CONTRATO DE MANDATO
CONSTITUIÇÃO OBRIGATÓRIA DE ADVOGADO
RENÚNCIA AO MANDATO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
PLURALIDADE DE PARTES
Sumário

“I. A consequência da cessação do mandato, por renúncia do Mandatário, produzida nos termos do art. 47º do CPC, nas acções em que a constituição de Mandatário é obrigatória (art. 40º do CPC) é a suspensão da instância (al. a) do nº3 do art. 47º do CPC) e não a extinção de instância;
II. Tal situação de suspensão de instância poderá cessar:
a) Se o Mandante vier constituir novo Mandatário (art. 276º do CPC);
b) Se ocorrer uma situação de extinção de instância pelo decurso do prazo de deserção, sem que a falta de constituição de Mandatário seja sanada (art. 281º, nº1 do CPC);
c) Se qualquer uma das partes (e não oficiosamente o Tribunal), depois de decretada a suspensão da instância, vier a requerer, nos termos do nº 3 do art. 276º do CPC, na sequência da demora na constituição de novo Mandatário pela parte faltosa, que esta parte venha constituí-lo, com a cominação de que essa omissão terá os mesmos efeitos da falta de constituição inicial de mandatário, caso em que, então, se aplica o disposto no art. 41º do CPC (ou seja, a cominação da falta de constituição inicial de Mandatário: extinção de instância).
III. Tratando-se de uma acção em que existe pluralidade de partes, do lado activo, se na sequência dos anteriores termos processuais, vier a resultar a extinção da instância (por deserção da instância ou por aplicação do art. 41º do CPC) só, nessa altura, deverá ser ponderada se tal extinção de instância se deve estender aos demais Co-Autores, atenta a natureza do litisconsórcio activo existente nos autos.”

Texto Integral

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrente(s): - AA e marido BB;

Recorrido: Massa Insolvente de CC

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Nos presentes autos de Impugnação da Resolução em benefício da massa insolvente instaurados por AA e marido BB e DD contra Massa Insolvente de CC, veio a Exma. Mandatária dos AA., Dra. EE, por requerimento apresentado em 21.6.2016, “… nos termos e para os efeitos do art. 47º, do CPC, apresentar a sua Renúncia aos Mandatos que lhe foram conferidos”- fls. 271.
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Na sequência desse requerimento foi proferido um despacho, onde, além de se ter dado sem efeito a Audiência Final que já se mostrava designada, se determinou que os autos aguardassem o prazo a que alude o art. 47º, nº 3 do CPC ou a junção de nova procuração pelos AA.- fls. 273.
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Cumpridas as notificações e decorrido o aludido prazo, apenas os AA. AA e marido BB vieram constituir novo Mandatário juntando a procuração respectiva –fls. 275 e 276.
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Depois de diversas diligências realizadas com o objecto de apurar o paradeiro do Autor DD (que inicialmente não tinha sido notificado), foi lograda a notificação do mesmo, conforme decorre da certidão datada de 13 de Setembro de 2016, onde expressamente se menciona que se notifica o aludido Autor da renúncia ao mandato apresentada pela Exma. Mandatária e se especificam as legais cominações.
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Decorrido o prazo legal foi então proferido o seguinte despacho, datado de 31.10.2016:
“Em face do objecto deste processo, não haverá grandes dúvidas que os Autores se associaram legitimamente para demandar os Réus numa relação qualificável como de litisconsórcio necessário activo (art. 33º, do CPC).
Com efeito, além dos casos em que seja directamente imposto por lei ou por negócio jurídico, o litisconsórcio torna-se ainda necessário, sempre que, pela natureza da relação material controvertida, a intervenção de todos os interessados seja essencial para que a decisão produza o seu efeito útil normal (art. 28º, nº 2, 1ª parte, do Cód. Proc. Civil), como é o caso presente.
Ora, os presentes autos são de constituição obrigatória de advogado conforme resulta do preceituado nos artigos 40.º n.º 1 alínea a), e 629º, todos do Código de Processo Civil.
Dispõe o artigo 41.º do CPC que se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, fá-la-á notificar para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa.
Assim sendo, determino que se notifique o autor DD para, em 10 dias, constituir mandatário, sob pena de a ré ser absolvida da instância.”
