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PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
DÍVIDA EXIGIDA A HERDEIRO DO DEVEDOR
INVOCAÇÃO PELO HERDEIRO DA PRESCRIÇÃO
PROVA TESTEMUNHAL NÃO ADMISSÍVEL
Sumário
I - A prescrição presuntiva não funciona [não pode ser declarada] quando o réu devedor, demandado na acção para cobrança da dívida, pratica em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento que é inerente àquela figura, o que acontece, designadamente, nos casos em que nega a dívida, discute o seu montante, não alega com clareza que pagou a concreta dívida que é peticionada, reconhece não ter cumprido a obrigação, etc.. II - Tal regra não funciona, porém, quando, em vez do devedor, a dívida é exigida a um seu herdeiro. Neste caso, este pode, em princípio, cumular a invocação daquela excepção da prescrição presuntiva com a impugnação da existência da dívida, por esta não resultar de um facto pessoal seu [não foi ele que a contraiu]; mas se ele souber da existência da dívida e do seu não pagamento [cuja factualidade cabe ao autor/credor alegar e provar], já essa defesa [invocação daquela excepção peremptória e impugnação da existência da dívida] será incompatível com a presunção de pagamento, importando confissão tácita do não pagamento da mesma. III - Não tendo o credor alegado [nem, consequentemente, provado] o que consta da parte final do ponto anterior, a presunção de cumprimento em que se funda a prescrição presuntiva só pode ser ilidida por confissão do réu habilitado [herdeiro do devedor originário], por escrito ou prestada no âmbito de depoimento de parte, não sendo admitidos outros meios de prova para tal fim. IV - Tendo o Tribunal recorrido dado como provado, com base em prova testemunhal que, indevidamente, admitiu, que a dívida peticionada não se encontra paga, tal facto deve ser eliminado por assentar em prova não admissível.
Texto Integral
Pc. 409815/09.8YIPRT.P1 – 2ª Sec.
(apelação)
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Relator: M. Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Francisco Matos
Des. Maria João Areias
* * *
Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
Hospital …, SA instaurou contra B…, entretanto habilitada, face ao seu decesso, por C… [cfr. decisão de fls. 14-15 do apenso], a presente acção declarativa especial destinada a exigir o cumprimento de obrigação pecuniária [os autos iniciaram-se como processo de injunção], pedindo a condenação daquela a pagar-lhe a quantia de 9.629,89€, acrescida dos juros de mora legais que à data da entrada em juízo dos autos ascendiam a 1.441,89€.
Estribou tal pretensão em diversos serviços hospitalares que prestou à ré B…, designadamente assistência médica, internamento, realização de exames médicos e tratamentos, e no não pagamento, por ela, da quantia peticionada, apesar de a ter interpelado para o efeito.
A ré [habilitada], citada, contestou, pugnando pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
Alegou, para tal, que o crédito reclamado pela demandante foi pago, que, em todo o caso, presume-se esse pagamento «ex vi» do disposto na al. a) do art. 317º do CCivil e que desconhece a factura a que a autora se refere na petição, motivo pelo qual impugnou o articulado inicial.
A autora respondeu à excepção peremptória da prescrição presuntiva, sustentando a sua improcedência, mas este articulado não foi admitido e foi mandado desentranhar por despacho de fls. 131-132.
Realizou-se a audiência de julgamento, no início da qual, por despacho exarado em acta, se julgou improcedente a invocada excepção peremptória da prescrição presuntiva, tendo a final, após produção da prova, sido proferido sentença que decidiu:
“(…) julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar-se a R. habilitada, enquanto tal, a pagar à A. a quantia de 9.137,00 euros, acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal (juros civis), desde a data da instauração da acção e até integral pagamento.
Valor: 10.578,89 euros.
Custas por A. e R., na proporção dos respectivos decaimentos, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a R..
Registe e notifique.”
Inconformada com tal decisão, interpôs a ré [habilitada] o recurso deapelação em apreço [a que foi fixado efeito meramente devolutivo], cujas alegações concluiu do seguinte modo:
“1. A aqui Recorrente veio em sede de oposição à injunção invocar a presunção do cumprimento e o pagamento da invocada dívida, com a consequente prescrição presuntiva face ao decurso do prazo, tudo ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 317º do Código Civil.
2. O douto Tribunal a quo julgou improcedente tal excepção alegando que, «Para poder beneficiar da prescrição presuntiva, o devedor não deve negar os factos constitutivos do direito do credor, deve, antes, alegar, de forma expressa e inequívoca que já pagou a dívida. Se o devedor, à semelhança do que a Ré fez exarar sobre o artigo 8º da Contestação, impugnar toda a matéria factual constante da petição inicial, alegando, designadamente, desconhecer a factura em que a pretensa credora fundamenta a acção, tal não pode deixar de significar que praticou acto incompatível com a presunção de cumprimento, não podendo, assim, beneficiar da prescrição presuntiva (nesse sentido, vide acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29/05/2012 e de 18/01/2011, em que foram Relatores, respectivamente os Ex.mos Juízes Desembargadores, M. Pinto dos Santos e Rodrigues Pires, ambos publicados em WWW.TRP)».
