Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
TRABALHO POR TURNOS
Sumário
I - A caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o trabalho ou de o empregador o receber deve ser perspectivada em termos jurídicos e não naturalísticos e do ponto de vista não só da prestação do trabalhador, mas também no reflexo no recebimento por parte do empregador. II - Verifica-se a caducidade do contrato com tal fundamento, no circunstancialismo em que se apura, por um lado, que o Autor passou a ser portador de uma incapacidade permanente global de 70%, insusceptível de variação futura, tendo sido considerado apto condicionalmente, não podendo realizar trabalho a partir das 19 horas nem exceder os cinco dias de trabalho de forma continuada e, por outro, a Ré, que explora cinemas, sempre organizou o trabalho dos “managers” (onde se integrava o Autor) por turnos rotativos, que tais turnos eram organizados de forma a reforçar os períodos de maior actividade do estabelecimento e de maior frequência dos clientes – que eram a partir das 19h00 –, que qualquer dos turnos organizado terminava para além das 19h00, podendo exceder os cinco dias de trabalho consecutivos, sendo certo, ainda, que tendo sido proposto ao Autor o exercício de outras funções de modo a compatibilizar com aquelas limitações físicas, ele recusou III - Nas circunstâncias descritas, por contender com a estrutura e funcionamento da Ré, não se detecta que constituísse uma obrigação da mesma organizar um horário de trabalho fixo apenas para o Autor, a terminar até às 19h00, e que não abrangesse mais do que cinco dias de trabalho consecutivos.
Texto Integral
Proc. n.º 361/12.9TTMTS.P1
Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) António José Ramos, (2) Eduardo Petersen Silva.
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório B… (NIF ………, residente na Rua …, n.º …, ..º Fte, ….-… Matosinhos) intentou no Tribunal do Trabalho de Matosinhos acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, Lda. (NIPC ………, com sede na …, n.º .. (…), ….-… Lisboa), pedindo:
- que seja declarada a ilicitude do despedimento do Autor, por improcedência da caducidade invocada pela Ré;
- a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização de 45 dias de retribuição por cada ano de trabalho, bem como as férias vencidas em 1 de Janeiro de 2008, que não gozou, e ainda a retribuição referente ao período de 17 a 30 de Novembro de 2011;
- a condenação da Ré no pagamento das retribuições desde o despedimento até ao trânsito da decisão que reconheça a ilicitude do despedimento.
Alegou para o efeito, em síntese, que foi admitido ao serviço da Ré em 6 de Dezembro de 2011, sendo que ultimamente tinha a categoria de Técnico de Cinema n.º 8 e auferia a remuneração mensal (incluindo diuturnidades) de € 1.939,40.
No período de Outubro de 2008 a Novembro de 2011 esteve de baixa médica: após tal período, e não tendo sido considerado incapaz para a profissão, apresentou-se ao trabalho, tendo então sido dispensado pela Ré de comparecer até à conclusão do processo de determinação do modo de prestação do trabalho, tendo em conta as limitações físicas que (o Autor) apresentava.
Em 18-11-2011, a Ré, alegando indisponibilidade de horário compatível com a possibilidade da sua (do Autor) prestação de trabalho, propôs-lhe a conversão do contrato de trabalho em contrato de trabalho a tempo parcial, o que recusou.
Por carta datada de 02-12-2012, a ré comunicou-lhe a cessação do contrato de trabalho por caducidade – por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de prestação do trabalho –, por inexistência de horário compatível para a sua (dele, Autor) disponibilidade.
Todavia, não se verifica a alegada caducidade do contrato, uma vez que não se encontra impossibilitado de prestar o trabalho nos termos contratualmente acordados, pelo que há-de concluir-se que a Ré procedeu a um despedimento ilícito, com as consequências daí decorrentes, assistindo-lhe, designadamente, o direito a uma indemnização de antiguidade calculada em 45 de retribuição base e diuturnidades, uma vez que é elevado o grau de ilicitude da Ré.
Alegando também não ter gozado determinadas férias, nem ter recebido determinada retribuição, peticiona o respectivo pagamento.
Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou a Ré, sustentando, em suma, que tendo em conta que o Autor não podia realizar o trabalho a partir das 19.00h, na realização do trabalho devia ter pausas de 10 minutos de 2h em 2h para pequena refeição e que não devia exceder os 5 dias de trabalho de forma continuada, propôs-lhe a alteração de funções e horários compatíveis com o seu estado de saúde e as possibilidades de funcionamento da empresa, o que o Autor recusou.
Na sequência, não dispondo de um posto de trabalho compatível com os problemas físicos do Autor, comunicou-lhe a cessação do contrato de trabalho por caducidade, pelo que deve considerar-se lícita a cessação do contrato.
De todo o modo, acrescenta, ainda que assim se não entendesse, não poderia a indemnização de antiguidade ser superior a 15 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade, pois o grau de ilicitude é diminuto.
Alega também que o Autor gozou as férias vencidas em 1 de Janeiro de 2008, reconhecendo, contudo, não lhe ter pago a retribuição pelo trabalho prestado entre 18 e 30 de Novembro de 2011.
Finalmente sustenta que o Autor actuou em manifesto abuso de direito, ao fazer exigências de recolocação no posto de trabalho anterior e num regime de horário fixo, quando sabia que tal não era possível tendo em conta os moldes de funcionamento do cinema onde prestava serviço.
Conclui no sentido da improcedência da acção, excepto quanto ao pagamento da retribuição entre os dias 18 e 30 de Novembro de 2011, que confessa não ter pago.
Respondeu o Autor, negando que tenha agido em abuso de direito.
Foi proferido despacho saneador stricto sensu, e dispensada a selecção da matéria de facto.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, respondeu-se à matéria de facto, sem reclamação das partes, após o que foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor:
“Por todo o exposto julgo a ação parcialmente procedente e em consequência decido:
I – condenar a ré C…, Lda a pagar ao autor a quantia de € 828,90 (oitocentos e vinte e oito euros e noventa cêntimos) a título de retribuição relativa ao período de 17 a 30 de Novembro de 2011;
II – absolver a ré dos demais pedidos contra ela formulados.”.
Inconformado com a decisão, o Autor dela interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
“1. Por carta de 02-12-2011 a ré rescindiu o contrato de trabalho do autor por caducidade com base no disposto na alínea b) do artigo 343.º da Lei n.º 7/2009, de 12-02, ou seja: por considerar estarem preenchidos os pressupostos da caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, definitiva e absoluta de a ré receber a prestação de trabalho do autor, com as limitações médicas segundo as quais ele, autor, o poderia prestar
2. Dos documentos juntos aos autos, designadamente a deliberação de 22-09-2011 da Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes da Segurança Social (fls. 13), e o resultado do exame de medicina no trabalho (fls. 15), inteiramente reproduzidos no relatório da sentença, nos factos provados com os n.ºs 10 e 11 (pp. 5 da sentença recorrida), resulta inequivocamente que “não considerou o autor incapaz para a sua profissão” e, ainda, “considerou o autor apto condicionalmente”, respectivamente.
