PODER DISCIPLINAR
DELEGAÇÃO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário

I - Sendo a Ré CTT - Correios de Portugal, S.A., uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, por força do que estabelecem os artigos 14.º, n.º 1, alínea g) e n.º 2 dos respectivos Estatutos, e o Código das Sociedades Comerciais, a competência disciplinar encontra-se atribuída ao seu Conselho de Administração.
II - Este pode delegar, total ou parcialmente, tais poderes.
III - Resultando das Ordens de Serviço daquela que delega competências para ordenar inquéritos e mandar instaurar processos disciplinares e que à sua Direcção de Auditoria é Inspecção compete, além do mais, analisar documentos com vista à detecção/confirmação de ilícitos disciplinares e assegurar e coordenar o exercício da função disciplinar, é de concluir que o Conselho de administração da Ré delegou parte do poder disciplinar na Direcção de Auditoria e Inspecção, designadamente o poder para a instauração de inquérito prévio.
IV - O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção (n.º 2 do artigo 329.º do CT).
V - O início de tal prazo interrompe-se com o procedimento prévio de inquérito para fundamentar a nota de culpa ou com a notificação da nota de culpa (artigo 352.º e n.º 3 do artigo 353.º do CT).
VI - Porém, para que se verifique a interrupção do prazo com a instauração do procedimento prévio de inquérito deve este mostrar-se necessário para fundamentar a nota de culpa e, cumulativamente, (a) ocorrer nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, (b) o procedimento ser conduzido de forma diligente e (c) a nota de culpa ser notificada até 30 dias após a conclusão do procedimento prévio.
VII - A indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º, Código Civil, ou seja, a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem (n.º 3 do referido artigo 496.º, e artigos 494.º, n.º 1 e 570.º, todos do Código Civil).
VIII - Por força deste último normativo legal, verificando-se a culpa do lesado e do lesante na produção do dano deverá determinar-se, tendo por base a gravidade da culpa de cada um deles, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou excluída.
IX - É de excluir a indemnização por danos não patrimoniais ao trabalhador se, não obstante a suspensão do despedimento e o despedimento serem declarados ilícitos, aquela decorre da nota de culpa não ter sido notificada ao trabalhador nos 30 dias subsequentes à suspensão e esta de a entidade empregadora não ter respeitado o prazo de 60 dias após o conhecimento da infracção para iniciar o procedimento disciplinar, se apura que o trabalhador praticou factos graves que justificavam o despedimento e que os danos por ele sofridos em consequência da suspensão de funções e do despedimento, embora merecedores da tutela do direito, não assumem particular gravidade.

Texto Integral

Proc. n.º 157/12.8TTBGC.P1
Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) António José Ramos, (2) Eduardo Petersen Silva.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B… (NIF ………, residente na …, …, ….-… Bragança) intentou no Tribunal do Trabalho de Bragança acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra CTT – Correios de Portugal, S.A. (NIPC ………, com sede na Rua …, n.º .., ….-… Lisboa), declarando a sua oposição ao seu despedimento promovido por esta.
No articulado inicial que apresentou, cumulado com o procedimento cautelar de suspensão de despedimento (cfr. artigos 34.º, n.º 4 e 98.º - C, n.º 2, ambos do Código de Processo do Trabalho), alegou, muito em síntese, que foi admitido ao serviço da Ré em 9 de Fevereiro de 2006, tendo entretanto sido despedido por esta, conforme comunicação por ele recebida em 12 de Abril de 2012.
Todavia, o despedimento é ilícito, seja por falta de observância de formalidades legais seja por total ausência de fundamento para o mesmo.

Designada e realizada a audiência de partes, na mesma não se logrou obter o acordo destas.
Após, veio a empregadora, nos termos previstos no artigo 98.º - J, do Código de Processo do Trabalho, apresentar articulado a motivar o despedimento.
Para o efeito alegou, em suma, que o trabalhador se apropriou, ainda que temporariamente, de valores relativos a cobranças – já que não os entregou em sede de prestação de contas diárias, tendo, para tanto, falseado a informação que introduziu no sistema informático de modo a esconder a sua conduta –, e que tal comportamento foi apto a “instalar um clima de completa desconfiança e suspeição para o futuro, o que inquinou a relação de trabalho”, determinando a licitude do despedimento.

Respondeu o trabalhador, a sustentar a ilicitude do despedimento, seja por falta de observância das formalidades legais (uma vez que, por um lado, se mostra prescrito o direito a aplicar a sanção e, por outro lado, falta a comunicação da intenção de despedimento junto à nota de culpa), seja por total ausência de fundamentos que o justifiquem.
Em reconvenção pede a condenação da empregadora a reintegrá-lo no posto de trabalho, bem como a pagar-lhe todas as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declarou o mesmo ilícito, bem como a condenação da Ré a reconhecer que tem direito a gozar 11 dias de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2011 e não gozadas e ainda 25 dias úteis de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2012 e a receber o subsídio de férias correspondente, ou a receber a respectiva retribuição, caso a acção seja julgada improcedente.
Mais pediu a condenação da empregadora no pagamento da indemnização de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais – uma vez que a suspensão preventiva e o despedimento lhe causaram “aborrecimentos, preocupações, vergonha, vexame, junto dos familiares, amigos e colegas de trabalho, junto dos pais passou a ser visto como pessoa sem ocupação e sob suspeita de prática de comportamentos indevidos” –, e a pagar juros de mora, à taxa legal, desde o momento da constituição em mora até integral pagamento.

A empregadora apresentou articulado de resposta, a pugnar pela improcedência das excepções, bem como do pedido reconvencional formulado, reafirmando a existência de fundamento para o despedimento e a sua consequente licitude.

Procedeu-se a audiência preliminar e foi proferido despacho saneador, onde foi relegado para sentença final o conhecimento da prescrição/caducidade do procedimento disciplinar, julgada improcedente a excepção peremptória de invalidade do procedimento disciplinar por falta de comunicação da intenção de despedimento junto à nota de culpa, e consignada a matéria de facto assente e a base instrutória.

Os autos prosseguiram os trâmites legais, tendo-se procedido à audiência de discussão e julgamento, respondido à matéria de facto, sem reclamação das partes, após o que foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor:
«Perante o exposto, julgo parcialmente procedente, por provada, a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento e, em consequência:
1- Declaro a ilicitude do despedimento do A. B… e condeno a R. CTT Correios de Portugal, S.A.:
a) a reintegrar o A. no seu posto de trabalho, no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua antiguidade e categoria profissional;
b) a pagar ao A. as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final, às quais haverá que deduzir as retribuições que a R. tiver pago ao A. em consequência do decretamento da suspensão do despedimento, tudo a liquidar oportunamente, nos termos do art. 661º nº 2 do Cod. de Proc. Civil, uma vez que o Tribunal não dispõe de elementos para fixar o valor devido; ao valor que vier a ser liquidado acrescem os juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de cada uma das retribuições vencidas e vincendas, à taxa legal, até integral pagamento;
2- Condeno a R. CTT Correios de Portugal, S.A. a reconhecer que o A. B… tem direito a gozar dez dias úteis de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2011 e não gozados e ainda nove dias úteis de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2012 e não gozados e a receber de subsídio de férias de 2012 a quantia de €204,31 (duzentos e quatro euros e trinta e um cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do respectivo vencimento, até integral pagamento, à taxa legal.».
Na mesma decisão foi ainda fixado valor à causa (€ 30.204,02).

Inconformados com o assim decidido, quer a Ré quer o Autor dela interpuseram recurso.
Para tanto, nas alegações que apresentou a Ré formulou as seguintes conclusões:
«1. Vem a ré Apelar da Sentença que julgou ilícito o despedimento do autor com base na caducidade do exercício do poder disciplinar, pelo decurso dos prazos a que alude o artigo 329º do CT.
2. O direito da ré ao exercício do poder disciplinar sobre o autor não se mostra caducado, nem tal conclusão não se retira dos elementos existentes nos presentes autos.
3. Dispõe o nº2 do artigo 329º do CT, que o procedimento disciplinar deve iniciar-se no 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.
4. A ré é uma sociedade anónima de capitais públicos, sendo o Conselho de Administração o titular do poder disciplinar.
5. Contrariamente ao preconizado na Sentença recorrida, o poder disciplinar do Conselho de Administração da ré, não foi delegado nem total, nem parcialmente, na Direcção de Auditoria e Inspecção.
6. A Direcção de Auditoria e Inspecção da ré é um órgão a quem foram delegados poderes de exercício da função disciplinar, não do poder disciplinar. Tal como resulta das Ordens de Serviço referidas na resposta ao quesito 105º (ponto 120 dos factos descritos da sentença).
7. Os poderes da Direcção de Auditoria e Inspecção da ré visam, tão só, e apenas, dotar o Conselho de Administração de instrumentos que o auxiliem a tomar a decisão relativamente à instauração de processos disciplinares aos trabalhadores que prevariquem no exercício das suas funções. Tratando-se, portanto, de um poder com carácter meramente instrumental.
8. A Direcção de Auditoria e Inspecção não é o superior hierárquico com competência disciplinar, pois para além de não haver qualquer cadeia hierárquica entre esta Direcção e o autor, este órgão não é titular do aludido poder por via da delegação de competências.
9. Não resulta da matéria assente que o poder disciplinar tenha sido delegado pelo Conselho de Administração da ré, pelo que, só este órgão poderia ordenar a instauração do inquérito prévio a que alude o artigo 352º do CT. E, como tal não se verificou, no caso em apreço, não é aplicável o regime estabelecido no artigo 352º do CT.
10. Para efeitos do conhecimento da infracção disciplinar, não se poderá considerar como relevante a data em que foi iniciado o inquérito pela Direcção de Auditoria e Inspecção – 05.05.2011 -, pois este órgão não tem o poder disciplinar sobre o autor.
11. Nos presentes autos, o autor não provou que a Direcção de Auditoria e Inspecção é o órgão com competência disciplinar, pelo que, a data em que esta Direcção teve conhecimento dos factos indiciariamente infraccionais, não poderá relevar para efeitos do decurso do prazo de caducidade do direito ao exercício da acção disciplinar.
12. A Direcção de Auditoria e Inspecção da ré concluiu o seu trabalho de investigação com o Relatório Preliminar dia 15 de Setembro de 2011 (de fls. 320 e 321 do PD).
13. Os factos infraccionais praticados pelo autor, descritos no Relatório Preliminar de 15 de Setembro de 2011, só chegaram ao conhecimento do Administrador C… no dia 20.09.2011 (resposta ao quesito 106º). Tendo, na mesma data, este Administrador remetido o aludido relatório ao Conselho de Administração, para decisão (resposta ao quesito 106º).
14. Na sequência do envio do Relatório Preliminar que continha a descrição dos factos praticados pelo autor, o Concelho de Administração, ao tomar conhecimento das infracções disciplinares praticadas, em reunião de 22/09/2011, deliberou manifestar a intenção de proceder ao seu despedimento (cft. fls. 322 do PD).
15. Demonstrou-se, assim, que o Conselho de Administração da ré teve conhecimento das infracções disciplinares praticadas pelo autor, entre os dias 20.09.2011 e 22.09.2011 (fls. 322 do PD), como, inclusivamente, reconhece a meritíssima juiz “a quo”, a fls. 23 da sentença.
16. No dia 29 de Setembro de 2011, foi deduzida a Nota de Culpa contra o autor, cujo teor consta de fls.342 e344 e aqui se considera integralmente reproduzido.
17. Em 17 de Novembro de 2011, o autor foi notificado da nota de culpa a si dirigida e constante de fls. 342 a 344 do PD (al. Q) da matéria assente).
18. Conforme se demonstra, entre a data do conhecimento da infracção disciplinar pelo órgão da ré com competência disciplinar e o início do procedimento disciplinar (com a notificação da Nota de Culpa), não mediaram mais de 60 dias.
19. Mostra-se assim cumprido o prazo a que alude o nº2 do artigo 329º do CT, não se verificando a caducidade do direito ao exercício do poder disciplinar.
20. A sentença recorrida deverá ser revogada, na parte em que considerou ter caducado o direito à acção disciplinar e por via de tal caducidade ter considerado a ilicitude do despedimento.
21. Tendo sido sentenciada pelo Tribunal “a quo” a justa causa de despedimento, deverá esse Alto Tribunal alterar a decisão proferida, declarando a licitude do despedimento do autor, com as demais consequências legais, mormente, declarando-se a improcedência total dos pedidos deduzidos.».
E a rematar as conclusões, pede que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e declarando a licitude do despedimento.