3. Ora, com o devido respeito por tal entendimento, a verdade é que, o mesmo não se aplica ao caso em apreço, e isto porque o douto Tribunal a quo não atentou na qualidade em que a ora Recorrente intervém nos presentes autos.
4. Efectivamente, o presente processo foi intentado em 07 de Dezembro de 2009 contra B…, falecida em 20 de Junho de 2006, motivo pelo qual, por sentença de 24 de Janeiro de 2011, foi a aqui Recorrente habilitada a prosseguir nos autos em seu lugar, pelo que a ora Recorrente não é a devedora original da dívida em causa, intervindo nos presentes autos enquanto herdeira de B….
5. E, nessa qualidade, ao alegar desconhecer a factura em causa não praticou acto incompatível com a invocada presunção de cumprimento.
6. Como bem ensina Vaz Serra (Prescrição e Caducidade, cit. n.º 44, pág. 57, no B.M.J. n.º 106), «Quando o pagamento seja exigido ao herdeiro do devedor, parece poder ele invocar a excepção de prescrição presuntiva, apesar de alegar também a inexistência da dívida, dado que a existência da dívida não é um facto pessoal seu, mas do devedor (565): o herdeiro não foi quem contraiu a dívida e pode, portanto, ignorar se ela existe ou não, de modo que a sua alegação da inexistência da dívida não pode fazer presumir que ela não foi paga.»
7. Em igual sentido se têm pronunciado os doutos Tribunais Superiores: «É incompatível com a presunção de cumprimento ter o devedor negado a existência da dívida ou ter discutido o seu montante. Mas se o pagamento for exigido a um herdeiro, já esses factos poderão não ser incompatíveis com a presunção de pagamento, pois o herdeiro não é obrigado a conhecer as dívidas do autor da herança.» - vide acórdão do douto Tribunal da Relação de Lisboa de 28/09/2010, in www.dgsi.pt/jtrl.
8. Sendo que, «Só constitui acto incompatível com a presunção de cumprimento a impugnação tácita da dívida por parte daquele que a contraiu, que não por parte de um eventual terceiro a quem essa dívida se comunique, pelas especiais relações que possua com o contraente (v.g., cônjuge do devedor ou co-herdeiro sem determinação de parte ou direito).» - vide acórdão do douto Tribunal da Relação de Guimarães de 30/11/2005, in www.dgsi.pt/jtrg.
9. Temos assim que, a Recorrente não praticou acto incompatível com a presunção de cumprimento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 314º do Código Civil, pelo que, e com o devido respeito, muito se precipitou o douto Tribunal a quo ao decidir naquele sentido.
10. Por outro lado, dispõe o artigo 313º do Código Civil que a presunção de cumprimento pelo decurso do prazo apenas pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão.
11. Ora, competia ao Autor ilidir tal presunção, nomeadamente, através de confissão da aqui Recorrente, o que não logrou fazer - aliás nem sequer requereu o seu depoimento de parte.
12. Pelo que, não tendo a Recorrente praticado acto incompatível com a referida presunção de pagamento, nem confessado a dívida, sempre o douto Tribunal a quo deveria ter decidido no sentido da procedência da invocada excepção, e consequentemente, declarado prescrita a dívida aqui em causa.
13. Temos assim que a sentença em crise terá incorrido em erro de interpretação dos factos e erro de interpretação e aplicação da lei, designadamente do disposto nos artigos 317º alínea a) e 314º ambos do Código Civil.
Sem prejuízo do alegado,
14. O douto Tribunal a quo considerou como provados os seguintes factos:
«a) A A., no exercício da sua actividade, prestou, até Dezembro de 2005, à falecida R., os serviços e bens hospitalares melhor descritos no documento (factura) junto aos autos de fls.28 a 74.
b) O valor desses serviços ascende ao montante global de 9.137,00 euros.
c) A A. enviou para a R., que a recebeu, a factura constante da anterior al. a), dela não tendo reclamado.
d) A A. solicitou à R. o pagamento da quantia referida na alínea b).
e) A R. não pagou à A. a quantia mencionada em b).»
