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JULGAMENTO
DEBATE INSTRUTÓRIO
MARCAÇÃO DE DATA POR ACORDO
Sumário
I - O disposto no art. 155º do CPC é aplicável à designação da data para julgamento (como estabelece o art. 312º, nº 4, do CPP), mas já não é aplicável à designação de data para debate instrutório (art. 297º do CPP), o que se compreende tendo em atenção a natureza e finalidades distintas quer da fase do julgamento, por um lado, quer da fase da instrução, por outro lado. II - No nº 2 do art. 297º do CPP (designação de data para o debate), ao remeter para o art. 312º do mesmo código, o legislador apenas considerou aplicável o seu nº 3 (por aí se prever um regime de marcação prioritário quando o arguido estiver sujeito a prisão preventiva ou com obrigação de permanência na habitação). III - O legislador, propositadamente, não quis aplicar o disposto no art. 155º do CPC ao regime que estabeleceu para a designação de data para o debate instrutório, o que significa igualmente que não é caso de invocar o disposto no art. 4º do CPP, já que não existe qualquer lacuna nessa matéria. IV - Assim, querer aplicar o regime previsto no art. 155º do CPC à designação de data para debate instrutório, com recurso ao disposto no art. 4º do CPP, seria ilegal por subverter e violar a vontade do legislador, para além de contrariar a filosofia subjacente à fase instrutória, que se pretende célere e, portanto, apresenta um processado simplificado. V - Mesmo que assim não fosse, porque o requerimento em que foi pedido o adiamento do debate instrutório não se mostrava conforme com o disposto no art. 155º, nº 2, do CPC (dele nem consta que as datas alternativas propostas para o debate instrutório tivessem sido indicadas após contacto com os restantes mandatários interessados), não podiam os arguidos, nem o respectivo mandatário, ter a expectativa de ser adiada a data do debate instrutório, razão pela qual sempre se teria de concluir pelo indeferimento da irregularidade invocada.
Texto Integral
(processo nº 517/12.4piprt-A.P1)
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO 1. Nos autos de instrução nº 517/12.4PIPRT, do 1º Juízo – A do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, designado o dia 3.7.2013 para debate instrutório, veio o mandatário dos arguidos pedir a marcação de nova data, indicando as que lhe convinham “ao abrigo do art. 155º, nº 2, do CPC” (fls. 227 desses autos de instrução e fls. 2 destes autos de recurso em separado), o que foi indeferido por despacho de 2.7.2013, após o que foi apresentado requerimento a arguir irregularidade, sobre o qual recaiu o seguinte despacho proferido em 3.7.2013: Requerimento que antecede: Visto. Os arguidos, notificados do despacho de fls. 228, que lhes desatendeu o pedido de adiamento do Debate instrutório, e por discordarem dos fundamentos que o sustentam, entendem que a situação consubstancia uma irregularidade nos termos do disposto no art. 123º, do C.P.P., requerendo a sua reparação e consequentemente, se designe nova data para o efeito, dentro das indicadas. Salvo o devido respeito por melhor e outra posição, entendemos que a questão não contempla, desde logo, qualquer irregularidade a apreciar nos termos do prescrito no referido preceito legal, nem de qualquer eventual reparação, por o despacho em apreço não conter qualquer lapso susceptível de correção, pelo menos nos termos requeridos. É certo que assiste razão aos arguidos no que concerne à aplicação do prescrito no art. 155º do C.P.C., “ex vi” do art. 312º, do C.P.P., mas tão só em fase de julgamento, já não em fase de instrução, e muito menos ao adiamento do debate instrutório, daí que, quando no referido despacho se refere “em processo penal não tem aplicabilidade o prescrito no art. 155º, do C.P.C:”, deveria ter-se complementado, com a referência, “em fase de instrução”. Porquanto, em processo penal, só têm aplicabilidade as regras do processo civil, nas situações referenciadas no art. 4º, do C.P.P., designadamente, nos casos omissos, que não é o caso, na medida em que, o art. 300º do C.P.P., prescreve expressamente, as situações em que é admissível o adiamento do debate instrutório, não se encontrando ali consignada, a falta do Ilustre Mandatário ou Defensor. Ora, o despacho em crise, foi proferido de acordo com o nosso entendimento, resultante da interpretação que damos aos dispositivos legais invocados, daí que, não se está perante qualquer irregularidade, nem tal despacho é passível de qualquer correção e, de reparo, se for objecto de recurso e por apreciação Superior. Nesta conformidade, julgamos improcedente por não provada a irregularidade suscitada, desatende-se a pretensão dos arguidos, por inadmissibilidade legal, mantemos na íntegra o despacho de fls. 228, e por conseguinte, vai de imediato proceder-se ao debate instrutório, conforme e nos termos ali designados.