Por sua vez, o Autor apresentou alegações que concluiu nos seguintes termos:
«1ª. Salvo o devido respeito, o Autor, ora recorrente, não se conforma com a douta decisão recorrida, na parte em que determinou a improcedência da pretensão indemnizatória formulada por si a título de danos morais – cfr. fls. 33 – e, em consequência, não condenou a Ré no respetivo pedido, constante da alínea d), no final da sua Contestação / Reconvenção.
2ª. Salienta-se que a suspensão preventiva aplicada ao Autor, a efetuar pelo empregador nos termos dos artºs 329º, nº 5 e 354º, CT, foi neste caso determinada pela Direção de Auditoria e Inspeção em representação daquele mesmo empregador e ao abrigo dos poderes que nesse âmbito se encontrava e encontra dotada (cfr. ponto 120 dos fatos dados como provados na douta sentença).
3ª. O Autor considera que foi indevidamente julgado, e pretende ver alterada, a resposta dada ao fato dado como provado sob o nº 19, na douta sentença – cfr. fls. 6.
Isto porque:
4ª. Conforme resulta inequívoco do documento de fls. 288 do Processo Disciplinar e doc. 11 junto pelo Autor, ora recorrente, na sua contestação / reconvenção, a notificação da suspensão preventiva do Autor, determinada e notificada a 29-07-2011, por despacho do Diretor de Inspeção da mesma data, TEM APENAS O SEGUINTE TEOR:
“Comunica-se que por …………., do Exmº Diretor de Inspeção, de 2011-07-29 foi suspenso preventivamente das suas funções, nos termos e ao abrigo do nº 5 do artº 329º do Código do Trabalho, aprovado pela lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, o CRT B…, nº mec. ……., colocado no CDP 5300 Bragança, por haver fortes indícios de ter praticado factos ilícitos graves no exercício das suas funções de CRT: utilizou em proveito próprio, o dinheiro de várias cobranças postais.
Tais factos são passíveis de censura disciplinar, mostrando-se manifestamente inconveniente a sua presença no serviço já que existe ainda o receio da prática de comportamentos idênticos.”
5ª. Desta forma, verifica-se que ao contrário do expresso no ponto 19 dos fatos provados na douta sentença, este documento (cfr. fls. 288 do Processo Disciplinar e doc. 11 junto com a contestação / reconvenção), NÃO remeteu a sua fundamentação para qualquer informação prestada pelo Instrutor D….
6ª. Circunstancia que, considera-se, justifica a alteração daquele fato, de forma a que o mesmo faça constar, apenas, que “19- O trabalhador A. foi suspenso preventivamente das suas funções em 29-07-2011, por despacho do Diretor de Inspeção da mesma data que consta de fls. 288 do PD e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido”.
De qualquer forma:
7ª. Mesmo que a requerida alteração da matéria de fato não venha a ser doutamente julgada procedente e mantendo-se, por isso, o quadro factual da douta sentença recorrida, o Autor considera que, mesmo assim, o quadro legal vigente justifica e impõe diferente decisão da proferida, que determine agora a condenação da Ré Empregadora no pagamento ao Autor de uma indemnização por danos morais. Isto porque:
8ª. Na sua contestação/ reconvenção – cfr. arts. 114º a 128º -, por considerar ilícitos quer a suspensão preventiva aplicada, quer o despedimento, o Autor invocou a existência de danos morais causados pela Ré e, em consequência, o direito a receber uma indemnização – cfr. artº 389º, nº 1, al. a), CT -, considerou que a respetiva dimensão, gravidade e consequências justificavam a tutela do direito, nos termos do artº 496º, CC e concluiu a final pela condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização a título de danos morais causados em sequência direta da suspensão preventiva e despedimento, no valor de 10.000,00 €.
9ª. Quanto à matéria do despedimento efetuado em 12-04-2012 (Ponto 3, fatos provados na douta sentença), a douta sentença concluiu pela sua ilicitude, nos termos do art. 382º nº 1, do Cód. do Trabalho – cfr. fls. 23 douta sentença.
10ª. Quanto à suspensão preventiva aplicada, a douta sentença considerou – cfr. fls. 31, douta sentença -, o Ilustre Tribunal a quo considerou também pela respetiva ilicitude, mas apenas pelo fato da R. não ter notificado o A. da nota de culpa dentro dos 30 dias posteriores à sua suspensão preventiva, em violação do artº 354º, nº 2, parte inicial, considerando por isso que existiu “ …assim, violação do direito à ocupação efetiva do A., pelo menos desde o dia 27/08/2011 até ao dia 16/11/2011, o que constitui a prática de um ato ilícito por parte da R. suscetível de a fazer incorrer na obrigação de indemnizar, caso se verifiquem os demais pressupostos desta”.
11ª. Pelas razões aí invocadas, a douta sentença concluiu que “Assim, deve ser excluída a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A., uma vez que para a sua produção concorreu a sua própria culpa. Improcede, pois, nesta parte a pretensão indemnizatória do A. “ – cfr. fls. 33.
12ª. Salvo o devido respeito, o Autor não se conforma com tal douto entendimento.
Assim, TENDO EM CONTA:
a) O TEOR do documento de fls. 288 do Processo disciplinar, correspondente à suspensão preventiva determinada e notificada ao Autor em 29-07-2011 e que perdurou até à data do despedimento, em 12-04-2012 (cfr. pontos 19, 20 e 3 dos fatos dados como provados na douta sentença);
b) QUE a Nota de Culpa foi notificada ao Autor, apenas, em 17-11-2011 (cfr. ponto 17, idem);
c) Que do regime legal da suspensão preventiva resulta que a Ré violou o artº 354º, nº 2, parte inicial e parte final e artº 329º, nº 5 do CT, pelo fato da notificação da suspensão nada aludir quanto às razões pelas quais ainda não era possível elaborar, nessa data, a nota de culpa; pelo fato de não ter notificado o Autor da nota de culpa dentro dos 30 dias posteriores à sua suspensão preventiva; e ainda pelo fato de tal suspensão ter sido determinada durante o processo de inquérito e, por isso, antes de iniciado o procedimento disciplinar.
d) Que a douta sentença considerou também como provado que: “ 115- A suspensão preventiva e o despedimento causaram ao Autor aborrecimentos, preocupações, vergonha, vexame, junto dos seus familiares, amigos e colegas de trabalho (Quesito 98º).
116- Sendo pessoa habitualmente bem disposta e com atitude de otimismo e bem estar com a vida, o A. deixou de ter vontade de conviver, afastou-se dos amigos, alguns dos quais souberam da sua suspensão preventiva e despedimento, refugiando-se em casa (Quesito 99º).
117- O seu estado de desânimo, revolta e contrariedade alterou negativamente o seu comportamento e relacionamento familiar, afetando também a sua esposa, o que contribuiu para o agravamento do seu desespero e mágoa (Quesito 100º).
118- Com a instauração do processo disciplinar, com a sua suspensão preventiva e despedimento, o Autor passou noites sem dormir, perdeu a sua auto estima e boa disposição que lhe eram apanágio, passando a viver triste, contrariado e revoltado (Quesito 101º).
119- Por causa das funções que exercia como carteiro, com contacto público diário, o seu despedimento foi conhecido e comentado por alguns dos clientes destinatários da sua atividade e conhecidos (Quesito 102º). “
e) Que a douta sentença, mesmo assim, deu como provado que “…a suspensão preventiva do A. tornou-se supervenientemente ilegal, pelo que, a partir do 31º dia posterior ao seu início e até à notificação da nota de culpa, a inatividade do trabalhador deixou de ter justificação. Existe assim, violação do direito à ocupação efetiva do A., pelo menos desde o dia 27/08/2011 até ao dia 16/11/2011, o que constitui a prática de um ato ilícito por parte da R. suscetível de a fazer incorrer na obrigação de indemnizar, caso se verifiquem os demais pressupostos desta”.
f) Que a douta sentença também conclui pela ilicitude do despedimento efetuado em 12-04-2012, nos termos do art. 382º nº 1, do Cód. do Trabalho
13ª. O Autor considera assistir-lhe o direito de receber por parte da Ré uma indemnização pelos danos morais decorrentes da suspensão preventiva e despedimento aplicados, atenta a respetiva ilicitude.
14ª. Subsidiariamente e para o caso de doutamente assim se não entender (hipótese que se coloca no campo meramente académico), deverá, pelo menos e sempre, ser determinada a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização pelos danos morais sofridos pelo Autor na sequência da suspensão preventiva ilegal, conforme fatos dados como provados.
Foram violados, designadamente, os artºs. 354º, nº 2, 329º, nº 5, 389º, nº 1, al. a) do Código do Trabalho e artº 496º do Código Civil.».

A Ré/empregadora respondeu ao recurso do Autor, a pugnar pela sua improcedência.

Os recursos foram admitidos na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos autos, e efeito meramente devolutivo.

Neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Ajunta emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido da improcedência de ambos os recursos.

Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso
Tendo em conta que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), salvo as questões de conhecimento oficioso, que aqui não se detectam, são as seguintes as questões essenciais decidendas:
1. do recurso da Ré:
a) saber se ocorre, ou não, prescrição/caducidade do procedimento disciplinar;
2. do recurso do Autor:
a) saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto;
b) saber se existe fundamento para a condenação da Ré em indemnização por danos não patrimoniais e, em caso afirmativo, o quantum indemnizatório.

