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PRAZO DE RECURSO
CORREÇÃO DA SENTENÇA
Sumário
I - Quando requerida a correção da sentença, o prazo de recurso não sofre qualquer alteração, iniciando-se nos termos previstos pelo artigo 411.º, n.º 1, do CPP. II - No Código de Processo Penal, a correção de erros, lapsos, obscuridades ou ambiguidades só pode ocorrer se dela não resultar uma modificação essencial da decisão [art. 380.º, n.º 1, al. b)].
Texto Integral
Proc. nº 110/04.5TALSD.P1
1ª secção
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada com o nº 110/04.5TALSD, na sequência da audiência de julgamento foi proferida sentença em 19.02.2008, que condenou o arguido B…, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. nos artºs. 143º, 146º e 132º nº 2 al. g), todos do Código Penal, na pena de dezoito meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sob condição de, no prazo de um ano, pagar ao ofendido a indemnização no valor de € 5.000,00.
Por decisão proferida em 03.06.2013 [cfr. fls. 697 a 702], foi revogada a suspensão da execução daquela pena de prisão, determinando-se que o arguido cumpra a pena de 18 meses de prisão em que foi condenado.
Inconformado com esta decisão, dela veio o arguido interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. O arguido tem interesse e legitimidade em recorrer;
2. Inexistência de fundamentação que sustente a decisão violando os artigos 55º e 56º nº 1 al. a) e nº 2 do CP;
3. O não cumprimento culposo, ou seja, o arguido não cumpriu, porque não podia cumprir a injunção que lhe foi aplicada;
4. A inexistência de infração grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostas no plano de readaptação social;
5. Conduta do arguido constitui-se numa atuação desculpável e sem qualquer alarme social;
6. Não estão preenchidos os requisitos plasmados no artigo 56º nº 1 al. a) e b) do CP.
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O recurso foi admitido por despacho proferido a fls. 731.
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Na 1ª instância, o Mº Público e o ofendido C… responderam às motivações de recurso, concluindo pela respetiva improcedência.
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO A decisão sob recurso é do seguinte teor: (transcrição)
B…, arguido nos presentes autos, foi condenado por sentença proferida em 19.02.2008, transitada em julgado, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo mesmo prazo, condicionada ao pagamento da indemnização no valor de €5.000,00 ao lesado.
Ora, findo o prazo da suspensão e não cumprida a condição de tal suspensão, foi prorrogado por mais um ano o prazo para cumprimento da condição de suspensão (fls. 574-despacho datado de 29-04-2010).
Findo tal prazo, o arguido voltou a não entregar qualquer quantia ao ofendido por conta da indemnização que lhe é devida pelo mesmo.
Solicitadas informações à S.S. e a diversas instituições bancárias, verifica-se nomeadamente que:
-o arguido esteve a trabalhar na construção civil desde 10-08-2010, com um salário de 476,00€;
-desde 22-08-2011 aufere a título de subsídio de desemprego a quantia de 335,40€;
-a sua companheira de 10-02-2010 até 24-03-2011 auferiu a título de subsídio de desemprego a quantia de 335,40;
-o arguido em 17-11-2011 recebeu da Segurança Social a quantia de 1.106,82. € (fls. 655).
Em 20.06.2011 o arguido voltou a ser ouvido e requerido relatório social, nada tendo pago, mas propondo o pagamento de €50,00 mensais.
Foram efetuadas diligências.
Em 27.09.2012 a Digna Magistrada do Ministério Público, face ao não cumprimento da obrigação imposta como condição da suspensão da execução da pena de prisão de um ano, promoveu que a revogação da suspensão.
O arguido foi ouvido e soi solicitado relatório social que antecede.
Foi junto aos autos certificado de registo criminal atualizado do arguido.
Cumpre apreciar e decidir.
De harmonia com o disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, «o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
O Código Penal traçou um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e de ressocialização, objetivo que a existência da própria prisão parece comprometer. Daí que o legislador tenha tido a preocupação de prever todo um conjunto de medidas não institucionais que, embora não determinem a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes. Por outro lado, apesar de essas reações penais não detentivas funcionarem como medidas de substituição, não podem ser vistas como forma de clemência legislativa, mas antes como autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos.
