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FALTA A ACTO PROCESSUAL PENAL
JUSTIFICAÇÃO DA FALTA
Sumário
I - Nos termos do art. 117º, n.º 2 do CPP, a impossibilidade de comparecimento de pessoa regularmente notificada a acto processual de natureza penal deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do ato se for imprevisível, devendo constar da comunicação a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso poderá ser encontrado e da duração previsível do impedimento. II – Em processo penal não tem aplicação a regra prevista no art.º 629º, n.º 5 do CPC de 1961, correspondente à do art.º 508º, n.º 5 do CPC de 2013 porquanto, por um lado, existe norma específica que regula a situação e, por outro, não se tratando de um processo de partes, a sanção do não comparecimento radica no interesse público de colaboração com a justiça que está subjacente.
Texto Integral
Recurso penal
no processo nº 3683/11.2TDPRT-B.P1
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
1 - Relatório
Nos autos de processo comum com julgamento perante tribunal singular nº 3683/11.2TDPRT do 1º Juízo, 3ª secção, dos Juízos criminais do Porto, foi em 7/06/2013, proferido despacho julgou não justificadas as faltas das testemunhas B…, C… e D… à audiência de julgamento agendada para o dia 27/5/2012, para a qual estavam devidamente notificadas; tendo cada um dos faltosos sido condenado no pagamento de multa correspondente a 2 UC.
Inconformadas com tal condenação em multa vieram as referidas testemunhas interpor o presente recurso dessa condenação, extraindo-se, em síntese, das conclusões do respetivo recurso os seguintes argumentos:
A decisão recorrida não se dignou a observar a salvaguarda dos direitos e interesses dos recorrentes e a providenciar pela desnecessidade da sua condenação em multa, mediante o adiamento da referida audiência de julgamento, por “razão diversa da respetiva falta”.
Em primeiro lugar, haverá a dizer que tendo os arguidos requerido a inquirição dos Assistentes e não se encontrando estes presentes, a probabilidade de o Tribunal “a quo” determinar o início da audiência de julgamento seria muito reduzida; porquanto haveria sempre que obedecer à ordem de realização de prova nos termos do art. 341 do CPP, sob pena de se subverter os princípios subjacentes à realização da prova e desvirtuar as garantias do processo, à defesa das partes.
Ora, tendo os arguidos renunciado ao direito de estar presente, admitindo que o julgamento se iniciasse na sua ausência, releve-se que, não foi pela ausência destes que o julgamento não se iniciou. Até porque, a produção de prova se iniciaria sempre (perante a ausência daqueles) pelas testemunhas dos assistentes, sendo que estas se encontravam presentes. E, nunca seria, por culpa imputável à não comparência das testemunhas dos arguidos, ora recorrentes, que a audiência de julgamento não se iniciaria, uma vez que perante a ordem de realização da prova, estas seriam deixadas à final.
Em rigor e em suma, estavam presentes as testemunhas dos assistentes, pelo que, perante a falta dos arguidos, poderia o Tribunal ter dado início à audiência, com a audição destas. E, no que concerne à não comparência das testemunhas dos arguidos, ora recorrentes, salvo opinião contrária, na prática, seria meramente indiferente se as mesmas estivessem presentes ou não em Tribunal, uma vez que a audiência foi adiada e as mesmas nunca seriam ouvidas naquela data.
Pelo que, nos termos do número 5, do artigo 629 do Código do Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal, a sanção prevista para a falta das testemunhas não será aplicada quando o julgamento for adiado “por razão diversa da respetiva falta.”
Em segundo lugar, as testemunhas dos arguidos, ora recorrentes, estavam validamente convocadas para comparecer na audiência de julgamento, agendada para o dia 27 de Maio de 2013. Porém, por motivos imprevisíveis e inadiáveis do foro profissional, não puderam estas testemunhas comparecer em Tribunal, na data agendada para audiência de julgamento, tendo informado o Ilustre mandatário dos arguidos, para os devidos efeitos legais, que atuou em conformidade.
Por isso, à luz do art. 117 do CPP tem tal falta de se considerar justificada; sob pena se, não se considerando justificada e condenando-se as testemunhas, virmos a cair numa situação de desproporcionalidade e abuso de direito. Veja-se que, não se vislumbra qualquer necessidade, para que, naquele dia, em que a audiência de julgamento não se realizou, tendo sido adiada, por motivos não imputáveis à não comparência das testemunhas, as mesmas tivessem que estar presentes no Tribunal. Ou seja, não se vislumbra, em termos práticos, qual seria a diferença se as recorrentes estivessem presentes em Tribunal; porquanto, procedendo-se ao adiamento da audiência, as mesmas teriam sido dispensadas e mandadas embora, tendo perdido o seu tempo de uma forma desnecessária.
