. O despacho de que ora se recorre viola, ou pelo menos faz uma errada interpretação dos arts. 523.° e 640.° do C.P.C., devendo ser revogado e substituído por outro que defira a requerida contradita e/ou a junção aos autos do documento fotográfico em causa, sem condenação em multa, assim se permitindo à aqui Apelante o pleno exercício do direito ao contraditório, tudo conforme melhor se passa a explicar.
II. Salvo devido respeito, no se pode considerar que os documentos juntos em sede de audiência de discussão e julgamento podiam e deviam ter sido juntos com o respectivo articulado, porquanto aquilo que a ora Apelante alegou nos arts. 19.° e 20.0 foi que com o colocação do coberto, se já antes por vezes a Requerida colocava as suas roupas, especialmente lençóis, cobertores e passadeiras, de modo o encobrir parcialmente as janelas da Requerente, passou a fazê-lo com ainda maior frequência”, e que ‘actualmente” não passou uma semana sem que as janelas da Requerente sejam parcialmente encobertas por peças de roupa da Requerida”, juntando a respetiva prova documental de que dispunha nesse momento (cfr. docs. n.°s 11 a 15 juntos com a Petição Inicial), cumprindo assim o preceituado no art. 523.° do Código de Processo Civil.
III. Sucede que, mesmo depois de os presentes autos terem sido intentados, o comportamento da ora Apelada se perpetuou, razão pela qual a Apelante se foi munindo de novas e sucessivas fotografias, tiradas depois da entrada em juízo da Petição Inicial, como sucede com aquelas cuja junção foi requerida e admitida em sede de audiência de discussão e julgamento.
III. Em todo o caso, o certo é que nem sequer é relevante a data em que as fotos em causa foram tiradas (tal data não foi sequer alegada pela Apelante), porquanto, com elas não se pretendia provar que eram estendidas pecas de roupa (conforme alegado em sede de P1), mas que era fisicamente possível que um lençol ou um cobertor estendido pela Apelada tapasse as janelas da Apelante, questão que apenas foi levantada em sede de Julgamento pela testemunha D… ao minuto 17:24 do seu depoimento, gravado e prestado em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 08 de Julho de 2013.
IV. Foi essa testemunha, quem livre e espontaneamente concretizou as peças de roupa (termo genérico a que se referia a P1) como sendo cobertores, mais fazendo referência às medidas das suas camas como sendo inferiores a 4 e 5 metros, nunca até então sido levantada a questão da distância entre os janelas, não existindo assim qualquer ónus da Apelante de juntar a respectiva prova documental logo com a Petição Inicial, já que a necessidade de comprovar que o tamanho dos lençóis da apelada era suficiente para tapar as janelas do Apelante apenas nasceu das declarações do marido da Apelada, o testemunha D….
V. Até então, a Apelante no podia ter o ónus de provar um facto que ainda no tinha sido alegado na sua Petição Inicial, (nem sequer havia sido tal questão mencionada em sede de Contestação) tratando-se, outrossim, de um facto, essencial à procedência da pretensão da Apelada, o qual complementava factos oportunamente alegados pelas partes - vide orts. 3.° e 40 supra- e que resultou da instrução da causa, do qual a mesma se pretendia aproveitar, pretendendo por sua vez a parte contrária, ora Apelante, exercer o direito ao contraditório - cfr. art. 264.°, n.°3 do CPC.
VI. A Apelante apenas se limitou a juntar a prova documental em função das declarações da referida testemunha, no sentido de provar que aquele- facto essencial complementar- que a mesma tinha acabado de referir era completamente falso e que, por isso mesmo, não podia ser levado em conta na decisão final, (cfr. a contrario art. 264°, n.° 3 do CPC), sendo certo que, ao juntar os documentos fotográficos em causa a Apelante pretendia não só provar que não é necessário que a roupa de coma tenha 4 e 5 metros para tapar as suas janelas, mas também fazer um exercício do direito de contradita, na medida em que ao juntar prova documental, nomeadamente registo fotográfico que demonstra frontal e inequivocamente a falsidade dos factos que a propósito a testemunha tinha acabado de relatar ao Tribunal, o que não podia deixar de ter como consequência direta e necessária que a credibilidade da mesma fosse fortemente abalada.