15. Para prova da dita factualidade, o Tribunal a quo considerou, «a postura processual evidenciada pela R., na sua contestação. Com efeito, a R. alega, sob o artº 1º da contestação, que pagou à A. o valor por esta reclamado no âmbito da presente acção. Ora, como decorre das regras da experiência comum e, mesmo da lógica, só se paga aquilo que se reconhece dever. Portanto, tendo a acção como fundamento a prestação de bens e serviços hospitalares, onde a A. faz radicar a sua pretensão de tutela jurisdicional e, tendo a R. alegado que já satisfez tal pretensão, essa afirmação não pode ter outro entendimento que não seja o de que a R. está a reconhecer, expressamente, que tais bens e serviços lhe foram, efectivamente, prestados.».
16. Ora, atento o supra alegado relativamente à prescrição presuntiva, o que por economia processual se reproduz, falece tal argumento.
17. Acontece que, o douto Tribunal a quo acrescenta que «tal conclusão sempre se poderia retirar da conjugação do teor dos documentos juntos aos autos de fls.28 a 75, com os depoimentos prestados pelas testemunhas D… e E…»
18. Mais uma vez, e com o devido respeito, não assiste razão ao douto Tribunal a quo, na medida em que, por um lado, os documentos em causa não fazem parte dos autos, e, por outro, o depoimento das referidas testemunhas não lograram provar a indicada factualidade.
19. A verdade é que os documentos juntos aos autos a fls. 28 a 75 verso foram mandados desentranhar pelo Ex.mo Juiz a quo por despacho proferido em audiência de julgamento realizada a 09 de Abril de 2013.
20. Efectivamente, o douto Meritíssimo decidiu que: «Assim sendo, como é, é legalmente inadmissível o articulado apresentado pela Autora de fls.26 a 75vº, pelo que, em consequência, ordeno o respetivo desentranhamento.» , tendo, igualmente indeferido o requerimento probatório apresentado pela aqui Recorrente na medida em que entendeu que o mesmo tinha «(…) única e exclusivamente por escopo provar ou infirmar, factos constantes do articulado apresentado pela Autora e cujo desentranhamento se acabou de ordenar .».
21. O douto despacho é muito preciso e claro, digamos até transparente, quanto ao que se ordena desentranhar: o requerimento de fls.26 a 75 verso, incluindo-se assim todos os documentos juntos com tal requerimento.
22. Decisão esta que não mereceu qualquer reacção por parte do Recorrido, que não interpôs recurso, arguiu nulidade ou solicitado esclarecimento interruptivo do prazo, pelo que transitando tal despacho, formou-se caso julgado formal. - cfr. artigo 672º do Código de Processo Civil.
23. Na realidade, pressuposto essencial da formação de caso julgado, é o trânsito em julgado da decisão, isto é, que da mesma já não seja possível a interposição de recurso ordinário ou da reclamação nos termos dos artigos 668º e 669º do Código de Processo Civil - cfr. artigo 677º do Código de Processo Civil.
24. Acontece que, em 21 de Maio de 2013, veio o Meritíssimo Juiz a quo afirmar que afinal «(…) tais documentos faziam, de facto, parte integrante do processo».
25. Nas palavras de Manuel de Andrade (in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 137/8), a «força e autoridade do caso julgado é uma qualidade ou valor jurídico que compete às decisões judiciais» a que respeita e que, essencialmente, se caracteriza pela imutabilidade da decisão, visando impedir a que sobre a mesma questão se produzam decisões contraditórias ou repetidas.
26. O caso julgado formal constitui-se numa sentença ou despacho de «mera forma, que uma vez transitada obsta a que a questão por ele (ou ela) resolvido seja novamente suscitada no mesmo processo, não impedindo, contudo, que em nova acção sobre o mesmo objecto se profira decisão contrária» (cf. Anselmo de Castro, in Direito Processual Declaratório, vol. 2º, pág. 14).
27. Temos assim que aquele despacho de 09 de Abril de 2013 formou caso julgado formal, com força obrigatória dentro do processo (artigo 672º do Código de Processo Civil), decidindo o desentranhamento do requerimento apresentado pelo Recorrido de fls. 26 a 75 verso, incluindo os apontados documentos, bem como indeferindo o requerimento probatório apresentado pela ora Recorrente.
28. Atento o vindo de referir, a admissão de tais documentos em audiência de julgamento realizada a 21 de Maio de 2013, bem como o teor da respectiva acta no que concerne aos mesmos, constituiu uma violação do caso julgado formal, padecendo do vício de nulidade, pelo que não poderão ser tais documentos valorados como meio de prova.
29. Já no que concerne aos depoimentos das testemunhas D… e E… , desde logo convém não esquecer que o seu depoimento não é totalmente isento, nem desinteressado, atento o vínculo laboral que as liga ao aqui Recorrido, sendo que estas, conforme vertido na douta sentença recorrida, limitaram-se a esclarecer «(…) o Tribunal sobre o modo como são emitidas as facturas que reflectem os bens e serviços hospitalares que a A., no exercício da sua actividade, presta aos seus clientes.»