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2. Por discordar desse despacho recorreu o arguido B…, apresentando as seguintes conclusões:
I- Após acusação pelo Ministério Público de um crime de ofensa à integridade física, o arguido constituiu Mandatário e requereu a abertura de instrução.
II- O tribunal a quo marcou data para a realização do debate instrutório, em dia e hora que o Mandatário do arguido estava impedido de comparecer, em consequência de outro serviço judicial já marcado.
III- O arguido expôs tal facto ao tribunal a quo e requereu a marcação de nova data para a realização do debate instrutório, nos termos do disposto no artigo 155º, nº 2 do CPC.
IV- O tribunal a quo respondeu dizendo que “(…) em processo penal não tem aplicabilidade o prescrito no artigo 155º do CPC” e que “(…) Nos termos do preceituado no art. 300º do CPP, a falta do ilustre mandatário, no debate instrutório, não é motivo de adiamento (…)”.
V- Não concordando com tal decisão, o arguido respondeu suscitando “(…) uma irregularidade, nos termos do disposto no artigo 123º do CPP, por violação do disposto no artigo 155º do CPC, por remissão do disposto no artigo 4º do CPP”.
VI- No dia e hora fixados, o tribunal a quo proferiu despacho, em que julgou improcedente essa irregularidade, considerando que o preceituado no artigo 155º CPC, por remissão do artigo 312º, nº 4 do CPP, apenas tem aplicação “(…) em fase de julgamento, já não em fase de instrução, e muito menos ao adiamento do debate instrutório” e concluindo que “(…) em processo penal só têm aplicabilidade as regras do processo civil, nas situações referenciadas no art. 4º do CPP, designadamente, nos casos omissos, que não é o caso (…)”, realizando o debate instrutório com despacho de pronúncia do arguido.
VII- Com o devido respeito, que é muito, o tribunal a quo, andou mal ao julgar improcedente a irregularidade suscitada pelo arguido.
VIII- O preceituado no artigo 155º do CPC é directamente aplicável ao processo penal, tal como decorre de forma clara do disposto no artigo 312º nº 4 do CPP.
IX- O próprio CPP prevê a aplicação do CPC, nos termos do preceituado no artigo 4º do CPP.
X- Acresce que o arguido tem o direito de escolher o seu defensor e ser por ele assistido em todos os actos do processo, conforme consta do artigo 32º nº 3 da CRP, pelo que a interpretação do tribunal a quo do preceituado no artigo 300º do CPP, viola de forma evidente a norma constitucional supra referenciada.
XI- Perante os factos supra expostos, não há fundamento para o tribunal a quo tenha julgado improcedente a irregularidade suscitada do arguido e, em consequência realizado o debate instrutório, impedindo o arguido de ser assistido pelo seu mandatário e exercer a sua defesa de forma adequada.
Termina pedindo que revogada a decisão que julgou improcedente a irregularidade suscitada, seja substituída por outra que reconheça a dita irregularidade, considerando inválidos todos os actos posteriores à mesma e, consequentemente, seja ordenada a marcação de nova data para a repetição do debate instrutório, devendo, ainda, ser declarada a inconstitucionalidade arguida.
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3. Respondeu o Ministério Público na 1ª instância, o qual pugnou pela confirmação da decisão impugnada.
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4. A assistente C… também respondeu ao recurso, pugnando pelo seu não provimento.
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5. A Srª Juiz de Instrução manteve o despacho sob recurso, com os fundamentos nele invocados.
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6. Neste Tribunal da Relação, a Srª. PGA emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso, por manifesta improcedência.
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7. Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP.
Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
O arguido/recorrente impugna o despacho proferido em 3.7.2013, acima transcrito (o qual, indeferiu o requerimento apresentado a arguir irregularidade do despacho proferido em 2.7.2013), argumentando que se verifica a irregularidade por si apontada, uma vez que a Srª. Juiz de Instrução, perante o requerimento do seu Advogado a pedir o adiamento da data do debate instrutório, por estar impedido em serviço noutros tribunais, ao abrigo do art. 155º do CPC, aplicável ex vi do art. 4º do CPP, deveria ter designado nova data para aquele acto (debate instrutório), não podendo invocar o disposto no art. 300º do CPP, sem previamente cumprir o citado art. 155º do CPC, pelo que fez uma interpretação inconstitucional daquelas normas, violando o disposto no art. 32º, nº 3, da CRP, impossibilitando-o de ser assistido pelo seu Advogado naquele acto processual.
Para conhecer da questão colocada pelo recorrente, importa ter em atenção os seguintes elementos que resultam destes autos de recurso em separado:
a) Nos autos de instrução acima indicados, após ser designado o dia 3.7.2013 para debate instrutório, os arguidos B…, D… e E… (que haviam requerido a abertura de instrução), vieram “requerer e expor o seguinte:
1. O mandatário dos arguidos está impedido no dia 03.07.2013, porquanto tem que estar presente às 9:30 no Tribunal Judicial de Matosinhos, para leitura de sentença do processo nº 5033/11.9TAMTS, e na mesma data, às 11:00 horas, terá que estar presente, no Tribunal Judicial de Penafiel, no acto de instrução a realizar no âmbito do proc. nº 910/10.7TAPNF.
2. Assim, vem ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 155º do CPC, requerer marcação de nova data, indicando a sua disponibilidade para os dias 05 e 09.07.2013, todo dia, 10.07.2013 (parte da manhã), 12.07.2013, todo o dia, 04.09.2013 todo o dia e 11.09.2013 parte da tarde.
3. Os arguidos requereram a separação do processo, por forma a poderem ser ouvidos na qualidade de testemunhas, nos processos e nos alegados crimes imputados aos seus irmãos, pelo que aguardam o respectivo deferimento.
R.D.E.
Junta: duplicados legais.”
b) Pronunciando-se sobre esse requerimento (junto aos autos de instrução a fls. 227), a Srª. JI proferiu em 2.7.2013 o seguinte despacho, constante de fls. 228 dos mesmos autos de instrução: Requerimento de fls. 227: Visto. Desde logo cabe referir que, em processo penal, não tem aplicabilidade o prescrito no art. 155º do CPC. Nos termos do preceituado no art. 300º do CPP, a falta do ilustre mandatário, no debate instrutório, não é motivo de adiamento, que, se não for conferido substabelecimento, o Tribunal, nomeará defensor aos arguidos, nos termos e para os efeitos legais. Nesta conformidade, por inadmissibilidade legal, desatende-se a pretensão ali requerida e, consequentemente, para a realização da respectiva diligência, mantém-se a data designada no despacho de fls. 186.
c) Inconformados com esse despacho do qual foram notificados, B… e outros, arguidos nos autos aí melhor identificados, apresentaram requerimento, do seguinte teor:
1. Com o devido respeito que é muito, a afirmação “(…) em processo penal não tem aplicabilidade o prescrito no art. 155º CPC”, só se entende por mero lapso.
2. Decorre de forma cristalina e expressa do preceituado no artigo 312º, nº 4 do CPP a aplicação do disposto no artigo 155º do CPC.
3. Acresce que, desde logo o preceituado no artigo 4º do CPP, remete para o CPC.
4. O preceituado no artigo 300º só se aplica depois de esgotado o prazo legal para a invocação do artigo 155º do CPC, e caso este não seja invocado de forma justificada.
5. Outra coisa não se entenderia, considerando que os Mandatários não têm o dom da ubiquidade.
6. Acresce que o arguido tem o direito de escolher o seu defensor e ser por ele assistido em todos os actos do processo, nos termos do disposto no artigo 32º nº 3 da CRP.
7. Pelo exposto, a douta decisão ao desatender o requerimento de marcação de nova data constitui uma irregularidade, nos termos do disposto no artigo 123º do CPP, por violação do disposto no artigo 155º do CPC, por remissão do disposto no artigo 4º do CPP.
8. Irregularidade essa que desde já se argui expressamente.
Pelo exposto, e porque a supra irregularidade pode afectar o valor do acto praticado, requer a V. Exª se digne ordenar a reparação da mesma, procedendo a nova marcação das datas já indicadas.
