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PRESCRIÇÃO DA PENA
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
PENA DE MULTA
Sumário
I – A prisão subsidiária configura um meio coercivo de cumprimento da pena de multa em que o arguido foi condenado – não uma pena de substituição. II – Assim, o prazo de prescrição da pena começa a correr no dia em que transitou em julgado a decisão que aplicou a pena de multa, sendo irrelevante, para esse efeito, o dia em que transitou em julgado o despacho que converteu a pena de multa em pena de prisão subsidiária.
Texto Integral
Recurso 191/08.2GNPRT-B.P1
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
Nos autos de processo sumário antes referidos, do 1º Juízo Criminal de Paredes, o arguido B…, solteiro, carpinteiro, nascido a 21/02/1980, natural da freguesia …, concelho de Paredes, filho de C…, com residência na Rua …, n.º …, freguesia …, Paredes, foi condenado na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €5, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs l e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, porque, no dia 23 de Abril de 2008, pelas 02 horas e 39 minutos, na …, cidade e comarca de Paredes, o arguido conduzia, na via pública, o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-ER-.., de sua propriedade, não sendo titular de carta de condução ou de qualquer outro documento com força legal equivalente que o autorize a conduzir quaisquer veículos motorizados na via pública.
A sentença, lavrada em 23 de Abril de 2008 e depositada em 28 de Abril de 2008, não foi objecto de recurso e, por isso, transitou.
Em 12 de Maio de 2008, o arguido requereu “Se digne admitir o pagamento da multa de 300.00€ a que foi condenado em três prestações de 100.00€ cada a iniciar logo após o deferimento do requerido, vencendo-se mensal e sucessivamente”.
Por despacho de 25 de Junho de 2008, o Sr. Juiz autorizou “ao abrigo do disposto no artigo 47°, n.º 3, do Código Penal, o arguido, a proceder ao pagamento da multa que lhe foi aqui aplicada nestes autos em 3 (três) prestações mensais e sucessivas, de igual montante”.
Em 22 de Maio de 2009 o Sr. Juiz lavrou o despacho de fls. 85 dos autos:
“Pelo despacho de fls. 52-53 foi o arguido autorizado a proceder ao pagamento da pena de multa que aqui lhe foi aplicada em prestações.
Uma vez, porém, que não efectuou, integral e tempestivamente, o pagamento dessas mesmas prestações, nem apresentou para tal omissão qualquer motivo juridicamente atendível, declaro agora, nos termos do disposto no artigo 47º, n.º 5, do Código Penal, as prestações por ele ainda em dívida, vencidas”.
O arguido não pagou a multa e, por despacho de 20 de Outubro de 2010, foi a multa convertida em 40 dias de prisão subsidiária.
Emitidos os competentes mandados, o arguido não foi preso e, por isso, não cumpriu a pena de prisão resultante da conversão da multa.
Em 31 de Maio de 2013, o Digno Magistrado do MP lavrou a promoção de fls. 176:
“Nos presentes autos, por decisão transitada em julgado em 03/06/2008 foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 60 dias de multa, cfr. fls. 31 e 46.
Por despacho de 25/06/2008 foi autorizado ao arguido o pagamento da pena de multa em três prestações mensais, iguais e sucessivas, cfr. fls. 53.
Foi instaurada execução com vista a obter-se o pagamento da pena de multa e das custas, conforme resulta do apenso A, que foi arquivada face ao desconhecimento da existência de bens penhoráveis.
Por decisão datada de 20710/2010 foi determinado o cumprimento pelo arguido de 40 dias de prisão, nos termos do disposto no art.º 49.º, n.º 1 do C.P., por não ser possível o cumprimento voluntário ou coercivo da pena de multa, não se tendo logrado notificar o arguido da mesma.
Nos termos do disposto no art.º 122.º n.º 1 alínea a) a pena de multa prescreve no prazo de 4 anos.
Assim, promove-se que se declare prescrita a pena de multa em que o arguido foi condenado”.
Sobre tal promoção recaiu o despacho recorrido:
“Por decisão proferida em 23 de Abril de 2008 e transitada em julgado em 19 de Maio de 2008, foi o arguido B… condenado como autor material de um crime de condução de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º, n.º l e 2 do D.L. 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €5.
O condenado não procedeu ao pagamento da pena multa em que foi condenado e por despacho proferido em 20 de Setembro de 2010 foi esta convertida em 40 (quarenta) dias de prisão subsidiária.
Apesar das sucessivas diligências efectuadas com vista à respectiva notificação não se mostra o arguido notificado do referido despacho.
Em vista, o Ministério Público promove se declare prescrita a pena aplicada, decorridos que se mostram mais de 4 (quatro) anos sobre a data do trânsito da sentença proferida.