30. Ou seja, limitaram-se a descrever e a explicar o procedimento-tipo que existe nos serviços do Recorrido, sendo que relativamente ao caso em apreço, estas testemunhas nada sabiam, e isto porque não prestaram os serviços descritos nessa factura nem presenciaram a sua prestação, não emitiram a factura em causa, nem presenciaram a sua emissão, não remeteram a referida factura à Ré originária, nem lhe solicitaram o seu pagamento.
31. A testemunha D… aos costumes disse ser funcionária do Recorrido há cerca de 14 anos, onde exerce as funções de técnica administrativa.
32. Ao minuto 15:40 do seu depoimento gravado no CD 1 Ficheiro 20130521174004_98570_652 - minuto 00:00:00 a minuto 00:30:06, esta, a instâncias da mandatária da Recorrente, afirmou que não foi quem emitiu nem entregou a factura referida nos autos, não procedeu ao internamento da Ré falecida, não elaborou as cartas de cobrança, confirmando que o que sabia era de ouvir dizer.
33. Acontece que a outra testemunha do Recorrido, E…, que aos costumes disse ser funcionária deste há cerca de 14 anos, exercendo funções de técnica administrativa (depoimento gravado no CD 1 Ficheiro 20130521181013_98570_652 - minuto 00:00:00 a minuto 00:26:33), também nada sabia desta situação em concreto.
34. Efectivamente, ao Minuto 16:39 do seu depoimento, esta confirmou que o conhecimento que tem da factualidade em causa resultava do conhecimento dos dados que constam da base informática do Recorrido, afirmando não ter assistido a nenhum dos factos (pelo menos que se lembre), nem emitido nem entregue a factura em apreço, não tendo procedido ao internamento da Ré B….
35. Temos assim que, contrariamente ao alegado na douta sentença recorrida, o teor dos depoimentos vindos de referir não permitem concluir no sentido em que o Tribunal entendeu, na medida em que as indicadas testemunhas não presenciaram nem praticaram os factos em causa, prestando um mero depoimento indirecto que, como tal, deve ser valorado, e nessa medida constitui um insuficiente meio de prova.
36. Face ao exposto, entende a ora Recorrente que o Meritíssimo Juiz a quo não poderia ter dado como provada a factualidade descrita nas alíneas a) a e) dos Factos Provados, pelo que deve a decisão sobre a matéria de facto ser alterada nos termos supra descritos, em conformidade com o disposto no artigo 712º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
Termos em que, (…), deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a sentença recorrida nos termos propugnados e com todas as consequências legais, fazendo, assim, este Venerando Tribunal a já costumada Justiça!”.
A autora-apelada contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.
* * *
II. Questões a apreciar e decidir:
Em atenção às conclusões das alegações da recorrente, que fixam o «thema decidendum» a cargo deste Tribunal de 2ª instância, as questões a apreciar e decidir consistem em saber:
● Se procede a excepção peremptória da prescrição presuntiva;
● Se há que alterar a matéria de facto;
● Se há que alterar a solução jurídica declarada na sentença.
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III. Factos provados:
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
a) A A., no exercício da sua actividade, prestou, até Dezembro de 2005, à falecida R., os serviços e bens hospitalares melhor descritos no documento (factura) junto aos autos de fls.28 a 74.
b) O valor desses serviços ascende ao montante global de 9.137,00 euros.
c) A A. enviou para a R., que a recebeu, a factura constante da anterior al. a), dela não tendo reclamado.
d) A A. solicitou à R. o pagamento da quantia referida na alínea b).
e) A R. não pagou à A. a quantia mencionada em b).
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IV. Apreciação das questões indicadas em II:
4.1. Como assinalado no ponto I, a ré [habilitada], ora recorrente, invocou, na contestação, a excepção peremptória da prescrição presuntiva prevista na al. a) do art. 317º do CCiv..
O Tribunal «a quo», em despacho «ad hoc» proferido no início da audiência de julgamento, antes da produção da prova que aí veio a ter lugar, julgou improcedente tal excepção, com a seguinte fundamentação [que se transcreve]:
“Veio a Ré na contestação invocar a excepção peremptória da prescrição presuntiva.
Respondeu a Autora, embora de modo intempestivo, porquanto, como se evidência do teor da ata de audiência de julgamento do passado dia 09/04/2013, foi ordenado o desentranhamento de tal resposta.
Cumpre, desde já, analisar e decidir sobre a bondade, ou da falta dela, da referida excepção peremptória da prescrição presuntiva invocada pela Ré na Contestação.
Para poder beneficiar da prescrição presuntiva, o devedor não deve negar os factos constitutivos do direito do credor, deve, antes, alegar, de forma expressa e inequívoca que já pagou a dívida.