VII. Pelo exposto, não se justifica a condenação em multa da ora Apelante, na medida em que a mesma requereu a junção dos documentos em causa imediatamente após a alegação dos factos atrás referidos, pelo marido da Apelada, os quais pretendia impugnar (de que seriam necessários cobertores de 4 ou 5 metros paro que a roupa da Apelada topasse a janela do Apelante), no exercício pleno do seu direito ao contraditório, no estando em causa documentos comprovativos de factos alegados em sede de Petição Inicial e que estivem em seu poder aquando da sua entrada em juízo, mas tão-somente de documentos - registos fotográficos - supervenientes e com o único fim de impugnar os factos acabados de alegar pela testemunha, marido da Requerida, aqui Apelada.
VIII. E, assim sendo, não estamos no âmbito de aplicação do n.° 2 do art. 523.° do CPC, que, salvo devido respeito foi ilegalmente aplicado, devendo ser revogado o despacho que condeno a Apelante em multa.
IX. Por outro lado, também no se pode aceitar o indeferimento da junção de documentos comprovativos de que a testemunha E… mentira em julgamento, ou seja documentos comprovativos de que a filha da testemunha, que vive no 1.0 andar da entrada da Apelante lava a sua varanda com mangueira, quando a Apelante tem provas documentais - registos fotográficos - que provam precisamente do oposto.
X. De facto, tendo os presentes autos subjacente um problema de relações de vizinhança, dado que a Apelada, com o seu comportamento, vem colocando em crise os direitos, liberdades e garantias (até constitucionais) da Apelante, a verdade é que também a filha da referida testemunha E… tem, em parte, o mesmo tipo de comportamento, procedendo nomeadamente a lavagem da sua varanda com mangueira molhando a propriedade dos vizinhos que residem por baixo, só não afectando directamente a Requerente, porque a sua residência se encontra não por baixo, mas ao lado daquela (riem tal comportamento assume a gravidade do comportamento da Apelada, porquanto, tratando-se de uma emigrante, a mesma permanece durante pouco tempo na respectiva fracção).
XI. Ainda assim, o facto de a filha da testemunha praticar factos idênticos aqueles que só imputados à Apelada nos presentes autos, nao é de todo indiferente à credibilidade que a testemunha possa merecer, principalmente tendo em conta que, tal como o próprio despacho recorrido admite, existe uma animosidade entre a testemunha e uma das partes, assumida pela própria testemunha em sede de julgamento, sendo certo que, mesmo tratando-se de factos meramente conexos com aqueles que estão a ser julgados nos autos, a circunstancia de uma testemunha acabada de inquirir ser apanhada numa mentira, terá necessariamente de ser ponderada e relevada no momento de aferir a sua credibilidade.
XII. É certo que, como afirma o douto despacho de que ora se recorre “competirá ao tribunal aferir da credibilidade ou não da testemunha”, contudo a contradita existe precisamente para que as partes possam fazer chegar ao Tribunal os dados, os factos e os meios para que o mesmo possa julgar com rigor e Justiça as questões que lhe são apresentadas, ou não fosse um dos princípios estruturantes do Processo Civil o princípio do dispositivo, pelo que se a parte e tem em seu poder um documento comprovativo de factos idóneos a atacar a credibilidade, a imparcialidade ou a razão de ciência da testemunha é um direito seu alegar e provar tais factos, juntando aos autos a respectiva documentação.
XIII. A Lei, no art. 640.° do C.P.C., no restringe minimamente os factos sobre os quais versará a contradita, nem não exige que a contradita se baseie nos factos em discussão nos concretos autos, pelo contrário, refere expressamente que pode ser alegado “qualquer circunstância capaz de aba/ar a credibilidade do depoimento “ e se pode ser alegado, necessariamente, não só pode como deve ser apresentada a respectiva prova, no se podendo negar Apelante um direito que a Lei expressamente lhe concedeu!
XIV. Aliás, a propósito do facto de o Tribunal a quo afirmar que ‘os factos em causa e relatados não integram o objecto dos presentes autos e também n6o se vislumbra em que medida tais factos passam par em causa os em discussão, refira-se apenas que deriva da própria natureza da contradita que os factos alegados não tem de integrar o objecto dos autos, nem tem de afectar a decisão propriamente dita, bastando que afectem a credibilidade da testemunha acabada de ouvir - Leia-se a este propósito o Professor Alberto dos eis, que no Volume 1V do Código do Processo Civil Anotado, pag. 459, referindo-se à contradita (então artigo 643.° do Código do Processo Civil) citava Mortara, dizendo este que “Quando se contradita a testemunha, faz-se um ataque, não ao depoimento propriamente dito, mas d pessoa do depoente; não se alega que o depoimento é falso, que a testemunha mentiu,’ alega-se que, por tais e tais circunstâncias, exteriores ao depoimento, a testemunha não merece crédito.