Contudo, foram as testemunhas recorrentes condenadas em multa por não comparência em audiência de julgamento, tendo já por certo que (i) a audiência iria ser adiada por motivos não imputáveis à sua falta e (ii) inexiste sanção a aplicar nesses casos; Pelo que, a interpretação do art. 116.º, n.º 1 do C.P.P., no sentido de que tem o Juiz obrigatoriamente de sancionar a testemunha faltosa no pagamento de soma não inferior a 2 Ucs, constitui uma interpretação normativa não consentida pela Constituição da República Portuguesa, por violação do princípio da proporcionalidade acolhido nos arts. 2.º e 18.º da Constituição.
Diga-se que, se as testemunhas, ora recorrentes, tivessem comparecido, seriam mandadas embora sem prestar depoimento, pelo que a deslocação ao tribunal teria constituído um sacrifício (pelo menos de tempo ou de disponibilidade pessoal) sem qualquer utilidade para os fins endo-processuais.
Nestas circunstâncias, a sanção para a falta injustificada de comparência não pode encontrar fundamento na necessidade de assegurar o cumprimento do dever de colaboração com os tribunais, como testemunha, na administração da justiça penal (artigo 131.º do Código de Processo Penal: dever de testemunhar) porque essa colaboração é, em concreto e por definição, desnecessária.
Se identificarmos o bem jurídico tutelado mediante a cominação da multa para a falta injustificada apenas com a utilidade da comparência para os fins processuais em função da qual foi concretamente ordenada, é compreensível que se considere a imposição dessa sanção, na hipótese considerada, como violando o princípio da proporcionalidade.
Deste modo, se o fim específico da imposição do pagamento de uma soma entre duas e dez UCs fosse exclusivamente assegurar a satisfação da necessidade de comparência da testemunha no concreto processo para que foi indicada, obrigá-la a justificar a falta a um ato para que a sua presença teria sido inútil – portanto, retrospetivamente, a convocatória objetivamente injustificada – e impor-lhe uma sanção por não ter comparecido nem justificado a falta, seria impor-lhe um encargo desnecessário, incompatível com o princípio geral de limitação do poder público que se ancora no princípio do Estado de direito (artigo 2.º da CRP).
Por último, diga-se que, na data agendada para o início da audiência de julgamento o mandatário dos Arguidos informou dos motivos pelos quais as testemunhas, ora recorrentes, teriam faltado e, comprometeu-se a juntar as referidas justificações.
Assim, salvo o devido respeito, entende-se que o ónus de juntar as respetivas declarações saiu, nesta data, da esfera jurídica das recorrentes, passando para a esfera jurídica do mandatário dos arguidos. Perante este circunstancialismo, as declarações a que o mandatário dos arguidos se comprometeu juntar, foram juntas aos autos, por aquele, no 4.º dia útil subsequente à data agendada para a audiência de julgamento.
Pugnando-se neste sentido, tendo as declarações sido protestadas juntar pelo mandatário, dever-se-ia pelo menos beneficiar do regime previsto no artigo 107º-A do Código do Processo Penal. Aplicando-se a aplicação de uma multa pela sua junção tardia, no valor de € 51,00. Hipótese que o Tribunal “a quo” desconsiderou, ainda que tenha sido alegada e justificada a junção tardia da das declarações.
Ainda, o despacho judicial proferido pelo Mm. Juiz a quo não concretiza faticamente a conclusão a que chegou, pelo que é nulo e violador do disposto no n.º 5 do art. 97 do CPP, pois não especifica as razões de prevenção geral ou especial ou o fim imediato das normas que conduziram à aplicação da multa ao caso em concreto, não podendo as recorrentes compadecer-se com um despacho de mera adesão à letra da Lei, de “só porque sim”, sem qualquer nexo de causalidade inerente ou fundamento que justifique tal decisão.
Concluem pedindo que o presente recurso seja julgado procedente, e em consequência, revogada a decisão recorrida na parte em que decidiu condenar as testemunhas de defesa recorrentes.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 30 destes autos.
O M. Público em primeira instância respondeu ao recurso rebatendo os argumentos das recorrentes e concluindo que o recurso deve ser julgado improcedente.
Nesta Relação o Sr. Procurador-geral-adjunto entendeu que nada tinha acrescentar aos argumentos da resposta do M. Público em primeira instância e também pugnou pelo não provimento do presente recurso.