Assim, a suspensão da execução da pena, com ou sem regime de prova, surge como um substitutivo, particularmente adequado, das penas privativas de liberdade. Contudo, é evidente que tal medida não é, nem deve ser mera substituição automática da pena de prisão. Com efeito, como reação de conteúdo pedagógico e reeducativo (particularmente quando acompanhada do regime de prova), só deve ser decretada quando o Tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida, da sua conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias deste, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade. Na base da decisão de suspensão deverá estar sempre uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá mais nenhum crime no futuro (Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos in “Código Penal Anotado”, 1.º Volume, p. 639, 3.ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2002).
Segundo o n.º 2 do artigo 50.º do Código Penal, o Tribunal pode subordinar a suspensão da execução da pena “ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova”, sempre que tal se revele adequado e conveniente às circunstâncias do caso concreto.
Todavia, “se, durante o período de suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos ou não corresponder ao plano de readaptação, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação;
d) prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano, nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5, do artigo 50.º” (artigo 55.º, do Código Penal).
Sublinhe-se que a falta de cumprimento dos deveres impostos, sejam eles quais forem, não determina, automaticamente, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão. “Na verdade, se se quer lutar contra a pena de prisão e se a revogação inelutavelmente a envolve, daí resulta que tal revogação só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem totalmente ineficazes as restantes providências contidas no artigo 55.º, do Código Penal” (Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos in “Código Penal Anotado”, 1.º Volume, p. 707, 3.ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2002. No mesmo sentido, vide acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Novembro de 2005, disponível em www.dgsi,pt).
Neste sentido, no caso de incumprimento pelo arguido dos deveres impostos, o
Tribunal, “mediante a ponderação das particularidades do caso concreto”, pode decidir se alguma das sanções elencadas no artigo 55.º deve ser aplicada e, em caso positivo, qual a que melhor se molda à situação (Manuel Lopes Maia Gonçalves in “Código Penal Português – Anotado e Comentado”, p. 216, 16.ª Edição, Almedina, 2004).
Pressuposto material comum à verificação de qualquer das consequências previstas na lei é que o incumprimento das condições da suspensão tenha ocorrido com culpa do arguido, quando este tinha o dever e a possibilidade de agir de modo diferente, ou seja, de agir de em conformidade com as obrigações que havia assumido.
O artigo 56.º, do Código Penal, estabelece a mais gravosa das consequências do incumprimento dos deveres impostos ao condenado, consequência essa que consiste na revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
Determina esta norma que “a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira e repetidamente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
Por seu turno, estipula o n.º 2 do mesmo normativo penal, que “a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado”.
As causas de revogação da suspensão não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período de suspensão. Neste sentido, o arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expetativas que motivaram a concessão da suspensão da pena.
O primeiro dos pressupostos justificativos da revogação da suspensão é a “infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostas ou do plano de readaptação social”.
Tal violação dos deveres ou regras de conduta há-de constituir uma atuação indesculpável e insuportável para a comunidade e deve demonstrar inequivocamente que as finalidades da punição não puderam ser alcançadas através da simples ameaça de pena de prisão (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Fevereiro de 1997, C.J., Ano XXII, Tomo I, p. 166).
Trata-se, como surte da lei, de uma situação/limite, a denunciar linearmente que o condenado assumiu uma conduta significativamente culposa, destruindo a esperança que se depositou na sua recuperação e a cujo projeto tinha aderido (Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos in “Código Penal Anotado”, 1.º Volume, p. 712, 3.ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2002).
Compulsados os autos, verificamos que o arguido Paulo Vieira não só violou grosseiramente todos os deveres que lhe foram impostos como condição da suspensão da execução da pena, como o fez de forma evidente e reiterada.
Com efeito, o arguido bem sabia que tinha de proceder ao pagamento da quantia em causa e que disso devia fazer prova nos presentes autos, mediante a junção do respetivo recibo.
Porém, o arguido furtou-se deliberadamente ao cumprimento de tal dever, demonstrando um claro e inegável desprezo pela obrigação imposta por este Tribunal, não pagando um cêntimo em cinco anos ao lesado.