III. Factos
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1- Em 9 de Fevereiro de 2006 o Autor foi admitido pela Ré para exercer as funções inerentes à categoria profissional de carteiro (CRT), mediante celebração de contrato a termo incerto, cuja cópia consta de fls. 24 do PC e cujo teor foi dado por integralmente reproduzido (al. A).
2- Em 2 de Novembro de 2009 A. e R. celebraram contrato de trabalho por tempo indeterminado, cuja cópia consta de fls. 25 e 26 do PC e cujo teor foi dado por integralmente reproduzido, constando da Cláusula 1ª de tal contrato que aquele se compromete a exercer as funções descritas no Anexo II do Acordo de Empresa CTT inerentes à categoria profissional de carteiro (CRT), Grau de Qualificação II (al. B).
3- Pelo menos desde 02 Novembro 2009 o A. permaneceu ao serviço da Ré, até ao dia 12 de Abril de 2012, data em que foi notificado da deliberação do Conselho de Administração (CA), que lhe aplicou a sanção disciplinar de despedimento (al. C).
4- Teve a categoria profissional de CRT (carteiro), com o nº mecanográfico ……. e, à data do despedimento, exercia funções de distribuição, no Centro de Distribuição Postal 5300 Bragança, em Bragança, adiante designado por CDP (al. D).
5- À data do despedimento, o trabalhador auferia as seguintes remunerações:
a) Vencimento base, € 623,60;
b) Diuturnidades, € 61,14;
c) Subsídio de refeição por cada dia completo de trabalho, € 9,01 (al. E).
6- Por comunicação remetida pela Ré e recebida pelo Autor em 12 de Abril de 2012 este foi notificado que “ pelo …………, de 2012-03-29 …, foi-lhe aplicada a pena de Despedimento, com os fundamentos de facto e de direito constantes da proposta da Direcção de Auditoria e Inspecção, por ter praticado infracções disciplinares, que constituem justa causa de Despedimento, nos termos do nº 1 do artº 351º do referido Código”. (al. F).
7- Na sequência da participação efectuada por E… em 29-04-2011, autuada com o nº ….., em 5-5-2011, a Responsável pela área de Investigação da Direcção de Auditoria e Inspecção proferiu a seguinte ordem:
“Considerando os factos descritos na participação nº ….. que deu entrada na AIN em 2011/05/05 mostra-se necessário proceder a averiguações para dedução de uma eventual Nota de Culpa/Acusação.
Nestes termos, determino a abertura de um processo prévio de inquérito com vista ao apuramento de todas as circunstâncias que rodearam a prática dos factos participados e/ou de outros que venham a ser apurados.
Para estes efeitos, nomeio instrutores os Inspectores D… e F….
Lisboa, 2011-05-05
A Responsável pela Área de Investigação da Auditoria e Inspecção
G…
INV/AIN” (al. G).
8- Tal processo foi autuado com o nº ……./INV e teve início em 5-5-2011 (al. H).
9- A última diligência probatória realizada no decurso do referido processo consistiu numa acareação entre o trabalhador arguido, ora requerente, e H…, realizada em 8-09-2011 (al. I).
10- Após essa última diligência de prova, em 13-09-2011, a responsável pela Área de Investigação da Direcção de Auditoria e Inspecção, G…, exarou no processo o seguinte:
“INS-Dr. I…:
No âmbito do presente Processo de Investigação, dada a complexidade técnica do mesmo, solicito a nomeação de um Inspector da Área de Instrução para acompanhamento das diligências que se mostrem necessárias para a fundamentação da nota de culpa e do processo até final”, conforme documento junto a fls. 315 do PD, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido (al. J).
11- Ainda nessa data, foi manuscrito no processo, por I…, INS/AIN, o seguinte:
“Visto.
Para os fins mencionados nomeio o inspector Dr. J….” (al. K).
12- Em sequência, em 15-09-2011 foi então autuado o processo disciplinar com o nº ……, sendo Instrutor o Dr. J…, tendo, ainda nessa data, sido junto aos autos o registo disciplinar do trabalhador arguido e elaborado o Relatório Preliminar que se encontra junto ao PD a fls. 320 e 321 e cujo teor foi dado por integralmente reproduzido (al. L).
13- Esse relatório Preliminar foi objecto de despacho proferido em 16.09.2011, que determinou a respectiva remessa para decisão, tendo sido o mesmo relatório objecto de despacho proferido em 20.09.2011 pelo Administrador C… que determinou a respectiva remessa para o Conselho de Administração (al. M).
14- Em reunião de 22.09.2011, o Conselho de Administração da Ré deliberou “manifestar a intenção de proceder ao despedimento do CRT B… nº mec. ……., caso se confirmem os factos que lhe serão imputados na competente nota de culpa que, de acordo com a sua descrição, constituem infracções disciplinares graves, integrando conceito de justa causa para despedimento”, deliberação essa que consta de fls. 322 do PD e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido (al. N).
15- No dia 29 de Setembro de 2011, foi deduzida a Nota de Culpa contra o autor, cujo teor consta de fls. 342 a 344 e aqui se considera integralmente reproduzido (O).
16- O A. foi notificado de uma nota de culpa em 12-10-2012; porém, tal nota de culpa não era a si dirigida, antes a um tal K… (al. P).
17- Em 17 de Novembro de 2011, foi o requerente notificado da nota de culpa a si dirigida e constante de fls. 342 a 344 do PD (al. Q).
18- O A. apresentou resposta à nota de culpa por carta registada remetida à requerida em 14/12/2011, a qual consta de fls. 365 a 381 do PD e que foi dada por integralmente reproduzida (al. R).
19- O trabalhador A. foi suspenso preventivamente das suas funções em 29-07-2011, por despacho do Director de Inspecção da mesma data que consta de fls. 288 do PD e cujo teor aqui se considera por integralmente reproduzido, o qual remeteu a sua fundamentação para a informação prestada pelo Instrutor D…, do seguinte teor:
“1. No âmbito de diligências efectuadas apuraram-se fortes indícios de que o CRT B… (…) no exercício das suas funções de carteiro, terá durante os primeiros cinco meses do corrente ano de 2011, utilizado em proveito próprio, o dinheiro de uma série de cobranças, assim como no período de 17 de Junho de 2010 a 1 de Abril de 2011 terá arrecadado para si de forma definitiva, cerca de €86,00 de cobranças RSF, aos clientes L… e M….
2. Sendo que tais actos, são passíveis de censura disciplinar mostrando-se a sua presença no local de trabalho, prejudicial ao bom funcionamento dos serviços, por existir o receio de prática de comportamentos idênticos, com base no nº 5 do Art.º 329º do Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro propõe-se a suspensão preventiva do trabalhador.” (al. S).
20- Tal despacho foi comunicado ao A. no mesmo dia, mediante comunicação escrita cuja cópia se encontra junta a fls. 55 do PC e aqui se considera integralmente reproduzida, tendo a suspensão preventiva perdurado até à data do despedimento (al. T).
21- A Comissão de Trabalhadores emitiu parecer desfavorável à aplicação ao requerente de qualquer penalidade, tendo formulado a seguinte conclusão: “Perante o acima exposto, consideramos que por exclusiva responsabilidade da gestão, não é possível provar quem foi o autor dos factos que o arguido vem acusado, motivo pelo qual não concordamos com a aplicação de qualquer penalidade. Considerando que devem ser efectuadas novas diligências no sentido de identificar o responsável pelos factos.”, conforme parecer que se encontra junto a fls. 492 e 493 do PD e aqui se dá por integralmente reproduzido (al. U).
22- O A. requereu a suspensão preventiva do seu despedimento, a qual foi decretada por decisão proferida em 8/06/2012, tendo retomado as suas funções em 29/06/2012 (al. V).
23- A ré é uma sociedade anónima de capitais públicos (al. W).
24- No dia 25.01.2011, o autor, na execução do giro ….., procedeu à entrega do objecto à cobrança nº …………. no valor de € 108,79, tendo cobrado ao cliente destinatário o respectivo valor (al. X).
25- No entanto, na aludida data, o autor não prestou contas à ré da quantia que recebeu do cliente, vindo somente a fazê-lo em 25.02.2011, após a reclamação apresentada pelo cliente remetente (al. Y).
26- A Ré pagou ao Autor as quantias discriminadas nos boletins de vencimento juntos aos autos a fls. 113, 114, 120, 126 e 127 dos autos de procedimento cautelar apensos, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido (al. Z).
Das respostas aos quesitos
27- Para além das funções de distribuição, o A. exercia também funções de conferente e de recepção da prestação de contas dos outros carteiros distribuidores do CDP de Bragança (quesito 1º).
28- De acordo com as normas relativas à entrega de Objectos à Cobrança, no final de cada dia de trabalho, os Carteiros têm de prestar contas da distribuição efectuada, nomeadamente, dos valores que lhe são entregues pelos clientes destinatários das encomendas e objectos postais à cobrança (quesito 2º).
29- No âmbito das suas funções de Distribuição e de Conferência das contas dos Colegas, o autor tinha de prestar contas, respectivamente, no CDP 5300 Bragança e na Loja/Estação de Correios de … (Bragança) [quesito 3º].
30- No dia 12.01.2011, o autor na execução do giro ….., procedeu à entrega do Objecto à Cobrança nº …………., no valor de € 55,00, tendo recebido do cliente o respectivo valor (quesito 4º).
31- No entanto, na aludida data, não prestou contas à ré da quantia que recebeu do cliente, vindo somente a fazê-lo em 08.02.2011 (quesito 5º).
32- Para ocultar a sua conduta, na data em que entregou o objecto à cobrança, introduziu a seguinte informação no sistema informático da ré: “entrega não efectuada a aguardar nova tentativa de entrega” (quesito 6º).
33- Assim, no período que mediou entre 12.01.2011 e 08.02.2011, sem que para tal estivesse autorizado, o autor manteve na sua posse os € 55,00 que havia cobrado ao serviço da ré (quesito 7º).
34- Valor do qual se apropriou, ainda que temporariamente (quesito 8º).
35- No dia 19.01.2011, o autor na execução do giro ….., procedeu à entrega do Objecto à Cobrança nº …………., no valor de € 48,81, tendo recebido do cliente o respectivo valor (quesito 9º).
36- No entanto, na aludida data, não prestou contas à ré da quantia que recebeu do cliente, vindo somente a fazê-lo em 08.02.2011 (quesito 10º).
37- Para ocultar a sua conduta, na data em que entregou o objecto à cobrança, introduziu a seguinte informação no sistema informático da ré: “entrega não efectuada a aguardar nova tentativa de entrega” (quesito 11º).
38- Assim, no período que mediou entre 19.01.2011 e 08.02.2011, sem que para tal estivesse autorizado, o autor manteve na sua posse os € 48,81 que havia cobrado ao serviço da ré (quesito 12º).
39- Valor do qual se apropriou, ainda que temporariamente (quesito 13º).
40- No dia 19.01.2011, o autor, na execução do giro ….., procedeu à entrega do objecto à cobrança nº …………., no valor de € 10,00, tendo cobrado ao cliente destinatário o respectivo valor (quesito 14º).
41- No entanto, na aludida data, o autor não prestou contas à ré da quantia que recebeu do cliente, vindo somente a fazê-lo em 08.02.2011 (quesito 15º).
42- Para ocultar a sua conduta, na data em que entregou o objecto à cobrança, introduziu a seguinte informação no sistema informático da ré: “entrega não efectuada a aguardar nova tentativa de entrega”? (quesito 16º).
43- Assim, no período que mediou entre 19.01.2011 e 08.02.2011, sem que para tal estivesse autorizado, o autor manteve na sua posse os € 10,00 que havia cobrado ao serviço da ré (quesito 17º).
44- Valor do qual se apropriou, ainda que temporariamente (quesito 18º).
45- Para ocultar a conduta descrita nas alíneas X) e Y), na data em que entregou o objecto à cobrança, introduziu a seguinte informação no sistema informático da ré: “entrega não efectuada a aguardar nova tentativa de entrega” (quesito 19º).
46- Assim, no período que mediou entre 25.01.2011 e 25.02.2011, sem que para tal estivesse autorizado, o autor manteve na sua posse os € 108,79 que havia cobrado ao serviço da ré (quesito 20º).
47- Valor do qual se apropriou, ainda que temporariamente (quesito 21º).
48- No dia 31.01.2011, na execução do giro ….., o autor procedeu à entrega do Objecto à Cobrança nº …………., no valor de € 24,25, tendo cobrado ao cliente destinatário o respectivo valor (quesito 22º).
49- No entanto, na aludida data, o autor não prestou contas à ré da quantia que recebeu do cliente, vindo somente a fazê-lo em 08.02.2011 (quesito 23º).
50- Para ocultar a sua conduta, na data em que entregou o objecto à cobrança, introduziu a seguinte informação no sistema informático da ré: “entrega não efectuada a aguardar nova tentativa de entrega” (quesito 24º).
51- Assim, no período que mediou entre 31.01.2011 e 08.02.2011, sem que para tal estivesse autorizado, o autor manteve na sua posse os € 24,25 que havia cobrado ao serviço da ré (quesito 25º).
52- Valor do qual se apropriou, ainda que temporariamente (quesito 26º).
53- No dia 07.02.2011, ao executar o giro ….., o autor procedeu à entrega do Objecto à Cobrança nº …………., no valor de € 10,00, tendo cobrado o respectivo valor ao cliente destinatário (quesito 27º).
54- No entanto, na aludida data, o autor não prestou contas à ré da quantia que recebeu do cliente, vindo somente a fazê-lo em 25.02.2011 (quesito 28º).
55- Já após a apresentação da reclamação pelo remetente do Objecto à Cobrança identificado na alínea X) [quesito 29º].