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Notificado o Autor DD, este nada veio dizer aos autos.
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De seguida, o Tribunal de Primeira Instância proferiu a seguinte decisão (datada de 28.11.2016):
“Conforme já se afirmou no despacho que precede, os presentes autos são de constituição obrigatória de advogado conforme resulta do preceituado nos artigos 40.º n.º 1 alínea a), e 629º, todos do Código de Processo Civil.
Regularmente notificado, o autor DD não constituiu mandatário no prazo que lhe foi fixado.
Por conseguinte, ao abrigo do disposto no art. 41º, do CPC, decide-se absolver a ré da instância e, em consequência, julgo extinta a instância.
Custas pelos autores.
Registe e notifique.”
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É justamente desta decisão que os Recorrentes vieram interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“1 1. O Presente recurso tem por objecto saber se na pendência da acção de impugnação de resolução, a não constituição obrigatória de mandatário por parte de um dos autores implica, sem mais, a absolvição da Ré e consequente extinção da instância, ou se por outro lado implica a suspensão da instância ou então o prosseguimento dos autos quanto aos restantes Autores.
2. O presente recurso tem na sua base o entendimento que a decisão recorrida não traduz correctamente a solução adequada para a questão que se apresenta e discute.
3. Pois, considera o Meritíssimo Juiz que, uma vez regularmente citado o Autor, DD para constituir mandatário (porquanto os presentes autos são de constituição obrigatória de advogada, conforme artigos 40º nº 1 alínea a) e artigo 629º do CPC) após a renúncia do anterior mandatário e não o tendo feito no prazo que lhe foi fixado, decide absolver a ré da Instância e em consequência, julgar extinta a instância.
4. Deste modo cumpre salientar que a presente acção de impugnação de resolução tem como autores não só a AA e o Sr. Nacionalindo Luís de Oliveira Serrador, mas e também o Sr. DD.
DA NULIDADE – OMISSÃO DA NOTIFICAÇÃO AOS CO- AUTORES
5. Foi neste sentido notificado o Autor DD da obrigatoriedade de constituir mandatário.
6. O que não fez no prazo estipulado.
7. Julgando consequentemente o tribunal “a quo” absolvida a Ré da Instância e sequentemente extinta a instância.
8. Ora não podem os AA./ recorrentes Maria de Fátima e Nacionalindo discordarem mais de tal sentença, razão pela qual apresentam o presente recurso.
9. No entanto e desde já se inúmera a referida nulidade de falta de notificação dos co-Autores, no que tange aos doutos despachos a ordenar a constituição de mandatário e posterior concessão de prazos para o efeito.
10. Devendo os co-Autores ser devidamente notificados, para desse modo encetarem diligências no sentido de resolver a presente omissão.
11. A qual desde logo poderia ter sido solucionada,
12. Devendo o Tribunal atento o estado processual diligenciar no sentido de sanar a referida omissão, antes de julgar os RR. absolvidos da instância.
13. Nestes termos, nunca poderia ser julgada extinta a instância afectando definitivamente os interesses dos demais Autores.
14. Devendo pelo contrario ser julgada suspensa, ou então prosseguir quanto aos restantes AA, atento o litisconsorcio voluntário, como se logrará demonstrar.
DA SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
15. Deste modo cessado, nos termos do artº 47º do CPC, o mandato do advogado que representava os autores no processo, quer na génese dessa cessação tenha estado a renúncia, quer tenha estado a revogação operada pela parte, a consequência da falta de constituição tempestiva de novo mandatário é a da suspensão da instância.
16. Sendo porém desde logo espectável, salvo entendimento diverso, que a presente notificação da obrigatoriedade de constituição de mandatário ao A. DD também deveria ter sido comunicada aos demais AA. conforme já referido.
17. Ainda mais quando a presente omissão pode como aconteceu, terminar desde logo com o prosseguimento dos autos.
18. Absolvendo o Réu, e julgando extinta a instância – como sucedeu in casu.
19. No entanto, e não obstante a omissão de notificação dos demais AA., de salientar é ainda que a presente omissão por parte do A. DD não pode afectar e prejudicar a título definitivo o objecto e pretensão dos demais AA.
