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JUNTA DE FREGUESIA
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
Sumário
Ao atribuir às juntas de freguesia a competência para instaurar pleitos e defender-se deles, o artigo 34.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, com as alterações subsequentes, está a conferir-lhes personalidade judiciária.
Texto Integral
Processo n.º 257/12.4TBAMT.P1 5.ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto
Sumário (artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I- Ao atribuir às juntas de freguesia a competência para instaurar pleitos e defender-se deles, o artigo 34.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, com as alterações subsequentes, está a conferir-lhes personalidade judiciária.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I) Relatório 1.B… e C… intentaram acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra Câmara Municipal … e Junta de Freguesia …, todos melhor identificados nos autos. 1.1 Os autores alegam ser donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, sem acesso directo à via pública, o qual sempre se fez por um trilho/servidão de passagem.
Pretendem que esta servidão jamais poderá ser considerada como via pública, como deliberaram as rés, ao qualificar a servidão de passagem como via pública, atribuindo-lhe o topónimo de Travessa da Junta.
Concluem pedindo, na parte que aqui interessa, que as rés sejam condenadas a reconhecer que a faixa de terreno a que atribuíram o topónimo de Travessa da Junta não tem nem nunca teve a natureza de caminho público e que essa faixa de terreno constitui antes uma servidão de passagem. 1.2 As rés, citadas, vieram contestar separadamente.
A Junta de Freguesia …, na respectiva contestação, começa por afirmar, a título de excepção, que não é sujeito de quaisquer direitos sobre o património particular ou público da respectiva autarquia, pelo que os pedidos contra ela formulados devem improceder; sujeito de tais direitos é a Freguesia, só esta tendo legitimidade passiva para os pedidos.
Termina afirmando a improcedência da acção e deduzindo, a título subsidiário, pedido em reconvenção. 1.3 Os autores vieram responder, defendendo quanto à referida excepção a sua improcedência; a ré Junta de Freguesia tem legitimidade para ser demandada na presente acção, além do mais, porque é representante da Freguesia.
De qualquer modo, fazendo apelo ao princípio da estabilidade da instância e à não alteração da causa de pedir, entender-se a referência à Junta e não à Freguesia um mero erro de identificação da ré e admitir-se a sua correcção. 1.4 Foi proferido despacho saneador onde, apreciando a excepção suscitada pela Junta de Freguesia …, se decidiu nos seguintes termos:
«Como resulta cristalinamente do art. 245 da Constituição da República, a Junta de Freguesia é um mero órgão representativo da freguesia.
A Junta de Freguesia, sendo o órgão de um ente colectivo, a Freguesia, não tem o atributo de pessoa, logo, não pode, jamais em caso algum, ser demandada.
Nestes termos, matemática é a absolvição da instância da 2.ª e pretensa ré, a Junta de Freguesia, a qual nunca devia ter sido accionada.
Termos em que não se conhece, sequer, do pedido reconvencional, nem do consequente e agora indevido articulado de resposta.
Custas pelos autores, que se fixam em 4 UCs, valendo-lhe, porém, o benefício do apoio judiciário.
Notifique.» 2.1 O réu Município …, através da Câmara Municipal …, inconformado com esta decisão, veio interpor recurso, concluindo assim a respectiva motivação:
«1 - A Ré Junta de Freguesia … apresenta a sua contestação/reconvenção, onde, por excepção questiona a legitimidade passiva, referindo ser unicamente a Freguesia quem tem legitimidade passiva e por tal facto, requer a improcedência dos pedidos formulados.
2 - Em articulado próprio, resposta, os AA. respondem não só à reconvenção, como também à excepção deduzida, tudo como melhor resulta dos artigos 15.º a 22.º daquele articulado, que por uma questão de economia processual, aqui se dão por integralmente reproduzidos.
3 - O Tribunal a quo, sem grandes considerandos, no despacho de saneador, julga a invocada excepção procedente, absolvendo a Ré Junta de Freguesia … da instância.
4 - Ora, a recorrente não se pode conformar com tal decisão, tanto mais que esta decisão lhe é directa e efectivamente prejudicial.
