CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
REGIME PROCESSUAL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
CITAÇÃO
NULIDADE DA CITAÇÃO
INEFICÁCIA
DOMICÍLIO CONVENCIONADO
Sumário

I - Face ao regime processual específico previsto nas disposições conjugadas do artigo 2.º do DL 269/98 (diploma preambular do Regime dos Procedimentos destinados a exigir o Cumprimento de Obrigações Pecuniárias emergentes de Contratos de valor não superior a € 15000), do artigo 12.º-A do Anexo, e do n.º 2 do artigo 237.º-A do Código de Processo Civil, sendo a carta de citação remetida para a morada indicada no contrato, e não tendo o citando (requerido) informado o outro contraente (requerente da injunção) de qualquer alteração da morada, não poderá opor-lhe a nulidade ou a ineficácia da citação com fundamento no facto de residir em local diferente.
II - No entanto, o referido regime processual pressupõe a correcta indicação do domicílio convencionado consignado no contrato, sendo absolutamente indispensável para que a citação se considere válida (apesar da devolução da carta remetida para o efeito), que a carta tenha sido remetida para a morada constante do contrato.

Texto Integral

Processo n.º 2812/09.0TBVLG-A.P1

Sumário do acórdão
I. Face ao regime processual específico previsto nas disposições conjugadas do artigo 2.º do DL 269/98 (diploma preambular do Regime dos Procedimentos destinados a exigir o Cumprimento de Obrigações Pecuniárias emergentes de Contratos de valor não superior a € 15000), do artigo 12.º-A do Anexo, e do n.º 2 do artigo 237.º-A do Código de Processo Civil, sendo a carta de citação remetida para a morada indicada no contrato, e não tendo o citando (requerido) informado o outro contraente (requerente da injunção) de qualquer alteração da morada, não poderá opor-lhe a nulidade ou a ineficácia da citação com fundamento no facto de residir em local diferente.
II. No entanto, o referido regime processual pressupõe a correcta indicação do domicílio convencionado consignado no contrato, sendo absolutamente indispensável para que a citação se considere válida (apesar da devolução da carta remetida para o efeito), que a carta tenha sido remetida para a morada constante do contrato.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
B…, S.A., instaurou contra C… execução comum para pagamento de quantia certa, que corre termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, sob o n.º 2812/09.0TBVLG-A, com vista à cobrança de um crédito referente a comunicações telefónicas.
A executada C… deduziu oposição à execução, alegando em síntese: não foi notificada de qualquer acto ou termo do processo de injunção em que assenta a acção executiva e, por força desse desconhecimento, não pôde aí defender-se, não podendo por isso prevalecer o título executivo daí decorrente; a forma de notificação prevista no regime do art.º 12.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, é material e organicamente inconstitucional, violando os artigos 20.º, 13.º e 32.º, n.º 5, in fine, da Constituição da República Portuguesa, pois, frustrando-se a notificação e não havendo domicílio convencionado, como sucedia no caso vertente, a notificação deveria prosseguir através de carta registada com aviso de recepção (como actualmente sucede, após alteração legislativa) e não por mero depósito simples, como o previa aquele regime à data da notificação realizada, sob pena de violação do princípio do contraditório; o título dado à execução inválido e inexequível, devendo julgar-se extinta a acção executiva.
Citada, a exequente contestou a oposição deduzida, impugnando a matéria alegada pela opoente (executada) e afirmando que as notificações expedidas no âmbito da injunção foram efectivamente recebidas, tendo a mesma tomado conhecimento desse processo, além do que nenhuma inconstitucionalidade se verifica, pelo que nenhum vício existe que afecte o título executivo que daí resultou.
Realizou-se a audiência preliminar em 23.09.2011, na qual e conforme consta da acta, se procedeu à selecção da matéria de facto, com definição da factualidade assente e organização da base instrutória, sem reclamações.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que o Tribunal respondeu à matéria de facto vertida na base instrutória, não tendo sido apresentadas reclamações.
Foi proferida sentença na qual foi julgada totalmente improcedente a oposição à execução e, em consequência, se determinou o prosseguimento da instância executiva.
Não se conformou a executada e interpões o presente recurso de apelação, apresentando alegações, onde formula as seguintes conclusões:
I. A decisão recorrida não declara quais os factos alegados pelas partes que o tribunal “a quo” julgou não provados, nem tão pouco consta da decisão recorrida a respectiva análise crítica das provas e os respectivos fundamentos decisivos para a convicção do julgador, violando o disposto nos artigos 158.º, n.º 1 e 653.º, n.º 2, do Código do Processo Civil.
II. De acordo com o disposto no artigo 668.º, n.º 1, al. b), do Código do Processo Civil, a decisão recorrida padece de nulidade, vício que importa a repetição de toda a prova oralmente produzida.
III. De entre a matéria de facto que a Exma. Senhora Juiz do tribunal a quo julgou provada, constam os seguintes e concretos pontos da matéria de facto:
E) A executada declarou à exequente que a sua morada se situava na Rua …, n.º …, … …;
F) Foi entregue à exequente, pela executada, um comprovativo de morada, consistente no documento junto a fls. 30 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, do qual constava aquela mesma morada.
G) Todas as faturas emitidas pela exequente, relativas ao serviço telefónico mencionado no documento de fls. 29, foram enviadas para a dita morada, não tendo sido devolvidas.
H) Por escrito enviado à exequente, datado de 15/09/2000, a ora opoente solicitou-lhe que fosse alterado o número de telefone fixo de que era titular, indicando como sua morada, para a concretização da alteração, a Rua …, n.º …, …. ….”.