20. Devendo por isso ser suspensa a presente instância e não julgada extinta.
21. Neste caso o ajustado é a solução que a lei consagra no artº 47º do CPC, suspendendo-se a instância, se a falta for do Autor – o que deveria ter, salvo o devido respeito, acontecido in casu.
22. Ora, o que se passou no presente caso foi, precisamente, que um dos Autor, após tomar conhecimento da renúncia do mandato, não constituiu novo mandatário no prazo fixado, logrando, em consequência disso, que o Tribunal se decidisse pela absolvição dos RR da instância, nos termos do citado artº 41º, assim tendo conseguido que - malgrado já não poder dispor da relação processual sem a anuência da parte contrária - por sua exclusiva iniciativa e sem qualquer condicionante, o processo findasse sem decisão sobre o mérito.
23. O regime não pode ser este, que beneficia o infractor (da demora em constituir mandatário), sob a aparente capa de uma vitória processual dos RR.
24. É claro que há diferenças a considerar entre a renúncia por parte do mandatário e a revogação operada pelo mandante, no que concerne ao procedimento da respectiva notificação, bem assim como à ocasião a partir da qual o mandante deve constituir novo mandatário.
25. O que se visa com a solução consignada no nº 3 do artº 47º, do CPC, é, mantendo os actos validamente já praticados pelo advogado cujo mandato cessou por uma das causas previstas no artigo, não comprometer logo a finalidade de o processo dirimir a controvérsia substancial posta na demanda, não obstante a impossibilidade de o mandante praticar actos processuais sem ser por intermédio de advogado que o represente.
26. E as razões que estão subjacentes a essa solução expressamente consignada para a renúncia, que, acentue-se, é uma resposta da lei à falta de substituição, pela parte, do advogado cujo mandato assim cessou, são exactamente as mesmas que justificam a aplicação dessa mesma solução em caso da mesma falta ocorrer subsequentemente à cessação do mandato por revogação.
27. Assim, cessado, nos termos do artº 39º, o mandato do advogado que representava o Autor no processo, a consequência da falta de constituição tempestiva de novo mandatário é a da suspensão da instância.
28. Neste sentido já decidiu o Supremo Tribunal Administrativo (2ª Secção), no Acórdão de 12/07/2011 (Processo nº 0975/11),
DO LITISCONSÓRCIO VOLUNTÁRIO
29. Só a falta de constituição de advogado por parte do autor e a falta, insuficiência ou irregularidade de mandato judicial por parte do mandatário que propôs a acção, são qualificadas como excepção dilatória geradora da absolvição da instância – artºs 577º, alínea h), e 278º, nº1, alínea e) do CPC.
30. Significa isso, que a original falta de constituição de advogado, pelo autor ou pelo réu, se o faltoso, notificado para tal efeito, o não constituir em prazo certo, tem como consequência a absolvição da instância ou ficar sem efeito a defesa – artº 41º do CPC.
31. Consequência diferente já prevê a lei para o caso em que ocorre a revogação ou a renúncia ao mandato conferido pelo autor, no decurso do processo, e se este não constituir novo mandatário no prazo concedido, suspende-se a instância – artº 47º, nº 3 do CPC.
32. Porém e não obstante se entender que deveria ter sido julgada suspensa a presente instância atento os fundamentos supra invocados,
33. E ainda a necessidade de notificar os demais AA. dos doutos despachos para em cooperação e por interesse directo na lide diligenciarem convenientemente,
34. Cumpre desde logo esclarecer que, in casu, verifica-se o litisconsórcio voluntário.
35. Destarte todas estas situações traduzem um regime não linear e pouco claro na falta de patrocínio judiciário.
36. Neste sentido refere o Ac. RP de 24.01.2013, proc. nº 3128/07.2TVPRT-C.P1, disponível em www.dgsi.pt.
37. Tal mostra que, apesar de ser um pressuposto, a qualificação e os efeitos da falta de patrocínio judiciário obrigatório variam (…) E mais (…) para a falta de patrocínio judiciário em caso de obrigatoriedade, dada a diversidade de situações concretas, a consequência não ressalta da lei com a nitidez desejável, sendo necessário buscar a solução que, por melhor adequada ao caso, respeite o seu espírito e lhe confira harmonia.»