- Se o devedor, à semelhança do que a Ré fez exarar sobre o artigo 8º da Contestação, impugnar toda a matéria factual constante da petição inicial, alegando, designadamente, desconhecer a factura em que a pretensa credora fundamenta a acção, tal não pode deixar de significar que praticou acto incompatível com a presunção de cumprimento, não podendo, assim, beneficiar da prescrição presuntiva (nesse sentido, vide acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29/05/2012 e de 18/01/2011, em que foram Relatores, respectivamente os Ex.mos Juízes Desembargadores, M. Pinto dos Santos e Rodrigues Pires, ambos publicados em WWW.TRP).
Conclui-se pois, que deve ser julgada, desde já, improcedente a referida excepção peremptória.
Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a excepção peremptória da prescrição presuntiva invocada pela Ré na sua oposição.
Notifique.”
A recorrente discorda desta decisão, contrapondo que ela faria sentido [estaria correcta] se tivesse sido a própria devedora [segundo a causa de pedir alegada na p. i.] a contestar a acção, mas que não sendo ela a devedora, mas apenas sua herdeira, tendo sido como tal habilitada nos autos face ao óbito daquela, e não tendo, por isso, sido parte no «contrato» de assistência que constitui o fundamento da pretensão da autora, ora recorrida, não podia a referida excepção peremptória ter sido julgada improcedente com a apontada fundamentação.
Vejamos se tem razão.
Comecemos pelo que dispõem os arts. 312º, 313º, 314º e 317º al. a) do CCiv..
O primeiro destes preceitos refere que “As prescrições de que trata a presente subsecção [que abarca os arts. 312º a 317º] fundam-se na presunção de cumprimento”.
O segundo estabelece que “1. A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão; 2. A confissão extrajudicial só releva quando for realizada por escrito”.
O terceiro esclarece que “Considera-se confessada a dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento”.
Diz-se, finalmente, na al. a) do art. 317º que “prescrevem no prazo de dois anos os créditos dos estabelecimentos que forneçam alojamento, ou alojamento e alimentação, a estudantes, bem como os créditos dos estabelecimentos de ensino, educação, assistência ou tratamento, relativamente aos serviços prestados”.
Interessa-nos a parte atinente aos créditos dos estabelecimentos de assistência e/ou tratamento, relativamente aos serviços prestados, que é a situação a que se reconduz a pretensão da autora [esclareça-se que o Hospital …, SA, aqui demandante, não integra a rede do Serviço Nacional de Saúde – cfr. site da Administração Central do Sistema de Saúde, www.acss.min-saude.pt -, não lhe sendo aplicável o regime do DL 218/99, de 15/06, que, no seu art. 3º, estabelece um prazo de prescrição diferente, não estando aí em causa uma simples prescrição presuntiva, mas sim uma prescrição extintiva].
Esta figura da prescrição presuntiva funda-se na presunção do cumprimento, como decorre do citado art. 312º, mas não confere ao devedor o poder de se opor ao exercício do direito correspondente à prestação que lhe compete, diversamente do que acontece na prescrição extintiva em que aquele tem o direito de recusar o cumprimento da prestação com base unicamente no decurso de tempo decorrido, por o credor não ter exercido o inerente direito no prazo legalmente estabelecido.
A razão de ser das prescrições presuntivas tem a ver com a natureza das obrigações em causa que dizem respeito a créditos gerados pelo exercício de actividades profissionais e/ou de prestação de serviços cujos pagamentos são normalmente/usualmente reclamados pelos credores em prazos curtos, por se tratar de receitas reditícias necessárias à manutenção do giro regular dos mesmos ou até à sua sobrevivência, e em que os devedores, por regra, cumprem a sua obrigação [pagam a dívida/serviço] também em prazo curto e sem exigirem recibo de quitação ou não guardando tal recibo durante muito tempo.
Daí a presunção de cumprimento, por parte do devedor, quando o credor não o demande judicialmente no prazo legalmente estabelecido.