XV. No mesmo sentido se pronuncia A. Varela in Manual de Processo Civil, 2. edição, pág. 627: ‘A contradita é o incidente desencadeado pela parte contrária (da que ofereceu a testemunha) com o fim de, partindo de circunstâncias exteriores ao depoimento, abalar a credibilidade de/e. Para esse efeito, como fundamento da contradita, pode ser invocada qualquer circunstância que prejudique a razão de ciência invocada (alegando-se, p. ex., que a testemunha se encontrava em Paris no dia em que e/a afirmou ter presenciado certo facto em Lisboa) ou afecte a fé que o depoente posso merecer (alega-se, p. ex., que o testemunho foi condenado duos ou mais vezes por prestação de falsos declarações).
O incidente pode atacar o pessoa do depoente - a sua fé ou credibilidade - ou a raz5o de ciência por ele invocada, mas no depoimento em si mesmo com o fundamento, p. ex., de ser notoriamente falso ou fantasiado um dos factos referidos pelo depoente.”
XVI. Idem, Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 281).
XV. Assim, aquilo que a Apelante pretendeu fazer em sede de audiência de discussão e julgamento logo após a inquirição da testemunha E… foi demonstrar que, não só a testemunha em causa tem interesse nos autos (na medida em que a sua filha pratica o mesmo tipo de factos censuráveis e que estão em discussão nos presentes autos), como mentiu despudoradamente acerca de factos que lhe foram questionados enquanto se encontrava sob juramento, pelo que, tratando-se de factos susceptíveis de abalar a credibilidade da própria testemunha, por contender com a isenção do seu depoimento, salvo o devido respeito, não havia razões para não admitir a contradita.
Termina por pedir o provimento do presente recurso e, em consequência a revogação dos despachos proferidos pelo Tribunal a quo de que ora se recorre, substituindo-os por outros que admitam a requerida junção aos autos dos registos fotográficos sem condenar a Apelante ao pagamento de qualquer multa.
-
A requerida não apresentou contra-alegações.
-
O recurso foi admitido como recurso de apelação.
-
Dispensaram-se os vistos legais.
-
Cumpre apreciar e decidir.
-
II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 685º- A CPC.
As questões a decidir:
- regime jurídico aplicável ao recurso;
- os fundamentos para aplicar a multa, ao abrigo do art. 523º/2 CPC;
- fundamentos da contradita.
-
2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os termos do relatório.
-
3. O direito
- Regime jurídico aplicável ao recurso –
Em 01.09.2013 entrou em vigor o novo Código de Processo Civil, publicado pela Lei 41/2013 de 26/06.
Nas normas transitórias contidas no citado diploma, prevê-se no art. 5º/1, que o Código de Processo Civil é imediatamente aplicável ás acções declarativas pendentes.
O art. 7º/1 prevê um regime especial no tocante aos recursos em relação ás acções declarativas instauradas em data anterior a 01.01.2008.
A lei não estabeleceu um regime transitório para os recursos nos processos instaurados em data posterior a 01.01.2008, nos quais as decisões foram proferidas em data anterior à entrada em vigor do novo Código de Processo Civil.
Conjugando o disposto no art. 12º/1 CC, com as citadas normas do regime transitório, somos levados a concluir que em processos instaurados em data posterior a 01.01.2008 com decisões proferidas em data anterior à entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, não se aplica o novo regime processual às condições de admissibilidade do recurso e respectivos fundamentos.
Aplicando o regime previsto no art. 12º do CC ao processo civil resulta que na área do direito processual, a nova lei se aplica às acções futuras e também aos actos futuros praticados nas acções pendentes.
Como refere ANTUNES VARELA: “[a] ideia, complementar desta, de que a nova lei não regula os factos pretéritos ( para não atingir efeitos já produzidos por este ), traduzir-se-á, no âmbito do direito processual, em que a validade e regularidade dos actos processuais anteriores continuarão a aferir-se pela lei antiga, na vigência da qual foram praticados”[1].