56- Para ocultar a sua conduta, na data em que entregou o objecto à cobrança, introduziu a seguinte informação no sistema informático da ré: “entrega não efectuada a aguardar nova tentativa de entrega” (quesito 30º).
57- Assim, no período que mediou entre 02.02.2011 e 25.02.2011, sem que para tal estivesse autorizado, o autor manteve na sua posse os € 10,00 que havia cobrado ao serviço da ré (quesito 31º).
58- Valor do qual se apropriou, ainda que temporariamente (quesito 32º).
59- No dia 15.02.2011, na execução do giro ….., o autor procedeu à entrega do Objecto à Cobrança nº …………., no valor de € 48,48, tendo cobrado ao cliente destinatário a respectiva quantia (quesito 33º).
60- No entanto, na aludida data, o autor não prestou contas à ré da quantia que recebeu do cliente, vindo somente a fazê-lo em 23.02.2011 (quesito 34º).
61- Já após o cliente remetente do Objecto à Cobrança identificado na alínea X) ter apresentado a respectiva reclamação junto da ré, pela falta de liquidação do valor cobrado (quesito 35º).
62- Para ocultar a sua conduta, na data em que entregou o objecto à cobrança, introduziu a seguinte informação no sistema informático da ré: “entrega não efectuada a aguardar nova tentativa de entrega” (quesito 36º).
63- Assim, no período que mediou entre 15.02.2011 e 23.02.2011, sem que para tal estivesse autorizado, o autor manteve na sua posse os € 48,48 que havia cobrado ao serviço da ré (quesito 37º).
64- Valor do qual se apropriou, ainda que temporariamente (quesito 38º).
65- Também, no dia 15.02.2011, na execução do giro ….., o autor procedeu à entrega dos Objectos Postais à Cobrança nº…………. no valor de € 18,35; nº…………. no valor € 32,71; nº…………. no valor de € 17,70 e nº…………. no valor de € 7,86, tendo cobrado os respectivos valores aos clientes destinatários das cobranças (quesito 39º).
66- Porém, na aludida data, o autor não prestou contas à ré das quantias que recebeu dos clientes, vindo somente a fazê-lo em 25.02.2011 (quesito 40º).
67- Já após o cliente remetente do objecto à cobrança identificado na alínea X) ter apresentado a respectiva reclamação junto da ré, pela falta de liquidação do valor cobrado (quesito 41º).
68- Para ocultar a sua conduta, na data em que entregou os objectos à cobrança, introduziu a seguinte informação no sistema informático da ré: “entrega não efectuada a aguardar nova tentativa de entrega” (quesito 42º).
69- Assim, no período que mediou entre 15.02.2011 e 25.02.2011, sem que para tal estivesse autorizado, o autor manteve na sua posse os € 76,62 (valor dos quatro objectos) que havia cobrado ao serviço da ré (quesito 43º).
70- Valor do qual se apropriou, ainda que temporariamente (quesito 44º).
71- No âmbito das suas funções de recepção das contas dos outros Carteiros, o autor, em diversos dias, recebeu valores em numerário, que lhe foram entregues pelos seus colegas e dos quais não prestou contas na Estação/Loja de … (Bragança) [quesito 45º].
72- No dia 31.12.2010, o Carteiro do giro ….. entregou e cobrou ao cliente o valor de € 129,52, em numerário, referente ao Objecto à cobrança nº …………., no valor de € 129,52 (Quesito 46º).
73- No mesmo dia foi anulada no sistema informático a entrega conseguida do Objecto à Cobrança (Quesito 47º).
74- A referida importância apenas entrou na prestação de contas do CDP à Estação em 03.02.2011 (Quesito 48º).
75- No dia 19.01.2011, o autor recebeu do Carteiro do giro ….. a quantia em numerário no valor de € 67,00, referente ao Objecto à Cobrança nº …………., no valor de € 67,00 cobrado ao cliente destinatário naquela mesma data, pelo aludido carteiro (quesito 50º).
76- Apesar de, no sistema informático, o autor considerar a entrega conseguida na indicada data, só em 25.01.2011 é que o autor entregou à ré o valor que havia recebido do seu colega (quesito 51º).
77- Assim, e sem que para tal estivesse autorizado, o autor manteve na sua posse os € 67,00, no período que mediou entre o dia 19.01.2011 e 25.01.2011(quesito 52º).
78- Tendo-se apropriado, ainda que temporariamente, da aludida quantia (quesito 53º).
79- No dia 07.02.2011, o autor recebeu do Carteiro do giro ….. a quantia de € 10,00 relativa ao Objecto à Cobrança nº …………., no valor de € 10,00 cobrado ao cliente destinatário nesse mesmo dia, pelo indicado carteiro (quesito 54º).
80- Na mesma data, o autor introduziu a seguinte informação no sistema informático da ré: “entrega não efectuada a aguardar nova tentativa de entrega” (quesito 55º).
81- O autor, sem que para tal estivesse autorizado, manteve os € 10,00 na sua posse até ao dia 12.04.2011, data em que o entregou à ré (quesito 56º).
82- Isto só após apresentação de reclamação pelo cliente remetente do objecto nº …………. no valor de € 192,90 (quesito 57º).
83- Tendo-se apropriado, ainda que temporariamente, dos € 10,00 (quesito 58º).
84- No dia 14.02.2011, o autor recebeu do Carteiro do giro ….. a quantia de €27,00 em numerário, referente ao Objecto à Cobrança nº …………., no valor de €27,00, entregue e cobrado ao cliente destinatário pelo aludido carteiro naquela mesma data (quesito 59º).
85- Na mesma data, o autor introduziu a seguinte informação no sistema informático da ré: “entrega não efectuada a aguardar nova tentativa de entrega” (quesito 60º).
86- O autor, sem que para tal estivesse autorizado, manteve na sua posse os € 27,00 até ao dia 25.02.2011, data em que procedeu à sua entrega à ré, após apresentação de reclamação pelo cliente remetente do objecto nº …………. no valor de € 108,79 mencionado na alínea X) [quesito 61º].
87- No dia 24.02.2011, o autor recebeu a quantia de € 192,90, referente ao Objecto à Cobrança nº …………. no mesmo valor, entregue e cobrado na execução do giro ….. (quesito 62º).
88- Embora, por lapso, o objecto tivesse sido considerado na Lista de Distribuição como sendo …………., o autor considerou-a correctamente “entrega conseguida”, mas não procedeu à entrega dos € 192,90, na prestação de contas daquela data (quesito 63º).
89- Aquando da reclamação pelo cliente remetente pela falta de liquidação da cobrança, o arguido colocou, de novo, no sistema informático, o Objecto Postal em distribuição com o número corrigido (quesito 64º).
90- Tendo prestando contas do referido Objecto Postal somente em 12.04.2011, apesar de ter recebido o respectivo numerário em 24.02.2011 (quesito 65º).
91- Assim, e sem que para tal estivesse autorizado, o autor, manteve na sua posse a quantia de € 192,90 no período que mediou entre 24.02.2011 e 12.04.2011, da qual se apropriou, ainda que temporariamente (quesito 66º).
92- Entre os dias 23.02.2011 e 24.02.2011, à porta do CDP, o autor procedeu à entrega do Objecto à Cobrança nº …………., no valor de € 43,00, tendo cobrado ao cliente destinatário o respectivo valor (quesito 67º).
93- No dia 23.02.2011, no sistema informático, o referido Objecto à Cobrança já havia sido dado como devolvido pelo Carteiro do giro ….. (quesito 68º).
94- O autor, sem que para tal estivesse autorizado, ficou na posse dos € 43,00 em numerário, desde a data em que entregou a Cobrança, até ao dia 12.04.2011, data em que procedeu à entrega do aludido valor à ré, na Estação de … (Bragança), após apresentação de reclamação pelo cliente remetente do objecto nº …………. no valor de € 192,90 (quesito 69º).
95- Com o descrito comportamento, o autor apropriou-se dos € 43,00, ainda que temporariamente (quesito 70º).
96- Em data não determinada mas que se situa entre o dia 8.06.2011 e 9.06.2011, o autor sem autorização da Gestora de Loja de …, retirou desta EC/Loja o Objecto à Cobrança nº…………., no valor de € 36,00, e, num dos referidos dias, entregou-o ao destinatário, cobrando a respectiva importância (quesito 71º).
97- O objecto em causa já havia sido dado como devolvido, no sistema informático, pelo carteiro do giro ….., em 26.05.2011 (quesito 72º).
98- No entanto, posteriormente, o Objecto foi, de novo, remetido à EC/Loja de … em 08.06.2011 a fim de ser entregue ao destinatário (quesito 73º).
99- No dia 10.06.2011, a Gestora de Loja deu por falta do objecto (quesito74º).
100- O autor, não obstante ter recebido o numerário referente ao Objecto em causa na data em que o entregou ao destinatário, só prestou contas de tal recebimento em 14.06.2011 (quesito 75º).
101- Tendo-se apropriado, ainda que temporariamente, dos € 36,00 (quesito 76º).
102- Ainda no âmbito das suas funções de recepção da prestação de contas dos Carteiros do CDP de Bragança, o autor recebeu o Objecto à Cobrança nº …………., no valor de € 41,28, que foi dado como avisado à EC/Loja Bragança em 07.02.2011 pelo Carteiro do giro ….. (quesito 77º).
103- No entanto, o autor não procedeu ao envio do objecto para esta EC/Loja (quesito 78º).
104- Posteriormente, o A. entregou-o ao destinatário, recebendo deste a importância da Cobrança (Quesito 79º).
105- Só em 04.04.2011 é que o autor prestou contas à ré dos € 41,68 que recebeu, data em que entregou a aludida quantia na Estação/Loja de … (Bragança) [quesito 80º].
106- O A. exerceu a sua actividade ao serviço e por conta da Ré desde 9-02-2006, de forma ininterrupta, até que foi despedido (quesito 82º).
107- A rotina dos giros distribuídos pelos carteiros pode ser alterada por motivos de férias, baixas ou outros (Quesito 83º).
108- O horário de saída do A. era às 19h30 (Quesito 85º).
109- O acesso ao sistema informático de registo está disponível a todas as pessoas, uma vez que os respectivos dados de acesso estão afixados no vidro que se apresenta em frente ao computador (quesito 87º).
110- O superior hierárquico, N, comunicou ao A. a existência de uma reclamação relativa ao objecto …………. referido na alínea X) e o questionou acerca do que se havia passado com essa cobrança (quesito 90º).
111- O A. reconheceu perante E… não ter prestado contas do referido objecto na data da entrega do mesmo ao cliente, dizendo ter-se tratado de um lapso (Quesito 92º).
112- O A. não tinha averbada qualquer sanção no seu registo disciplinar (Quesito 94º).
113- O A. gozou 15 dias úteis de férias no ano de 2011, até à data da sua suspensão preventiva e gozou 13 dias de férias no ano de 2012 após o seu regresso ao serviço (Quesito 95º).
114- O A., pelo menos até finais do ano de 2010, era um profissional que exerceu sempre as funções de carteiro com o maior empenho, zelo e diligências, reconhecida por superiores hierárquicos, colegas e clientes (Quesito 96º).
115- A suspensão preventiva e o despedimento causaram ao Autor aborrecimentos, preocupações, vergonha, vexame, junto dos seus familiares, amigos e colegas de trabalho (Quesito 98º).
116- Sendo pessoa habitualmente bem disposta e com atitude de optimismo e bem estar com a vida, o A. deixou de ter vontade de conviver, afastou-se dos amigos, alguns dos quais souberam da sua suspensão preventiva e despedimento, refugiando-se em casa (Quesito 99º).
117- O seu estado de desânimo, revolta e contrariedade alterou negativamente o seu comportamento e relacionamento familiar, afectando também a sua esposa, o que contribuiu para o agravamento do seu desespero e mágoa (Quesito 100º).
118- Com a instauração do processo disciplinar, com a sua suspensão preventiva e despedimento, o Autor passou noites sem dormir, perdeu a sua auto estima e boa disposição que lhe eram apanágio, passando a viver triste, contrariado e revoltado (Quesito 101º).
119- Por causa das funções que exercia como carteiro, com contacto público diário, o seu despedimento foi conhecido e comentado por alguns dos clientes destinatários da sua actividade e conhecidos (Quesito 102º).
120- A Direcção de Auditoria e Inspecção da ré, com vista ao esclarecimento dos factos participados no Auto de Notícia de fls. 3 do PD, instaurou o Inquérito referido nas alíneas G) a L), no cumprimento da missão e atribuições que foram definidas pelo Conselho de Administração da Ré nas Ordens de Serviço ………… de 21/09/2006 e ………… de 30/09/2010, juntas aos autos a fls. 242 a 266 e 267 a 280, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos, entre as quais as de assegurar e coordenar o exercício da Função Disciplinar, competindo-lhe instruir processos disciplinares e de inquérito, sendo que ao Departamento de Investigação (INV) compete analisar as participações/reclamações recebidas, promovendo a sua atribuição aos Inspectores e coordenando as acções de investigação desenvolvidas, analisar e investigar situações anómalas e comportamentos irregulares, analisar documentos com vista à detecção/confirmação de ilícitos disciplinares/criminais praticados pelos trabalhadores e elaborar relatórios respeitantes às acções concretizadas, referenciando as anomalias detectadas e propondo superiormente as medidas a tomar e ao Departamento de Instrução (INST) colaborar com o Director na designação dos instrutores com vista a instruir e tramitar processos disciplinares, coordenar e proceder ao acompanhamento processual dos processos disciplinares, analisando juridicamente as questões daí decorrentes e propor superiormente as penas aplicáveis pelas infracções disciplinares analisadas (Quesito 105º).
121- O Sr. Administrador C… tomou conhecimento do relatório preliminar referido na alínea M) em 20.09.2011, sendo o mesmo remetido ao Conselho de Administração na mesma data (Quesito 106º).