3. das perícias médicas acima descritas, resultaram as seguintes condições para a prestação do trabalho por parte do autor: não exceder os cinco dias de trabalho de forma continuada; realizar pausas de 10 minutos de 2h em 2h e não trabalhar a partir das 19h
4. A ré não alegou e, consequentemente, não foi dado como provado que as duas primeiras limitações – não exceder os cinco dias de trabalho de forma continuada; realizar pausas de 10 minutos de 2h em 2h – fossem impeditivas da prestação de trabalho do autor à ré
5. A ré alegou que a terceira limitação – não trabalhar a partir das 19h – constituía uma impossibilidade absoluta de receber o trabalho do autor
6. A ré propôs ao autor um “reenquadramento de funções e horário”, que constituía, na prática, uma desvalorização profissional para o autor, reduzindo-o a “bilheteiro”, em regime de horário parcial
7. Entende o autor que, por contrato, se vinculou a prestar trabalho entre as 08h00 e as 24h00 e, por isso, inversamente, está a ré obrigada, pelo mesmo contrato, a dar-lhe trabalho nesse mesmo horário
8. O autor entende que, ainda que com a sua limitação de prestar trabalho até às 19h00, continua a ré vinculada a dar-lhe trabalho
9. Assim sendo, diz o autor que a caducidade alegada pela ré para extinguir o contrato de trabalho tem de entender-se como despedimento ilícito
10. Ao considerar válida a caducidade invocada pela ré, absolvendo-a dos pedidos formulados pelo autor, a sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos dados como provados, designadamente da norma contida no artigo n.º 343.º, alínea b) do C.T.
11. Pelo que deve, nessa parte, ser a sentença revogada.
12. E deve ser reconhecida a ilicitude do despedimento do autor pela ré, nos termos do artigo n.º 381º, alínea b) do C.T.
13. Com as devidas consequências jurídicas, quais sejam as que se encontram dispostas no artigo 389º e seguintes do C.T.
14. Pelo que deve a ré ser condenada a pagar ao autor uma indemnização, em substituição da reintegração, a calcular tendo em conta a duração do contrato de trabalho que ambos uniu, e a determinar, nos termos do nº 1 do artigo n.º 391 do C.T.
15. E, ainda, deve a ré ser condenada a pagar ao autor as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, nos termos do artigo 390º do C.T
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que interprete e aplique adequadamente o direito à matéria de facto e julgue a acção provada e procedente, condenando a ré no pedido, tudo com todas as consequências legais, para que se faça Justiça”.
A Ré respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência, após o que o mesmo foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, ao abrigo do disposto no artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, no qual se pronuncia pela procedência do recurso, por entender, em suma, que não se provou que o Autor apresente uma impossibilidade absoluta e definitiva de prestar trabalho.
Ao referido parecer respondeu a Ré, a manifestar a sua discordância.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Objecto do recurso
Como é sabido, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui não se detectam (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, sendo aquele Código aqui aplicável por força dos artigos 5.º a 8.º da respectiva lei preambular).
Assim, tendo em conta as conclusões do recorrente, a questão essencial a decidir centra-se em saber se o contrato de trabalho celebrado entre as partes cessou por caducidade, por impossibilitada absoluta, superveniente e definitiva de o Autor/recorrente desempenhar a sua actividade ou de a Ré o receber, com as consequências daí decorrentes.
III. Factos
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. O autor foi admitido ao serviço de D…, Lda., por contrato de trabalho a termo certo com o teor de fls. 103 a 106, cujo teor se reproduz, outorgado em 17/09/1996, para, com início em 23/09/1996, exercer as funções correspondentes a uma ou mais das categorias de bilheteiro, vendedor, porteiro, projectista, caixa, supervisor, em regime de tempo completo, com um horário normal de trabalho diário a ser cumprido entre as 8 e as 24 horas, até um máximo de 40 horas semanais.
2. O autor exercia aquelas funções no E…, em Vila Nova de Gaia.
3. A partir de data não apurada a ré passou a explorar aquele cinema, mantendo ao seu serviço os trabalhadores que ali desempenhavam funções, entre os quais o autor.
4. O autor tinha a categoria de “técnico de cinema nível 8”, competindo-lhe a responsabilidade pelo bom funcionamento de todas as áreas e serviços do estabelecimento, a coordenação das actividades desempenhadas pelos trabalhadores dependentes da sua área de intervenção, o desempenho de funções técnicas no âmbito das actividades exercidas no estabelecimento, nomeadamente serviço de salas, de apoio à cabine, de bilheteiras e de bares e garantir a boa imagem do estabelecimento e o controlo e disciplina nas salas e nas respectivas zonas de acesso.
5. De 03/10/2008 a 16/11/2011 o autor esteve na situação de “baixa médica”.
6. Em 01/08/2011 o médico assistente do autor emitiu relatório médico com o teor de fls. 180 que se reproduz, segundo o qual o autor “fruto da patologia digestiva que requer refeições frequentes e pequenas e uma vida sem stress, não deve trabalhar para além das 18 horas e não deve fazer mais do que cinco dias seguidos de trabalho”.
7. Com data de 05/08/2011, o autor foi submetido a junta médica de avaliação de incapacidade na Unidade Local de Saúde de Matosinhos, ARS Norte, tendo sido considerado como portador de uma incapacidade permanente global de 70%, insusceptível de variação futura, desde o ano de 2009, conforme documento de fls. 26, cujo teor se reproduz.
8. O autor entregou à ré os documentos referidos em 6) e 7), mantendo-se na situação de baixa médica e comunicando que se apresentaria ao serviço no dia 30/10/2011.
9. Nesse dia, tendo-lhe sido atribuído um horário rotativo e com prestação de trabalho para além das 18 horas, conforme fls. 267 cujo teor se reproduz, o autor não trabalhou apresentando novo certificado de baixa, emitido em 02/11/2011 para o período de 30/10/2011 a 08/11/2011, conforme fls. 183, cujo teor se reproduz.
10. Entretanto, por deliberação de 22/09/2011 a Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes da Segurança Social, com o teor de fls. 13, que se reproduz, não considerou o autor incapaz para a sua profissão.
11. No dia 08/11/2011 o autor, a pedido da ré foi submetido a exame de medicina do trabalho que, nos termos de fls. 15 que se dão por reproduzidos, considerou o autor apto condicionalmente, com as seguintes recomendações: não pode realizar trabalho a partir das 19 horas; deve realizar pausas de 10 minutos de 2h em 2h para pequena refeição; não deve exceder os 5 dias de trabalho de forma continuada.
12. No dia 10/11/2011 ocorreu uma reunião na qual estiveram presentes o autor, o Director de Operações da ré em Portugal, Dr. F… e o gerente adjunto G….
13. No decurso de tal reunião o Director de Operações da ré disse ao autor que para o exercício das suas funções de encarregado não havia na ré qualquer horário compatível com as limitações de saúde que o mesmo apresentava, propondo-lhe que passasse a trabalhar na bilheteira a tempo parcial, o que o autor não aceitou, entendendo ter direito às suas anteriores funções, posto de trabalho e retribuição.
14. Não aceitando a prestação de trabalho em horários rotativos e para além das 19 horas, o autor voltou a apresentar certificado de incapacidade emitido em 11/11/2011 para o período de 09/11/2011 a 16/11/2011, conforme documento de fls. 184, cujo teor se dá por reproduzido.