38. Ou seja, é necessário analisar e ponderar cada situação com vista a alcançar o regime mais adequado ao caso concreto, ponderando se estamos perante um litisconsórcio necessário ou voluntário, se a falta ocorre desde o início dos autos ou em plena marcha do processo, qual a causa, etc.
39. Assim e no caso de absolvição da instância no litisconsórcio voluntário com a recusa de um dos co-autores em constituir novo mandatário após a renúncia, em plena marcha do processo e depois de nele ter intervindo efectivamente, parece desajustada ao sentido e fins visados.
40. A propósito de uma situação qualificada como de litisconsórcio voluntário e que revogou a decisão de 1ª instância que o havia considerado necessário e, por alguns dos AA julgados habilitados não se apresentarem devidamente patrocinados, decretara a absolvição da instância, entendeu o Ac. da RC de 14.02.2012, relatado por Falcão de Magalhães, que não era caso de absolvição da instância mas sim de prosseguimento dos autos.
41. O litisconsórcio voluntário caracteriza-se pelo facto dos sujeitos da relação plural não terem que intervir em conjunto na acção, embora possam fazê-lo se quiserem e por isso ele gera apenas uma acumulação de acções e cada um actua com independência em relação aos outros - vide A. Varela, Manual Processo Civil 2ª ed. p. 162 e 164.
42. Também no nosso caso estamos perante um litisconsórcio voluntário, pois nada obrigava a que o direito de cada Autor fosse exercido em conjunto.
43. Em face disso, não faz sentido que o co-Autor interessado em prosseguir na demanda, depois das expectativas postas no litisconsórcio e do investimento voluntariamente feito na cooperação, veja, a meio da lide, paralisado e postergado todo esse esforço com uma suspensão da instância apenas causada pelo desinteresse e passividade do outro e, pior ainda, mesmo admitindo como possível o recurso, para tentar demovê-lo, ao mecanismo do artº 275º, nº 3 do CPC, sujeito a que ele persista e venha a ser confrontado com uma inelutável e prejudicial absolvição dos RR da instância, então por força da aplicação do artº 41º do CPC.
44. É verdade que não ficava impedido de propor nova acção sobre o mesmo objecto (artº 279º, nº1 do CPC), mas não vemos qualquer vantagem nessa solução mais formal e também o princípio da economia processual vertido no artigo 130º do CPC aconselha o prosseguimento dos autos.
45. Não se descortina motivo bastante para, à luz dos princípios dos artigos 6º, 7º, 411º e 547º, todos do CPC, não viabilizar o prosseguimento dos termos da causa, evitando os prejuízos referidos, sobretudo para o Autor que se mantém devidamente patrocinado, mas propiciando a apreciação na sentença, com possíveis efeitos de caso julgado, do direito do autor não patrocinado, e assim a resolução do litígio e a eficácia e credibilidade do sistema de justiça.
46. Afigura-se-nos por isso, ajustada e adequada a posição defendida pelos recorrentes, correspondente ao prosseguimento da acção com os intervenientes relativamente aos quais se verificavam todos os pressupostos processuais e se encontravam regularmente representados.
47. Desta feita a situação da desistência no litisconsórcio voluntário em que a co-parte não é afectada pela desistência do autor originário, porque assume ele o papel de verdadeiro autor, fazendo valer um direito próprio, paralelo embora ao daqueles (A sua posição processual é autónoma relativamente à do co-autor) e por isso, por maioria de razão não pode a co-parte ser afectada pela inacção do outro autor na constituição obrigatória de mandatário judicial.
48. Concluímos portanto que os presentes autos devem prosseguir.

Nestes termos requer v. Exa. se digne julgar procedente por provado o presente recurso ordenando a suspensão da instância com as devidas e legais consequências, e caso assim não entenda deverá desde logo ser julgado o prosseguimento dos presentes autos pelos restantes autores. “
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Foram apresentadas contra-alegações, onde a Massa Insolvente pugna pela improcedência do Recurso, apresentando as seguintes conclusões:
“1 – Em face do objecto deste processo é necessária a intervenção de todos os AA. para que a Decisão produza o seu efeito útil, pelo que se trata de uma situação de litisconsórcio necessário activo (cf. artigo 33º CPC).
2 – Sucedendo que atento o valor da causa, é obrigatória a constituição de Advogado, dado que é admissível recurso ordinário (cf. artigo 40º, nº 1, al. a) e 629º CPC).