IV. Uma correcta apreciação e valoração do depoimento prestado pela testemunha D…, no dia 24 de Janeiro de 2012, às 14h33m33s, o qual ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal, com a duração de 00h10m32s, conforme resulta do respectivo suporte de gravação uma vez que a acta é omissa, e, especificamente das concretas passagens gravadas entre 00:01:46, 00:01:52 a 00:01:54, 00:02:56 a 00:03:11, 00:03:14 a 00:03:28, 00:03:31 a 00:03:41, 00:03:50 a 00:03:59, 00:04:11 a 00:04:19, 00:04:34 a 00:04:45, 00:06:06 a 00:06:36, 00:06:42 e 00:09:03, bem como do depoimento prestado pela testemunha E…, no dia 24 de Janeiro de 2012, às 14h44m07s, o qual ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal, com a duração de 00h18m00s, conforme resulta do respectivo suporte de gravação uma vez que a acta é omissa, e, especificamente das concretas passagens gravadas entre 00:01:42 a 00:01:49, 00:02:21 a 00:02:43, 00:02:43 a 00:02:48, 00:02:51 a 00:02:53, 00:02:57, 00:03:08 a 00:03:16, 00:03:20, 00:03:29 a 00:03:39, 00:04:42 a 00:05:00, 00:05:31 a 00:05:39, 00:05:45, 00:05:48 a 00:05:56, 00:06:09 a 00:06:13, 00:06:22 a 00:06:28, 00:06:58 a 00:06:59, 00:09:14 a 00:09:22, 00:10:31 a 00:10:49 e 00:13:30 a 00:13:33, e do depoimento prestado pela testemunha F…, no dia 24 de Janeiro de 2012, às 15h02m53s, o qual ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal, com a duração de 00h20m39s, conforme resulta do respectivo suporte de gravação uma vez que a acta é omissa, e, especificamente das concretas passagens gravadas entre 00:01:23 a 00:02:28, 00:07:36, 00:07:38, 00:07:41 a 00:07:45, 00:07:54, 00:09:12 a 00:09:40, 00:09:42 a 00:10:08, 00:10:21 a 00:10:32, 00:10:42 a 00:11:20, 00:11:20 a 00:11:32, 00:11:32 a 00:11:44, 00:11:44 a 00:11:58, 00:13:04 a 00:13:19, 00:13:42 a 00:14:01, 00:14:05 a 00:14:16, 00:14:33 a 00:14:35, 00:15:56 a 00:16:13, 00:16:23 a 00:16:36, 00:17:00 a 00:17:04, 00:17:47 a 00:17:49, 00:17:54 a 00:17:57, 00:18:14 a 00:18:19 e 00:18:30 a 00:18:31, impõe que se julgue como não provados os concretos pontos da matéria de facto erradamente julgados como provados, enunciados e alinhados na fundamentação de facto da sentença recorrida sob as alíneas ou parágrafos E), F), G) e H).
V. O tribunal a quo fez, pois, errada apreciação e valoração dos referidos e concretos meios de prova especificados na conclusão anterior, e a recorrente, pretende o reexame e a reapreciação crítica dos mesmos por parte deste Venerando tribunal ad quem que, numa correcta apreciação e valoração, impõem que se julgue como não provados os concretos pontos da matéria de facto (erradamente julgados como provados) enunciados e alinhados na fundamentação de facto da sentença recorrida sob as alíneas ou parágrafos E), F), G) e H).
VI. A decisão recorrida, ao julgar como provada a autoria da assinatura dos documentos através dos quais a opoente teria declarado que a sua morada se situava na Rua …, n.º …, …. … e solicitado, por escrito datado de 15/09/2000, que fosse alterado o número de telefone fixo de que alegadamente era titular e indicado como sua morada para a concretização da alteração a Rua …, n.º …, …. …, faz errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do CC, violando este preceito legal, que numa correcta interpretação e aplicação impõe o ónus da prova da autoria da assinatura de tais documentos à apelada/exequente, o qual não se basta com um mero juízo de semelhança por parte de quem não tem as habilitações necessárias para o efeito, antes exige o recurso a um exame pericial através de técnicos devidamente habilitados e credenciados, porquanto exige o domínio de conhecimentos específicos, bem como que, no caso concreto, se julgue como não provado que a assinatura dos respectivos documentos sejam da autoria da apelante bem como as declarações que os mesmos contêm.
VII. As cartas de notificação (Citação) enviadas através de correio simples com prova de depósito não foram remetidas para os endereços constantes das Bases de Dados, quer porque uma foi enviada para a freguesia …, do concelho de Valongo (quando já havia sido devolvida a carta registada com AR com a menção de “mudou–se”), quando deveria ter sido enviada para a freguesia …, do concelho de Gondomar, quer porque a outra foi remetida para o n.º …, 1.º Dt.º, quando deveria ter sido remetida para o n.º …, 2.º Dt.º.
VIII. A apelante não tomou conhecimento da pendência do procedimento de injunção, tendo sido confrontada com a consequente execução com base na aposição da respectiva fórmula executória como um facto consumado e sem poder exercer o seu direito de defesa.
IX. A sentença recorrida faz errada interpretação e errada aplicação do disposto no art.º 12.º, do D.L. n.º 269/98, de 1 de Setembro, o qual, numa correcta interpretação e aplicação impunha que se repetisse a notificação (citação) através de carta registada com aviso de recepção para os endereços “Rua …, n.º …, ….–… …” e “Av.ª …, n.º …, 2.º Dt.º, na Maia”.
X. A notificação do requerimento de injunção assume ou reveste as características e natureza de uma verdadeira citação no que concerne aos respectivos efeitos e finalidades, uma vez que é através da referida notificação que se pretende dar conhecimento ao requerido da pendência de uma injunção contra o mesmo, contando–se o prazo para se defender ou deduzir oposição à injunção.
XI. A notificação do requerimento de injunção à opoente/apelante, por via postal simples com prova de depósito, nos termos do disposto no art.º 12.º, n.ºs 3, 4 e 5, do D.L. n.º 269/98, de 1 de Setembro, não garantiu um eficaz chamamento da opoente/apelante à demanda ou uma rigorosa observância do princípio do contraditório e da igualdade de armas ou igualdade processual.