5 - Ora, o artigo 2.º, da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, diz que os órgãos representativos da freguesia são a assembleia de freguesia e a junta de freguesia.
6 - Por sua vez, o artigo 34.º, n.º 1, alínea c) do mesmo diploma, refere competir à junta de freguesia no âmbito da organização e funcionamento dos seus serviços, bem como no da gestão corrente, “instaurar pleitos e defender-se neles, podendo confessar, desistir ou transigir, se não houver ofensa a terceiros”.
7 - Dúvidas não podem restar que uma Junta ao ser demandada pelos AA. o é como representante da Freguesia.
8 - Embora tecnicamente incorrecta, a propositura de uma acção contra a Junta de Freguesia que, como se disse, só pode representar a Freguesia, significa que é a Freguesia respectiva a ser demandada.
9 - Contudo, na resposta à contestação/reconvenção da Ré, os AA., sem prescindir de entenderem que a Junta de Freguesia é parte legítima na acção, admitem eventual erro na identificação da Ré Junta de Freguesia e requerem ao Tribunal de 1.ª instância a sua rectificação, o que fizerem atendendo ao princípio da estabilidade da instância, à não alteração da causa de pedir, no cumprimento do disposto nos artigos 265.º, 268.º, 272.º, 273.º e 508.º todos do C.P.C.
10 - Na verdade, a legitimidade processual é apreciada pela relação controvertida, tal como é configurada pelos AA. na petição inicial, aferindo-se pelo interesse directo daquele em demandar e pelo interesse directo em contradizer.
11 - E note-se que tal facto não foi sequer motivo para que não fosse, como foi, apresentada total e completa contestação que inteligiu e prescutou o sentido do pedido em causa, bem como oferecendo impugnação devida a tal peça processual, com reconvenção, tudo como melhor resulta da contestação apresentada pela Ré Junta de Freguesia.
12 - Por tal facto, a excepção invocada pela Ré Junta de Freguesia deveria ter sido julgada improcedente e, consequentemente, a Ré ser considerada parte legítima.
13 - Contudo, sempre se dirá que, caso o Tribunal da 1.ª instância assim não entendesse, o direito adjectivo civil ao preceituar sobre o poder de direcção do processo e principio do inquisitório, estabelece que o juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los – artigo 265.º, n.º 2 do C.P.C., o que nos presentes autos o Tribunal a quo não fez.
14 - A decisão posta agora em causa pela recorrente, violou, designadamente, os artigos 5.º, 264.º, 265.º e 508.º do C.P.C.»
Termina sustentando que o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que declare a ré Junta de Freguesia, na qualidade e enquanto órgão representativo da Freguesia, com personalidade e capacidade judiciária e, consequentemente, com legitimidade passiva nesta acção. 2.2 Não foi apresentada resposta. 3. Colhidos os vistos legais e na ausência de fundamentos que obstem ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pelo apelante definem a matéria que é objecto de recurso e que cabe aqui apreciar.
Assim, impõe-se decidir a seguinte questão:
● Saber se a Junta de Freguesia tem personalidade judiciária de modo a poder ser intentada contra ela a presente acção. II) Fundamentação 1. O confronto dos articulados, do despacho recorrido e da motivação de recurso evidencia alguma disparidade de conceitos. Na verdade, verifica-se que a ré Junta de Freguesia, afirmando na respectiva contestação não ser sujeito de quaisquer direitos sobre o património particular ou público da respectiva autarquia, sendo a Freguesia o sujeito de tais direitos, entende só esta ter legitimidade passiva para os pedidos. No despacho recorrido que acima se deixou transcrito exclui-se a ré por se entender não ter personalidade judiciária, ainda que sem a afirmação explícita desta expressão. Em sede de motivação de recurso, a recorrente, reportando-se inequivocamente ao despacho em causa, menciona a legitimidade.