(…)
d) Sobre esse requerimento recaiu o despacho proferido em 3.7.2013, acima transcrito, que consta da acta de debate instrutório realizado em 3.7.2013.
e) Nessa acta relativa ao debate instrutório não constam como presentes os arguidos, nem o respectivo Advogado (seu Mandatário), mas foi-lhes (aos arguidos) nomeado defensor oficioso nos termos do art. 64º, nº 1, do CPP, que esteve presente e assumiu a defesa daqueles (como resulta da mesma acta).
f) Segundo consta da certidão de fls. 1 destes autos de recurso, o despacho recorrido de 3.7.2013 foi notificado “aos sujeitos processuais por via postal registada expedida em 05/07/2013”, tendo sido interposto o recurso aqui em apreço por fax em 23.9.2013, sendo junto o original em 24.9.2013.
Pois bem.
Como se verifica do teor dos requerimentos apresentados pelos arguidos supra identificados e do teor do recurso, não está em causa que os mesmos, bem como o seu ilustre Mandatário, foram devidamente convocados para o debate instrutório (acto obrigatório na fase de instrução) e que os arguidos nele não estiveram presentes porque não quiseram (sendo certo que destes autos de recurso em separado também não consta que tivesse sido determinada a sua presença obrigatória no debate instrutório e, da acta do debate instrutório, não resulta que tivesse sido considerada necessária a sua presença).
Também não consta que os próprios arguidos (que não o seu Mandatário que invocou serviço noutros tribunais que o impossibilitava de estar presente no debate instrutório, nos termos indicados no requerimento supra referido junto a fls. 227 dos autos de instrução) tivessem comunicado ao tribunal, até ao início do debate instrutório, que queriam estar presentes nesse acto e estivessem impedidos de o fazer.
Por isso, compreende-se que não tivesse sido adiado o debate instrutório, com fundamento na falta dos arguidos (art. 300º, nº 1, do CPP).
Também, por ter nomeado defensor oficioso aos arguidos para aquele acto, nos termos do art. 64º, nº 1, do CPP (como o documenta a respectiva acta, onde estão identificados os presentes no acto) e depois ter indeferido a arguida irregularidade, a Srª. Juiz, por não ter motivo para adiamento (cf. art. 300º do CPP) realizou o debate instrutório, acabando por pronunciar os arguidos nos termos exarados na respectiva decisão instrutória.
A questão está em saber se o despacho proferido em 3.7.2013, acima transcrito (o qual, indeferiu o requerimento apresentado a arguir irregularidade do despacho proferido em 2.7.2013), deve ser revogado, por se verificar irregularidade, por a Srª. Juiz de Instrução, perante o requerimento do Advogado do recorrente, não ter observado o disposto no art. 155º do CPC, na sua perspectiva, aplicável ex vi do art. 4º do CPP.
Na óptica do recorrente, a Srª. Juiz de Instrução ao designar dia para o debate instrutório e após a apresentação do seu requerimento a pedir o adiamento do debate instrutório, deveria ter cumprido o disposto no art. 155º do CPC e, na visão daquela Magistrada, aquele dispositivo não tem aplicação na fase de instrução.
Dispunha o artigo 155º (marcação e adiamento de diligências) do CPC[1], na versão então vigente, aplicável ao caso:
1 - A fim de prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devam comparecer os mandatários judiciais, deve o juiz providenciar pela marcação do dia e hora da sua realização mediante prévio acordo com aqueles, podendo encarregar a secretaria de realizar, por forma expedita, os contactos prévios necessários.
2 - Quando a marcação não possa ser feita nos termos do número anterior, devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço judicial já marcado comunicar o facto ao tribunal, no prazo de cinco dias, propondo datas alternativas, após contacto com os restantes mandatários interessados.
3 - O juiz, ponderadas as razões aduzidas, poderá alterar a data inicialmente fixada, apenas se procedendo à notificação dos demais intervenientes no acto após o decurso do prazo a que alude o número anterior.
4 - Logo que se verifique que a diligência, por motivo imprevisto, não pode realizar-se no dia e hora designados, deve o tribunal dar imediato conhecimento do facto aos intervenientes processuais, providenciando por que as pessoas convocadas sejam prontamente notificadas do adiamento.
5 - Os mandatários judiciais devem comunicar prontamente ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença e que determinem o adiamento de diligência marcada.