XII. A sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 12.º, n.ºs 3, 4 e 5, do D.L. n.º 269/98, de 1 de Setembro, bem como do disposto nos art.ºs 3.º, n.ºs 1, 2 e, 3.º–A, 198.º, n.ºs 1, 2 e 4, 201.º e 228.º, n.º 1, todos do CPC, dos artigos 13.º, 32.º, n.º 5 – in fine – e 20.º, n.º 4 in fine, da Constituição da República Portuguesa, no art.º 10.º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem como no art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no art.º 14.º do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos, os quais, numa correcta interpretação e aplicação, impõem que se julgue que, no caso em apreço, atento o recurso à notificação–citação da opoente através de depósito de carta simples (não registada) embora a exequente tenha indicado no requerimento de injunção que não existia domicílio convencionado, foi violado o princípio do contraditório e da igualdade das partes, bem como o principio fundamental do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, no sentido de todos terem direito a que uma causa em que intervenham decorra mediante um processo, isto é, o direito a um processo justo, um processo que apresente garantias de justiça, no que concerne à sua estrutura, e que a interpretação e aplicação do art.º 12.º, n.ºs 3, 4 e 5, do D.L. n.º 269/98, de 1 de Setembro, nas situações em que se frustra a notificação/citação por via postal registada em que não há domicílio convencionado, viola os princípios da proporcionalidade, da proibição de indefesa e do processo equitativo, e, por conseguinte, a interpretação e aplicação deste normativo legal com o referido sentido e alcance é materialmente inconstitucional por violar os artigos 20.º, 13.º e 32.º, n.º 5 – in fine – da Constituição da República Portuguesa, impondo–se que se julgue a notificação do requerimento de injunção à opoente/apelante nestes autos como sendo nula e absolutamente ineficaz, como o são os demais trâmites e actos processuais.
XIII. A sentença recorrida faz ainda errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 165.º, n.º 1, al. b), da Constituição da República Portuguesa, o qual, numa correcta interpretação e aplicação, impõe que se julgue o disposto no art.º 12.º, n.ºs 3, 4 e 5, do D.L. n.º 269/98, de 1 de Setembro, como organicamente inconstitucional por violação do referido preceito da Constituição da República Portuguesa, uma vez que segundo este preceito fundamental é da competência exclusiva da Assembleia da República legislar sobre direitos, liberdades e garantias ou análogos, só podendo o Governo legislar sobre tal matéria sob autorização legislativa conferida pela Assembleia da República, o que não sucedeu.
XIV. A sentença recorrida faz errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 406.º, n.º 2, do Código Civil, que, numa correcta interpretação e aplicação, impõe que se julgue a apelante como não vinculada ao contrato em causa por não ter tido parte no mesmo, isto é, ser um “terceiro” no que concerne à respectiva relação contratual que não produz quaisquer efeitos jurídicos em relação a si.
A exequente apresentou resposta às alegações de recurso, na qual conclui:
«[…] A testemunha F… depôs de forma natural e isenta. Bem se compreende a motivação do Tribunal a quo que recolheu da referida testemunha a afirmação de que as faturas registam comunicações para a casa da avó da executada, foram enviadas para o endereço de faturação indicado no contrato e não vieram devolvidas, bem como de que a Executada enviou cartas à Exequente a pedir alterações – cfr. gravação digital passagens 15:03:01, 15:03:45, 158:04:15, 15:04:27, 15:05:30, 15:06:00, 15:06:09. Conforme decorre das passagens supra indicadas, o depoimento em causa permitiu ainda ao tribunal confirmar o teor dos documentos juntos aos autos.
Acresce que a valoração de tais documentos não está dependente de prova pericial como pretende a Recorrente. Com efeito, as cartas cujo teor foi confirmado pela testemunha supra referida e valoradas pelo Tribunal, estão sujeitas ao princípio da livre apreciação. Da motivação da decisão proferida resulta evidente que o Tribunal a quo julgou segundo o prudente arbítrio ponderando as regras da experiência.
c) violação do disposto no artigo 12º, nºs 3,4 e 5 do DL nº 269/98, de 01/09, nos artigos 3º, nºs 1 e 2, 3ºA, 198º, nºs 1,2 e 4, 201º e 228º, nº1 todos do C.P.C. e artigos 13º, 32º, nº 5 in fine e 20º, nº 4 in fine da C.R.P.
A Recorrida acompanha integralmente a fundamentação expendida na decisão sobre a matéria de direito a qual, salvo o devido respeito que é muito, não merece qualquer reparo.
A notificação do requerimento de injunção constitui um ato oficioso cuja tramitação foi cumprida nos termos legais. As cartas foram enviadas de acordo com o preceituado no artigo 12º do DL nº 269/98 de 01/09.
A morada Rua …, …, …. …, em Gondomar, foi a indicada pela Executada à Exequente, matéria julgada provada. Ao contrário do que a Recorrente pretende as cartas enviadas obedeceram o preceituado no artigo 12º do DL nº 269/98, de 01/09. Após consulta do site dos CTT, informação de acesso público, verifica-se que a “Rua …” e o código postal “….-…” só existem em Gondomar pelo que nenhuma dúvida subsiste de que foram corretamente enviadas e depositadas.
A notificação/citação enviada para a Av. … foi a que resultou da pesquisa efetuada à base de dados à data de tal ato conforme resulta da informação prestada pelo Balcão Nacional de Injunções a fls…
Adere-se, por último, à fundamentação da decisão recorrida no que à constitucionalidade das normas invocadas diz respeito».

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos[1]), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), consubstancia-se à partida, nas seguintes questões: i) apreciação da questão da nulidade da sentença invocada; ii) apreciação do recurso da matéria de facto; iii) apreciação da validade da citação efectuada no âmbito do procedimento de injunção.