Desta atitude de desprezo do arguido, resulta evidente que o mesmo não interiorizou o desvalor da sua conduta, nem compreendeu as finalidades que estiveram na origem da decisão de suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, tendo optado por adoptar uma postura de total indiferença e de desrespeito frontal para com o Tribunal e uma conduta ofensiva do comportamento conforme o dever-ser jurídico.
É que o arguido trabalhou durante a suspensão da execução da pena, recebeu subsidio de desemprego recebeu €1.106,82 duma vez e nada pagou ao lesado.
Tal conduta coloca, definitivamente, em causa o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão da execução da pena de prisão, revelando-se a simples ameaça da pena de prisão claramente insuficiente para manter o arguido afastado da delinquência, conformando o seu comportamento no respeito pelas normas que regem ética e juridicamente a nossa comunidade.
Por outras palavras, a suspensão da execução da pena não se revela, no caso em apreço, suficiente para acautelar as finalidades preventivas gerais e especiais que subjazem à aplicação de uma pena ou medida de segurança.
-DECISÃO
Em face do exposto, tendo em atenção todas as considerações expendidas e ao abrigo do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal, decido revogar a suspensão da execução da pena de prisão e determinar que o arguido B… cumpra a pena de 18 (dezoito) de prisão em que foi condenado por sentença de proferida em 19.02.2008.
Notifique.
[…]»
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
Verifica-se, contudo, uma questão prévia de conhecimento oficioso e que obsta à apreciação do objeto do recurso: a extemporaneidade do recurso interposto.
Como resulta dos autos, a decisão recorrida foi proferida em 03 de junho de 2013 [cfr. fls. 697 a 702] e notificada ao ilustre mandatário do arguido, por carta registada enviada em 14.06.2013, considerando-se notificado no dia 19 de junho de 2013, correspondente ao 3º dia útil posterior ao do envio – artº 113º nº 2 do C.P.P.
Por requerimento entregue na secretaria do Tribunal Judicial de Lousada em 02 de julho de 2013 [cfr. fls. 708], o arguido requereu a aclaração do despacho de 03.06.2013, a qual veio a ser indeferida por despacho proferido a fls. 713, notificado ao requerente em 12 de agosto de 2013.
Em 23 de setembro de 2013, o arguido interpôs recurso da decisão proferida em 03.06.2013, ora em apreciação [cfr. fls. 721].
Nos termos do artº 411º nº 1 al. a) do C.P.P.[3] “o prazo para interposição de recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão”.
Dispõe, por outro lado, o artº 380º do C.P.P.:
1. O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correção da sentença quando:
a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374º;
b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.
2. Se já tiver subido recurso da sentença, a correção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso.
3. O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos restantes atos decisórios previstos no artigo 97º.
Considerando que, no caso em apreço, na sequência da notificação do despacho proferido em 03.06.2013, o arguido apresentou o requerimento de fls. 708 em que requer a aclaração daquele despacho, põe-se a questão de saber se o prazo para interposição de recurso começa a correr a partir do termo inicial previsto naquele preceito ou apenas a partir da notificação do despacho que vier a apreciar o pedido de aclaração.
Até à revisão do sistema de recursos em processo civil operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, tal como sucedia, aliás, durante a vigência do Código de Processo Penal de 1929, perante a aparente ausência de qualquer disposição que regulasse a interferência dos pedidos de correção na tramitação dos recursos da decisão corrigenda, em processo penal, uma parte da jurisprudência[4] entendia ser subsidiariamente aplicável, por força do artº 4º do C.P.P., o disposto no artigo 686.º do Código de Processo Civil, o qual determinava que nessas situações o prazo para recorrer só se iniciava depois de notificada a decisão consolidada, ou seja, a decisão que recaiu sobre o pedido de correção.
Entendemos, porém, apoiados noutra parte da jurisprudência dos tribunais superiores[5] que, quando requerida uma correção da sentença, o prazo de recurso não sofre qualquer alteração, iniciando-se o mesmo nos momentos referidos no artigo 411.º n.º 1 do Código de Processo Penal, sem necessidade de recurso às disposições do Cód. de Processo Civil, colhendo essa regra apoio na configuração literal da lei, na redação do próprio Código de Processo Penal, ao não estabelecer qualquer alteração dos prazos de recurso quando há um pedido de correção.