No processo penal, o legislador previu expressamente a aplicação do referido art. 155º do CPP, quanto à data do julgamento, portanto, na fase do julgamento.
Estabelece o artigo 312º (data da audiência) do CPP:
1 - Resolvidas as questões referidas no artigo anterior, o presidente despacha designando dia, hora e local para a audiência. Esta é fixada para a data mais próxima possível, de modo que entre ela e o dia em que os autos foram recebidos não decorram mais de dois meses.
2 - No despacho a que se refere o número anterior é, desde logo, igualmente designada data para realização da audiência em caso de adiamento nos termos do n.º 1 do artigo 333.º, ou para audição do arguido a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado ao abrigo do n.º 3 do artigo 333.º
3 - Sempre que o arguido se encontrar em prisão preventiva ou com obrigação de permanência na habitação, a data da audiência é fixada com precedência sobre qualquer outro julgamento.
4 - O tribunal deve marcar a data da audiência de modo a evitar a sobreposição com outros atos judiciais a que os advogados ou defensores tenham a obrigação de comparecer, aplicando-se o disposto no artigo 155.º do Código de Processo Civil.
Já quanto à fase de instrução, particularmente quanto à marcação do debate instrutório, estipula o artigo 297º (designação da data para o debate) do CPP:
1 - Quando considerar que não há lugar à prática de actos de instrução, nomeadamente nos casos em que estes não tiverem sido requeridos, ou em cinco dias a partir da prática do último ato, o juiz designa dia, hora e local para o debate instrutório. Este é fixado para a data mais próxima possível, de modo que o prazo máximo de duração da instrução possa em qualquer caso ser respeitado.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 312.º
3 - A designação de data para o debate instrutório é notificada ao Ministério Público, ao arguido e ao assistente pelo menos cinco dias antes de aquele ter lugar. Em caso de conexão de processos nos termos das alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo 24.º, a designação da data para o debate instrutório é notificada aos arguidos que não tenham requerido a instrução.
4 - A designação de data para o debate é igualmente notificada, pelo menos três dias antes de aquele ter lugar, a quaisquer testemunhas, peritos e consultores técnicos cuja presença no debate o juiz considerar indispensável.
5 - É correspondentemente aplicável o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 116.º e nos artigos 254.º e 293.º
Por seu turno, dispõe o invocado artigo 300º (adiamento do debate) do mesmo CPP:
1 - O debate só pode ser adiado por absoluta impossibilidade de ter lugar, nomeadamente por grave e legítimo impedimento de o arguido estar presente.
2 - Em caso de adiamento, o juiz designa imediatamente nova data, a qual não pode exceder em 10 dias a anteriormente fixada. A nova data é comunicada aos presentes, mandando o juiz proceder à notificação dos ausentes cuja presença seja necessária.
3 - Se o arguido renunciar ao direito de estar presente, o debate não é adiado com fundamento na sua falta, sendo ele representado pelo defensor constituído ou nomeado.
4 - O debate só pode ser adiado uma vez. Se o arguido faltar na segunda data marcada, é representado pelo defensor constituído ou nomeado.
Conhecendo-se a natureza e finalidades distintas da fase da instrução e da fase de julgamento, percebe-se que o legislador, no âmbito dos seus poderes de conformação, tivesse estabelecido regime diferente para a designação de data para o debate instrutório e para a designação de audiência de julgamento.
Para o efeito, importa desde logo ter presente que a instrução, uma das fases preliminares (conferir também respectiva inserção sistemática no Livro VI da Parte Segunda do CPP), destina-se, consoante os casos, ou a comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação ou a proceder ao controlo judicial da decisão do MºPº de arquivar, sempre tendo em vista a submissão ou não da causa a julgamento (art. 286º, nº 1, CPP).
Enquanto fase jurisdicional[2] (ainda que facultativa), a instrução compreende a prática dos actos necessários que permitam ao juiz de instrução proferir a decisão final (decisão instrutória) de submeter ou não a causa a julgamento.
A instrução não é um pré-julgamento, nem tão pouco se traduz numa forma de completar a investigação feita no inquérito[3].
Ora, o legislador quis aplicar o disposto no art. 155º do CPC à designação da data para julgamento e quis não aplicar o mesmo dispositivo à designação de data para debate instrutório, precisamente tendo em atenção a natureza e finalidades distintas quer da fase do julgamento por um lado, quer da fase da instrução por outro lado.