2. As nulidades invocadas
Alega a recorrente que: “I. A decisão recorrida não declara quais os factos alegados pelas partes que o tribunal a quo julgou não provados, nem tão pouco consta da decisão recorrida a respectiva análise crítica das provas e os respectivos fundamentos decisivos para a convicção do julgador, violando o disposto nos artigos 158.º, n.º 1 e 653.º, n.º 2, do Código do Processo Civil. II. De acordo com o disposto no artigo 668.º, n.º 1, al. b), do Código do Processo Civil, a decisão recorrida padece de nulidade, vício que importa a repetição de toda a prova oralmente produzida”.
Com o devido respeito, só por muita desatenção ou alguma leviandade se poderá invocar a nulidade nos termos em que a recorrente o faz.
Se não, vejamos.
Consta da decisão da matéria de facto (acta de 1.02.2012):
«Na presente oposição à execução, intentada pela executada C… contra B…, S.A., decide-se a matéria de facto controvertida, constante da base instrutória, da seguinte forma:
Artigo 1.º: não provado;
Artigo 2.º: não provado;
Artigo 3.º: provado apenas que a executada declarou à exequente que a sua morada se situava na Rua …, n.º …, …. …;
Artigo 4.º: provado que foi entregue à exequente, pela executada, um comprovativo de morada, consistente no documento junto a fls. 30 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, do qual constava aquela mesma morada;
Artigo 5.º: provado que todas as faturas emitidas pela exequente, relativas ao serviço telefónico mencionado no documento de fls. 29, foram enviadas para a dita morada, não tendo sido devolvidas;
Artigo 6.º: provado.
MOTIVAÇÃO
A convicção do tribunal fundou-se numa apreciação crítica e conjugada das declarações das testemunhas e dos documentos juntos aos autos.
A não prova do artigo 1.º deveu-se à análise conjunta das declarações das testemunhas D… e E…, dando conta das vicissitudes da residência da opoente, e que, além do mais, referiram que a sua estada na morada da Rua …, no Porto, nas datas em apreço, referidas nas alíneas A) a C) dos factos assentes, teria sido apenas a título temporário e precário.
A resposta negativa dada ao artigo 2.º deveu-se à ausência de prova nesse sentido, pois o documento encontra-se impugnado, não tendo sido feita demonstração, mormente pericial, da autoria das menções e da assinatura nele apostas. Donde não era possível concluir que a assinatura aí constante era efetivamente da opoente.
A prova restritiva e explicativa dos artigos 3.º a 5.º deveu-se à conjugação dos elementos documentais de fls. 30, 31 e 32 e ainda de fls. 33 e ss. com o depoimento de F… que, apesar de funcionária da exequente, se mostrou segura, clara e isenta.
Da ponderação desses meios de prova, ficou o tribunal convencido de que a executada declarou à exequente que a sua morada se situava na Rua …, n.º …, …. …, entregando o aludido documento de fls. 30. Pela normalidade da experiência, apenas a opoente nisso teria interesse e apenas ela estaria munida com o documento (bancário) que permitiria a comprovação do seu domicílio, não se vendo que interesse haveria de ter outra pessoa em fazer-se passar pela executada, obtendo (não se sabe como) aquele documento e assim usufruindo dos serviços telefónicos da exequente.
Por outro lado, como se pode ver dos registos telefónicos constantes das faturas, um dos números de telefone para os quais foram feitas várias chamadas pelo serviço fornecido pela exequente é precisamente aquele que consta do documento de fls. 31 e que as próprias testemunhas da opoente reconheceram como sendo da casa de sua avó, precisamente sita na Rua …, no Porto, onde esporadicamente se encontrava a executada.
De acordo com as regras da experiência, não se vê que outra explicação poderia haver para esse facto que não a de efetivamente ser a opoente quem fruía do serviço telefónico da exequente, o que se confirma até pelo contexto, pelo teor e pelas datas constantes dos documentos de fls. 31 e 32.
Relativamente às faturas, sua emissão e sua remessa para a executada, o tribunal considerou o depoimento da testemunha F…, sólido e coerente, juntamente com o teor dos documentos de fls. 33 e ss., como já se disse, tudo avaliado à luz da normalidade da atividade e da experiência comercial.
Por último, a prova do artigo 6.º motivou-se, uma vez mais, no aludido documento de fls. 32, em conjugação com as declarações conjuntas de todas as testemunhas inquiridas, nos termos já explicitados».
Do segmento decisório que se transcreveu se conclui, sem margem para dúvidas, pela total improcedência da arguição de nulidade.

3. Recurso da matéria de facto
Alega a recorrente que a prova testemunhal produzida “impõe que se julgue como não provados os concretos pontos da matéria de facto erradamente julgados como provados, enunciados e alinhados na fundamentação de facto da sentença recorrida sob as alíneas ou parágrafos E), F), G) e H)”.
Vejamos.
Consta das referidas alíneas:
«E) A executada declarou à exequente que a sua morada se situava na Rua …, n.º …, …. ….
F) Foi entregue à exequente, pela executada, um comprovativo de morada, consistente no documento junto a fls. 30 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, do qual constava aquela mesma morada.
G) Todas as faturas emitidas pela exequente, relativas ao serviço telefónico mencionado no documento de fls. 29, foram enviadas para a dita morada, não tendo sido devolvidas.
H) Por escrito enviado à exequente, datado de 15/09/2000, a ora opoente solicitou-lhe que fosse alterado o número de telefone fixo de que era titular, indicando como sua morada, para a concretização da alteração, a Rua …, n.º …, …. …».
A documentação junta aos autos é eloquente no sentido de confirmar a bondade do segmento decisório impugnado, como oportunamente se aprofundará.
Começamos, no entanto, por apreciar a prova pessoal gravada.