A nova lei aplica-se imediatamente aos actos que houverem de praticar-se a partir do momento em que ela entra em vigor, pelo que os actos praticados ao abrigo da lei antiga devem ser apreciados em conformidade com esta lei[2].
Em particular, no que concerne ás normas reguladoras dos recursos, ANTUNES VARELA distinguia as normas que “fixam as condições de admissibilidade do recurso e as que se limitam a regular as formalidades da preparação, instrução e julgamento do recurso”, defendendo a aplicação imediata da lei nova sempre que não estejam em causa normas que “interferem na relação substantiva”[3].
O presente procedimento foi instaurado em 2013.
Os despachos foram proferidos em 08.07.2013.
Em 29 de Agosto de 2013 foi interposto recurso dos despachos.
Proferidos os despachos e interposto recurso em data anterior a 01.09.2013, a nova lei apenas se aplicará ao puro formalismo processual, pois quanto ás condições de admissibilidade e fundamentos do recurso, nomeadamente quanto aos fundamentos e critérios de admissão dos meios de prova, ressalva-se os efeitos produzidos pela anterior lei, na medida em que pode contender com a relação substantiva, pelo que, na apreciação das questões objecto do recurso deve aplicar-se o regime em vigor na data em que foi proferido o despacho, que no caso consiste no regime previsto no DL 303/2007 de 24/08.
-
- Dos fundamentos para aplicar a multa, ao abrigo do art. 523/2º CPC –
Nas conclusões de recurso sob os pontos I a VIII insurge-se a apelante contra o despacho que aplicou a multa ao abrigo do art. 523º/2 CPC, com fundamento na junção tardia do documento, por entender que a multa não é devida.
Refere a apelante que o registo fotográfico foi obtido em momento posterior à data da entrada da petição em juízo e decorre do facto da testemunha se ter pronunciado sobre factos que não foram alegados, mas que complementam os factos essenciais visando a apelante, com a junção do documento, a contraprova dos mesmos e ainda, fazer um exercício de contradita, para demonstrar a falsidade dos factos narrados pela testemunha.
Na questão colocada, que consiste em apurar se é devida multa pela junção tardia do documento, mostra-se determinante analisar os fundamentos invocados para requerer a junção do documento.
Como decorre do art. 523º/1 CPC, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
Contudo, a lei, no art. 523º/2 CPC, concede a faculdade de ser requerida a junção dos documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas a parte será condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
Este regime previsto no nosso sistema jurídico desde o Código de Processo Civil de 1939, assenta os seus fundamentos nos princípios da economia processual e da boa-fé processual. Pretende-se que por motivos de ordem e disciplina processual, que quem afirma um facto ofereça desde logo, se puder, a prova documental das suas afirmações, habilitando a parte contrária a tomar posição sobre os factos de forma informada[4].
A possibilidade de apresentar os documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância decorre do princípio de que o juiz deve julgar segundo a verdade.
Daqui resulta que não apresentando a parte o documento com o articulado, como era seu ónus, não fica impedida de o fazer em momento posterior, até ao encerramento da discussão em 1ª instância, para já não se falar nas situações especiais de apresentação de documentos em vias de recurso.
Como observa ALBERTO DOS REIS: “[c]oncilia-se assim o princípio de disciplina processual que postula o oferecimento imediato de documentos, com o princípio de justiça segundo o qual a decisão deve ser a expressão, tão perfeita e completa quanto possível, da verdade dos factos que interessam ao litígio”[5].
Contudo, a junção tardia determina a aplicação de uma sanção, a multa, quando a parte intencionalmente não juntou o documento, para ocultar o documento da parte contrária ou não usou da diligência devida, porque ignorou o preceito em causa, que determina a junção com o articulado[6].
Porém, a multa não é devida se o apresentante provar que os não pôde oferecer com os articulados, o que pode resultar:
- do facto do documento ainda não existir, porque se formou posteriormente ao oferecimento do articulado;
- do facto da parte não ter conhecimento da existência do documento, quando o documento já estava formado, mas a parte ignorava a sua existência;
- do facto da parte não dispor do documento na altura em que ofereceu o articulado.
A requerida junção de documentos deve destinar-se à prova de factos que sejam directa ou indirectamente favoráveis ao apresentante[7], cumprindo ao apresentante indicar os factos cuja prova pretende obter com a respectiva junção.
Retomando a questão a analisar.