15. Apresentando-se o autor ao serviço no dia 17/11/2011, a ré emitiu a comunicação de fls. 14, cujo teor se reproduz, informando o autor de que “conforme acordado vimos pela presente comunicar que se encontra dispensado de comparecer ao serviço até á conclusão do processo de determinação dos modos de prestação de actividade profissional por V. Exa. Durante o referido período fica dispensado dos deveres de assiduidade e pontualidade. Este regime não implica, para além da dispensa dos referidos deveres de assiduidade e pontualidade, qualquer alteração na sua situação laboral, nomeadamente no que respeita a retribuição e antiguidade.”
16. Por carta de 18/11/2011, que constitui o doc. de fls. 16 a 18, cujo teor se reproduz, a ré propôs ao autor o “reenquadramento de funções e horário de trabalho por motivos de segurança e saúde no trabalho”, propondo ao autor que, “tendo em conta os postos de trabalho e regimes de horário de trabalho disponíveis na empresa bem como o período de funcionamento do estabelecimento a que se encontra afecto, a sociedade apenas pode garantir-lhe a posição técnico de cinema, no exercício de funções na bilheteira, com um horário fixo a tempo parcial das 13h30 às 19h, 5 dias por semana com as consequências legais decorrentes do exercício de actividade profissional a tempo parcial, nomeadamente no que respeita à retribuição.”
17. O autor respondeu por carta de 22/11/2011, que constitui o doc. de fls. 19 a 20, cujo teor se reproduz, recusando a proposta por entender que o desempenho de funções na bilheteira era mais prejudicial para a sua saúde do que a função de encarregado, que existe o horário das 10:00 às 19:00 para a categoria de encarregado, que ele poderia cumprir e que só lhe faltando duas disciplinas para ter o grau de engenheiro licenciado em Engenharia Electrotécnica e de Computadores, tendo a projecção sido digitalizada, seria o colaborador indicado para essa área.
18. Por carta datada de 02/12/2011 que constitui o documento de fls. 21 a 25, cujo teor se dá por reproduzido, a ré comunicou ao autor a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o mesmo prestar o trabalho nos termos contratualmente acordados e de a ré receber tal trabalho nas condições possíveis para o autor.
19. Na data da cessação do contrato o autor auferia a retribuição mensal base de 1 880,00, acrescida de € 59,40 a título de diuturnidades.
20. Ao longo de toda a execução do seu contrato de trabalho e até entrar em situação de baixa médica prolongada, o autor sempre praticou um horário de trabalho em regime de turnos rotativos.
21. Todos os trabalhadores que se encontram a prestar serviço à ré e que integram a equipa de “manager” na qual o autor se integrava, enquanto “encarregado (designação interna adoptada pela ré para a categoria profissional do autor) estão sujeitos a horários de trabalho em regime de turnos rotativos.
22. Tal é aplicável ao gerente principal, ao gerente adjunto e aos encarregados que, como o autor, integram a equipa de "managers", independentemente a sua categoria profissional.
23. O cinema onde o autor exercia funções funciona todos os dias da semana e todos os dias do ano, com excepção do dia de Natal, Ano Novo e véspera de S. João.
24. A organização dos horários por turnos que se estende aos demais cinemas que a ré explora no país (H… e I…) tem por base uma política de igualdade de benefícios e sacrifícios entre todos os trabalhadores.
25. Nenhum dos trabalhadores da equipa de “managers” em que se integrava o autor praticava ou pratica um horário de trabalho em regime de horário fixo.
26. No exercício das suas funções como encarregado o autor trabalhava várias horas em pé, necessitando de percorrer toda a área física do cinema, com cerca de 9.000 metros quadrados, contactando directamente com o público de cerca de 20 000 espectadores em media por semana.
27. O período de funcionamento do estabelecimento é das 13:30 às 3:30.
28. Em virtude das funções pelos mesmos exercidas, os horários dos trabalhadores da equipa de “managers” são organizados de forma a reforçar os períodos de maior actividade do estabelecimento e de maior frequência de clientes que são o período a partir das 19 horas durante a semana e todo o período de funcionamento aos fins-de-semana e feriados.
29. Tendo o autor por diversas vezes informado os seus superiores hierárquicos, designadamente o gerente principal e o gerente adjunto, quando ia entregar os certificados de incapacidade, do seu estado de saúde e das suas limitações, aqueles disseram-lhe que não havia turnos até às 18 horas e que a situação teria de ser resolvida quando se apresentasse ao serviço.
30. Em 2008 a ré tinha uma afluência de espectadores na ordem dos 1 250 000/ano, que foi diminuindo, atingindo, no ano de 2011, 1 050 000, com a consequente diminuição dos resultados líquidos da ré, determinando a redução do quadro de pessoal e a acumulação de tais funções pela equipa de “managers”, concentradas no período de funcionamento do estabelecimento, das 13h30 às 3h30.
31. Os horários dos trabalhadores da equipa de “managers” que em 2008 comportavam os seguintes turnos: das 10:00 às 19:00, das 14:00 às 23:00, das 16:00 à 01:00 e das 18:00 ao fecho, passaram, a partir de Setembro de 2011 a comportar os seguintes turnos: das 11:00 às 20:00; das 14:00 às 23:00, das 16:00 à 01:00 e das 18:00 ao fecho.
32. Apenas ao gerente principal e ao gerente adjunto, para execução de trabalhos administrativos específicos, da respectiva competência exclusiva, e só a título excepcional, a qualquer outro dos elementos da equipa de “managers”, em situações relacionadas com marcações de grupo, ante-estreias, visionamentos de imprensa, programação informática dos filmes em sistema ou necessidade de acompanhamento de trabalhos de manutenção a decorrer em período matinal, continuou a ser atribuído o horário das 10:00 às 19:00.
33. No ano de 2008 o autor gozou 27 (vinte e sete) dias úteis de férias relativos ao trabalho prestado no ano de 2007.
34. Em 2011, quando da cessação do contrato de trabalho a ré pagou ao autor a título de proporcionais de retribuição, subsídio de férias e subsídio de natal € 615,75 (€ 205,25 x 3).
35. A ré não pagou ao autor a retribuição referente ao período de 18 a 30 de Novembro de 2011.
Estes os factos dados como provados.
Constata-se que em relação a diversos factos (v.g. 6, 7, 9, 10, etc.) são dados por reproduzidos documentos.
Embora sempre tenhamos afirmado não corresponder à melhor técnica jurídica dar por reproduzidos documentos, o certo é que, no caso, na matéria de facto em que se dá por reproduzido o documento, da mesma matéria consta, no essencial, o conteúdo do documento, pelo que se afigura desnecessário transcrever mais qualquer outro conteúdo do documento.
Isto apenas com uma excepção: a referente ao facto n.º 18 que se reporta ao documento de fls. 21 a 25, que constitui a comunicação de caducidade do contrato.
Considerando que o conteúdo desse documento pode assumir relevância para a decisão da causa, entende-se transcrever na matéria de facto o que, no essencial, consta do mesmo.
Assim, tendo presente o disposto nos artigos 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil, adita-se à matéria de facto, sob o n.º 18-A, o seguinte:
“Consta, designadamente, da referida carta remetida pela Ré:
“Nos termos da alínea b), do artigo 343.º do Código do Trabalho, vimos comunicar-lhe a caducidade do contrato de trabalho celebrado com V. Exa. Em 23 de Setembro de 1996, por força da impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de V. Exa. em prestar o seu trabalho nos termos contratualmente acordados e da C…, Lda em receber esse trabalho nas condições possíveis a V. Exa.