A testemunha D…, ajudante de cozinha, residente na Rua …, n.º …, …, declarou ser amigo da recorrente, afirmando que a mesma viveu com os pais e a avó “até por volta dos 20 anos, mais ou menos”, “saiu de lá há uns 15 anos”, e regressou para passar férias “terá sido em 2008” (03:33), e ali terá passado “o Verão todo… ou à volta disso … devido a obras em casa” (04:20). Confrontado com as assinaturas apostas nas cartas juntas aos autos a fls. 31 e 32, questionado sobre se eram da autoria da recorrente, respondeu com uma evasiva: “pelo menos o nome, sim”. Questionado sobre o número de telefone que consta da carta de fls. 31 como sendo o da avó da recorrente (………), confirmou esse facto (09:42).
A testemunha E…, pai da recorrente, afirmou que a filha nasceu onde a testemunha mora, e que saiu para morar em …, “há 12 anos, talvez”, confirmando a morada (Rua …, … – …. …) que lhe foi ditada pelo ilustre advogado (02:58). Afirmou que a recorrente às vezes passava “alguns dias de férias” com os pais, e que “em 2008 ou 2009 esteve mais tempo”, esclarecendo depois que pensa que terá sido em 2008. Questionado sobre o número de telefone que consta da carta de fls. 31 como sendo o da avó da recorrente (………), confirmou esse facto (08:00 e 12:04). Confrontado com as assinaturas apostas nas cartas juntas aos autos a fls. 31 e 32, questionado sobre se eram da autoria da recorrente, respondeu com uma evasiva: “não é que ela costume assinar assim… mas…” (10:51).
A testemunha F…, técnica de contencioso da recorrida, declarou que a recorrente celebrou com a recorrida um contrato em Fevereiro de 2000, com vinculação de “permanência mínima de 24 meses”, preenchendo a proposta que constitui o documento de fls. 29, onde consta como morada a Rua …, …. …, tendo apresentado nessa altura a carta da G… (fls. 30), como comprovativo de ser essa a sua morada, bem como uma cópia do BI e do número de identificação fiscal. Confirmou o teor das cartas juntas aos autos a fls. 31 e 32, identificando o n.º ……… como número da avó da recorrente, dado que a própria testemunha fez uma análise da facturação detalhada da recorrente, confirmando a existência de várias chamadas feitas do seu telemóvel para o n.º fixo da sua avó (04:22). A testemunha garantiu ao Tribunal a inexistência de qualquer informação de alteração de morada por parte da recorrente (executada), bem como o facto de terem seguido para a morada indicada pela executada todas as facturas não tendo sido paga ou devolvida uma única. Finalmente, a testemunha referiu que na pesquisa que efectuou, nas Finanças figura como morada fiscal da recorrente a Rua …, …. ….
Vejamos agora dos documentos, que assumem particular relevância no confronto crítico com os depoimentos que se sintetizaram, que os confirmam.
Encontra-se junta aos autos a fls. 31, uma carta (fax) da recorrente, enviada em 4 de Agosto de 2000 do equipamento de fax da H…, com o seguinte teor:
“Porto, 03 de Agosto de 2000
Venho por este meio requerer que alterem o número do meu telemóvel, devido ao facto de receber chamadas não desejadas a altas horas da noite.
O número actual do meu telemóvel é ………, e se possível desejava que o novo número fosse ……….
Agradecia que esta alteração fosse efectuada o mais rapidamente possível, e é meu desejo que o meu novo número seja confidencial a nível da lista telefónica.
Agradecia que me contactassem assim que a alteração fosse feita, para o número ………, caso eu não me encontre em casa no momento do vosso telefonema fosse deixar a mensagem com a Dª. I… que é minha avó.
Sem mais de momento me despeço, agradecendo desde já a atenção dispensada.
Cumprimentos.
C…”.
Encontra-se junta aos autos a fls. 32, uma carta (fax) da recorrente, enviada em 15 de Setembro de 2000 do equipamento de fax da H…, com o seguinte teor:
“Porto, 15 de Setembro de 2000
Venho por este meio requerer que alterem o número do meu telemóvel, devido ao facto de receber chamadas não desejadas a altas horas da noite.
O número actual do meu telemóvel é ………, podendo ser alterado para qualquer número disponível desde que seja parecido com o número actual.
Agradecia que esta alteração fosse efectuada o mais rapidamente possível, dado que o assunto é um pouco urgente, e é meu desejo que o meu novo número seja confidencial a nível da lista telefónica.
Agradecia que me contactassem assim que a alteração fosse feita, para o número ………., que é o número de telefone do meu emprego.
Os meus dados para alteração do número são:
Nome completo: C….
Morada: Rua …, …. – … ….
Sem mais de momento me despeço, agradecendo desde já a atenção dispensada.
Cumprimentos.
C…”.
Encontra-se junta aos autos a fls. 33, uma carta da G…, dirigida à recorrente, com a morada Rua …, …. ….
A mesma morada figura na “proposta de subscrição do serviço móvel terrestre” junta aos autos a fls. 29.
É ainda a mesma morada que consta das facturas juntas aos autos a fls. 33 e seguintes.
Como se conclui da síntese da prova testemunhal que se consignou, as testemunhas (incluindo o pai da recorrente) foram unânimes na afirmação de que o número de telefone que consta da carta junta aos autos a fls. 31 corresponde à casa da avó da recorrente [“Agradecia que me contactassem assim que a alteração fosse feita, para o número ………, caso eu não me encontre em casa no momento do vosso telefonema fosse deixar a mensagem com a Dª. I… que é minha avó”].
Por outro lado, a testemunha F… confirmou o n.º de telemóvel referido em ambas as comunicações (………) como sendo o da recorrente [“O número actual do meu telemóvel é ………”].
Perante o confronto crítico dos meios de prova em presença, não vislumbramos, com o devido respeito, qualquer suporte jurídico minimamente sólido susceptível de pôr em causa a decisão da matéria de facto impugnada pela recorrente, que se novamente reproduz:
«E) A executada declarou à exequente que a sua morada se situava na Rua …, n.º …, …. ….