Mas a presunção de cumprimento pelo decurso desse prazo pode ser ilidida por prova em contrário do credor, embora esta se encontre limitada à confissão do devedor; é o que estabelecem os arts. 313º e 314º do CCiv.. Esta confissão pode ser judicial ou extrajudicial, mas, neste caso, só releva se tiver sido reduzida a escrito – nº 2 do art. 313º. E pode ser expressa ou tácita, verificando-se esta “se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal”, ou se “praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento” – art. 314º [sobre o que fica dito acerca da prescrição presuntiva e mais desenvolvidamente, veja-se Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo IV, 2005, pgs. 181-183 e Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral do Direito Civil”, II, 5ª ed. revista e actualizada, pgs. 695-696]. Exemplos da prática em juízo de “actos incompatíveis com a presunção de cumprimento” são vários, destacando-se os casos em que o réu devedor nega, na acção, a dívida, discute o seu montante, não alega com clareza que pagou a concreta dívida que é reclamada/peticionada, reconhece não ter cumprido a obrigação, etc. [sobre esta modalidade de confissão tácita vejam-se, i. a., Menezes Cordeiro, obr. e vol. cit., pgs. 182-183, Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, 1987, pgs. 452-453, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed. rev. e actual., pgs. 281-285 e Sousa Ribeiro, in “Prescrição Presuntiva: sua compatibilidade com a não impugnação dos factos articulados pelo autor”, Revista de Direito e Economia, ano V, nº 2, pg. 393; idem, Acs. do STJ de 24/05/2005, proc. 05A1471, de 22/01/2009, proc. 08B3032, de 09/02/2010, proc. 2614/06.6TBMTS.S1 e de 19/05/2010, proc. 1380/07.2TBABT-A.E1.S1., disponíveis in www.dgsi.pt/jstj e desta Relação do Porto de 13/03/2008, proc. 0830167, de 15/09/2009, proc. 2635/07.1YXLSB.P1 e de 18/01/2011, proc. 213/08.7TBARC.P1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp].
Até aqui seguiu-se de perto o que consta do acórdão desta Relação de 29/05/2012 [proferido no proc. 212/11.1TVPRT.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp], relatado pelo também aqui relator, e que foi citado na decisão recorrida.
Nele, como noutros por nós relatados nesta Relação [caso do acórdão de 14/05/2013, proferido por este Colectivo de Juízes no proc. 2237/12.0YIPRT.P1, não publicado], o demandado/réu e contestante era o próprio devedor.
Mas não é esta a situação dos autos. Nestes não foi a própria devedora que contestou a acção, pois faleceu antes de ser citada; quem contestou a pretensão da instituição hospitalar autora foi a filha da devedora, habilitada, no apenso, como sucessora desta.
Mas o Tribunal «a quo» não atentou nesta particularidade, tendo decidido como se fosse a própria devedora que estivesse na acção como parte passiva.
Ora, o Autor citado pela recorrente na conclusão 6 das suas doutas alegações [Vaz Serra, in “Prescrição e Caducidade”, BMJ 106, pg. 54] depois de afirmar que “não pode opor a prescrição presuntiva, por exemplo, o devedor que negou a existência da dívida ou impugnou o seu montante”, esclarece “que deve distinguir-se entre o devedor originário e os seus herdeiros, podendo estes, e não aquele, cumular a excepção de inexistência da dívida com a da prescrição presuntiva, visto não lhe ser pessoal o facto da existência da dívida”. E mais adiante [pg. 57] acrescenta: “Quando o pagamento seja exigido ao herdeiro do devedor, parece dever poder ele invocar a excepção de prescrição presuntiva, apesar de alegar também a inexistência da dívida, dado que a existência da dívida não é um facto pessoal seu, mas do devedor: o herdeiro não foi quem contraiu a dívida e pode, portanto, ignorar se ela existe ou não, de modo que a sua alegação da inexistência da dívida não pode fazer presumir que ela não foi paga. Mas se o herdeiro sabia o que se passava, já essa alegação pode ser incompatível com a presunção de pagamento” [este entendimento tem a concordância de Pires de Lima e Antunes Varela, obr. e vol. cit., pg. 283].
Neste sentido que fica enunciado, em casos em que o contestante não era o devedor originário, mas um herdeiro, decidiram também os dois arestos que a recorrente refere nas conclusões 7 e 8 das alegações [Acórdãos da Relação de Guimarães de 30/11/2005, proc. 1822/05.2, disponível in www.dgsi.pt/jtrg e da Relação de Lisboa de 28/09/2010, proc. 3107-C/1993.L1-1, disponível in www.dgsi.pt/jtrl, respectivamente, com os seguintes sumários sobre a questão em apreço: “Só constitui acto incompatível com a presunção de cumprimento a impugnação tácita da dívida por parte daquele que a contraiu, que não por parte de um eventual terceiro a quem essa dívida se comunique, pelas especiais relações que possua com o contraente (v.g, cônjuge do devedor ou co-herdeiro sem determinação de parte ou direito)” e “É incompatível com a presunção de cumprimento ter o devedor negado a existência da dívida ou ter discutido o seu montante. Mas se o pagamento for exigido a um herdeiro, já esses factos poderão não ser incompatíveis com a presunção de pagamento, pois o herdeiro não é obrigado a conhecer as dívidas do autor da herança”].
Temos como correctíssima esta especificidade atinente aos casos em que não é o devedor originário que está na acção [em que não foi ele que a contestou], mas sim um seu herdeiro.