De facto, de acordo com a declaração médica datada de 1 de Agosto de 2011 que V. Exa. nos entregou em 28 de Outubro de 2011 (Cf. Doc 1), bem como da ficha de aptidão relativa ao exame ocasional após doença efectuado no passado dia 8 de Novembro de 2001 (Cf. Doc. 2), resulta que V. Exa. em resultado da patologia que o afecta tem as seguintes limitações ao exercício de actividade profissional:
i) Não pode realizar trabalho a partir das 19.00 horas;
ii) Deve realizar pausas de 10 minutos de 2h em 2h para pequena refeição;
iii) Não deve exceder cinco dias de trabalho consecutivos.
Acresce que foi também entregue por V. Exa. um Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, passado a 5 de Agosto de 2011, onde, segundo a Tabela Nacional de Incapacidades – TNI, V. Exa. é portador de deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 70% (setenta por cento). Desta forma, V. Exa. encontra-se de forma definitiva incapacitado a 70% (setenta por cento) para todo o tipo de serviços.
Ora V. Exa foi contratado por esta sociedade para prestar o seu trabalho como Gerente/encarregado de Cinema com a categoria de Técnico de Cinema nível 8, a que correspondem as funções de:
i) Responsabilidade pelo bom funcionamento de todas as áreas e serviços do estabelecimento cinema;
ii) Coordenação das actividades desempenhadas pelos trabalhadores dependentes da sua área de intervenção
iii) Desempenho de funções técnicas no âmbito das actividades exercidas no estabelecimento, nomeadamente serviço de salas, de apoio à cabine, de bilheteiras e de bares, e garante a boa imagem do estabelecimento e o controlo e disciplina nas salas e nas respectivas zonas de acesso.
Em virtude das suas especiais características, o exercício destas funções está directamente relacionado com os horários de funcionamento do estabelecimento, sendo que no estabelecimento ao qual V. Exa. está afecto o horário de funcionamento é das 13.00 às 3.30 todos os dias da semana.
Para fazer face às especiais características da actividade a que se dedica, e em concreto no que respeita ao estabelecimento ao qual V. Exa. está afecto, está implementado um de horário de trabalho em regime de turnos rotativos em equipa todos os dias da semana cobrindo todo o período de actividade com inicio às 13h00 e termo às 03h30, sendo a rotatividade e número de trabalhadores de cada equipa organizados de forma a reforçar os períodos de maior actividade do estabelecimento e maior frequência de clientes que são o período nocturno (a partir das 19 horas) durante a semana e todo o período de funcionamento aos fins-de-semana e feriados.
Não existe pois horário de trabalho (e também de funcionamento) compatível com as limitações ao exercício de actividade profissional por V. Exa. nos termos contratados, nem é possível, adaptar os horários de trabalho (e de funcionamento) aos condicionalismos impostos pela patologia de que sofre.
(…)
Ora, tendo em conta as condicionantes ao exercício de actividade profissional clinicamente identificadas resulta que V.Exa. está impossibilitado de executar a prestação laboral nos termos contratualmente acordados de forma:
i) Superveniente: Na medida em que a patologia que o afecta apenas se verificou a partir de 2008, doze anos após a sua admissão;
ii) Absoluta: Uma vez que as condicionantes em termos de horário de prestação laboral e regime de pausas são absolutamente incompatíveis com a prestação a que se obrigou e com o regime de horário e tempos de trabalho em vigor na sociedade e aplicáveis em concreto à sua categoria condicionadas pelas especialidades da actividade da sociedade e do horário de funcionamento do estabelecimento e não existe na empresa regime de horário compatível com as suas limitações nem pode o mesmo ser especificamente estabelecido em função das suas limitações por força das necessidades específicas da actividade de trabalhadores com a categoria de V. Exa. E também pelo facto de V. Exa. recusado proposta de adequação de funções e horário que lhe foi feita pelo C….
iii) Definitiva: Uma vez que não é previsível que V. Ex.a. venha a poder de futuro cumprir a prestação laboral acordada.
Nos termos legalmente aplicáveis, a caducidade do contrato de trabalho produz efeitos a partir da data da recepção da presente comunicação (…)”.
IV. Enquadramento Jurídico
Como se afirmou supra (sob o n.º II), a questão essencial a decidir centra-se em saber se ocorreu a caducidade do contrato de trabalho do Autor, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva deste prestar o trabalho ou de a Ré o receber.
Analisemos, então, a referida questão.
Refira-se preliminarmente que tendo a Ré comunicado a caducidade do contrato ao Autor em 2 de Dezembro de 2011 (facto n.º 18), ao caso é aplicável o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
Com efeito, este entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2009 e nos termos do artigo 7.º, n.º 1 da respectiva lei que o aprovou, ficam sujeitos ao seu regime os contratos de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento, ressalva esta que, como facilmente se constata, não se aplica ao caso em presença.
Impõe-se fazer uma referência, necessariamente breve, em torno da figura jurídica da caducidade do contrato de trabalho, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber.
Como é consabido, o contrato de trabalho pode cessar, entre o mais, por caducidade [artigo 340.º, alínea a), do Código do Trabalho].
Verifica-se a caducidade em caso de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber [artigo 343.º, alínea b), do referido compêndio legal].
A norma em causa tem conteúdo idêntico ao que estabelecia o artigo 387.º, alínea b) do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (CT/2003), e, anteriormente, do artigo 4.º, alínea b) do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do contrato de Trabalho a Termo (LCCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27-02, e no âmbito de tais regimes sempre foi entendimento uniforme da doutrina (vide entre outros, Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, pág. 900 e Bernardo Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Verbo, págs. 461-462) e da jurisprudência [por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09-10-96 (Proc. n.º 4250), de 05-11-97 (Proc. n.º 115/97), de 20-10-98 (Revista n.º 198/98), de 23-05-01 (Revista n.º 2956/00), de 09-05-2007 (Recurso n.º 2961/06), de 12-03-2008 (Recurso n.º 740/07 ) e de 25-01-2012 (Recurso n.º 344/07.0TTEVR.E1.S1), todas da 4.ª Secção, encontrando-se alguns deles, designadamente os dois últimos, disponíveis em www.dgsi.pt], que a impossibilidade superveniente pressupõe que o contrato, aquando da sua celebração, podia ser cumprido e que só posteriormente surgiu um impedimento que obsta à realização de uma das prestações.
Por outro lado, a impossibilidade é de considerar absoluta quando for total, ou seja, quando a prestação não pode ser, de todo, efectuada, não bastando uma dificultas praestandi, uma mera dificuldade em realizar a prestação ou um agravamento ou excessiva onerosidade para o devedor.
Finalmente, a impossibilidade é considerada definitiva quando não é temporária, quando, face à evolução normal e previsível se apresente como irreversível, mas é também definitiva a impossibilidade que vai durar tanto tempo que não é exigível à empresa futura e incerta viabilização das relações contratuais.
Idêntico é o entendimento que se extrai no âmbito do actual regime.