3 – Verificando-se que DD foi devidamente notificado nos termos do artigo 41º do CPC para constituir mandatário no prazo de 10 dias, sob pena de absolvição da R. da Instância, sucedendo porém que não o fez, pelo que não merece a douta Decisão proferida qualquer reparo, nem censura.
4 – Verificando-se que nas alegações dos recorrentes não existe fundamentação que permita concluir em sentido diverso do constante dessa douta Decisão, pelo que devem ser julgadas improcedentes todas as alegações e respectivas conclusões apresentadas pelos recorrentes e, consequentemente, deverá a Decisão em causa ser integralmente mantida.”
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, os Recorrentes colocam as seguintes questões que importa apreciar:
- Saber se o Tribunal Recorrido cometeu a nulidade decorrente da falta de notificação dos co-Autores, aqui Recorrentes, no que tange aos despachos- que só foram notificados ao co-Autor DD- a ordenar a constituição de mandatário e posterior concessão de prazos para o efeito, para desse modo permitir aos Recorrentes encetarem diligências no sentido de resolver a constatada omissão.
- Saber se, cessado, nos termos do art. 39º do CPC, o mandato do advogado que representava o Co-Autor no processo, a consequência da falta de constituição tempestiva de novo mandatário é a suspensão da instância e não a extinção de instância, contrariamente ao entendimento da decisão aqui posta em crise;
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Subsidiariamente, ou seja, “caso assim não entenda” (que não seja caso de suspensão de instância) - como referem expressamente os Recorrentes:
-Saber se deverá ser julgado o prosseguimento dos presentes autos pelos restantes autores, por se tratar de uma situação de litisconsórcio voluntário.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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Como factualidade relevante interessa aqui ponderar apenas os trâmites processuais já atrás consignados no relatório do presente Acórdão e o teor das decisões proferidas que já se transcreveram na íntegra atrás, e que aqui se dão novamente por reproduzidas para todos os efeitos legais.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como supra se referiu, começam os Recorrentes por levantar uma questão relativa ao eventual cometimento por parte do Tribunal Recorrido de uma nulidade, alegando que os despachos- que só foram notificados ao Co-Autor DD- a ordenar a constituição de mandatário e posterior concessão de prazos para o efeito, deveriam ter sido notificados aos demais AA. / aqui Recorrentes, para desse modo permitir que estes encetassem diligências no sentido de resolver a constatada omissão de constituição de novo Mandatário por aquele.
Cumpre decidir.
Como se vê do relatório elaborado, os Recorrentes invocam a existência de uma nulidade processual
As nulidades processuais derivam de actos ou omissões que foram praticados antes de ser proferida sentença, traduzindo-se em desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar acto proibido, quer por se omitir um acto prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Tais nulidades, constituindo anomalia do processo, devem ser suscitadas e conhecidas no Tribunal onde ocorreram e, discordando-se do despacho que as conhecer, poderá ele ser impugnado através de recurso- o que, desde logo, não sucedeu no caso concreto.
De qualquer forma, indo directamente à questão, importa dizer que o legislador nos preceitos legais em aplicação não prevê que os despachos aqui questionados tenham que ser notificados às demais partes (e nomeadamente, aos aqui co-autores/Recorrentes).
Na verdade, importa aqui distinguir duas fases no âmbito do preceituado no art. 47º do CPC.
Uma primeira fase em que a renúncia ou revogação do Mandato, tem que ser notificada, “… tanto ao Mandatário ou ao Mandante, como à parte contrária….” (nº 1 do art. 47º do CPC).
E uma segunda fase em que o legislador só se dirige ao Mandante que não tenha constituído novo Mandatário (nºs 2 e 3 do art. 47º do CPC).
Ora, no caso concreto, os Recorrentes/co-Autores, como decorre do Relatório elaborado, logo constituíram novo Mandatário, pelo que, a partir desse momento, incumbiria à parte faltosa (ao Co-Autor DD) a sanação da falta de constituição de Mandatário.
Nessa medida, é de uma forma justificada que o legislador não impõe a notificação das demais partes dos despachos que sejam proferidos no processo no sentido de que a parte venha regularizar a instância quanto ao Mandatário cuja constituição seja obrigatória- art. 40º do CPC.