Com efeito, o próprio artº 380º do C.P.P. − aplicável quer às sentenças quer aos restantes atos decisórios, neles incluídos os despachos (nºs. 1 e 3 do preceito) −, dispõe que “se já tiver subido recurso da sentença, a correção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso”, donde se extrai que o recurso pode ser interposto independentemente de ser pedida aclaração ou correção da decisão ou de ter sido proferida decisão sobre tal pedido.
Por outro lado, é substancialmente diferente o âmbito dos poderes de correção conferidos ao juiz em processo penal e em processo civil.
Enquanto no processo penal a correção de erros, lapsos, obscuridades ou ambiguidades só pode ocorrer se dela não resultar uma modificação essencial da decisão (artº 380º nº 1 al. b) do CPP), em processo civil o poder de correção em caso de obscuridade ou ambiguidade não sofre qualquer limitação e pode até implicar a prolação de decisão diversa da proferida, se dos autos constarem documentos ou outro meio de prova plena – artº 669º nº 1 al. a) e 2 al. b) do C.P.C.
Como se refere no Ac. do STJ de 05.07.2007[6] “Considerando o disposto no artº 380º do CPP […] há que ter bem presente que todo o ato que importe intromissão no conteúdo do julgado, ainda que a pretexto de simples correção da sentença, está vedado ao julgador; os erros de julgamento ou suas omissões – quando existam – estão subtraídos à disciplina sumária da correção de vícios ou erros materiais da sentença”. Também no Ac. do STJ de 25.01.2007[7] se escreveu que “o artº 380º nº 1 al. b) do CPP não consente a correção da sentença fundada em erro de direito”.
Assim, estando vedado ao “juiz penal” o poder de alterar ou modificar substancialmente a decisão proferida, ainda que ao abrigo do seu poder de correção, não se encontra qualquer justificação para que o prazo de interposição de recurso se suspenda quando o interessado haja formulado um pedido de aclaração ou correção[8].
Com efeito, tomando como base os vícios da sentença (ou outro ato decisório) suscetíveis de correção nos termos do artº 380º do C.P.P., e a sua compatibilidade com a garantia de um efetivo direito ao recurso, consagrado no artº 32º da CRP, não compreendemos como é que esse direito poderá ser prejudicado se o interessado interpuser recurso no prazo previsto no artº 411º nº 1 do C.P.P., cujo termo inicial ocorrerá nas situações ali previstas, e cumular nas respetivas motivações, não só a arguição do erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade que entenda que a decisão padece, com a argumentação recursiva, propriamente dita.
Como se salienta no recente Ac. do Tribunal Constitucional nº 403/2013 de 15 de Julho[9] «Quando o arguido entende que está perante um mero erro ou lapso da decisão, cuja eliminação não importe a sua modificação substancial, a dedução do respetivo pedido de correção não suscita dificuldades de maior à eventual intenção daquele recorrer. Nestas situações, o arguido conhece perfeitamente o conteúdo da decisão emitida, mas entende que ela enferma de um erro ou lapso, pelo que ele dispõe de todos os elementos indispensáveis para cumular o pedido de correção com a elaboração das alegações de recurso. Estas poderão ser dirigidas à versão que o arguido entende necessitar de correção, não vedando a interpretação sob fiscalização a faculdade do arguido alterar as alegações entretanto apresentadas, caso a decisão recorrida venha a ser corrigida, tal como atualmente se encontra previsto no artigo 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. O arguido poderá ainda, se assim o entender, apresentar as alegações de recurso numa formulação condicional, cobrindo as hipóteses de correção ou de não correção do erro ou lapso, bastando para isso utilizar uma argumentação subsidiária. Já quando o arguido entende que está perante uma obscuridade ou ambiguidade da decisão, ele defronta-se com uma opacidade, maior ou menor, do seu conteúdo que, na sua perspetiva, não lhe permite compreender, com certeza, todo o seu alcance, o que pode dificultar a definição pelo arguido do objeto da sua contra-argumentação nas alegações de recurso. Nestes casos, o arguido terá que efetuar um esforço interpretativo no sentido de determinar o sentido