Com efeito, como assinala Leal Amado (Contrato de Trabalho, 2.ª Edição, Coimbra Editora, págs. 368-369) para que se verifique a caducidade do contrato com o fundamento previsto na alínea b) do artigo 343.º do Código do Trabalho, terá de se tratar de “(…) uma impossibilidade que preencha, cumulativamente, estes três requisitos: ser superveniente (se a impossibilidade for originária o contrato será nulo, nos termos do art. 401.º do CCivil) [ ]; ser definitiva (se a impossibilidade for temporária, isso poderá implicar a aplicação do regime da suspensão do contrato (…); ser absoluta (requisito algo redundante, visto que se a impossibilidade não for absoluta, mas relativa… é porque, em bom rigor, não se tratará de uma impossibilidade, mas de mera dificuldade ou onerosidade da prestação)”.
Deve também referir-se que a impossibilidade de o trabalhador prestar o trabalho, ou de o empregador o receber, a que se reportam os artigos 340.º, alínea a) e 343.º, alínea b), ambos do Código do Trabalho de 2009, deve ser entendida nos termos gerais de direito, isto é, em moldes similares ao regime comum da impossibilidade do cumprimento não imputável ao devedor constante do artigo 790.º e seguintes do Código Civil, regime para que remetem aqueles normativos legais e à luz do qual essa impossibilidade é caracterizada como superveniente, absoluta e definitiva [cfr., a propósito, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20-05-2009 (Proc. n.º 3258/08) e de 03-11-2010 (Proc. n.º 821/06.TTVIS.C1.S1), encontrando-se aquele disponível em www.dgsi.pt).
Neste sentido escreve Pedro Romano Martinez (Código do Trabalho Anotado, 2013, 9.ª Edição, Almedina, pág. 733): “Relativamente às dúvidas, que respeitam à alínea b) (onde se transcreve a alínea b) do artigo 4.º da LCCT), sendo sobejamente conhecidas e não se tendo alterado a redação do preceito, parece que devem ser solucionadas atendendo ao regime comum dos artigos 790.º e seguintes do CC: Na realidade, tendo o legislador, a propósito da cessação do contrato de trabalho, remetido para as regras comuns de Direito Civil, em particular consagradas no Código Civil, dever-se-á entender que, neste ponto, também se recorre ao regime regra da impossibilidade superveniente, tanto subjectiva como objectiva”.
Anote-se também que por se tratar de facto constitutivo do direito a declarar caduco o contrato de trabalho, ao empregador compete alegar e provar a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do trabalhador prestar o trabalho (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
No caso em apreciação, resulta, no essencial, da matéria de facto:
- O autor tinha a categoria de “técnico de cinema nível 8”, competindo-lhe a responsabilidade pelo bom funcionamento de todas as áreas e serviços do estabelecimento, a coordenação das actividades desempenhadas pelos trabalhadores dependentes da sua área de intervenção, o desempenho de funções técnicas no âmbito das actividades exercidas no estabelecimento, nomeadamente serviço de salas, de apoio à cabine, de bilheteiras e de bares e garantir a boa imagem do estabelecimento e o controlo e disciplina nas salas e nas respectivas zonas de acesso, sendo que de 03/10/2008 a 16/11/2011 esteve na situação de “baixa médica” (n.º 4 e 5);
- Em 01/08/2011 o médico assistente do autor emitiu relatório médico no qual afirmou que o Autor, em resultado de uma patologia digestiva, deve ter refeições frequentes e pequenas, uma vida sem stress, não deve trabalhar para além das 18h00 e não deve fazer mais do que cinco dias seguidos de trabalho (n.º 6);
- E em 05/08/2011 foi submetido a junta médica de avaliação de incapacidade, tendo sido considerado como portador de uma incapacidade permanente global de 70%, insusceptível de variação futura, desde o ano de 2009 (n.º 7);
- Em 30-10-2011 apresentou-se ao trabalho e tendo-lhe sido atribuído um horário rotativo e com prestação de trabalho para além das 18h00, entrou novamente de baixa médica (n.ºs 8 e 9);
- Em 08-11-2011 foi submetido a exame de medicina do trabalho, tendo sido considerado apto condicionalmente, com as seguintes recomendações: não realizar trabalho a partir das 19 horas; realizar pausas de 10 minutos de 2h em 2h para pequena refeição; não exceder os 5 dias de trabalho de forma continuada (n.º 11);
- No dia 10/11/2011, nunca reunião em que esteve presente com responsáveis da Ré foi-lhe dito que para o exercício das suas funções de encarregado, não havia (na ré) qualquer horário compatível com as limitações de saúde que o mesmo apresentava, tendo-lhe sido proposto que passasse a trabalhar na bilheteira a tempo parcial, o que o autor não aceitou, entendendo ter direito às suas anteriores funções, posto de trabalho e retribuição (n.º 12 e 13);
- por não aceitar o trabalho em termos rotativos e para além das 19h00, o Autor voltou a apresentar certificado de baixa médica (n.º 14);
- quando voltou a apresentar-se ao trabalho, 17-11-2011, a Ré comunicou-lhe que aguardasse em casa, sem qualquer alteração na sua situação laboral, até à “conclusão do processo de determinação dos modos de prestação de actividade profissional” (n.º 15);
- por carta de 18-11-2011, tendo em conta as limitações físicas que o Autor apresentava, a Ré propôs-lhe, que passasse a exercer as funções na bilheteira, com um horário fixo a tempo parcial das 13h30 às 19h, 5 dias por semana com as consequências legais decorrentes do exercício de actividade profissional a tempo parcial, nomeadamente no que respeita à retribuição (n.º 16);
- por carta datada de 22/11/2011, o Autor recusou a proposta, alegando que o desempenho de funções na bilheteira era mais prejudicial para a sua saúde do que a função de encarregado, que existe o horário das 10h00 às 19h00 para a categoria de encarregado, que ele poderia cumprir e que, como só lhe faltavam duas disciplinas para ter o grau de engenheiro licenciado em Engenharia Electrotécnica e de Computadores, tendo a projecção sido digitalizada, seria o colaborador indicado para essa área (n.º 17);
- por carta datada de 02/12/2011, a Ré comunicou ao autor a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o mesmo prestar o trabalho, alegando para tanto, designadamente, as limitações médicas que o Autor apresenta (não poder realizar trabalho a partir das 19.00 horas, dever realizar pausas de 10 minutos de 2h em 2h para pequena refeição e não dever exceder cinco dias de trabalho consecutivos), o facto de a actividade contratada exigir um horário de trabalho em regime de turnos – não podendo, por isso, atribuir-lhe um horário de trabalho compatível com as limitações que apresenta ao exercício da actividade profissional – e a recusa da proposta de adequação de funções e horário que lhe foi feita (n.ºs 18 e 18-A);
- ao longo de toda a execução do seu contrato de trabalho e até entrar em situação de baixa médica prolongada, o Autor sempre praticou um horário de trabalho em regime de turnos rotativos, sendo que todos os trabalhadores que prestam serviço na Ré, incluindo noutros estabelecimentos, com as funções do Autor estão sujeitos a horários de trabalho em regime de turnos rotativos (n.ºs 21, 22, 24, 25);
- o período de funcionamento do estabelecimento é das 13h30 às 3h30 e no caso dos “managers” (em que se integrava o Autor) os horários de trabalho são organizados de forma a reforçar os períodos de maior actividade do estabelecimento e de maior frequência de clientes que são o período a partir das 19 horas durante a semana e todo o período de funcionamento aos fins-de-semana e feriados (n.ºs 27 e 28).