Estes os factos dados como provados na 1.ª instância.
Constata-se que sob o n.º 2 dos factos provados é dado por reproduzido o teor do contrato de trabalho cuja cópia consta a fls. 25 e 26 do procedimento cautelar de suspensão do despedimento.
Uma vez que do mesmo contrato consta que as partes acordaram que aquele se regia, entre o mais, por um determinado Acordo de Empresa (AE), entende-se dever explicitar tal facto, sendo certo que o documento em causa não se mostra impugnado e que este tribunal dispõe de poderes para o efeito – cfr. artigos 607.º, n.º 4, 663.º, n.º 2 e 574.º, n.º 2, todos do novo Código de Processo Civil (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável por força dos artigos 5.º a 8.º da respectiva lei preambular).
Assim, adita-se à matéria de facto, sob o n.º 2-A, o seguinte:
«Nos termos do referido contrato de trabalho, o mesmo rege-se pelas cláusulas nele insertas, pelo Código do Trabalho e pelo AE entre os CTT Correios de Portugal, S.A., e o SINDETELCO – Sindicato Democrático dos Trabalhadores das Comunicações e dos Média e Outros, publicado no BTE, n.º 14, de 15 de Abril de 2008.».

Constata-se também que sob o n.º 120 da matéria de facto, de forma sintética, se faz referência às atribuições da Direcção de Auditoria e Inspecção da Ré, atribuições essas concedidas pelo Conselho de Administração da mesma Ré através de Ordens de Serviço.
Uma vez que o núcleo essencial do recurso interposto pela Ré se centra em saber se a sua Direcção de Auditoria e Inspecção (doravante também designada sob a sigla AIN) tinha poder disciplinar, sendo que para tal se impõe analisar as ordens de Serviço emitidas pela Ré a tal respeito, entende-se, para os fins em vista, transcrever o que de mais relevante delas consta.
Assim, nos termos dos preceitos legais referidos adita-se à matéria de facto o seguinte:
«120-A- Na sequência da Ordem de Serviço da Ré – …………, de 31 de Agosto de 2006 – o Conselho de Administração da mesma deliberou, em 21-09-2006, para produzir efeitos imediatos, aprovar, entre o mais, as missões e funções da sua Direcção de Auditoria e Inspecção (AIN);
120-B- Conforme anexo II, n.º 2, à referida Ordem de Serviço, constitui “Missão” da AIN, “assegurar e coordenar o exercício da Função Disciplinar e assessorar o Conselho de Administração em matéria de prevenção” [alínea c)];
120-C – Nos termos do n.º 3, do mesmo anexo, são “Funções” da AIN:
«(…)
b) Realizar acções específicas de auditoria e de investigação solicitadas pelo CA;
(…)
h) Instruir processos disciplinares e de inquérito;
(…)».
120-D- Quanto ao “Descritivo de Funções”, compete-lhe “[e]m termos de apoio específico à Função Disciplinar”:
(…)
i) Proceder ao registo informático dos processos de inquérito, processos disciplinares, recursos hierárquicos e contenciosos;
j) Proceder à expedição do correio geral, bem como a expedição relativa ao Conselho Disciplinar, Comissão de Trabalhadores e Sindicatos;
(…)».
120-E- No âmbito da “Investigação”, compete-lhe (n.º 2.6 da mesma OS):
«a) Analisar as participações/reclamações recebidas, promovendo a sua atribuição aos Inspectores e coordenando as acções de investigação desenvolvidas;
b) Analisar e investigar situações anómalas e comportamentos irregulares;
c) Analisar documentos com vista à detecção/confirmação de ilícitos disciplinares/criminais praticados pelos trabalhadores;
(…)».
120-F- No âmbito do “Contencioso Disciplinar” compete à AIN:
«(…)
b) Coordenar e proceder ao acompanhamento processual dos processos disciplinares, analisando juridicamente as questões daí resultantes;
c) Propor superiormente as penas aplicáveis pelas infracções disciplinares analisadas;
d) Promover a uniformidade de critérios de justiça de procedimentos no plano disciplinar;
(…)»;
120-G- Nos termos da Ordem de Serviço …………, de 30-09-2010, do Conselho de Administração da Ré, para entrar em vigor de imediato, foi aprovada a Delegação de Competências da Empresa”, designadamente quanto às “Competências não Financeiras”, “Gestão de Pessoal”, para “Ordenar inquéritos e mandar instaurar processos disciplinares, bem como tomar as respectivas decisões dentro dos limites de competência estabelecidos em matéria disciplinar”.».

IV. Fundamentação
Delimitadas supra, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de analisar, de per si, cada uma delas.

1. Da prescrição/caducidade do procedimento disciplinar (recurso da empregadora)
A sentença recorrida considerou a este propósito, em suma, que aquando da notificação da nota de culpa ao trabalhador já havia decorrido o prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho para o início do procedimento disciplinar.
Para tanto, afirmou que a data relevante para efeitos de contagem do prazo de 60 dias é 05-05-2011, por ser aquela em que o órgão com competência delegada para o efeito pelo empregador tomou conhecimento dos factos que conduziram à dedução da nota de culpa: assim, de acordo com a sentença recorrida, a contagem do prazo iniciou-se em 06-05-2011 e completou-se em 04-07-2011.
E, não obstante a instauração de processo prévio de inquérito, este não teve a virtualidade de interromper o referido prazo de 60 dias, uma vez que entre a conclusão do mesmo (em 08-09-2011) e a notificação da nota de culpa ao trabalhador (em 17-11-2011) decorreram mais de 30 dias.
Assim, conclui a sentença recorrida, tendo a nota de culpa sido notificada ao trabalhador apenas em 17-11-2011, nessa data há muito que se mostrava ultrapassado o prazo de 60 dias para o início do procedimento disciplinar.
Escreveu-se, para tanto, na sentença recorrida:
«(…) a R. é uma sociedade anónima de capitais públicos, pelo que a sua a sua administração e gestão compete a um conselho de administração, nesses poderes de administração e de gestão se incluindo, obviamente, o poder disciplinar. Contudo, a factualidade apurada e descrita permite concluir que o Conselho de Administração da R. delegou parte desse poder disciplinar, designadamente os poderes de investigação e instrução, na sua Direcção de Auditoria e Inspecção. E foi no exercício dessas competências delegadas que a pessoa responsável por tal departamento administrativo da R. tomou conhecimento, em 5/5/2011, da participação que lhe foi dirigida por E…, superior hierárquico imediato do A., de cujo conteúdo resultava a suspeita da prática das infracções que vieram a motivar a nota de culpa. Foi, também, no exercício de competência delegada que a mesma responsável ordenou a imediata instauração de um inquérito prévio para apuramento dos factos constantes dessa participação e eventual dedução de nota de culpa. Não agiu, pois, a Direcção de Auditoria e Inspecção por sua livre iniciativa, mas antes no cumprimento de ordens de serviço prévias emanadas do Conselho de Administração da Ré.
Assim, o momento relevante para efeitos de contagem do prazo de caducidade do exercício da acção disciplinar ocorreu em 5/5/2011, data em que o superior hierárquico do trabalhador com competência delegada para o efeito pelo empregador tomou conhecimento dos factos que levaram à dedução da nota de culpa.
No processo de inquérito prévio, iniciado logo naquela data, a última diligência probatória, que consistiu numa acareação entre o trabalhador arguido e H… realizou-se em 8-09-2011. A nota de culpa foi deduzida em 29/09/2011. Contudo, apenas veio a ser notificada ao trabalhador, por facto imputável aos serviços da Ré, em 17/11/2011. Assim, apesar do inquérito prévio ter tido início dentro dos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, entre a conclusão do mesmo, em 8/09/2011, data da última diligência investigatória do inquérito e a notificação da «nota de culpa» ao trabalhador, 17/11/2011, decorreram mais de 30 dias, pelo que a instauração do processo prévio de inquérito não teve a virtualidade de interromper a contagem do prazo de 60 dias previsto no artigo 329.º, n.º 2 do Código do Trabalho, ainda que verificados os restantes requisitos para tal. Tal significa que o prazo de 60 dias para que o empregador dê início ao procedimento disciplinar começou a correr no dia seguinte ao conhecimento da pretensa infracção pela Direcção de Auditoria e Inspecção, ou seja, no dia 06/05/2011 e completou-se no dia 4/07/2011. Ora, a nota de culpa foi notificada ao trabalhador mais de 4 meses após o termo daquele prazo, pelo que, à data da notificação, já havia caducado (ou, na tese sufragada pelo A., prescrito) o exercício da acção disciplinar. A solução seria idêntica mesmo que se considerasse que o inquérito prévio apenas ficou concluído com a elaboração, em 15/09/2011, do relatório preliminar, tal como defende a R.
É certo que os factos investigados no decurso do inquérito prévio apenas foram levados ao efectivo conhecimento do Conselho de Administração entre o dia 20 e 2 de Setembro de 2011. Contudo, como se explicitou supra, o conhecimento relevante neste caso é o da Direcção de Auditoria e Inspecção, pois foi neste departamento que aquele órgão delegou os poderes de investigação e instrução para fins disciplinares. Defender o contrário significaria esvaziar de sentido a norma que confere virtualidade interruptiva dos prazos de prescrição e caducidade à instauração do processo prévio de inquérito.».

A Ré/recorrente rebela-se contra tal entendimento, argumentando, no essencial, que o poder disciplinar do seu Conselho de Administração não foi delegado, nem total nem parcialmente, na Direcção de Auditoria e Inspecção, que a esta direcção apenas foram delegados poderes de exercício da “função disciplinar” e não do “poder disciplinar”.
Por isso, prossegue a recorrente, para efeitos de conhecimento da infracção disciplinar não se poderá considerar como relevante a data em que foi iniciado o inquérito pela Direcção de Auditoria e Inspecção – 05-05-2011 –, mas a data situada entre 20-09-2011 e 22-11-2011, por ser aquela em que o Conselho de Administração teve conhecimento das infracções disciplinares praticadas pelo Autor: logo, conclui a recorrente, tendo sido deduzida nota de culpa em 29-09-2011, notificada em 17-11-2011 ao Autor, entre a data do conhecimento da infracção disciplinar pelo órgão da Ré com competência disciplinar e o início do procedimento disciplinar (com a notificação da nota de culpa), não mediaram mais de 60 dias.
Vejamos.