F) Foi entregue à exequente, pela executada, um comprovativo de morada, consistente no documento junto a fls. 30 dos autos [carta da G…, dirigida à recorrente], cujo teor se dá aqui por reproduzido, do qual constava aquela mesma morada.
G) Todas as faturas emitidas pela exequente, relativas ao serviço telefónico mencionado no documento de fls. 29, foram enviadas para a dita morada, não tendo sido devolvidas.
H) Por escrito enviado à exequente, datado de 15/09/2000, a ora opoente solicitou-lhe que fosse alterado o número de telefone fixo de que era titular, indicando como sua morada, para a concretização da alteração, a Rua …, n.º …, …. …».
Decorre do exposto a manifesta improcedência do recurso da decisão da matéria de facto.

3. Fundamentos de facto
Atento o teor da decisão que antecede, mantém-se a factualidade considerada provada na sentença recorrida:
A) Foi dado à execução por B…, S.A. o requerimento de injunção n.º 53191/08.1YIPRT, junto aos autos principais, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, ao qual foi conferida força executiva, pelo Secretário de Justiça da Secretaria-Geral de Injunção do Porto, a 03/10/2008.
B) No âmbito do procedimento de injunção acima referido, pela Secretaria-Geral de Injunção foi remetida carta registada com aviso de receção, para notificação da aí requerida C…, datada de 09/05/2008, para a morada indicada nesse requerimento, que corresponde a Rua …, …, ….-… … – …, tendo a mesma sido devolvida com a menção de “mudou-se (nova morada desconhecida)”, a 29/05/2008.
C) De seguida, foram remetidas pela Secretaria-Geral de Injunção cartas para notificação, datadas de 13/07/2008, por via postal simples com prova de depósito, da requerida C…, para a mesma morada e para a Av. …, …, 1.º Dt.º, …, ….-… Maia, tendo as mesmas ficado depositadas, mediante certificação do funcionário dos CTT, respetivamente a 24/07/2008 e a 01/08/2008.
D) A executada, ora opoente, foi citada no âmbito da ação executiva, através de carta registada com aviso de recepção, na morada da Rua …, …, 2.º Esq., ….-… Valongo, mostrando-se o referido aviso assinado pela própria, a 16/09/2010.
E) A executada declarou à exequente que a sua morada se situava na Rua …, n.º …, …. ….
F) Foi entregue à exequente, pela executada, um comprovativo de morada, consistente no documento junto a fls. 30 dos autos [carta da G…, dirigida à recorrente], cujo teor se dá aqui por reproduzido, do qual constava aquela mesma morada.
G) Todas as faturas emitidas pela exequente, relativas ao serviço telefónico mencionado no documento de fls. 29, foram enviadas para a dita morada, não tendo sido devolvidas.
H) Por escrito enviado à exequente, datado de 15/09/2000, a ora opoente solicitou-lhe que fosse alterado o número de telefone fixo de que era titular, indicando como sua morada, para a concretização da alteração, a Rua …, n.º …, …. ….

3. Fundamentos de direito
3.1. A invocada nulidade da citação
Alega a recorrente que se verificou a nulidade de citação no procedimento de injunção, porque não morava em nenhuma das moradas para as quais a referida citação foi remetida.
Transcreve-se a decisão respeitante a este segmento:
«A primacial questão a resolver é agora, considerando o alegado pela opoente, é a da saber se a citação/notificação para os termos da injunção intentada pela aqui exequente foi omitida ou foi nula.
Através da oposição à execução, o executado busca demonstrar que o título executivo é insubsistente. «A oposição do executado visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva.» (Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Coimbra Editora, 2004, p. 171).
Na sua estrutura processual, a oposição à execução constitui então uma verdadeira acção declarativa que é, simultaneamente, um meio de defesa do executado. Apesar de ser, aparentemente, extrínseca à ação executiva, é com efeito uma “contra-ação”, destinada a impedir a produção dos efeitos do título executivo ou a demonstrar a falta de pressupostos da acção executiva.
Nesta “contra-ação”, tinha a executada que provar os factos impeditivos do efeito jurídico pretendido pela exequente, demonstrando não ter sido notificada para os termos da injunção. Cabia-lhe tal ónus, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil.
Sucede que, não obstante o alegado, a executada/opoente não comprovou qualquer falta, irregularidade ou nulidade da citação.
Ficou assente que foi remetida carta registada com aviso de receção, para notificação da então requerida C…, para a morada indicada nesse requerimento, que corresponde a Rua …, …, ….-… … – …e, tendo a mesma sido devolvida com a menção de “mudou-se (nova morada desconhecida)”, a 29/05/2008.
Ficou também comprovado que a ora opoente declarara à exequente que a sua morada se situava na Rua …, n.º …, …. …, tendo sido entregue àquela, pela primeira, inclusive um comprovativo de morada, consistente no documento junto a fls. 30 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, do qual constava essa mesma morada.
De seguida, foram remetidas cartas simples para essa morada e ainda para a Av. …, …, 1.º Dt.º, …, ….-… Maia, tendo as mesmas ficado depositadas, mediante certificação do funcionário dos CTT, respetivamente a 24/07/2008 e a 01/08/2008.
Ou seja, tanto quanto resulta da factualidade provada, foram respeitadas todas as formalidades descritas no art.º 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98.
Para além de concretamente terem sido adotados todos os legais procedimentos à concretização da notificação e, além de esta se presumir corretamente efetuada, precisamente tendo em conta o que se provou quanto aos passos dados nesse sentido, não fez a opoente nenhuma prova que viesse contrariar tal situação e demonstrar que efetivamente não foi devidamente notificada.
Limitou-se a opoente a invocar uma série de vicissitudes na mudança de domicílios, sem nada concretamente demonstrar a esse respeito, nomeadamente não demonstrando que, à data em que foram depositadas as cartas simples, não era domiciliada em qualquer desses locais.