Cumpre decidir!
2. Fundamentação
A – Circunstâncias com interesse para a decisão
É o seguinte o teor do despacho recorrido: «Acontece que as testemunhas B…, C… e D… foram também devidamente notificadas para comparecer na audiência de julgamento que seria realizada no passado dia 27/05/2012. Tais testemunhas não compareceram à diligência designada tendo o ilustre mandatário do arguidos comunicado que as mesmas não puderam comparecer por motivos profissionais inadiáveis. A fls. 770 e ss. Vieram juntar documentos para a justificação das faltas. O Digno Procurador pronunciou-se no sentido de serem consideradas injustificadas as faltas com os fundamentos de fls. 782, os quais se dão aqui por reproduzidos para os devidos efeitos legais. Os documentos juntos a fls. 770 deram entrada neste Tribunal - via fax - no dia 31.5.2013, pelo que as mesmas são extemporâneas nos termos do disposto no art. 117.º, n.º 3 do Código de Processo Penal. Acresce que, tal como resulta da acta a audiência de julgamento foi adiada por razões óbvias, não só a falta dos dois assistentes como da falta de 5 arguidos (sendo 6 no total) e da maior parte das testemunhas. Assim, e nos termos do disposto nos artigos 116º e 117º do Código de Processo Penal julgo não justificadas as faltas das referidas testemunhas na audiência de julgamento designada para o passado dia 27/05/13 por força da disposição conjunta dos art.s 116º e 117º nº 3 do CPP, condenando-se cada um dos referidos faltosos no pagamento de multa correspondente a 2 UC.»
Consta do despacho que o mandatário dos arguidos informou o tribunal que as testemunhas, ora recorrentes, não puderam comparecer por motivos profissionais inadiáveis.
Ora, a fls. 770 dos autos principais foi junta uma declaração subscrita pela própria testemunha D… que refere que o mesmo, jornalista com domicílio profissional no … à Rua …, nº., em Lisboa, por motivos justificados do foro profissional, concernentes a uma entrevista exclusiva para o "E…", de natureza inadiável, não foi possível comparecer na diligência agendada para o dia 27 de Maio de 2013. Acrescentando que a testemunha Jornalista se encontra ainda ao dispor para ser ouvida noutra data, mediante disponibilidade de agenda do Tribunal.
A fls. 772 do processo principal, encontra-se junta uma declaração subscrita pela própria testemunha B…, da qual consta que a testemunha jornalista com domicílio profissional no … à Rua …, nº., em Lisboa, também : «por motivos justificados do foro profissional, concernentes a uma entrevista exclusiva para o "E…", de natureza inadiável, não foi possível comparecer na diligência agendada para o dia 27 de Maio de 2013.» Igualmente acrescenta que: «a testemunha Jornalista se encontra ainda ao dispor para ser ouvida noutra data, mediante disponibilidade de agenda do Tribunal.»
E a folhas 772 dos autos principais encontra-se idêntica declaração subscrita por C….
A promoção do M. Público dada como reproduzida no despacho recorrido e constante de fls. 782 dos autos principais tem o seguinte teor: «A justificação das faltas apresentada pelas testemunhas é intempestiva. – cfr. art. 117º nº 2 do CPP. Por outro lado o motivo adiantado para a justificação não é atendível, já que a lei processual atribui, em exclusivo, ao tribunal, a competência para desconvocar testemunhas devidamente notificadas para julgamento – cfr., a título indicativo, Ac da Relação de Coimbra, de 30 de Maio e 2001, CJ, Ano XXXVI, tomo III, p. 50 e 51.»
B- Fundamentação de direito
Face às conclusões do recorrente, delimitadoras do objeto do recurso, as questões objeto do presente recurso são as seguintes:
- Falta de fundamentação do despacho recorrido;
- Possibilidade de aplicação ao processo penal do disposto no art. 629 do CPC;
- Justificação das faltas em causa.
Vejamos!
Da falta de fundamentação do despacho recorrido
Tratando-se de um despacho, a violação do disposto no art. 97 nº5 do CPP que exige a fundamentação de todos os atos decisórios, «devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.»; é geradora de mera irregularidade, já que a lei não comina a omissão de fundamentação dos despachos de nulidade e de acordo com o disposto no art. 118 nº1 do CPP: «A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.» Estabelecendo o nº2 do mesmo preceito legal que nos casos em que a lei não o cominar de nulidade, o ato ilegal é irregular.
O vício está, pois, sujeito ao regime de arguição das irregularidades que vem previsto no art. 123 do CPP.