Por isso, nada impedia que a ré [habilitada] invocasse, no caso «sub judice», a aludida excepção da prescrição presuntiva e impugnasse a existência do crédito da autora; até porque esta não alegou, nem provou, que a habilitada filha da devedora originária soubesse da existência da dívida e/ou do seu não pagamento.
A recorrida, nas conclusões IX a XII das suas doutas contra-alegações, defende que a ré se contradiz entre o que alegou no art. 1º e o que referiu no art. 8º da contestação [ali invocou o pagamento do crédito; neste alegou que “desconhece … a factura a que se refere a requerente no seu requerimento inicial, motivo pelo qual se impugna o teor de tal articulado”; e entende que daí, sem mais, resultaria ilidida a prescrição presuntiva prevista na al. a) do art. 317º.
Com o devido respeito, a recorrida não tem razão.
A ré, com a transcrita afirmação, não impugnou nenhum concreto documento que a autora tivesse já então junto aos autos. Disse apenas desconhecer “a factura a que se refere a requerente no seu requerimento inicial” porque a autora não a juntou com tal articulado [nele limitou-se a fazer-lhe uma vaga referência, sem indicação do seu número, da data de emissão, dos concretos serviços e tratamentos prestados e respectivos valores parciais e das datas em que uns e outros ocorreram]; só veio a fazê-lo quando, indevidamente [já que foi depois, a fls. 131-132, ordenado o respectivo desentranhamento, que não da factura com ele apresentada], apresentou articulado de resposta à excepção da prescrição presuntiva deduzida pela ré [tal factura só foi junta a fls. 28 e segs., enquanto a contestação consta de fls. 20 e 21]. Não estando essa factura então junta aos autos é manifesto que a ré não impugnou o seu exacto e concreto teor; afirmou unicamente desconhecer a que factura se referia a autora no articulado inicial. E só neste contexto ou, como consta do dito art. 8º da contestação, por esse “motivo”, de falta de suporte documental das importâncias ali alegadas [faz-se ali apenas menção a 9.137,00€ de capital e a 1.441,89€ de juros de mora vencidos], é que a ré impugnou o teor do requerimento/petição inicial.
Não existe, portanto, defesa contraditória da ré naqueles dois artigos da contestação.
Como tal, face a tudo o que fica exposto, não havia motivos para que o Tribunal «a quo» entendesse, na douta decisão recorrida, existir essa defesa contraditória e, por via dela, a apontada confissão tácita da existência da dívida, pelo que não podia, assim, ter julgado improcedente a mencionada excepção peremptória, sendo certo que quer desde a data do termo da prestação dos serviços invocados pela autora, quer desde a data a emissão da factura [16/12/2005], quer, ainda, desde a data em que o A/R fotocopiado a fls. 75 se mostra assinado [15/07/2006], até à data em que a presente acção foi instaurada [07/12/2009 – cfr. indicação constante da parte superior esquerda do requerimento de injunção de fls. 1], decorreram mais de dois anos, ou seja, foi excedido o prazo fixado na al. a) do citado art. 317º [não havendo sequer que atender à data da citação da ré, ocorrida, necessariamente, em momento posterior à referida em último lugar, apesar de ser esta – a data da citação – e não aquela data da propositura da acção a que, efectivamente, releva para efeito de interrupção da prescrição – nºs 1 e 2 do art. 323º do CCiv.]; e não decore dos autos [incluindo dos factos provados] que tal prescrição tenha sido interrompida por alguma das formas previstas nos arts. 323º nº 4, 324º e 325º do CCiv..
4.2. Aqui chegados há, então, que questionar se esta Relação pode revogar aquela decisão face ao que se mostra provado na al. e) do ponto 3 da douta sentença entretanto proferida, onde consta que “a R. não pagou à A. a quantia mencionada em b)”, ou seja, a quantia de 9.137,00€ correspondente aos serviços e bens hospitalares prestados à falecida B….
Estabelece o nº 1 do art. 313º, supra citado, que “a presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão”.
Ensina o Autor atrás indicado [Vaz Serra, obr. e loc. cit., pg. 59] que, em casos como o presente, em que o réu é um herdeiro do devedor originário, parece razoável que o credor possa exigir dele “que deponha sobre se tem conhecimento da extinção da dívida”, pois se assim não fosse ele “poderia alegar a prescrição presuntiva, mas não estaria sujeito ao depoimento de ciência, o que transformaria a prescrição em extintiva”.
Quer isto significar que mesmo nestes casos especiais [como atrás lhes chamámos] continua a valer o regime estreito fixado naquele art. 313º: a presunção de cumprimento só pode ser ilidida por confissão do réu habilitado, seja ela escrita ou prestada no âmbito de depoimento de parte, mas não são admitidos outros meios de prova para tal fim.