- a partir de Setembro de 2011, os horários dos turnos dos “managers” eram das 11h00 às 20h00, das 14h00 às 23h00, das 16h00 à 01h00 e das 18h00 ao fecho (n.º 31).
Ora, face a esta factualidade, tem-se por incontroverso que ocorre uma incapacidade superveniente de o Autor prestar a sua actividade, na medida em que tendo o Autor sido admitido ao serviço da Ré em 17-09-1996, apenas em 2008, com a baixa médica e limitações físicas do Autor (não poder realizar o trabalho a partir das 19h00, realizar pausas de 10 minutos de 2h em 2h para pequena refeição e não exceder 5 dias de trabalho consecutivos) se verificou a impossibilidade de prestar o trabalho; ou seja, a impossibilidade não tinha sido prevista, nem era previsível na data da celebração do contrato.
Quanto à impossibilidade definitiva de prestar o trabalho há-de também ter-se por verificada a partir de 2009: na verdade, em junta médica foi atribuída ao Autor uma “incapacidade permanente global de 70%, insusceptível de variação futura, desde o ano de 2009” (facto n.º 7), sendo que também o exame médico realizado ao Autor em 08-11-2011 considerou-o apto condicionalmente, com as “limitações” indicadas (facto n.º 11).
Não se extraem quaisquer elementos relevantes dos autos donde se possa concluir que as “limitações” físicas do Autor viessem a ser reduzidas ou até eliminadas.
E, como sublinha Bernardo Xavier, a propósito do impedimento definitivo previsto no artigo 296.º, n.º 4, do Código do Trabalho (Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pág. 655), “(…) não é necessária uma certeza absoluta, mas aquele grau de certeza que se julga exigível para as coisas do Direito. O carácter definitivo do impedimento supõe também um juízo jurídico, tendo em conta o normal desenvolvimento do contrato e não aquilo que em termos naturalísticos se pode considerar uma impossibilidade definitiva. Assim, por exemplo, uma impossibilidade por doença verificada durante anos e sem perspectivas clínicas de melhoras a medido prazo deverá ser equiparada à impossibilidade definitiva. Nesta mesma perspectiva, o que conta, juridicamente, é a situação de impossibilidade tal como se apresenta no momento em que é verificado o seu carácter definitivo”.
E mais adiante (pág. 685): “Entendemos também que devem considerar-se como casos de impossibilidade definitiva aqueles em que se comprove que a impossibilidade vai durar tanto tempo que não será exigível à empresa aguardar a futura e sempre incerta viabilização das relações contratuais”.
No mesmo sentido se pronuncia Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, pág. 903) ao acentuar que o carácter definitivo da impossibilidade apresenta uma certa relatividade, não constituindo obstáculo à caducidade a mera eventualidade de o impedimento cessar.
Por isso, reafirma-se, encontrando-se o Autor afectado de uma incapacidade permanente para o trabalho, “insusceptível de variação futura”, e com os condicionalismos referidos à realização do trabalho, não se extraindo qualquer elemento dos autos no sentido de que essa situação era reversível, forçoso é concluir que a incapacidade é definitiva.
A questão controvertida, segundo se entende, centra-se em saber se a impossibilidade é absoluta.
Como resulta do que se deixou supra exposto, para que se verifique tal impossibilidade é necessário que a prestação laboral não possa, de todo, ser efectuada, não bastando um mero agravamento ou onerosidade para a realização da prestação.
Mas, como se acentua no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-07-2009 (Proc. n.º 703/05.3TTVFR.S1, disponível em www.dgsi.pt), “[s]e bem se atentar, a alínea b) do citado artº 387º [do Código do Trabalho de 2003, ou a alínea b) do artigo 343.º, do Código do Trabalho de 2009, dizemos nós] não impõe unicamente que a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva deva ser perspectivada tão-somente do ponto de vista do trabalhador. Permite, outrossim, que ela tenha reflexo no recebimento do trabalho pelo empregador”.
Sobre esta problemática, deverá ter-se presente que, como escreve Bernardo Lobo Xavier (obra citada, pá. 685), o carácter absoluto da impossibilidade não deve ser entendido em termos naturalísticos, mas jurídicos: “Assim, devem equiparar-se aos casos de impossibilidade absoluta aqueles que afectam de tal modo o programa de prestação que não será exigível à entidade empregadora recebê-la”.
Assim, no caso em apreciação, para aferir se existe impossibilidade do Autor prestar o trabalho que até aí vinha prestando, não importa se em termos naturais ele podia desempenhar esse trabalho, de “encarregado”, que até aí vinha desempenhando – que, obviamente, ele podia desempenhar, embora com os condicionalismos apontados –, mas se tendo em conta a sua integração na estrutura organizacional e funcionamento da Ré esse trabalho podia continuar a ser desempenhado, o que vale por dizer se em termos jurídicos se verifica a possibilidade de continuar a ser prestado o trabalho.
Ora, para responder a tal questão não pode deixar de ter-se presente, por um lado, que o Autor não podia realizar o trabalho a partir das 19h00 e exceder os 5 dias de trabalho de forma continuada e, por outro, que o período de funcionamento do estabelecimento da Ré é das 13h30 às 3h30, que o 1.º turno diário da equipa de “managers” na qual o Autor se integrava se iniciava às 11h00 e terminava às 20h00, que a referida equipa (e, naturalmente, o Autor que a integrava), sempre realizou o trabalho sujeita a horário de trabalho em regime de turnos rotativos e que embora o horário de funcionamento seja o supra indicado, os horários de trabalho são organizados de forma a reforçar os períodos de maior actividade do estabelecimento e de maior frequência dos clientes, que são a partir das 19h00 durante a semana e todo o período de funcionamento aos fins-de-semana.
Daqui decorre que os referidos “condicionamentos” do Autor à prestação do trabalho colidiam com a organização e funcionamento da Ré.
Pergunta-se, pois: era exigível à Ré que adaptasse a sua estrutura organizativa e de funcionamento de forma a permitir que o Autor prestasse o trabalho em horário compatível com os seus condicionalismos?
A nossa resposta é negativa, pois não vislumbramos dentro do quadro legal aplicável (ressalvadas as situações de reconversão profissional, por virtude de acidente de trabalho ou doença profissional, que aqui não se colocam) a existência de uma imposição ao empregador no sentido de, forçosamente, ter de adaptar a sua estrutura de organização e funcionamento para continuar a receber a prestação de um trabalhador que, entretanto, se viu condicionado, por razões físicas/médicas a realizar a prestação do trabalho nos termos que até aí vinha realizando.
Concretizando: se a empregadora, tendo em conta a específica actividade em causa, sempre organizou o trabalho dos “managers” (onde se integrava o Autor) por turnos rotativos, que tais turnos eram organizados de forma a reforçar os períodos de maior actividade do estabelecimento e de maior frequência dos clientes – que eram a partir das 19h00 – e que qualquer dos turnos organizado terminava para além das 19h00 e, depreendendo-se ainda, podendo exceder os cinco dias de trabalho consecutivos, não se detecta que constituísse imposição da mesma empregadora organizar um horário fixo, apenas para o Autor, a terminar até às 19h00 e que não abrangesse mais do que cinco dias de trabalho consecutivos; tal iria contender, seguramente, com a gestão dos recursos humanos, no que ao “managers” diz respeito, e até com o normal funcionamento da Ré.