da decisão, cuja clarificação pretende, sendo certo que, no caso da decisão recorrida ser aclarada, como já acima referimos, a interpretação sindicada não veda a faculdade daquele poder alterar posteriormente as alegações apresentadas, tal como atualmente se encontra previsto no artigo 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, pelo que não se pode afirmar que ela impede um exercício consciente e eficaz do direito ao recurso. Na hipótese do pedido de aclaração ser indeferido, não sendo reconhecida a existência da ambiguidade ou obscuridade apontada, a exigência do esforço interpretativo resultante da interpretação normativa sob fiscalização revela-se legítima, pelo que também nestas situações não se mostra violada a garantia de um efetivo direito ao recurso. Aliás, esse mesmo esforço interpretativo não deixa de ser exigido num regime em que o prazo de dedução do recurso só se inicia com o conhecimento da decisão que indefere o requerimento de correção, uma vez que a decisão cuja aclaração se pretendia permanece inalterada, mantendo as dificuldades de perceção que motivaram o pedido de esclarecimento. Desta análise das condições de dedução do recurso, segundo a interpretação sob fiscalização, resulta que a manutenção dos prazos de recurso definidos no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, mesmo quando tenha sido requerida pelo arguido a correção da decisão que se pretende impugnar, impõe um especial ónus de alegação cujo cumprimento não encerra uma dificuldade excessiva e que se revela proporcional face ao objetivo constitucional perseguido de assegurar uma maior celeridade processual (artigo 20.º, n.º 5, da Constituição), com isso contribuindo para uma boa administração da justiça.»
Daí que, infletindo a posição assumida nos Acs. nº 16/2010 e 293/2012, o Tribunal Constitucional tenha concluído no aresto citado “não julgar inconstitucional a norma resultante da interpretação dos artigos 380.º e 411.º, nº 1, do Código do Processo Penal, com o sentido de que o prazo para interposição do recurso começa e continua a correr a partir do termo inicial previsto no referido artigo 411.º, n.º 1, mesmo quando o arguido, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, b), tenha requerido a correção da sentença”.
No caso em apreço, o arguido/recorrente formulou um pedido de aclaração da decisão que revogou a suspensão da execução da pena, sem cuidar, porém, de qualificar o “vício” que imputava à decisão proferida, de entre os que estão previstos no artº 380º nº 1 do C.P.P.
Ora, analisado o referido despacho e o requerimento em causa, verifica-se que, para além de um manifesto lapso de escrita no que respeita à identificação do arguido na linha 16 de fls. 701 [escreveu-se Paulo Vieira, quando se pretendia escrever B… devido, eventualmente, ao processamento de texto], o que o recorrente efetivamente pretende não é uma “aclaração” da decisão, mas antes uma verdadeira alteração do decidido - que se conclua que o incumprimento do requerente não foi culposo -, ou seja, pretende uma modificação essencial do conteúdo da decisão, o que, como vimos, não é admissível, por se mostrar esgotado o poder jurisdicional do juiz e por se tratar de hipótese não enquadrável no artº 380º do C.P.P..
Conclui-se, assim, que a leitura integrada da decisão recorrida era fácil e bastante para o recorrente formular e conformar o direito ao recurso, não se fundava numa incerteza sobre o conteúdo do decidido, não era ambígua ou obscura e a reclamação da decisão recorrida e a subsequente decisão não se apresentavam como necessárias, quer da fundamentação, quer do dispositivo da decisão recorrida reclamada, e não prejudicavam nem colidiam com o efetivo exercício do direito ao recurso da mesma, não configurando a reclamação necessidade concreta de conformar esse recurso.
Como se refere no citado Ac. deste Tribunal da Rel. Porto de 22.03.1995 «O prazo para interposição de recurso conta-se a partir da notificação do despacho de que se pretende recorrer, não tendo virtualidade para o retardar a apresentação, dentro do prazo legal, de um requerimento em que se pretende a "correção" do decidido, em hipótese não enquadrável no artigo 380º do Código de Processo Penal».