Antes, o que ficou claro é que a executada/opoente teve pleno conhecimento de toda a correspondência recebida, até porque foi sempre a executada quem forneceu e declarou à ora exequente a mesma morada, como resulta da própria documentação entregue à exequente, que fundou o contrato que veio a motivar o procedimento injuntivo e que, por isso, dele também consta. Basta atender à cronologia dos factos e das notificações efetuadas para se concluir neste sentido.
Nestes termos, porque realmente foi devida, pessoal e corretamente notificada, nos termos conjugados das normas citadas, temos a concluir que não se verifica o fundamento alegado nem o circunstancialismo previsto no art.º 814.º, d), do CPC, e consequentemente decidimos pela improcedência da oposição».
Preceitua o artigo 2.º do DL 269/98 (diploma preambular do Regime dos Procedimentos destinados a exigir o Cumprimento de Obrigações Pecuniárias emergentes de Contratos de valor não superior a € 15.000)[2]:
«1 - Nos contratos reduzidos a escrito que sejam susceptíveis de desencadear os procedimentos a que se refere o artigo anterior podem as partes convencionar o local onde se consideram domiciliadas, para efeito de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio.
2 - A alteração do domicílio convencionado nos termos do número anterior está sujeita, com as necessárias adaptações, ao regime de oponibilidade do n.º 2 do artigo 237.º-A do Código de Processo Civil».
Dispõe o artigo 12.º-A do Anexo[3] (Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular):
«1 - Nos casos de domicílio convencionado, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do diploma preambular, a notificação do requerimento é efectuada mediante o envio de carta simples, dirigida ao notificando e endereçada para o domicílio ou sede convencionado.
2 - O funcionário judicial junta ao processo duplicado da notificação enviada.
3 - O distribuidor do serviço postal procede ao depósito da referida carta na caixa de correio do notificando e certifica a data e o local exacto em que a depositou, remetendo de imediato a certidão à secretaria.
4 - Não sendo possível o depósito da carta na caixa do correio do notificando, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, datando-a e remetendo-a de imediato à secretaria, excepto no caso de o depósito ser inviável em virtude das dimensões da carta, caso em que deixa um aviso nos termos do n.º 5 do artigo 236.º do Código de Processo Civil».
Finalmente, prescreve o n.º 2 do artigo 237.º-A do Código de Processo Civil: «Enquanto não se extinguirem as relações emergentes do contrato, é inoponível a quem na causa figure como autor qualquer alteração do domicílio convencionado, salvo se a contraparte o tiver notificado dessa alteração, mediante carta registada com aviso de recepção, em data anterior à propositura da acção ou nos 30 dias subsequentes à respectiva ocorrência, não produzindo efeito a citação que, apesar da notificação feita, tenha sido realizada no domicílio anterior em pessoa diversa do citando ou nos termos do nº 5».
Face ao regime legal especificamente aplicável, concretizado nas disposições que se transcreveram, sendo remetida a citação para a morada indicada no contrato, não tendo a citanda informado o outro contraente (requerente da injunção) de qualquer alteração da morada constante do contrato, não poderá opor-lhe a nulidade ou a ineficácia da citação com fundamento no facto de residir em local diferente.
No entanto, para que a citação se considere válida (apesar da devolução da carta remetida para o efeito), é absolutamente indispensável que tenha sido remetida para a morada constante do contrato.
Com efeito, o funcionamento do regime processual específico previsto nas disposições conjugadas do artigo 2.º do DL 269/98 (diploma preambular do Regime dos Procedimentos destinados a exigir o Cumprimento de Obrigações Pecuniárias emergentes de Contratos de valor não superior a € 15 000), do artigo 12.º-A do Anexo (Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular), e do n.º 2 do artigo 237.º-A do Código de Processo Civil pressupõe a correcta indicação do “domicílio convencionado” consignado no contrato.
Provou-se que a ora recorrente, aquando da celebração do contrato, indicou à ora recorrida como sua morada a Rua …, n.º …, …. …, não tendo alegado, sequer, que tenha efectuado qualquer comunicação à recorrida, sobre qualquer alteração posterior da morada indicada inicialmente.
A questão essencial que se suscita é a seguinte: a carta de citação terá sido remetida para o domicílio convencionado, ou seja, para aquele que consta do contrato?
Alega a recorrente na conclusão VII: «As cartas de notificação (Citação) enviadas através de correio simples com prova de depósito não foram remetidas para os endereços constantes das Bases de Dados, quer porque uma foi enviada para a freguesia …, do concelho de Valongo (quando já havia sido devolvida a carta registada com AR com a menção de “mudou–se”), quando deveria ter sido enviada para a freguesia …, do concelho de Gondomar, quer porque a outra foi remetida para o n.º …, 1.º Dt.º, quando deveria ter sido remetida para o n.º …, 2.º Dt.º.».
Vejamos.
Consta da proposta contratual (fls. 29), a seguinte morada: C…, Rua …, …, …. ….
Provou-se: [alínea E)], que a executada declarou à exequente que a sua morada se situava na Rua …, n.º …, …. …; [alínea F)], que foi entregue à exequente, pela executada, um comprovativo de morada, consistente no documento junto a fls. 30 dos autos [carta da G…, dirigida à recorrente], cujo teor se dá aqui por reproduzido, do qual constava aquela mesma morada: Rua …, n.º …, …. …; [alínea G)], que todas as facturas emitidas pela exequente, relativas ao serviço telefónico mencionado no documento de fls. 29, foram enviadas para a dita morada, não tendo sido devolvidas; [alínea H)], que por escrito enviado à exequente, datado de 15/09/2000, a ora opoente solicitou-lhe que fosse alterado o número de telefone fixo de que era titular, indicando como sua morada, para a concretização da alteração, a Rua …, n.º …, …. ….