Ora, confissão escrita do não pagamento da dívida não existe nos autos. E a autora não requereu que a ré [habilitada] prestasse depoimento de parte em julgamento. Indicou apenas e só duas testemunhas para, além do mais que aqui não releva, fazerem prova do não pagamento da dívida peticionada.
Como é evidente, o Tribunal «a quo» não podia ter admitido esta prova testemunhal, por proibida por aquele art. 313º nº 1, uma vez que a referenciada presunção de cumprimento não se encontrava afastada pela contestação deduzida pela demandada habilitada.
Tendo-a admitido e assentando aquele facto da al. e) dos factos provados nessa mesma prova testemunhal - até porque nenhum dos documentos juntos aos autos revela, por si só ou em conjunto com os demais, que o crédito da autora não tivesse sido pago -, terá de concluir-se que o mesmo não podia ter sido considerado provado, havendo que determinar, como pretende a recorrente na parte em que impugna a materialidade fáctica que vem dada como provada [conclusões 14 e segs.], a sua eliminação do respectivo elenco do ponto 3 da douta sentença e do ponto III deste acórdão.
4.3. Ante o que fica exposto, impõe-se a revogação da douta decisão que julgou improcedente a apontada excepção peremptória e, bem assim, a revogação da douta sentença, na medida em que, com a eliminação do facto constante da al. e) dos factos provados, não ilidiu a autora a presunção de cumprimento que beneficiava a ré.
E fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas pela recorrente nas suas doutas alegações/conclusões, referentes aos demais factos que vêm dados como provados, sendo certo que não lhe assistiria razão quanto ao que alega acerca dos documentos juntos a fls. 28 a 75, já que, face a dúvidas surgidas com a extensão ou amplitude do desentranhamento ordenado a fls. 131-132 [se se referia apenas ao articulado de resposta da autora ou também aos dois documentos com esta apresentados - fls. 28 a 74: factura relativa aos serviços e tratamentos prestados à falecida B…; fls. 75: cópia de um A/R remetido pela autora a esta B… e que contém a assinatura da ora recorrente, nela aposta em 15/07/2006], o Mmo. Juiz «a quo» consignou em despacho exarado na acta de fls. 132-A a 132-C que: “Uma vez que no decurso desta audiência e diga-se, em abono da verdade, até muito pertinentemente, foi suscitada pela ilustre Mandatária da Ré a questão de saber se os documentos constantes de fls. 28 a 75 faziam ou não parte integrante do processo, porquanto tal dúvida se suscitaria em virtude do despacho exarado na anterior ata de audiência de julgamento, foi por mim dito às ilustres Mandatárias das partes que tais documentos faziam, de facto, parte integrante do processo, tendo as mesmas tido, como tiveram, possibilidade de confrontar abundantemente as testemunhas com o respectivo teor”; despacho este que não foi impugnado por nenhuma das partes.
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Síntese conclusiva:
● A prescrição presuntiva não funciona [não pode ser declarada] quando o réu devedor, demandado na acção para cobrança da dívida, pratica em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento que é inerente àquela figura, o que acontece, designadamente, nos casos em que nega a dívida, discute o seu montante, não alega com clareza que pagou a concreta dívida que é peticionada, reconhece não ter cumprido a obrigação, etc..
● Tal regra não funciona, porém, quando, em vez do devedor, a dívida é exigida a um seu herdeiro. Neste caso, este pode, em princípio, cumular a invocação daquela excepção da prescrição presuntiva com a impugnação da existência da dívida, por esta não resultar de um facto pessoal seu [não foi ele que a contraiu]; mas se ele souber da existência da dívida e do seu não pagamento [cuja factualidade cabe ao autor/credor alegar e provar], já essa defesa [invocação daquela excepção peremptória e impugnação da existência da dívida] será incompatível com a presunção de pagamento, importando confissão tácita do não pagamento da mesma.
● Não tendo o credor alegado [nem, consequentemente, provado] o que consta da parte final do ponto anterior, a presunção de cumprimento em que se funda a prescrição presuntiva só pode ser ilidida por confissão do réu habilitado [herdeiro do devedor originário], por escrito ou prestada no âmbito de depoimento de parte, não sendo admitidos outros meios de prova para tal fim.
● Tendo o Tribunal recorrido dado como provado, com base em prova testemunhal que, indevidamente, admitiu, que a dívida peticionada não se encontra paga, tal facto deve ser eliminado por assentar em prova não admissível.
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V. Decisão:
Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em:
1º) Julgar o recurso procedente e revogar o aludido despacho e a sentença recorridos, declarando a procedência da excepção da prescrição presuntiva invocada pela ré e absolvendo-a do pedido.
2º) Condenar a autora/recorrida nas custas, por ter decaído totalmente na pretensão que deduziu nos autos.
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Porto, 2014/01/21
M. Pinto dos Santos
Francisco Matos
Maria João Areias