E, por isso é que, no nº 2 do art. 297º (designação de data para o debate) do CPP, ao remeter para o art. 312º do mesmo código, apenas considerou aplicável o seu nº 3, por aí se prever um regime de marcação prioritário quando o arguido estiver sujeito a prisão preventiva ou com obrigação de permanência na habitação.
Como é claro, conhecendo o disposto no art. 155º do CPC, o legislador não quis aplicar essa norma à designação de data para o debate (art. 297º do CPP) e, por isso, também não remeteu para o nº 4 do art. 312º do CPP.
Portanto, não temos dúvidas que o legislador propositadamente não quis aplicar o disposto no art. 155º do CPC ao regime que estabeleceu para a designação de data para o debate instrutório, o que significa igualmente que não é caso de invocar o disposto no art. 4º do CPP, já que não existe qualquer lacuna nessa matéria.
Assim, querer aplicar o regime previsto no art. 155º do CPC à designação de data para debate instrutório, com recurso ao disposto no art. 4º do CPP (como pretende o recorrente), seria ilegal por subverter e violar a vontade do legislador, para além de contrariar a filosofia subjacente à fase instrutória, que se pretende célere e, portanto, apresenta um processado simplificado.
O diferente regime estabelecido para a designação de data para o debate instrutório e para a designação de data para o julgamento mostra-se racionalmente justificado, atenta a diversa natureza e finalidade desses dois actos processuais, que se inserem em fases distintas do processo.
Portanto, embora em parte por fundamento diverso do invocado pela Srª. JI, entendemos que não foi cometida a irregularidade invocada, por não ser caso de aplicar o disposto no art. 155º do CPC.
Daí que não mereça censura a decisão impugnada quando indeferiu a irregularidade arguida.
Por outro lado, uma vez que no debate instrutório (acto obrigatório da instrução) tem de ser sempre assegurada a defesa do arguido, que é obrigatoriamente assistido por defensor (art. 64º, nº 1, al. c), do CPP), não existe qualquer colisão com o disposto no art. 32º, nº 3, da CRP.
Dispõe o nº 3 do citado art. 32º (garantias de processo criminal) da CRP que “O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória.”
A lei, o CPP estabelece os casos em que é obrigatória a presença do arguido e em que é obrigatória a presença e a assistência do advogado ou defensor oficioso, em conformidade com o disposto naquela norma constitucional.
Neste caso concreto não se pode dizer (como o faz o recorrente) que foi violado o disposto no artigo 32º, nº 3, da CRP, ou que a Srª. JI fez uma interpretação inconstitucional do disposto nos arts. 300º do CPP e do art. 155º do CPC.
É que os arguidos (entre eles o recorrente) foram assistidos por defensor oficioso no debate instrutório realizado, defensor esse (nomeado para aquele acto) que assumiu a sua defesa, como se verifica da respectiva acta.
A ausência de advogado constituído, tal como de defensor nomeado, não dá lugar a adiamento por ser substituído nos termos gerais (arts. 64º e 67º do CPP).
Se os arguidos, nomeadamente o recorrente, quisessem que fosse substituído o defensor, nomeado para aquele acto, deveriam no debate instrutório usar da prorrogativa conferida pelo art. 66º, nº 3, do CPP, invocando factos integradores de “causa justa”.
No entanto, assim não procederam, como resulta da acta do debate instrutório.
Se o defensor oficioso nomeado para o acto entendesse que necessitava de conferenciar com os arguidos ou necessitava de prazo para assumir aquela defesa, teria recorrido ao disposto no art. 67º, nº 2, do CPP, pedindo a interrupção daquele acto, ou, caso fosse absolutamente necessário, teria sugerido à Srª. JI que adiasse o acto nos termos do nº 3 da mesma norma.
Todavia, também assim não procedeu, antes tendo assumido a defesa dos arguidos, como se verifica da acta.
O estabelecido no art. 300º, nº 1, do CPP, permite o adiamento do debate instrutório por absoluta impossibilidade de ter lugar (o que pode suceder, nomeadamente, por grave e legítimo impedimento do arguido estar presente, o que exige que o mesmo manifeste atempadamente a vontade de estar presente e indique e prove o grave e legítimo impedimento para esse efeito).
No entanto, essa absoluta impossibilidade de ter lugar o debate instrutório, não ocorreu.