Perante esta factualidade, considerando, nomeadamente, o facto de no âmbito da relação contratual a recorrida sempre ter remetido a correspondência (facturas e extractos) para a morada indicada [Rua …, n.º …, …. …], sem qualquer problema, nomeadamente de devolução do correio, não podemos deixar de manifestar a maior estranheza e perplexidade perante o facto de a recorrida ter indicado no requerimento de injunção uma morada diferente: “C…, Rua …, …, ….-… … – …”.
Veja-se o requerimento inicial de injunção e o facto provado B): «No âmbito do procedimento de injunção acima referido, pela Secretaria-Geral de Injunção foi remetida carta registada com aviso de receção, para notificação da aí requerida C…, datada de 09/05/2008, para a morada indicada nesse requerimento, que corresponde a Rua …, …, ….-… … – …, tendo a mesma sido devolvida com a menção de “mudou-se (nova morada desconhecida)”, a 29/05/2008».
Acontece que … é freguesia do concelho de Gondomar e … é freguesia do concelho de Valongo.
Em suma, sem que se perceba a razão, a recorrida não indicou no requerimento de injunção a morada correcta da recorrente, apesar de ter sempre utilizado essa morada na correspondência (fls. 33 e seguintes).
Vejamos agora se, na sequência da devolução da carta para citação, a recorrida corrigiu o erro manifesto.
No requerimento de 14.07.2011, a recorrida presta a seguinte informação ao Tribunal: «7 – Cumpre salientar que no âmbito do processo executivo, consta dos autos um recibo de vencimento, emitida da entidade patronal com data de Agosto 2009 com a morada: Avenida … … – 1 Dto, …, ….-… Maia, conforme recibo que se junta por cópia e cujo teor se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais como Documento N.º 1».
Analisando o recibo de retribuição da recorrente junto como documento n.º 1, constatamos que a morada que ali consta é outra: «C…, Avenida …, n.º … – 2.º Dto, …, ….-… Maia».
Entre a informação prestada e o documento em que se baseia, verificam-se as seguintes diferenças: i) o n.º de porta é diferente […/…]; ii) O n.º do andar é diferente [1.º Dto/2.º Dto]; o n.º do código postal é diferente [….-… / ….-…].
O que se torna difícil de entender é o facto de a recorrida, tendo na sua posse o recibo de retribuição da recorrente, ter indicado uma morada incorrecta, que não consta daquele título[4].
Provou-se, na sequência de mais este erro de identificação [alínea C)]: «De seguida, foram remetidas pela Secretaria-Geral de Injunção cartas para notificação, datadas de 13/07/2008, por via postal simples com prova de depósito, da requerida C…, para a mesma morada e para a Av. …, …, 1.º Dt.º, …, ….-… Maia, tendo as mesmas ficado depositadas, mediante certificação do funcionário dos CTT, respetivamente a 24/07/2008 e a 01/08/2008».
Ou seja, depois de o Balcão Nacional de Injunções ter remetido uma carta de citação para a morada incorrecta que a recorrida (ali requerente) lhe comunicou, voltou a remeter uma segunda carta para outra morada incorrecta, indicada pela recorrida.
Em suma, nenhuma das cartas foi remetida para a morada da recorrente, nem para o domicílio convencionado no contrato celebrado entre as partes, nem para o domicílio da recorrente já em momento posterior.
A recorrente veio a ser citada correctamente numa outra morada, mas já em sede de acção executiva [facto D)]: «A executada, ora opoente, foi citada no âmbito da acção executiva, através de carta registada com aviso de recepção, na morada da Rua …, …, 2.º Esq., ….-… Valongo, mostrando-se o referido aviso assinado pela própria, a 16/09/2010».
O que está em causa é a validade da citação no procedimento de injunção, tendo sido invocada a nulidade desse procedimento com base na alínea d) do n.º 1 do artigo 814.º do Código de Processo Civil.
Na sentença recorrida, a M.ª Juíza aborda a questão e conclui: «Nestes termos, porque realmente foi devida, pessoal e corretamente notificada, nos termos conjugados das normas citadas, temos a concluir que não se verifica o fundamento alegado nem o circunstancialismo previsto no art.º 814.º, d), do CPC, e consequentemente decidimos pela improcedência da oposição».
Com o devido respeito, não podemos subscrever a conclusão enunciada, dado que as cartas de citação, devido a sucessivos e incompreensíveis erros da recorrida, não foram remetidas, nem para o domicílio convencionado, nem para a morada posterior da recorrente.
Dispõe a norma citada: «1 - Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: […] d) Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo».
A recorrente não interveio no procedimento de injunção e, face à factualidade provada nos autos, revela-se incontornável a conclusão de que não foi validamente citada para o referido procedimento.
Decorre de todo o exposto a procedência do recurso e, em consequência, a oposição à execução.
Fica assim prejudicada a apreciação da questão da inconstitucionalidade suscitada no recurso.

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III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, ao qual concedem provimento, considerando que a executada (recorrente) não foi validamente citada para o procedimento de injunção de onde emergiu o título executivo, procedendo em consequência a oposição à referida execução, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 814.º do Código de Processo Civil, pelo que se declara extinta a instância executiva.
Custas do recurso pela apelada.
*
O presente acórdão compõe-se de vinte e quatro páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
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Porto, 10 de Março de 2014
Carlos Querido
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
________________
[1] Trata-se de acção instaurada após 1 de Janeiro de 2008, tendo sido o recurso distribuído neste tribunal após 1 de Setembro de 2013, pelo que, atento o disposto no n.º 1 do artigo 5.º e no n.º 1 do artigo 7º (a contrario), da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, é aplicável ao presente recurso; no que respeita às formalidades de preparação, instrução e julgamento, o regime emergente do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho; no que respeita aos pressupostos da sua admissibilidade, a lei vigente à data de interposição do recurso.
[2] Redacção do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.
[3] Redacção do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro.
[4] Veja-se que no articulado referido, a recorrida invoca uma nova morada (a segunda para onde foi remetida carta de citação), com fundamento num documento que junta e que não corresponde à morada indicada.