Como é consabido, enquanto vigorar o contrato de trabalho o empregador tem o poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço (cfr. artigo 98.º do Código do Trabalho).
As sanções disciplinares encontram-se estabelecidas no artigo 328.º, e vão desde a repreensão ao despedimento sem indemnização ou compensação.
Porém, os instrumentos de regulamentação colectiva podem prever outras sanções disciplinares, desde que não prejudiquem os direitos e garantias dos trabalhadores (n.º 2, do mesmo artigo).
No caso, no contrato de trabalho que celebraram as partes acordaram que aquele se regia pelo AE publicado no BTE, n.º 14, de 15 de Abril de 2008.
Nos termos da cláusula 20.ª, n.º 2, do referido AE, aos trabalhadores admitidos a partir do dia 19 de Maio de 1992 (inclusive) aplica-se o regime disciplinar da lei comum do trabalho.
A aplicação da sanção de despedimento pressupõe a prévia instauração de um procedimento, destinado a averiguar da existência da justa causa e a permitir que o trabalhador se defenda das acusações que lhe são feitas (cfr. artigo 353.º e segts. do Código do Trabalho).
Sem tal procedimento disciplinar, ou se o mesmo for inválido, o despedimento é ilícito [artigos 381.º alínea c) e 382.º do Código do Trabalho].

Mas o despedimento por facto imputável ao trabalhador é também ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º (artigo 382.º, n.º 1, do Código do Trabalho).
O referido artigo 329.º tem a seguinte redacção:
«1 – O direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infracção, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constitui igualmente crime.
2 – O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.
3 – O procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final.
4 – O poder disciplinar pode ser exercido directamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele.
(…)».
No caso interessam-nos os n.ºs 2 e 4 citados: e importa desde logo saber quando é que a empregadora, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.
A lei prevê a interrupção do referido prazo (o previsto no n.º 2, aquele que aqui releva) por duas vias:
i) com a comunicação da nota de culpa ao trabalhador (artigo 353.º, n.º 3, do Código do trabalho);
ii) com a instauração do procedimento prévio de inquérito, nos termos do artigo 352.º, caso aquele seja necessário para fundamentar a nota de culpa e desde que: a) ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares; b) o procedimento seja conduzido de forma diligente; c) a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do procedimento prévio.
Diga-se, em abono da verdade, que a discordância da recorrente se centra, na sua essência, na circunstância da sentença recorrida ter entendido que aquela havia delegado o poder disciplinar na (sua entidade) Direcção de Auditoria e Inspecção, contrapondo que apenas o seu Conselho de Administração tem tal poder; ou seja, o thema decidendum acaba por se resumir a saber se o Conselho de Administração da Ré havia delegado, ainda que parcialmente, o poder disciplinar na Direcção de Auditoria e Inspecção e, por consequência, quando é que a empregadora ou aquela Direcção teve conhecimento da infracção (cfr. os referidos n.ºs 2 e 4, do artigo 329.º).
Note-se que por se tratarem de factos constitutivos do direito que o trabalhador acciona, a ele compete a prova do conhecimento efectivo da infracção disciplinar por parte do empregador, ou do superior com competência disciplinar, e da data em que o mesmo ocorreu (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil; por todos, neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-10-2010, Proc. n.º 673/03.2TTBRR.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

É incontroverso que a Ré é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (cfr. facto n.º 23).
Nos termos dos Estatutos da mesma Ré, é atribuída competência ao Conselho de Administração para “[e]stabelecer a organização técnico-administrativa da sociedade e as normas de funcionamento interno" artigo 14.º, n.º 1, alínea g)], neles se prevendo também que "[o] Conselho de Administração poderá delegar nalgum ou alguns dos seus membros ou em comissões especiais alguma ou alguma das suas competências (…)" (n.º 2 do mesmo artigo)
Daqui decorre que face à natureza societária da Ré e aos respectivos Estatutos, a competência disciplinar compete ao Conselho de Administração, que, todavia, o pode delegar [cfr. artigos 405.º e 406, do CSC e artigo 14.º, n.º 1, alínea g) e n.º 2, dos respectivos Estatutos].
Anote-se que o poder disciplinar pode ser exercido por superior hierárquico do trabalhador, por delegação de poderes, respeitando, naturalmente, os termos estabelecidos por aquele; mas pode também, como sublinha Pedro Romano Martinez em anotação ao artigo 329.º (Código do Trabalho Anotado, 2013, 9.ª Edição, Almedina, pág. 700), ser exercido por outrem, a quem o empregador outorgue poderes para tal efeito.
Isto é, dito de forma sintética: embora a titularidade do poder disciplinar pertença em exclusivo ao empregador (artigo 98.º do Código do Trabalho), o exercício do mesmo pode não só ser exercido pelo empregador, como por outrem, desde que, para tanto, lhe tenham sido conferidos poderes pelo empregador.

Dos autos resulta que:
- Na sequência da participação efectuada por E… em 29-04-2011, autuada com o nº ….., em 5-5-2011, a Responsável pela Área de Investigação da Direcção de Auditoria e Inspecção da Ré proferiu a seguinte ordem:
“Considerando os factos descritos na participação nº ….. que deu entrada na AIN em 2011/05/05 mostra-se necessário proceder a averiguações para dedução de uma eventual Nota de Culpa/Acusação.
Nestes termos, determino a abertura de um processo prévio de inquérito com vista ao apuramento de todas as circunstâncias que rodearam a prática dos factos participados e/ou de outros que venham a ser apurados.
Para estes efeitos, nomeio instrutores os Inspectores D… e F….
Lisboa, 2011-05-05
A Responsável pela Área de Investigação da Auditoria e Inspecção
G…
INV/AIN” (facto n.º 7);
- Tal processo foi autuado com o nº ……./INV e teve início em 5-5-2011 (facto n.º 8);
- A última diligência probatória realizada no decurso do referido processo consistiu numa acareação entre o trabalhador arguido, ora requerente, e H…, realizada em 8-09-2011 (facto n.º 9);
- Após essa última diligência de prova, em 13-09-2011, a responsável pela Área de Investigação da Direcção de Auditoria e Inspecção, G…, exarou no processo o seguinte:
“INS-Dr. I…:
No âmbito do presente Processo de Investigação, dada a complexidade técnica do mesmo, solicito a nomeação de um Inspector da Área de Instrução para acompanhamento das diligências que se mostrem necessárias para a fundamentação da nota de culpa e do processo até final”, (facto n.º 10);
- Ainda nessa data, foi manuscrito no processo, por I…, INS/AIN, o seguinte:
“Visto.
Para os fins mencionados nomeio o inspector Dr. J….” (facto n.º 11).
- Em sequência, em 15-09-2011 foi então autuado o processo disciplinar com o nº ……, sendo Instrutor o Dr. J…, tendo, ainda nessa data, sido junto aos autos o registo disciplinar do trabalhador arguido e elaborado o Relatório Preliminar que se encontra junto ao PD a fls. 320 e 321 e cujo teor foi dado por integralmente reproduzido (facto n.º 12);
Ou seja, de acordo com a factualidade descrita, a responsável pela Área de Investigação da Auditoria e Inspecção da Ré determinou em 05-05-2011 que se procedesse a “averiguações para dedução de uma eventual Nota de Culpa/Acusação”, que culminou, em 15-09-2011, com instauração de processo disciplinar.
Ainda de acordo com a matéria de facto, a Direcção de Auditoria e Inspecção da ré, com vista ao esclarecimento dos factos participados no Auto de Notícia de fls. 3 do PD, instaurou o inquérito referido, no cumprimento da missão e atribuições que foram definidas pelo Conselho de Administração da Ré nas Ordens de Serviço ………… de 21/09/2006 e ………… de 30/09/2010, entre as quais as de assegurar e coordenar o exercício da Função Disciplinar, competindo-lhe instruir processos disciplinares e de inquérito, sendo que ao Departamento de Investigação (INV) compete analisar as participações/reclamações recebidas, promovendo a sua atribuição aos Inspectores e coordenando as acções de investigação desenvolvidas, analisar e investigar situações anómalas e comportamentos irregulares, analisar documentos com vista à detecção/confirmação de ilícitos disciplinares/criminais praticados pelos trabalhadores e elaborar relatórios respeitantes às acções concretizadas, referenciando as anomalias detectadas e propondo superiormente as medidas a tomar e ao Departamento de Instrução (INST) colaborar com o Director na designação dos instrutores com vista a instruir e tramitar processos disciplinares, coordenar e proceder ao acompanhamento processual dos processos disciplinares, analisando juridicamente as questões daí decorrentes e propor superiormente as penas aplicáveis pelas infracções disciplinares analisadas (facto n.º 120).
Atente-se que na Ordem de Serviço 21-09-2006 se afirma como “Missão” da AIN “assegurar e coordenar o exercício da Função Disciplinar”, sendo sua função, entre outras, instruir processos disciplinares e de inquérito.
E na Ordem de Serviço de 30-09-2010, explicitamente se refere a delegação de competências para ordenar inquéritos e mandar instaurar processos disciplinares.

Sustenta a recorrente que a Direcção de Auditoria e Inspecção da ré não é superior hierárquico com competência disciplinar e que os poderes da mesma visam, tão só e apenas, dotar o Conselho de Administração de instrumentos que o auxiliem a tomar a decisão relativamente à instauração de processos disciplinares aos trabalhadores que prevariquem no exercício das suas funções, tratando-se, por isso, de um poder com carácter meramente instrumental (cfr. conclusões 8.ª e 9.ª).
Em defesa da posição por si sustentada invoca o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-02-2011 (Proc. n.º 1214/06.5TTPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), nos termos do qual “[a] investigação efectuada por iniciativa do Departamento de Auditoria e Inspecção da ré para esclarecimento de uma questão colocada por um cliente e o subsequente relatório não podem considerar-se um procedimento prévio de inquérito, já que só o Conselho de Administração da ré, que é o órgão com competência disciplinar, é que podia ordenar a instauração daquele procedimento, pelo que não há lugar à aplicação do regime estabelecido no artigo 412.º do Código do Trabalho”.
Ora, cabe assinalar que só perante o concreto circunstancialismo fáctico é possível aferir da existência ou não de poderes disciplinares de um superior hierárquico ou de um órgão do empregador.
Pois bem: no acórdão em que a recorrente se ancora, sendo a empregadora uma instituição bancária, o que estava em causa era tão só a realização de uma investigação por iniciativa do departamento de Auditoria e Inspecção do empregador com vista ao esclarecimento de uma questão colocada por um cliente, mas sem que se demonstrasse que esse Departamento tinha qualquer poder disciplinar.
Ao invés, nos presentes autos, para além da Direcção de Auditoria e Inspecção ter os poderes referidos, que lhe foram atribuídos pelas Ordens de Serviço, a mesma Direcção determinou a abertura de um processo prévio de inquérito para que se procedesse a averiguações “para dedução de uma eventual Nota de Culpa/Acusação”.
E no âmbito do mesmo processo foi nomeado um inspector para fundamentar a “nota de culpa e do processo até final”, tendo, na sequência, sido instaurado processo disciplinar e elaborado relatório disciplinar, com vista à remessa daquele (ao Conselho de Administração) para decisão.
Isto é, o processo de inquérito prévio tinha um fim específico, de proceder a averiguações, para eventual dedução de nota de culpa: colhendo-se das Ordens de Serviço referidas a atribuição de poderes à AIN para proceder a averiguações com vista à eventual dedução de uma nota de culpa e para ordenar inquéritos e mandar instaurar processos disciplinares, tal significa que a Direcção de Auditoria e Inspecção (AIN) tinha poderes disciplinares delegados para ordenar – como ordenou – a realização de inquérito prévio.
Como se assinalou na sentença recorrida, defender que a Direcção de Auditoria e Inspecção não tinha quaisquer poderes disciplinares “(…) significaria esvaziar de sentido a norma que confere virtualidade interruptiva dos prazos de prescrição e caducidade à instauração do processo prévio de inquérito.”. Isto quando, é certo, decorre da factualidade provada, maxime dos seus n.ºs 7 a 13, que toda a actividade desenvolvida no âmbito do inquérito prévio visou deduzir a nota de culpa contra o trabalhador e que na AIN tinham sido delegados poderes (pelo Conselho de Administração) para analisar e investigar situações com vista à detecção/confirmação de ilícitos disciplinares, constando-se ainda que foi por despacho do Director da AIN que o trabalhador foi suspenso preventivamente de funções em 29-07-2011 (cfr. facto n.º 19).
Daí que se conclua que o Conselho de administração da Ré delegou parte do poder disciplinar na Direcção de Auditoria e Inspecção, designadamente o poder para a instauração de inquérito prévio.