É certo que o artigo 86.º do Código do Trabalho consagra medidas de discriminação positiva a favor, entre outros, de pessoas/trabalhadores com doença crónica, medidas essas seja no acesso ao emprego seja no seu exercício e progressão; isto é, determina-se através de tal normativo a adopção de medidas de acção positiva de forma a concretizar a discriminação positiva, tendo em vista a propalada justiça social.
Embora os elementos disponíveis não sejam abundantes, admite-se que a situação clínica do Autor se enquadre em tal doença crónica.
No entanto, atente-se, essas medidas devem ser adoptadas, excepto se implicarem encargos desproporcionados (n.º 1 do referido artigo); os encargos não são desproporcionados quando forem compensados com apoios do Estado (n.º 3 do mesmo artigo).
Ora, no caso, face ao que se deixou supra referido, maxime a actividade desenvolvida pela Ré, não ter nenhum horário até às 19.00 horas e que os períodos de maior actividade eram precisamente a partir dessa hora, não se afigura que constituísse imposição da Ré criar um horário próprio, à margem das suas necessidades e funcionamento, apenas para possibilitar a manutenção do contrato de trabalho com o Autor.
Refira-se que apesar de não constar da matéria de facto qual o número de trabalhadores da Ré que, tal como o Autor, desempenhavam as funções de “managers”, é lícito extrair a ilação, tendo em conta os documentos juntos aos autos a tal propósito, e que não se mostram impugnados (maxime fls. 283 a 330), que o número se situaria pelos seis trabalhadores: perante tal número, a alteração do horário de um trabalhador, designadamente retirando-o dos turnos rotativos e atribuindo-lhe um horário de trabalho até às 19h00 e não mais que 5 dias seguidos, iria implicar uma maior rotatividade dos outros trabalhadores nos turnos, com maior incidência nos turnos a partir das 19h00 (altura de maior actividade da Ré), gerando situações de perturbação na organização e funcionamento da empresa, porventura até com necessidade de recurso à contratação de outro(s) trabalhador(es) para assegurar a continuidade dos turnos e os períodos de maior frequência de clientes ao cinema (após as 19.00 horas).
Nessa medida, crê-se que a imposição à Ré da alteração dos horários de trabalho do Autor (tendo em conta as “limitações” que aquele apresenta) constituiria um encargo desproporcionado para aquela, pois iria implicar fixar diariamente um horário de trabalho para um trabalhador para um período, ou parte de um período, que não necessitava da sua força de trabalho – até às 19.00 horas – e, em contrapartida, teria que reforçar o quadro de “managers” para o período em que, efectivamente, mais necessitava desses trabalhadores: a partir das 19.00 horas.
Por isso se reafirma que em termos jurídicos (e só a estes nos devemos ater), a Ré não se encontrava obrigada a adaptar a sua estrutura de funcionamento, mais concretamente no que aos “managers” diz respeito, de forma a atribuir ao Autor um horário de trabalho fixo, até às 19h00 e não mais que cinco dias seguidos.
Nesta sequência, e tendo em conta que a “impossibilidade absoluta” de um trabalhador prestar a actividade contratada terá sempre que ser analisada casuisticamente, tendo em conta os concretos termos do contrato e a actividade exercida, somos a concluir que no caso se verifica essa impossibilidade absoluta de o trabalhador exercer a actividade de “manager”.
Refira-se que o Autor apresentava também a “limitação” à realização do trabalho decorrente de ter que realizar pausas de 10 minutos, de 2 em 2 horas, para se alimentar.
Embora a Ré na carta que remeteu ao Autor a comunicar-lhe a cessação do contrato invocasse também a impossibilidade de prestação do trabalho decorrente de tal “limitação”, o certo é que seja dos articulados, seja da matéria de facto não resulta que aquela “limitação” impossibilitasse a realização do trabalho, já que nada se provou a tal respeito.
Por isso, há-de concluir-se que a impossibilidade decorre tão somente das outras “limitações” analisadas (não poder realizar o trabalho para além das 19h00 e não exceder os cinco dias de trabalho consecutivos).
Retomando a questão de saber se a impossibilidade de o Autor continuar a exercer as funções é absoluta, no sentido de total, a questão que ora se coloca consiste em saber se essa impossibilidade se há-de perspectivar apenas em relação à actividade contratual a que o trabalhador se obrigou – caso em que, como se viu, a impossibilidade é total já que tendo em conta o funcionamento da empregadora, não era possível a prestação dessa actividade –, ou se deve ser perspectivada não apenas em relação a essa actividade mas também em relação a qualquer outra actividade profissional na Ré.
A jurisprudência mais antiga do Supremo Tribunal de Justiça pronunciava-se maioritariamente no sentido da impossibilidade se reportar a qualquer actividade na Ré [podem consultar-se neste sentido, entre outros, os acórdãos de 09-10-1996 (Rec. n.º 4250), de 05-11-97 (Rec. n.º 115/97), de 20-10-1998 (Rec. n.º 198/98), de 23-05-2001 (Recurso n.º 2956/00), de 27-05-2005 (Recurso n.º 4565/04)].
Escreveu-se, designadamente, no sumário do referido acórdão de 23.05.2001: “A impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a entidade empregadora o receber, para constituir fundamento de caducidade do contrato de trabalho, deve ser total. Assim, se a entidade patronal pode colocar o trabalhador a exercer outras funções diferentes das que ele desempenhava, o contrato de trabalho mantém-se, embora com eventual modificação do seu objecto”.
No seguimento de tal interpretação, a mesma jurisprudência concluía que era sobre a entidade empregadora que incumbia o ónus de alegar e provar os factos caracterizadores da impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a empresa o receber, como causa de caducidade do contrato de trabalho; ou, dito de outro modo, por se tratar de facto constitutivo do direito da entidade empregadora a declarar caduco o contrato de trabalho, sobre ela incumbia o ónus de alegar e provar a inexistência, no seio da empresa, de posto de trabalho compatível com a capacidade do trabalhador [por todos, o referido acórdão de 23-05-2001 e o acórdão de 28-06-2001 (Rec. n.º 375/01)].
Na doutrina, este é também o entendimento perfilhado por Júlio Gomes (Direito do Trabalho, Coimbra Editora, 2007, págs. 919-922), ancorando-se para tanto que tendo em conta a boa fé e colaboração entre as partes que deve existir na relação laboral, ao contratar o trabalhador o empregador não se obriga apenas a fornecer-lhe o trabalho inicialmente acordado mas a fornecer-lhe “emprego na empresa”, isto é, a dar-lhe uma ocupação no seio da estrutura empresarial.
Porém, já para outra jurisprudência e doutrina a impossibilidade absoluta de o trabalhador prestar o trabalho tem de se reportar apenas às actividades para que foi contratado.
E, se o trabalhador não se encontra em condições de a executar, o contrato caduca, uma vez que não existe um dever genérico de o empregador modificar o objecto do contrato em função da limitação do trabalhador.