A apelante formulou o requerimento que se transcreve:
“Tendo em conta o depoimento da testemunha acabada de ouvir, que informou que a roupa que punham a secar não passava para a casa da vizinha, tendo, inclusive, referido «não terem cobertores com 4 ou 5 metros de altura», requer-se a V Exa a junção aos autos de duas fotografias que, no entender da autora esclarecem bem esta situação, provando exactamente o contrário.
Este requerimento é efectuado agora, tendo em conta o depoimento da testemunha acabada de inquirir e em ordem à descoberta da verdade material”.
A apelante no requerimento que formulou, para além de não indicar os preceitos legais em que funda o respectivo requerimento, não indicou os concretos factos que pretendia provar com a junção do documento. Contudo, foi admitida a respectiva junção.
A apelante não alegou que os factos ocorreram em data posterior à apresentação do articulado petição ou que apenas logrou obter o documento em data posterior à apresentação da petição e só agora em sede de conclusões de recurso vem fazer tal observação, como consta do ponto III das conclusões de recurso, o que não releva na medida em que o tribunal de recurso visa reapreciar decisões e não proferir novas decisões, assente em diferentes fundamentos do despacho recorrido.
No ponto VI das conclusões de recurso, a apelante alegou, ainda, que o registo fotográfico se destinava a exercer o direito de contradita, mas constata-se que a apelante não requereu a contradita.
Cumpre também referir que não consta dos termos da acta de julgamento que instrui o presente recurso, que a requerida tenha formulado qualquer requerimento com fundamento no art. 264º/3 CPC e só nessas circunstâncias seria legitimo a produção de prova sobre os novos factos a considerar.
Como se observa no despacho recorrido a apelante “pretende é tão só fazer prova dos factos que alegou”, na medida em que juntou o documento para provar o contrário, face ao depoimento da testemunha, portanto pretende a junção para prova dos factos que alegou na petição, ou seja, que a roupa no estendal interfere com o uso da fracção inferior.
Não logrando a apelante demonstrar que não podia oferecer os documentos com o articulado respectivo, como era seu ónus, face ao disposto no art. 523º/2 CPC, é de concluir que não usou da diligência devida omitindo o cumprimento do disposto no art.523º/1 CPC e por isso, é devida multa pela junção tardia, motivo pelo qual, não merece censura o despacho recorrido quando aplicou a multa.
A apelante não se insurge contra o montante arbitrado, pelo que, sendo devida a multa, confirma-se a condenação no seu pagamento.
Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso, sob os pontos I a VIII.
-
- Fundamentos da contradita -
Nas conclusões de recurso sob os pontos IX a XV insurge-se contra o despacho que não admitiu a contradita.
A questão que se coloca consiste em saber se os factos alegados pela apelante são susceptíveis de fundamentar o incidente de contradita.
Determina o art. 640º CPC:
“A parte contra a qual for produzida a testemunha pode contraditá-la, alegando qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento, quer por afectar a razão de ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer.”
O incidente de contradita visa fornecer ao juiz determinados elementos que condicionam a apreciação da força probatória do depoimento da testemunha.
Não se trata já, como se pode fazer em instâncias, de atacar o conteúdo do depoimento, fazendo valer a sua falsidade, mas de invocar novos factos (acessórios) que, sendo exteriores ao depoimento, ponham em causa a razão de ciência invocada pela testemunha ou a fé que ela possa merecer, destruindo ou enfraquecendo o depoimento prestado, de modo a que o juiz não possa tê-lo em conta, ou o tenha só reduzidamente em conta, no juízo que fará sobre a prova dos factos que dele foram objecto. Trata-se, pois, de fazer valer razões fácticas que levem o juiz, ao apreciar livremente a prova, a não dar plena credibilidade ao depoimento da testemunha[8].
O regime da contradita acolhido no nosso sistema jurídico segue o modelo da suspeição e não da exclusão. Constituem fundamentos de suspeição, entre outros: “ a falta de boa fama”, o “receio de parcialidade” e a “presunção de suborno”[9].
Como observa ALBERTO DOS REIS:”[a] contradita não inutiliza o depoimento; somente fornece ao juiz um elemento de apreciação da sua força probatória. Pode perfeitamente suceder que se demonstre plenamente o fundamento da contradita e que, não obstante, o julgador atribua ao depoimento todo o valor”[10].
Constituem fundamento da contradita, a alegação de factos que possam afectar:
- a razão da ciência invocada pela testemunha; ou
- a fé que ela merece.