Na verdade, estas notificações têm finalidades diferentes.
A notificação às demais partes tem uma “função informativa”, enquanto as notificações ao Mandatário e ao Mandante têm uma “função extintiva” do mandado como acto exterior que aperfeiçoa o acto jurídico de revogação ou renúncia1.
Trata-se, aliás, de um acto (a constituição de novo Mandatário) que só pode ser praticado pela própria parte, pelo que, destinando-se aquelas notificações a promover a aludida regularização processual, apenas a parte que não constituiu novo Mandatário é que tem que ser notificada para o efeito (art. 47º, nº 2 e 3 do CPC).
Nesta conformidade, julga-se que não foi cometida a nulidade processual arguida pelos Recorrentes2.
Pelo exposto, sem necessidade de mais alongadas considerações, improcede, esta parte, do Recurso.
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Entremos agora na segunda questão que é colocada pelos Recorrentes.
Ou seja, a questão de saber qual a consequência da não constituição de novo Mandatário por parte de um dos Co-Autores na sequência da renúncia de Mandato, por parte do Exmo. Mandatário inicialmente constituído, operada no decurso do processo.
No caso concreto, ninguém questiona que estamos perante uma acção em que é obrigatória a constituição de Mandatário (art. 40º do CPC).
Entendeu o Tribunal Recorrido que nestas acções a consequência da não constituição de novo Mandatário, numa situação de renúncia ao Mandato, era a extinção de instância “ao abrigo do disposto no art. 41º, do CPC”.
Entendem os Recorrentes que essa consequência é antes a suspensão da Instância, “atento o disposto no art. 47, nº 3, al. a) do CPC”.
Cumpre decidir.
Liminarmente, julga-se que os Recorrentes têm razão.
Na verdade, decorre expressamente da al. a) do nº 3 do art. 47º do CPC que “… se a parte depois de notificada da renúncia, não constituir novo Mandatário no prazo de vinte dias: al. a) suspende-se a instância, se a falta for do Autor… “.
Nessa medida, não podem existir dúvidas que a consequência da não constituição de novo Mandatário era, no caso concreto, a suspensão de instância, e não a extinção da instância ao abrigo do art. 41º do CPC3.
Com efeito, como se refere no ac. da RC de 14.2.20124 “…a aplicação do disposto no artº 33º (actual, art. 41º do CPC), implicando sanções graves, mas proporcionados ao caso em que a parte litigou “ab initio” sem constituir mandatário, não se adequa, em princípio, quer pela regularidade dos actos praticados pelo mandatário da parte, quer pela gravidade daquelas sanções, à hipótese em que esta, tendo constituído mandatário judicial que praticou em seu nome os actos processuais necessários, a dado momento deixa de estar em juízo assim representada, designadamente, por não ter constituído novo advogado tempestivamente, após ter cessado, por renúncia, o mandato daquele que até então a patrocinava. Neste caso o ajustado é a solução que a lei consagra no artº 39º (actual, art. 47º) do CPC, suspendendo-se a instância, se a falta for do Autor, ou seguindo o processo os seus termos, se a falta for do Réu, com aproveitamento dos actos anteriormente praticados pelo seu advogado…”.
Ora, não há dúvidas, a nosso ver, que assim seja, embora, como diremos mais à frente, o art. 41º do CPC, invocado pelo Tribunal Recorrido, nestas situações de falta de constituição (não inicial) de Mandatário, possa vir a tornar-se operativo, a requerimento das partes, por aplicação directa ou analógica (identidade de razões), do disposto no art. 276º, nº 3 do CPC.
Com efeito, o legislador, quanto aos efeitos da não constituição de novo Mandatário, na sequência de situações em que o Exmo. Mandatário inicialmente constituído renuncie, de uma forma efectiva (com produção de efeitos), ao mandato, durante o processo, estabelece expressamente que tais efeitos são a suspensão da instância (citada al. a) do nº 3 do art. 47º do CPC) - e não a extinção de instância que só se mostra prevista para a falta de constituição inicial de Mandatário5.
Assim, como refere Lebre de Freitas6, “… neste caso (quando decorra o prazo concedido para constituir novo Mandatário e a parte não o constitua), deixando a parte de ter Mandatário, dá-se a suspensão da instância se faltar advogado ao autor…”.