Neste sentido se pronuncia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-12-2007 (Recurso n.º 3389/07, disponível em www.dgsi.pt), cujo n.º 4 do sumário é do seguinte teor: “A impossibilidade não deixa de ser absoluta pelo facto de o trabalhador poder exercer outro tipo de funções, uma vez que a atribuição de novas funções passaria por uma alteração do contrato, a que a entidade empregadora não está obrigada, por não existir disposição legal que tal imponha”.
Também no acórdão do mesmo tribunal de 24 de Setembro de 2008 (Proc. n.º 3793/07, também disponível em www.dgsi.pt) se segue idêntico entendimento, como resulta, de forma impressiva do n.º III do respectivo sumário: “O art. 151.º do Código do Trabalho [de 2003, a que no CT/2009 corresponde o artigo 118.º] consagra um direito (faculdade) do empregador de impor ao trabalhador o exercício de funções afins ou funcionalmente ligadas à actividade contratada, não se vislumbrando possível extrair dele a consagração do dever do empregador de atribuir tais funções afins ou funcionalmente ligadas às contratadas, nem a obrigação de o empregador criar um posto de trabalho que não tenha a ver com a actividade contratada ou de que não precise – v.g., por ter trabalhador a exercer as respectivas funções – para ocupar o trabalhador que se incapacitou, em termos supervenientes e definitivos e por facto totalmente alheio à sua actividade profissional”.
Na doutrina, Pedro Romano Martinez escreve que (Código do Trabalho referido, pág. 733) “[a]tendendo ao regime do Direito Civil e à autonomia das partes na conformação do objecto do contrato de trabalho, dever-se-á entender o disposto na alínea b), no que respeita à “impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho”, no sentido de estar em causa a atividade para que este foi contratado ou que desempenha ao abrigo da designada “categoria real”.
Esta é, também, a posição sustentada por Pedro Furtado Martins, quando afirma (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Principia, pág. 78): “A impossibilidade de execução da prestação laboral reporta-se pois à actividade contratualmente devida, àquele conjunto de tarefas ou género de trabalho que é delimitado através da categoria profissional. Releva saber se o trabalhador se encontra em condições de executar a prestação a que se obrigou, tal como ela é definida através da categoria profissional e não outra que se encontra fora do programa contratual e cuja execução pressupõe a alteração desse programa, ou seja, uma modificação do contrato de trabalho”.
Ainda no mesmo sentido se pronuncia Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, Almedina, pág. 870), que, discordando do entendimento jurisprudencial de que não se verifica a impossibilidade absoluta de o trabalhador prestar o trabalho, quando, não obstante as qualidades do trabalhador terem diminuído, lhe puder ser atribuída outra função no seio da organização do empregador, afirma: “Não se perfilha este entendimento, pelo menos no sentido de configurar um dever do empregador de atribuir ao trabalhador outra função: se o trabalhador foi contratado para um posto de trabalho determinado e deixa de poder desempenhar a função correspondente, o contrato perde a sua razão de ser e deverá caducar[ ]”.
Menezes Cordeiro, não tomando posição expressa sobre a questão, escreve a propósito (Manual de Direito do Trabalho, Almedina, pág. 793): “Note-se(...) que a jurisprudência se mostra bastante exigente no tocante ao requisito da absolutidade; uma simples diminuição das qualidades do trabalhador, quando lhe possam ainda ser distribuídas outras tarefas, não conduz à caducidade. Haverá aqui uma manifestação, pela positiva, do princípio da igualdade, que permite favorecer os mais fracos”.
Regressando ao caso que nos ocupa, o que se extrai da matéria de facto é que ao trabalhador foi proposto o exercício de outras funções, de modo a contabilizar com as suas “limitações”, designadamente em termos de horário de trabalho a realizar: no entanto, o trabalhador recusou e, se bem se interpreta, pretenderia ocupar o lugar na projecção quando concluísse o curso de Engenharia Electrotécnica e de Computadores, já que só lhe faltavam duas disciplinas para tal: independentemente da existência ou não de vaga nessas funções, o que está em causa – volta-se a afirmar, se bem se interpreta a manifestação de vontade do Autor – é uma hipotética situação futura, dependente desde logo da conclusão da licenciatura, e não uma situação presente e real.
E o certo é que dos autos resulta que o trabalhador não aceitou as diferentes funções que lhe foram propostas, mas já não resulta que houvesse quaisquer outras funções que lhe pudessem ser atribuídas e que ele aceitasse: aliás, o que se extrai dos autos, nomeadamente da sequência cronológica a partir de 30-10-2011 (facto n.ºs 8 e 9) é que, com excepção da futura função na projecção quando terminasse a licenciatura, o que o Autor pretendia é que fosse (continuasse) colocado nas funções de “manager”, embora com um diferente horário e condições, tendo em conta as “limitações” que apresentava.
Por isso se conclui que ainda que se entenda que à empregadora competia encontrar outra função no seio do seu estabelecimento para colocar o Autor, o certo é que o Autor apenas pretendia o exercício das funções inerentes a “manager”.
Nesta sequência, aceitando-se, como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-02-2009 (Proc. n.º 2696/08, disponível em www.dgsi.pt), que a “verificação do carácter absoluto e definitivo da impossibilidade superveniente de o trabalhador prestar o seu trabalho deve ser operada em termos particularmente exigentes e objectivos”, entendemos que, no caso, essa impossibilidade se verifica.
E assim sendo, verificou-se a caducidade do contrato de trabalho por, nas circunstâncias concretas, existir uma impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o trabalho e da empregadora o receber.
Improcedem, consequentemente, as conclusões das alegações de recurso, pelo que deve confirmar-se a decisão recorrida.
Vencido no recurso, o recorrente deverá suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto por B…, e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
*********
*******
******
*****
****
***
**
*
Porto, 24 de Fevereiro de 2014
João Nunes
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
______________
Sumário elaborado pelo relator, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
i) a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o trabalho ou de o empregador o receber deve ser perspectivada em termos jurídicos e não naturalísticos e do ponto de vista não só da prestação do trabalhador, mas também no reflexo no recebimento por parte do empregador;
ii) verifica-se a caducidade do contrato com tal fundamento, no circunstancialismo em que se apura, por um lado, que o Autor passou a ser portador de uma incapacidade permanente global de 70%, insusceptível de variação futura, tendo sido considerado apto condicionalmente, não podendo realizar trabalho a partir das 19 horas nem exceder os cinco dias de trabalho de forma continuada e, por outro, a Ré, que explora cinemas, sempre organizou o trabalho dos “managers” (onde se integrava o Autor) por turnos rotativos, que tais turnos eram organizados de forma a reforçar os períodos de maior actividade do estabelecimento e de maior frequência dos clientes – que eram a partir das 19h00 –, que qualquer dos turnos organizado terminava para além das 19h00, podendo exceder os cinco dias de trabalho consecutivos, sendo certo, ainda, que tendo sido proposto ao Autor o exercício de outras funções de modo a compatibilizar com aquelas limitações físicas, ele recusou;
iii) nas circunstâncias descritas, por contender com a estrutura e funcionamento da Ré, não se detecta que constituísse uma obrigação da mesma organizar um horário de trabalho fixo apenas para o Autor, a terminar até às 19h00, e que não abrangesse mais do que cinco dias de trabalho consecutivos.