Como se afirmou, e resulta do n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho, o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.
Note-se que uma vez que nos termos do artigo 352.º e do n.º 3 do artigo 353.º, do compêndio legal em referência, o início de tal prazo se interrompe com o procedimento prévio de inquérito para fundamentar a nota de culpa ou com a notificação da nota de culpa, torna-se inútil para a resolução do litígio a qualificação do referido prazo, de prescrição ou de caducidade.
No caso em apreço o processo de inquérito foi instaurado em 05-05-2011, pelo que, concluindo-se que a Direcção de Auditoria e Inspecção tinha poderes para a sua instauração, é essa a data a considerar para efeitos de contagem do aludido prazo.
Todavia, afigurando-se incontroversa a necessidade de processo prévio para o apuramento das circunstâncias concretas dos factos praticados, ele apenas interromperia a contagem daquele prazo de 60 dias desde que, como se explicitou supra, (a) o procedimento prévio de inquérito ocorresse nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, (b) o procedimento fosse conduzido de forma diligente, (c) a nota de culpa fosse notificada até 30 dias após a conclusão do procedimento prévio.
Constatando-se que este foi concluído em 08-09-2011, com a acareação entre o trabalhador/Autor e um outro trabalhador da empregadora, ou, admitindo-se, em 15-09-2011, com a elaboração do relatório preliminar, tendo o trabalhador sido notificado da nota de culpa apenas em 17-11-2011, resulta à saciedade que não foi respeitado, desde logo, o último requisito indicado para que o processo prévio de inquérito interrompesse a contagem do prazo de 60 dias.
Assim, como acertadamente se afirmou na sentença recorrida, o prazo de 60 dias para o início do procedimento disciplinar iniciou-se em 06-05-2011 – dia seguinte àquele em que a Direcção de Auditoria e Inspecção teve conhecimento da infracção –, pelo que se completou em 04-07-2011: tendo a nota de culpa sido notificada ao trabalhador em 17 de Novembro de 2011 (facto n.º 17) nessa data mostrava-se ultrapassado o prazo de 60 dias para exercício do procedimento disciplinar, pelo que se verifica a caducidade ou prescrição do mesmo.
E assim sendo, como se entende, verifica-se a ilicitude do despedimento, por inobservância do referido prazo (cfr. artigo 382.º, n.º 1, do Código do Trabalho).
Nesta sequência, urge concluir pela improcedência das conclusões das alegações de recurso apresentadas pela empregadora CTT, S.A., e, consequentemente, deve negar-se provimento ao recurso da mesma.

2. Da impugnação da matéria de facto (recurso do trabalhador)
Como resulta das alegações e conclusões de recurso, o trabalhador/recorrente pretende que seja alterada a resposta dada ao facto provado sob o n.º 19.
Tenha-se presente que o facto foi dado como provado nos seguintes termos:
«O trabalhador A. foi suspenso preventivamente das suas funções em 29-07-2011, por despacho do Director de Inspecção da mesma data que consta de fls. 288 do PD e cujo teor aqui se considera por integralmente reproduzido, o qual remeteu a sua fundamentação para a informação prestada pelo Instrutor D…, do seguinte teor:
“1. No âmbito de diligências efectuadas apuraram-se fortes indícios de que o CRT B… (…) no exercício das suas funções de carteiro, terá durante os primeiros cinco meses do corrente ano de 2011, utilizado em proveito próprio, o dinheiro de uma série de cobranças, assim como no período de 17 de Junho de 2010 a 1 de Abril de 2011 terá arrecadado para si de forma definitiva, cerca de €86,00 de cobranças RSF, aos clientes L… e M….
2. Sendo que tais actos, são passíveis de censura disciplinar mostrando-se a sua presença no local de trabalho, prejudicial ao bom funcionamento dos serviços, por existir o receio de prática de comportamentos idênticos, com base no nº 5 do Art.º 329º do Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro propõe-se a suspensão preventiva do trabalhador.”».
A referida factualidade foi considerada como assente em sede de despacho saneador, na consignação da “Matéria de Facto Assente”.
O recorrente contrapõe que o facto devia ser dado como provado apenas com o seguinte teor:
«O trabalhador A. foi suspenso preventivamente das suas funções em 29-07-2011, por despacho do Director de Inspecção da mesma data que consta de fls. 288 do PD e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido».
Fundamenta o referido pedido de alteração na circunstância de, no seu entender, o documento de fls. 288 do processo disciplinar e do documento 11 junto com a contestação não remeter para qualquer informação prestada pelo instrutor D….
Vejamos.

Do documento de fls. 288, cujo teor foi dado por reproduzido, consta, no lado direito, o seguinte despacho manuscrito, datado de 29-07-2011: “Com base nos fundamentos da presente informação suspendo preventivamente do exercício de funções o CRT B… (n.º mec. …….)”.
E no lado esquerdo do mesmo documento consta a “informação” transcrita no facto n.º 19, assinada pelo instrutor D….
Daqui decorre que o despacho que suspendeu de funções o trabalhador se baseou na referida informação do instrutor.
Isto é também o que consta do facto: em síntese, o trabalhador foi suspenso preventivamente de funções por despacho do Director da Inspecção que, para tanto, se baseou na informação do instrutor que consta do mesmo documento.
Assim, traduzindo o facto o que consta do teor do despacho que determinou a suspensão preventiva do trabalhador, inexiste fundamento para alterar o mesmo.
Atente-se que o referido facto não pretende traduzir o conteúdo da notificação feita ao arguido/trabalhador de suspensão preventiva de funções: tal conteúdo consta do facto seguinte, o n.º 20, onde se refere que o despacho de suspensão foi comunicado ao trabalhador no mesmo dia, mediante comunicação escrita que se encontra junta a fls. 55 do procedimento cautelar, que foi dada por reproduzida.
Ora, de tal comunicação (de fls. 55) feita ao trabalhador consta expressamente que é suspenso de funções “por haver fortes indícios de ter praticado factos ilícitos graves no exercício das suas funções de CRT: utilizou em proveito próprio, o dinheiro de várias cobranças postais.
Tais factos são passíveis de censura disciplinar, mostrando-se manifestamente inconveniente a sua presença no serviço já que existe ainda o receio da prática de comportamentos idênticos”.
Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

3. Da indemnização por danos não patrimoniais (recurso do trabalhador)
Como se afirmou no relatório supra, o trabalhador pediu a condenação da entidade empregadora no pagamento da indemnização de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais, alegando, para tanto, que a suspensão preventiva e o despedimento lhe causaram “aborrecimentos, preocupações, vergonha, vexame, junto dos familiares, amigos e colegas de trabalho, junto dos pais passou a ser visto como pessoa sem ocupação e sob suspeita de prática de comportamentos indevidos”.
A sentença recorrida julgou improcedente tal pedido, desenvolvendo, em síntese, a seguinte fundamentação:
«(…) os factos provados demonstram que tanto a suspensão preventiva, como o despedimento promovidos pela R. causou ao A. danos de natureza não patrimonial, traduzidos nas angústias, aborrecimentos, insónias, perda de boa disposição, isolamento, mágoa, alteração de comportamento, etc, conforme descrito supra. Trata-se de danos que assumem relevância suficiente para serem tutelados pelo direito. Está, pois, demonstrada a verificação dos requisitos do dano e do nexo de causalidade entre este e o facto lesivo (a suspensão preventiva e o despedimento). Também se verifica o requisito da ilicitude do facto lesivo, por inobservância do procedimento legal. Quanto à culpa, ela está presente, pelo menos na veste de negligência, já que ao omitir as formalidades impostas por lei para a validade da suspensão preventiva e do procedimento disciplinar, a R. omitiu um dever geral de cuidado que se lhe impunha na tramitação do procedimento disciplinar.
Contudo, não há que esquecer que foi um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, traduzido nas infracções disciplinares praticadas, que deram origem à produção dos danos não patrimoniais por ele sofridos. Com efeito, como já se referiu a R. tinha efectivamente fundamento bastante para suspender preventivamente o trabalhador e logrou provar que este praticou as infracções disciplinares que constituíam justa causa de despedimento. Ora, nos termos do disposto no art. 570º do Cód. Civil, em caso de culpa do próprio lesado na produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. Na ponderação de todos os factos, assume indubitavelmente maior gravidade e intensidade a culpa do A., pois foi a sua actuação culposa e ilícita o motor da instauração do procedimento disciplinar e bem pode dizer-se que a extensão dos factos praticados contribuiu para tornar mais morosa a investigação, praticamente anulando a culpa da R. empregadora. Ficou demonstrada a verificação dos motivos justificativos invocados para o despedimento, o que, não fora a caducidade do procedimento disciplinar que inquina insanavelmente a sua validade, importaria a sua licitude. Assim, deve ser excluída a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A., uma vez que para a sua produção concorreu a sua própria culpa.
O trabalhador/recorrente rebela-se contra tal entendimento, sustentando, em resumo, que a empregadora violou o regime legal da suspensão preventiva – seja porque na notificação da suspensão não aludiu às razões pelas quais ainda não era possível elaborar, nessa data, a nota de culpa, seja porque não o notificou da nota de culpa dentro dos 30 dias posteriores à suspensão preventiva, seja, até, porque a suspensão foi determinada durante o processo de inquérito e, por isso, antes de iniciado o procedimento disciplinar –, que pelo menos desde o 31.º dia posterior ao seu início até à notificação da nota de culpa a inactividade do trabalhador deixou de ter justificação e que o despedimento foi julgado ilícito.
Acrescenta o recorrente que face aos factos provados resultaram para ele danos decorrentes da suspensão preventiva e do despedimento que justificam a fixação de uma indemnização.
Cumpre decidir.

Cabe, desde já, deixar assinalado que também quanto a esta questão se concorda integralmente com a bem fundamentada decisão recorrida, para a qual se remete.
Por isso, a fim de evitarmos ser tautológicos em relação a tal decisão, vamos apenas enfatizar alguns aspectos que consideramos preponderantes para tal entendimento.
Tem-se por adquirido que face ao decidido anteriormente, quer a suspensão preventiva do trabalhador quer o respectivo despedimento são ilícitos.
Com efeito, quanto à suspensão, tendo-se verificado em 29-07-2011, ao contrário do que impõe o n.º 2 do artigo 354.º do Código do Trabalho a nota de culpa não foi notificada nos 30 dias subsequentes, e daí a ilicitude da suspensão, com violação do direito à ocupação efectiva do trabalhador.
Já em relação aos restantes fundamentos da ilicitude da suspensão invocados pelo recorrente – não alusão na suspensão às razões porque não era ainda possível elaborar a nota de culpa e suspensão ter sido determinada durante o processo de inquérito – cumpre referir o seguinte: quando ao 1.º dos fundamentos, sendo embora certo que na suspensão do trabalhador não se referiram as razões porque ainda não tinha sido elaborada a nota de culpa, torna-se por demais evidente que para o trabalhador eram facilmente apreensíveis essas razões, até porque tinha sido ouvido no âmbito do inquérito dois dias anteriores a essa suspensão, em 27-07-2011 (fls. 267 e segts do processo disciplinar): necessidade de completo apuramento dos factos; assim, ainda que se admita alguma ilicitude do comportamento da empregadora (com base em tal fundamento) a mesma é de diminuta – diremos, até, irrelevante – importância.
Em relação ao 2.º fundamento, haverá que ter presente que, como acentua Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Principia, págs. 200-201), «[e]m rigor, o procedimento não se inicia com a nota de culpa, nem com a respectiva elaboração, nem com a sua comunicação ao trabalhador, embora seja este último momento que a lei toma como referência para a contagem.
(…)
Pensamos que o ato que marca o início do procedimento de despedimento é a decisão do empregador – ou do superior hierárquico com competência disciplinar – de promover a abertura do procedimento contra dado trabalhador.
É certo quer se pode dizer que esta decisão em si não faz parte do procedimento, pois parece situar-se a montante do mesmo, só tendo o procedimento início quando é praticado algum ato subsequente, como por exemplo a nomeação do instrutor ou a realização por este de alguma diligência preparatória da nota de culpa. Contudo, tendo presentes as razões que estão por detrás da imposição dos prazos do procedimento – evitar que a inação do empregador se mantenha, depois de ter conhecimento que certo trabalhador praticou determinada infracção grave, suscetível de inviabilizar a prossecução da relação de trabalho –, julgamos que se deve entender que, em regra, este se inicia no momento em que é tomada a decisão de instaurar o procedimento.
Note-se que a instauração de um procedimento prévio de inquérito, nos termos do artigo 352.º, também pressupõe que o procedimento de despedimento se iniciou. Assim o indica a letra do preceito, ao referenciar ao inquérito a elaboração da nota de culpa. E o mesmo sucede com a decisão de suspender preventivamente o trabalhador quando tomada antes da notificação da nota de culpa, nos termos do artigo 354.º, 2 []».
Por isso, não acompanhamos o entendimento do recorrente ao fundar a ilicitude da suspensão na circunstância de ter sido feita durante o procedimento de inquérito prévio.