A presença dos arguidos no debate instrutório não era obrigatória e, na falta do seu Mandatário, foram os mesmos assistidos pelo defensor oficioso nomeado para o acto, que assumiu a sua defesa.
Assim, pelo que se verifica da acta relativa ao debate instrutório, indeferida que foi a irregularidade arguida (sendo certo que, como acima já se demonstrou, não foi cometida a irregularidade invocada, por ao caso não ser aplicável o disposto no art. 155º do CPC), não houve qualquer razão ou motivo que justificasse a interrupção daquele acto ou o seu adiamento.
Por isso, foi realizado o debate instrutório, com observância do formalismo legal, sendo proferida a respectiva decisão instrutória.
Nem o recorrente sequer invocou que tivesse sido prejudicado no seu direito de defesa, quando no debate instrutório foi assistido por defensor oficioso nomeado para o acto.
Tão pouco no requerimento em que arguiram a irregularidade os arguidos invocaram a inviabilidade do seu mandatário substabelecer (possibilidade de substabelecer que é do conhecimento comum) ou indicaram qualquer motivo válido pelo qual se verificasse que a sua defesa no debate instrutório só era devidamente assegurada com o concreto Advogado que mandataram e que subscreveu o pedido de adiamento.
A inércia dos arguidos e a forma como foram reagindo é da sua responsabilidade, razão pela qual não podem imputar ao tribunal a culpa por não haver motivo para o adiamento do debate instrutório.
Por outro lado, ainda que assim não fosse (o que apenas se admite como hipótese teórica) também convém lembrar que nem sequer o requerimento em que foi pedido o adiamento do debate instrutório se mostrava conforme com o disposto no art. 155º, nº 2, do CPC.
O respectivo Mandatário não podia desconhecer o formalismo indicado naquele preceito por si invocado e, portanto, que as datas alternativas que viesse a indicar, dependiam de prévio contacto com os restantes mandatários interessados.
No entanto, do requerimento que apresentou nem sequer consta que as datas alternativas propostas para o debate instrutório, tivessem sido indicadas após contacto com os restantes mandatários interessados (e, nesse aspecto, veja-se também a resposta ao recurso da assistente, seus artigos 16º a 18º, na qual se faz referência que nem sequer o ilustre Advogado do recorrente entrou em contacto com os mandatários da assistente).
Portanto, não tendo cumprido o disposto no art. 155º, nº 2, do CPC, não podiam os arguidos, nem o respectivo mandatário, ter a expectativa de ser adiada a data do debate instrutório[4].
Daí que, mesmo na tese do recorrente (com a qual não se concorda), por inobservância do disposto no art. 155º, nº 2, do CPC, sempre teria de concluir-se pelo indeferimento da irregularidade invocada.
Ou seja, o arguido/recorrente, através do seu mandatário, não foi impedido de exercer os seus direitos; o que sucedeu foi que não usou dos expedientes legais que tinha ao seu dispor e até usou erradamente de outros que não eram aplicáveis no caso.
Não há, por isso, qualquer preclusão dos direitos (nomeadamente de defesa, incluindo contraditório) do arguido/recorrente, não se vendo que o tribunal da 1ª instância tivesse interpretado erradamente qualquer norma e muito menos tivesse violado o disposto no art. 32º, nº 3, da CRP.
Improcede, pois, a argumentação do recorrente, sendo certo que não foram violados os preceitos legais por ele invocados.
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B….
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94º, nº 2, do CPP)
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Porto, 29-1-2014
Maria do Carmo Silva Dias (relatora)
Ernesto Nascimento (Adjunto)
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[1] Tendo em conta a data em que foi proferida a decisão sob recurso é essa a versão a atender, não obstante as alterações posteriormente introduzidas ao CPC, correspondendo o anterior art. 155º ao art. 151º.
[2] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 1994, p. 128, citando Jorge Figueiredo Dias, “Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal”, in Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Almedina, 1988, p. 16, refere: “A actividade processual desenvolvida na instrução é, por isso, materialmente judicial e não materialmente policial ou de averiguações”. Por isso, é comum afirmar-se que a instrução não é um complemento da investigação feita em inquérito.
[3] Assim, entre outros, Ac. do TC nº 459/2000, DR II de 11/12/2000.
[4] Neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 13.9.2006 (relator Silva Flor) proferido no processo nº 06P2257, publicado no site www.dgsi.pt.