Nessa medida, o Tribunal Recorrido, constatando, na sequência do silêncio do Co-Autor à notificação que lhe foi devidamente efectuada, que este não constituiu novo Mandatário, deveria ter decretado a suspensão da instância, e não a extinção da instância, já que o art. 41º do CPC não é aqui aplicável imediatamente.
Não há dúvidas, assim, que os Recorrentes têm razão.
A questão que se poderá colocar, em seguida, é a de saber o que sucede depois de ser decretada a suspensão de instância determinada pelo legislador na citada al a) do nº 3 do art. 47º do CPC.
Ora, a nosso ver, aqui podem surgir várias situações:
- a primeira das quais é, obviamente, o Mandante vir constituir novo Mandatário, fazendo cessar a suspensão de instância (art. 276º do CPC);
- a segunda, pode ser a extinção de instância pelo decurso do prazo de deserção (art. 281º, nº1 do CPC)7; o que ocorre se as partes, depois de decretada a suspensão de instância, não lograrem fazer cessar aquela situação (constituindo a parte em falta, como se disse, novo Mandatário) dentro do aludido prazo;
- a terceira, ocorre, se qualquer um das partes (e não oficiosamente o Tribunal), depois de decretada a suspensão da instância, vier a requerer, nos termos do nº 3 do art. 276º do CPC8, na sequência da demora na constituição de novo Mandatário pela parte faltosa, que esta parte venha constituir novo Mandatário, com a cominação de que essa omissão tem os mesmos efeitos da falta de constituição inicial de mandatário, caso em que, então, se aplica o disposto no art. 41º do CPC (ou seja, a cominação da falta de constituição inicial de Mandatário: extinção de instância).
Aqui chegados, pode-se concluir, sem necessidade de mais alongadas considerações, que a decisão aqui posta em crise não se pode manter, devendo ser substituída por outra que determine a suspensão da instância nos termos da al a) do nº 3 do art. 47º do CPC, seguindo-se depois os ulteriores termos, conforme explanado9.
Evidentemente que, nestes termos que se seguirão à decisão de suspensão de instância, e quanto aos efeitos processuais a retirar, em caso de se vir a verificar uma situação de extinção de instância, deverá depois ser ponderada a situação de litisconsórcio activo existente nos presentes autos, não podendo o presente Tribunal pronunciar-se sobre essa questão, uma vez que os Recorrentes apenas colocam essa questão, em termos subsidiários, para o caso de se entender que não deve ser decretada a suspensão de instância, e, como se viu, essa sua pretensão foi julgada procedente.
Nessa medida, e independentemente do Tribunal não se poder pronunciar, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC), sempre se dirá que, se na sequência da procedência do pedido principal dos Recorrentes (e da suspensão de instância decretada), e dos ulteriores termos processuais, vier a resultar a extinção da instância (por deserção da instância ou por aplicação do art. 41º do CPC que, como se disse, só terá aplicação a requerimento das partes- arts. 276, nº 3 do CPC) deverá, só nessa altura, ser ponderada se tal extinção de instância se deve estender aos demais Co-Autores, atenta a natureza do litisconsórcio activo existente nos autos.
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Pelo exposto, considera-se que os Recorrentes têm razão no Recurso que interpuseram e, nessa medida, conclui-se que a decisão aqui posta em crise não se pode manter, devendo ser substituída por outra que determine a suspensão da instância nos termos da al a) do nº 3 do art. 47º do CPC, seguindo-se, após, os ulteriores termos processuais adequados ao prosseguimento da acção.

III-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
-o Recurso interposto pelos /Recorrentes procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que determine a suspensão da instância nos termos da al a) do nº 3 do art. 47º do CPC.
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Custas pela Recorrida (art. 527º do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 16 de Março de 2017


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(Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha)

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(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)

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(Dra. Elisabete de Jesus Santos de Oliveira Valente)




1. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in CPC anotado, vol. I, pág. 101.