Quanto à ilicitude do despedimento, ela decorre da inobservância do prazo previsto no artigo 329.º, n.º 2, conforme se encontra prescrito no artigo 381.º.
A obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais tem como pressupostos fundamentais, o facto ilícito, o dano, a culpa e o nexo de causalidade (artigo 483.º, do Código Civil).
No caso, face ao que se deixou anteriormente referido, verifica-se a ilicitude do comportamento da Ré, ao suspender e despedir o trabalhador; tal comportamento não pode deixar de se considerar culposo atento que a Ré conhecia, ou tinha obrigação de conhecer, os procedimentos legais que poderiam conduzir aos actos que praticou.
Também se tem por incontroverso que em razão da suspensão e do despedimento o trabalhador sofreu dados, pois, como resulta da factualidade que assente ficou:
- A suspensão preventiva e o despedimento causaram ao Autor aborrecimentos, preocupações, vergonha, vexame, junto dos seus familiares, amigos e colegas de trabalho (n.º 115).
- Sendo pessoa habitualmente bem disposta e com atitude de optimismo e bem estar com a vida, o A. deixou de ter vontade de conviver, afastou-se dos amigos, alguns dos quais souberam da sua suspensão preventiva e despedimento, refugiando-se em casa (n.º 1116).
- O seu estado de desânimo, revolta e contrariedade alterou negativamente o seu comportamento e relacionamento familiar, afectando também a sua esposa, o que contribuiu para o agravamento do seu desespero e mágoa (n.º 117).
- Com a instauração do processo disciplinar, com a sua suspensão preventiva e despedimento, o Autor passou noites sem dormir, perdeu a sua auto estima e boa disposição que lhe eram apanágio, passando a viver triste, contrariado e revoltado (n.º 118).
- Por causa das funções que exercia como carteiro, com contacto público diário, o seu despedimento foi conhecido e comentado por alguns dos clientes destinatários da sua actividade e conhecidos (n.º 119).
Finalmente, mostra-se também presente o nexo causal entre o comportamento da empregadora (suspensão e despedimento do trabalhador) e os danos por este sofridos (os referidos anteriormente).

De acordo com o disposto no artigo 496.º, do Código Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Como a doutrina e a jurisprudência têm afirmado, a gravidade do dano deve medir-se por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, e não em função de factores subjectivos, donde que os vulgares incómodos, contrariedades, transtornos, indisposições, por não atingirem um grau suficientemente elevado, não conferem direito a indemnização; isto é, não basta a verificação de um qualquer dano não patrimonial para justificar o pagamento de indemnização, impondo-se que o mesmo revista gravidade. “A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado”(Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, volume I, 4.ª edição, Almedina, página 532).
Tendo em conta os supra descritos danos, maxime o facto do trabalhador sentir vergonha, ver afectado o seu comportamento, ter perdido a autoestima e boa disposição, passando a viver triste, contrariado e revoltado, entende-se, tendo em conta um “homem médio”, que eles justificariam uma indemnização.
Porém, a indemnização deve ser fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494.º, Código Civil, ou seja, a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem (n.º 3 do referido artigo 496.º, e artigos 494.º, n.º 1 e 570.º, todos do Código Civil).
Isto é, no dizer de Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. I, 3.ª edição, pág. 501), o montante da indemnização “(...) deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.
Ou seja, havendo culpa do lesado e do lesante na produção do dano deverá determinar-se, tendo por base a gravidade da culpa de cada um deles, se, como explicita o artigo 570.º, do Código Civil, a indemnização “deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.

Regressando ao caso que nos ocupa, da análise supra efectuada resulta que a ilicitude do comportamento da empregadora – seja quanto à suspensão do trabalhador, seja quanto ao despedimento –, decorre da inobservância de regras que podemos designar de procedimentais ou formais.
Por isso, quer a ilicitude, quer a culpa da empregadora (esta ficou a dever-se a mera negligência na observância dos prazos) são diminutas.
Também os danos sofridos pelo trabalhador, embora merecedores da tutela do direito, não assumem particular gravidade; não pode olvidar-se que esses danos e apresentam como uma consequência lógica, natural, do despedimento de um trabalhador, independentemente das razões do mesmo: perante a perda do trabalho e a incerteza quanto ao futuro, é normal que um trabalhador sinta, por exemplo, angústia, insónias, perda de boa disposição e alteração do comportamento.
Contudo, tais comportamentos do trabalhador não terão assumido intensidade já que dos autos não resultam consequências dos mesmos, como por exemplo, surgimento de doença, necessidade de acompanhamento/assistência médica, etc., o que significa que o referido estado psíquico terá sido ultrapassado com o decurso do tempo, sem necessidade de assistência médica.
Daí que, volta-se a sublinhar, quer a ilicitude, quer a culpa da empregadora, quer os danos sofridos pelo trabalhador apresentam-se diminutos.

Já quanto ao comportamento do trabalhador, da matéria de facto, designadamente dos n.ºs 24, 25 e 27 a 105, decorre que, aproveitando-se das funções de carteiro e de conferente de recepção de prestação de contas de outros carteiros, não prestou contas à empregadora de quantias que recebeu (de clientes ou de outros carteiros) vindo a ocultar a sua conduta, através da inserção no sistema informático da Ré de informação/justificação que sabia não corresponder à realidade, assim se apropriando, ainda que temporariamente, dos valores em causa.
Ora, como se assinalou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-10-2008 (Recurso n.º 2064/08, disponível em www.dgsi.pt), «[a]atendendo à natureza do serviço público prestado pelos CTT, exige-se dos seus trabalhadores que exerçam as respectivas funções de forma idónea, leal e de plena boa fé, com respeito pelas disposições legais e pelas normas emanadas da empregadora, de forma a preservar a imagem da empresa enquanto instituição (…)».
Por isso, se o trabalhador, nas funções de carteiro ou conferente, não presta contas à empregadora de quantias que recebe, apropriando-se das mesmas, ainda que apenas por alguns dias, viola culposa e gravemente o dever de lealdade, previsto no artigo 128.º, n.º 1, alínea f), do Código do Trabalho, alicerçado no princípio da boa fé no cumprimento do contrato (artigo 126.º, n.º 1, do Código do Trabalho e artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil).
Daí que, como se escreveu na sentença recorrida, não fora a caducidade (ou prescrição) do procedimento disciplinar e, com ela, a ilicitude do despedimento com tal fundamento, dúvidas não restam que o despedimento seria julgado lícito por verificação dos motivos invocados pela empregadora.
Dito de outro modo:
- o trabalhador assumiu comportamentos graves que justificariam o seu despedimento;
- a empregadora, face a tais comportamentos, suspendeu de funções e trabalhador e veio, posteriormente, a despedi-lo;
- porém o despedimento veio a ser considerado ilícito por vício procedimental.
Na ponderação entre o comportamento ilícito e culposo, do trabalhador por um lado, e da empregadora por outro, não pode deixar de se concluir que aquele assume maior gravidade, já que fundado na prática de factos violadores do dever contratual: e foram esses factos que conduziram à suspensão de funções do trabalhador e ao posterior despedimento, factos que, porventura devido à sua complexidade e extensão, levaram a que a investigação se prolongasse e a empregadora violasse os prazos legais.
Tendo em conta o circunstancialismo descrito e fazendo apelo às regras de bom senso, prudência e ponderação da realidade da vida, referidas por Pires de Lima e Antunes Varela, entende-se que no caso a indemnização deve ser totalmente excluída.
Para tal efeito anote-se que não vislumbramos qualquer fundamento para distinguir o acto de suspensão de funções do trabalhador do acto de despedimento do mesmo (ambos ilícitos pelos fundamentos analisados), uma vez que embora em razão daquele o trabalhador tenha deixado de prestar a actividade na empregadora até à reintegração, não resulta que essa não ocupação, de per si e de forma autónoma, lhe tenha trazido quaisquer danos: estes resultam, conjuntamente, do acto de suspensão de funções e do despedimento.
Nesta sequência, só nos resta concluir, também nesta parte, pela improcedência das conclusões do recurso e, por consequência, pela confirmação da sentença recorrida.

Vencidas nos respectivos recursos que interpuseram, cada uma das partes deverá suportar o pagamento das custas do recurso que interpôs (artigo 527.º, do Código de Processo Civil).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:
1. aditar à matéria de facto os factos n.ºs 2-A, 120-A, 120-B, 120-C, 120-D, 120-E, 120-F e 120-G com o respectivo conteúdo descrito em III;
2. negar provimento ao recurso interposto pela Ré CTT – Correios de Portugal, S.A., bem como ao recurso interposto pelo Autor B…, e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas de cada um dos recursos pelo respectivo recorrente.

Porto, 03 de Fevereiro de 2014
João Nunes
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
______________
Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
(i) Sendo a Ré CTT - Correios de Portugal, S.A., uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, por força do que estabelecem os artigos 14.º, n.º 1, alínea g) e n.º 2 dos respectivos Estatutos, e o Código das Sociedades Comerciais, a competência disciplinar encontra-se atribuída ao seu Conselho de Administração.
(ii) Este pode delegar, total ou parcialmente, tais poderes.
(iii) Resultando das Ordens de Serviço daquela que delega competências para ordenar inquéritos e mandar instaurar processos disciplinares e que à sua Direcção de Auditoria é Inspecção compete, além do mais, analisar documentos com vista à detecção/confirmação de ilícitos disciplinares e assegurar e coordenar o exercício da função disciplinar, é de concluir que o Conselho de administração da Ré delegou parte do poder disciplinar na Direcção de Auditoria e Inspecção, designadamente o poder para a instauração de inquérito prévio.
(iv) O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção (n.º 2 do artigo 329.º do CT).
(v) O início de tal prazo interrompe-se com o procedimento prévio de inquérito para fundamentar a nota de culpa ou com a notificação da nota de culpa (artigo 352.º e n.º 3 do artigo 353.º do CT).
(vi) Porém, para que se verifique a interrupção do prazo com a instauração do procedimento prévio de inquérito deve este mostrar-se necessário para fundamentar a nota de culpa e, cumulativamente, (a) ocorrer nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, (b) o procedimento ser conduzido de forma diligente e (c) a nota de culpa ser notificada até 30 dias após a conclusão do procedimento prévio.
(vii) A indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º, Código Civil, ou seja, a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem (n.º 3 do referido artigo 496.º, e artigos 494.º, n.º 1 e 570.º, todos do Código Civil).
(viii) Por força deste último normativo legal, verificando-se a culpa do lesado e do lesante na produção do dano deverá determinar-se, tendo por base a gravidade da culpa de cada um deles, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou excluída.
(ix) É de excluir a indemnização por danos não patrimoniais ao trabalhador se, não obstante a suspensão do despedimento e o despedimento serem declarados ilícitos, aquela decorre da nota de culpa não ter sido notificada ao trabalhador nos 30 dias subsequentes à suspensão e esta de a entidade empregadora não ter respeitado o prazo de 60 dias após o conhecimento da infracção para iniciar o procedimento disciplinar, se apura que o trabalhador praticou factos graves que justificavam o despedimento e que os danos por ele sofridos em consequência da suspensão de funções e do despedimento, embora merecedores da tutela do direito, não assumem particular gravidade.

João Nunes