Não tendo sido arguida perante o tribunal que a cometeu, nos três dias imediatos ao conhecimento da mesma pelo interessado, a mesma, -(irregularidade) -, é sanada pelo decurso do tempo.
Assim, sem necessidade de verificar se no caso concreto o tribunal incorreu em irregularidade, a mesma, a verificar-se, sempre estaria sanada de acordo com o regime geral previsto para a respetiva arguição e supra indicado.
Não procede, pois, este argumento do recurso.
Da possibilidade de aplicação ao processo penal do disposto no art. 629 do CPC e da justificação das faltas em causa;
Nos termos do art. 117 nº 2 do CPP, a impossibilidade de comparecimento de pessoa regularmente notificada, como era o caso das testemunhas recorrentes, deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível e no dia e hora designados para a prática do ato se for imprevisível. Da comunicação deverá constar, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respetivo motivo, do local onde o faltoso poderá ser encontrado e da duração previsível do impedimento
Ora, no caso concreto não foi observada esta regra, tendo sido apenas comunicado pelo mandatário dos arguidos que as referidas testemunhas não teriam podido comparecer por motivos profissionais inadiáveis.
Assim, e se fosse aplicado à letra o preceito legal citado, não tendo sido comunicado o local onde os faltosos podiam ser encontrados e a duração previsível do impedimento, já por si, e face às regras legais aplicáveis, a falta seria injustificável.
Por outro lado, atentando nas justificações que posteriormente foram juntas pelas testemunhas com vista a justificar as respetivas faltas, verificamos que as mesmas forma elaboradas pelas próprias testemunhas, o que nunca poderia relevar como meio de prova do impedimento de comparecer, sob pena de qualquer pessoa justificar as suas próprias faltas, bastando-lhe alegar um qualquer impedimento inadiável.
Nestes termos, consideramos que o tribunal recorrido não tinha outra solução que não fosse julgar as faltas dos recorrentes injustificadas.
E, em nossa opinião, não tem aplicação ao processo penal o disposto no art. 629 nº5 do CPC, atual 508 nº5, porquanto, por um lado o processo penal tem regras específicas que regulam a situação, e por outro, não estamos no âmbito de um processo de partes, como em processo civil, tendo estas regras processuais penais por base, por um lado, a celeridade da justiça e por outro, o respeito que deve ser devido às ordens judiciais e à necessidade de todos colaborarem com a justiça, atento o interesse público que está subjacente às regras de processo penal.
Assim, tudo visto e ponderado, nenhuma censura merece o despacho recorrido que observou o regime legal aplicável, não se vislumbrando qualquer violação de preceitos constitucionais como alegam as recorrentes.
Na verdade, sobre a constitucionalidade do art. 117 do CPP, já se pronunciou o Acórdão do tribunal Constitucional com o nº 521 do ano 2000, relatado pelo Sr. Conselheiro Vitor Nunes de Almeida.
Escreve-se no citado Acórdão, a cujos fundamentos aderimos: «É evidente que o regime da comunicação da impossibilidade de comparência é mais exigente no Código de Processo Penal revisto. Porém, essa maior exigência não torna a norma do nº2 do artigo 117º inconstitucional.Com efeito, a norma não viola o princípio da proporcionalidade: a medida imposta que dela decorre não é excessiva nem demasiado gravosa. De facto, se a razão do impedimento é, de há muito previsível, compreende-se a imposição legal da sua comunicação com cinco dias de antecedência em relação à data do acto a praticar. Trata-se, não só de permitir ao tribunal a melhor ordenação dos demais actos a praticar no processo, como também uma maior eficiência do procedimento processual. Já a imposição legal de comunicar a impossibilidade de comparência no dia e hora designados para o acto poderia considerar-se excessiva caso a norma não previsse a concessão de um prazo razoável para que essa comunicação pudesse ser efectuada e a respectiva prova pudesse ser carreada para os autos, no caso de se justificar a sua não apresentação no próprio dia. Como a norma prevê um prazo de 3 dias para a apresentação dos elementos de prova, em caso de efectivo impedimento, não só a rigidez do princípio normativo constante da norma fica atenuada como os direitos do faltoso ficam tutelados de forma adequada com a concessão de um prazo razoável. Inexiste, portanto, qualquer violação do princípio da proporcionalidade.»
3.Decisão
Tudo visto e ponderado de acordo com os argumentos que ficaram expendidos decidem os juízes neste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso oportunamente instaurado pelas testemunhas B…, C… e D…
Cada um dos recorrentes pagará taxa de justiça relativa ao decaimento, a qual se fixa em 4 ucs.