Apesar desta disparidade, afigura-se inequívoco que o despacho recorrido, antes transcrito, ao afirmar que a Junta de Freguesia, sendo o órgão de um ente colectivo, a Freguesia, não tem o atributo de pessoa, logo, não pode, jamais em caso algum, ser demandada, está a questionar a sua personalidade jurídica e judiciária e, por essa via, a possibilidade da sua intervenção na presente acção. Nesse enquadramento se apreciará a matéria que é objecto do recurso. 2. Na decisão recorrida entendeu-se que, sendo a Junta de Freguesia apenas o órgão de um ente colectivo, a Freguesia, não tem aquela o atributo de pessoa, logo, não pode, jamais em caso algum, ser demandada.
Nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte, sendo esta, enquanto figura processual, a pessoa pela qual ou contra a qual é requerida, através da acção, a providência judiciária.
Como regra geral, quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária (n.º 2 do citado artigo 5.º).
No entanto, a própria lei processual admite a extensão da personalidade judiciária a quem não goza de personalidade jurídica, conforme resulta dos artigos 6.º e 7.º do Código de Processo Civil. Deste princípio decorre que, sempre que a lei atribua a uma entidade a possibilidade de ser parte num litígio judicial, está a conferir-lhe personalidade judiciária, mesmo que não possua personalidade jurídica.
Reportando-nos ao diploma legal citado na referida decisão, os artigos 235.º e 236.º da Constituição da República Portuguesa estabelecem que a organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais, sendo estas pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas.
Os órgãos representativos da freguesia são a assembleia de freguesia e a junta de freguesia, sendo esta o seu órgão executivo colegial (artigos 244.º e 246.º da Constituição).
A Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na redacção vigente na data em que foi instaurada a presente acção, resultante das alterações introduzidas pelas Leis n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro e n.º 67/2007, de 31 de Dezembro e pela Lei Orgânica n.º 12/2011, de 30 de Novembro (diploma que então estabelecia o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesia), reiterando no seu artigo 2.º o que já constava no artigo 244.º da Constituição, estabelecia no artigo 34.º, n.º 1, alínea c), sob a epígrafe “competências próprias”, que compete às juntas de freguesia “instaurar pleitos e defender-se neles, podendo confessar, desistir ou transigir, se não houver ofensa de direitos de terceiros”, sendo as mesmas representadas pelo respectivo presidente (artigo 38.º da aludida Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro.
Daqui resulta que a Freguesia é pessoa colectiva dotada de personalidade jurídica.
Mas, ao atribuir à Junta de Freguesia a competência para instaurar pleitos e defender-se deles, a lei está a conferir a esta personalidade judiciária, a susceptibilidade de ser parte (activa ou passiva).
Daqui se extrai a efectiva personalidade judiciária das Juntas de Freguesia, num entendimento que se afigura pacífico e que, aliás, é extensível ao caso das Câmaras Municipais, perante os respectivos Municípios – apesar de não ter merecido qualquer apreciação por parte do tribunal recorrido.
Este entendimento não fica prejudicado pelas alterações entretanto verificadas na Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, com a sua revogação parcial pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro. Na verdade, a regra em causa mantém-se no artigo 19.º, alínea d), deste diploma legal.
Reportando-nos ao caso dos autos, a personalidade judiciária da Junta de Freguesia … justifica a sua intervenção em nome da Freguesia …, legitimando-se a demanda desta pelo facto de estar em causa deliberação da mesma.
Não prejudica esta conclusão o facto de não ser, formalmente, o mais correcto que no cabeçalho da petição conste como pessoa contra a qual os autores instauraram a presente acção, a aludida junta de freguesia e não a própria freguesia, ainda que representada pela Junta de Freguesia aqui ré. III) Decisão:
Pelas razões expostas, julga-se procedente o recurso e, em consequência, afirmando-se a personalidade e a capacidade judiciárias da Junta de Freguesia …, revoga-se o despacho saneador, na parte em que absolve a ré da instância, determinando-se o prosseguimento dos autos, incluindo a apreciação do pedido reconvencional.
Custas pela parte vencida a final.
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Porto, 10 de Fevereiro de 2014.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Ana Paula Carvalho