2. Solução diferente poderia verificar-se, se o vício - que tivesse sido arguido pelos Recorrentes- fosse antes o não cumprimento do princípio do contraditório – art. 3º do CPC- antes do proferimento da decisão que veio a decretar a extinção total da instância, mas trata-se de questão que os Recorrentes não chegam a levantar)
3. Como é sabido, a não constituição inicial de Mandatário pelo Autor, em casos em que é obrigatória essa constituição ( art. 40º do CPC), constitui um pressuposto processual que dá lugar à absolvição de instância- arts. 41º, 278º, al. c), 577º, al h) todos do CPC- Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in CPC anotado, vol. I, pág. 94; no mesmo sentido, v. o ac. da RC de 6.12.2011 (relator: Beça Pereira), in Dgsi.pt onde se refere que: “A excepção dilatória prevista no artigo 494º h) CPC só ocorre quando a parte se apresenta em juízo sem estar devidamente patrocinada por um advogado; quando intervém inicialmente no processo com mandatário constituído e, só mais tarde, ou por renúncia ou por revogação do mandato, passa a estar desacompanhada de causídico, a questão já é, então, resolvida segundo o regime estabelecido no artigo 39.º CPC.”;
4. (relator: Falcão Magalhães), in dgsi.pt.
5. V. além do já citado ac. da RC de 14.2.2012 (relator: Falcão Magalhães), os acs. da RE de 21.3.2013 (relator: Elisabete Valente- que aqui intervém como Juíza Desembargadora Adjunta), e da RP de 24.1.2013 (relator: José Amaral), in dgsi.pt
6. In CPC anotado, vol. I, pág. 101
7. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in CPC anotado, vol. I, pág. 102;
8. No mesmo sentido, v. o ac. da RC de 14.2.2012 já citado onde se conclui que este preceito legal é“…aplicável a todas as situações em que a instância esteja suspensa a aguardar que a parte constitua novo advogado,…” e (mais à frente) “esta absolvição da instância não resulta, automaticamente, como se viu, da falta de constituição de novo advogado, logo após produzir efeitos a cessação do mandato conferido pelo autor àquele que o patrocinava nos autos, mas sim da demora nessa constituição após a suspensão da instância e dependendo de requerimento a fixar prazo para o efeito, já que, como se infere do que acima se disse, o procedimento do artº 284, nº 3, não pode ser desencadeado oficiosamente”. Na Doutrina, por todos, Prof. Alberto dos Reis, escrevendo a propósito da disposição do CPC de 39, equivalente ao actual 276 º nº 3 (artº § 2º do artº 289º), adverte da impossibilidade de, ao contrário daquilo que sucede ao abrigo do art. 41º do CPC, o juiz poder ordenar oficiosamente a notificação prevista no preceito: «Atente-se, porém, em que o § 2. do artigo 289.º faz depender de requerimento da parte a notificação e tanto o artigo 33.º como a alínea e) do artigo 499.º dizem respeito a situação completamente diferente daquela que estamos considerando. Aqui trata-se de reagir contra a negligência da parte; a instância está suspensa, porque a parte se demora a constituir novo advogado; procura-se exercer pressão sobre a parte negligente para que ela se apresse a passar procuração a outro advogado. No caso do artigo 33.º e do § 2.º do artigo 499º trata-se de pôr cobro a uma ilegalidade, de corrigir uma falta que se cometeu. Os articulados não deviam ter sido recebidos; foram-no indevidamente; o processo chegou ao despacho saneador, porque não se deu cumprimento à lei processual; pretende-se remediar o erro praticado; compreende-se, pois, que se atribuísse ao juiz o poder de intervir oficiosamente.”.
9. Neste sentido, v. o ac. da RC de 14.2.2012 (relator: Falcão Magalhães), in dgsi; Embora em geral se concorde com a argumentação desenvolvida no ac. da RP de 24.1.2013 (relator: José Amaral), in dgsi.pt, não se segue, pois, aqui a conclusão aí afirmada de que …em caso de litisconsórcio voluntário activo, já na fase de julgamento, (se) um dos co-autores, apesar de notificado nos termos do art.º 39.º, n.º 3, do CPC, da renúncia do seu mandatário forense, não constituir novo advogado, os autos devem prosseguir, não havendo lugar a suspensão nem a absolvição da instância.”- julga-se, conforme decorre do exposto, que a suspensão de instância se impõe imperativamente, só depois se devendo ponderar a pluralidade das partes, caso o processo evolua para uma situação de extinção de instância.