Em conformidade com o disposto no art. 122º, n.º l, al. d), do C. Penal, prescrevem em quatro anos as penas inferiores a dois anos, incluindo as penas de multa.
Não tendo ocorrido entretanto quaisquer causas de interrupção e apenas de suspensão da prescrição (o período de dilação para pagamento da multa que mediam entre a emissão da respectiva guia 25 de Setembro de 2008 e a omissão de pagamento logo da 1ª prestação - 14 de Outubro de 2008), importa aferir se apesar do despacho que determinou a substituição da pena de multa, por prisão subsidiária, o prazo de prescrição da pena se mostra ultrapassado.
No caso em apreço, estando em causa uma pena de 60 dias de multa é inequívoco ser o respectivo prazo de prescrição de quatro anos.
De solução já não evidente é a questão de saber qual a influência da conversão da pena de multa em prisão subsidiária na prescrição da pena e qual o momento a considerar para o respectivo cômputo.
Não tendo sido logrado obter qualquer estudo doutrinário sobre a temática em causa, importa ter presente o que das explanações doutrinárias dispersas disponíveis resulta em correlação com o que decorre da sistemática legal.
Dispõe o art. 49º do C. Penal que «se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercitivamente, é cumprida prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante no n.º l do artigo 41º».
A propósito da natureza da prisão subsidiária. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, p. 146 e ss., define a prisão subsidiária a cumprir em vez da multa não satisfeita, como prisão sucedânea, sanção penal de constrangimento conducente à realização do efeito preferido da multa (neste sentido também Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Notas Complementares para a cadeira de Direito e processo penal da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. 2006-2007. p. 36), mas em todo o caso segundo o mesmo autor (ob. cit., nota 88) sufragando a doutrina alemã, sanção penal, uma verdadeira pena.
A prisão subsidiária analisada à luz da Lei Penal e Processual Penal, apesar da diferença dogmática que mantém relativamente à pena de prisão como pena principal privativa da liberdade, tem em rigor o mesmo conteúdo material - a privação da liberdade de um cidadão, resultante de uma sanção derivada de uma condenação criminal - que não se revela em sede de exequibilidade subvertido pela circunstância de em qualquer momento aquele que é privado da liberdade em consequência da falta de pagamento de pena de multa poder pagá-la, extinguindo-se concomitantemente a prisão.
Por outro lado, a prisão subsidiária logo que executada tem de ser liquidada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 477° do C. P. Penal. A mesma pena pode ser suspensa ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 49º do C. Penal e pode até integrar a realização de cúmulo jurídico de penas (neste sentido Figueiredo Dias ob. cit., p. 290 e Acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Dezembro de 2009, relatado por Mouraz Lopes, publicado indgsi.pt).
E esta caracterização da prisão subsidiária, como verdadeira pena (e não mera forma de execução - cariz este que o legislador expressamente atribui ao pagamento voluntário ou coercivo da multa), não permitindo configurá-la como pena de substituição em sentido formal, confere-lhe inequívoca autonomia em relação à pena de multa à qual sucedeu - em sentido contrário, a título exemplificativo, Acórdão da Relação de Évora de 20 de Outubro de 2010, in dgsi.
Ora, nos termos do art. 122º, n.º 2 do C. Penal, o prazo de prescrição das penas inicia-se no dia do trânsito em julgado da decisão que tiver aplicado a pena. Esta decisão não se confunde com a decisão condenatória, como expressamente resulta da posição do Conselheiro José Osório acolhida pela comissão revisora do Código Penal e que aprovou a versão até hoje intocada e constante do citado n.º 2 do art. 122º, então art. 113º (cfr. Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, acta da 33a Sessão do dia 4 de Maio de 1964, edição da A.A.F.D.L., p. 237.), assente na pertinente justificação de que a menção a «decisão condenatória» deixaria de fora os casos de substituição.
Isto posto, impõe-se então concluir que sendo a pena de prisão subsidiária uma verdadeira pena, constituindo o despacho que determinou o seu cumprimento uma verdadeira decisão que a aplica, só após o respectivo trânsito se pode iniciar o respectivo prazo de prescrição. No caso em apreço, não ainda o arguido sido notificado do sobredito despacho a pena de prisão subsidiária aplicada ainda não prescreveu.
Termos em que não se considerando ter ocorrido a prescrição da pena aplicada, se indefere o doutamente promovido”.
Não conformado, o Digno Magistrado do MP interpôs recurso e, da respectiva motivação, extraiu as seguintes conclusões:
1. Por decisão proferida em 23 de Abril de 2008 e transitada em julgado em 19 de Maio de 2008 foi o arguido B… condenado como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2, do D.L. n.º 2/98, de 03 de janeiro, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária, de 5,00€.