Por tudo quanto se expôs, importa concluir que o prazo de trinta dias para a interposição de recurso, começou a correr no dia 19.06.2013 (3º dia útil subsequente ao do envio da carta registada com a notificação da decisão recorrida), tendo o seu termo ocorrido no dia 04.09.2013, podendo contudo o ato ter sido praticado até ao dia 09.09.2013, nos termos do artº 145º nºs. 5 a 7 do C.P.Civil, sujeito porém ao pagamento da multa prevista no artº 107º-A do C.P.P.
Tendo as motivações de recurso sido enviadas através de correio eletrónico apenas no dia 23.09.2013 [cfr. fls. 721], é extemporânea a sua interposição, pelo que não deveria ter sido admitido. Pese embora o recurso tenha sido considerado tempestivo e admitido no tribunal a quo, o certo é que, conforme estatuído no n°3 do art.414° do Código de Processo Penal, tal despacho não se impõe nem vincula o Tribunal superior, como resulta diretamente da própria norma[10].
Impõe-se, por isso, a sua rejeição por extemporâneo.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em rejeitar, por extemporâneo o recurso interposto pelo arguido B… – artºs. 414º nº 2 e 420º nº 1 al. b) do Cód. Processo Penal.
Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s (artº 8º nº 9 do RCP e tabela III anexa) a que acresce a importância de 3 UC’s, nos termos do artº 420º nº 3 do C.P.P.
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Porto, 29 de Janeiro de 2014
(Elaborado e revisto pela 1ª signatária)
Eduarda Lobo
Alves Duarte ___________
[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Na redação introduzida pela Lei nº 20/2013 de 21.02.
[4] Cfr., entre outros, Ac. RLisboa de 12.05.1993, in CJ, Ano XVIII, Tomo III, pág. 160; Ac. RLisboa de 26.10.2011, Proc. nº 275/08.7PDVFX-A.L1; Ac. RPorto de 31.01.2007, Proc. nº 0644810, Rel. Luís Gominho; Ac. RPorto de 07.11.2007, Proc. nº 0712964, Rel. Maria Leonor Esteves; Ac. R.Guimarães de 12.03.2007, Proc. nº 163/07, Rel. Anselmo Lopes; cfr, ainda, com interesse, Acs. do TC nºs. 16/2010 e 293/2012, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
[5] Cfr, entre outros, Ac. R.Porto de 22.03.1995, Proc. nº 9410852, Rel. Correia de Paiva; Ac. R.Lisboa de 15.04.2005, Proc. nº 614/05, Rel. Silva Pereira, Acs. da R. Guimarães de 30.10.2006, Proc. nº 1793/06; de 13.11.2006, Proc. nº 2049/06; de 23.04.2007, Proc. nº 2226/07; de 26.03.2007, Proc. nº 481/07, todos eles relatados pelo Des. Cruz Bucho; Ac.R.Lisboa de 20.02.2009, Proc. nº 428/08.8GBSXL, Rel. Margarida Blasco; Ac. R. Lisboa de 06.02.2012, Proc. nº Proc. 151/08.3SGLSB,Rel. Carlos Almeida.
[6] Proferido no Proc. nº 07P1398, Cons. Pereira Madeira, e disponível em www.dgsi.pt.
[7] Proferido no Proc. nº 1556/07-5ª, Cons. Carmona da Mota, disponível em www.dgsi.pt
[8] Como, esclarecidamente, se refere no Ac. deste Tribunal da Rel. Porto de 15.10.2008, Proc. nº 0844980, Des. Custódio Silva, disponível em www.dgsi.pt “A correcção da sentença não interfere com o decurso do prazo para recorrer dela”.
[9] Proferido no Proc. nº 869/12 e disponível em www.tribunalconstitucional.pt
[10] Cfr., neste sentido, Simas Santos e Lopes de Sousa, “Contra-Ordenações –Anotações ao Regime Geral”, 4ª ed. 2007, pg. 560; se necessário fosse, chegar-se-ia à mesma conclusão também por recurso às normas de processo civil: "O despacho do relator, em que se disse que os recursos eram tempestivos, admitindo-os, não faz caso julgado, como se extrai do art. 687° n° 4 do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do disposto no art.4° do Código de Processo Penal”, como decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.11.2000 (Proc. 244/00, 3ª secção), em sumários de acórdãos, em www.stj.pt.”.