No caso presente, a apelante-requerente veio requerer a contradita em relação à testemunha E…, residente na …, …, …, Amarante, indicada pela requerida.
Para fundamentar a contradita alegou as seguintes circunstâncias:
“…pelo facto da mesma ter referido que a sua filha vive no 1° andar da entrada da requerente, e que não lava a sua varanda com mangueira, entende a autora ser necessário juntar aos autos, em ordem ao esclarecimento completo da verdade, documento fotográfico que prova precisamente o contrário, nomeadamente para efeitos de se apurar a razão de ciência da testemunha e da sua própria credibilidade”.
Nos fundamentos enunciados não se põe em causa a razão de ciência da testemunha, pois não se ataca a fonte de conhecimento dos factos. Visou a apelante abalar a fé que merece o depoimento da testemunha, ou mais propriamente, que o seu depoimento não merece crédito.
Contudo, os argumentos expostos são por si insuficientes para justificar o incidente, já que não assentam num facto exterior ao seu depoimento e acessório, susceptível de abalar a credibilidade do depoimento da testemunha.
A apelante apenas pretende demonstrar a falsidade das declarações prestadas a respeito do concreto facto relacionado com a limpeza da varanda na casa da filha da testemunha, como aliás refere expressamente no ponto IX das conclusões de recurso, facto esse que não está em discussão nos autos e não é susceptível de fundamentar a contradita, já que não visa a pessoa da testemunha e a sua relação com as partes e não se mostra idóneo para demonstrar a falta de imparcialidade da testemunha.
Refira-se, ainda, que apenas em sede de conclusões de recurso, sob os pontos X, XI, suscita a apelante a falta de parcialidade da testemunha, ao referenciar o seu interesse em depor no sentido de favorecer a filha, por estar também latente um conflito de vizinhança entre a apelante e a sua filha. Contudo, porque tal matéria não foi oportunamente alegada para sustentar o incidente de contradita, não pode o tribunal “ad quem” atender a tais factos, na medida em que apenas visa a reapreciação das decisões recorridas e os factos não constituem matéria de conhecimento oficioso, nem resultam admitidos por acordo das partes expresso nos autos.
Acresce que o facto da testemunha faltar à verdade, a respeito de factos que respeitam às relações das partes com terceiros, que não são parte na acção, não significa que o seu depoimento a respeito dos concretos factos controvertidos não mereça credibilidade, pois tal circunstância, só por si, não diminui a fé que possa merecer.
Com efeito, ataca-se a fé da testemunha quando se alegue a existência de uma relação de inimizade entre ela e a parte contrária, que preliminarmente interrogada a testemunha haja declarado não existir. Tal circunstância pode constituir fundamento para considerar que o depoimento da testemunha não foi imparcial. Contudo, a apelante nada refere a esse respeito.
Neste contexto, os fundamentos invocados não se mostravam adequados para receber a contradita, pois a provarem-se não seriam adequados para afastar a credibilidade do depoimento da testemunha e por isso, não merece censura a decisão do juiz do tribunal “ a quo “, no sentido de não admitir.
Improcedem, também, nesta parte as conclusões de recurso sob os pontos IX a XV.
-
Nos termos do art. 446º CPC e actual art. 527º CPC as custas são suportadas pela apelante.
-
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar os despachos recorridos.
-
Custas a cargo da apelante.
*
*
*
Porto, 20 de Janeiro de 2014
(processei e revi – art. 138º/5 CPC, actual art. 131º/5 CPC (redacção Lei 41/2013 de 26/06))
Ana Paula Amorim
Ana Paula Carvalho
Rita Romeira
_____________
[1] ANTUNES VARELA, ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, SAMPAIO E NORA Manual de Processo Civil, 2ª edição, Revista e Actualizada, 1985, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 49.
[2] ALBERTO DOS REIS Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 81, pag. 202 apud ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, SAMPAIO E NORA Manual de Processo Civil, ob. cit., nota de rodapé (1), pag. 54.
[3] ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, SAMPAIO E NORA Manual de Processo Civil, ob. cit., pag. 55.
[4] Cfr. ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pag. 6.
[5] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pag. 11.
[6] Cfr. ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pag. 12.
[7] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, Vol II, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pag. 456.
[8] Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, ob. cit. pag. 621 – ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pag.454, 459.
[9] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pag. 454.
[10] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pag. 455.