2. Ao arguido foi deferido o pagamento da pena de multa em 3 prestações mensais e sucessivas, não tendo efectuado, desde logo, o pagamento da primeira prestação emitida em 25/09/2088 cujo termo de pagamento ocorreu em 14/10/2008.
3. Foi instaurada execução pelo Ministério Publico, em 03/07/2009 com vista a obter-se o pagamento coercivo da pena de multa e custas em dívida, vindo a mesma a ser arquivada condicionalmente, face ao desconhecimento da existência de bens pertencentes ao arguido, não se logrando assim obter o pagamento da quantia em dívida da pena de multa.
4. A multa não paga foi convertida em 40 dias de prisão subsidiária, por despacho proferido em 20 de Setembro de 2010.
5. Apesar das tentativas efectuadas para o efeito, o arguido não foi ainda notificado desse despacho.
6. O Ministério Público em 21/06/2013 promoveu que se declarasse prescrita a pena de multa em que o arguido foi condenado.
7. A M.ª Juíza indeferiu o promovido pelo Ministério Publico por entender que a pena de prisão subsidiária aplicada que tem autonomia relativamente à pena de multa à qual sucedeu, cujo despacho ainda não foi notificado ao arguido, não prescreveu.
8. A prisão subsidiária não é, nem em sentido formal, uma pena de substituição.
9. E visa conferir consistência e eficácia à pena de multa.
10. Ainda que a pena de multa seja convertida em prisão subsidiária, aquela não perde autonomia e «desaparece».
11. Tanto assim é que o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado, nos termos do disposto no artigo 49º, n.º 2, do Código Penal.
12. O arguido apenas foi condenado numa pena, pena de multa.
13. Não podendo, assim, considerar-se como entendeu o Tribunal que só após o respectivo trânsito do despacho que converteu a pena de multa em 40 dias de prisão subsidiária se pode iniciar o prazo de prescrição.
14. Nos autos, foi o arguido condenado numa pena de 60 dias de multa.
15. De acordo com o disposto no artigo 122º n.º 1 alínea d) do Código Penal o prazo de prescrição da pena é de 4 anos.
16. Esse prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que a aplicou, conforme decorre do n.º 2 desse mesmo artigo, o que ocorreu em 19 de Maio de 2008.
17. E ao prazo de contagem da prescrição aplica-se o disposto art.º 279º do Código Civil, por remissão do artigo 296º do mesmo Código.
18. Não tendo ocorrido qualquer causa de interrupção e apenas de suspensão da prescrição (período de dilação para pagamento da pena de multa entre a emissão da respectiva guia para pagamento em 25 de Setembro de 2008 e a omissão de pagamento logo da primeira prestação cujo termino para pagamento ocorreu em 14 de Outubro de 2008), nos termos do disposto no artigo 122º, n.º 1 alínea d) do Código Penal, a pena de multa aplicada ao arguido nos autos tem de se considerar necessariamente prescrita em 08 de Junho de 2012 (quatro anos acrescidos dos dias da suspensão).
19. E por maioria de razão, estaria prescrita em 21/06/2013, data em que o Ministério Publico, promoveu que se declarasse prescrita a pena de multa em que o arguido foi condenado.
20. Ao assim não entender, o Tribunal violou o disposto nos artigos 40º, n.ºs 1 e 2, 70º, 122º, n.º 1 alínea d), todos do Código Penal.
Não houve resposta.
Nesta Relação, o Ex.mo PGA emite douto parecer no sentido de que o recurso deve proceder.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
A única questão do presente recurso é a de saber se a pena de multa em que foi condenado o arguido está prescrita por haver decorrido o prazo prescricional acrescido do prazo da suspensão da prescrição ou se, pelo facto de ter sido convertida em prisão subsidiária, começa a correr novo prazo prescricional.
DECIDINDO
A solução passa por se apurar se a prisão subsidiária configura uma pena de substituição ou se, antes, é apenas um meio coercivo de cumprimento da pena de multa em que o arguido foi condenado.
Como se vê das posições expressas nos autos, ambas ancoradas na doutrina, não é de fácil resolução a questão em causa.
Crê-se, no entanto, que a mesma está facilitada após a prolação do Acórdão Uniformizador 12/2013[1], a cuja doutrina se adere.
Lê-se no referido Acórdão:
“Enunciada a evolução legislativa que a matéria em apreço concita, pondere-se que embora as penas previstas no CP sejam passíveis de vários critérios distintivos, o mais comum é o que distingue entre penas principais e acessórias, sendo aquelas reduzidas à pena de prisão e às pecuniárias ou de multa (art.ºs 41º e 47.º, isto quanto às pessoas singulares), e multa e dissolução, com referência às pessoas colectivas (art.º 90.º-A). As penas principais são as directamente aplicáveis, as únicas que podem por si sós constar das normas incriminatórias, as que são expressa e individualizadamente previstas para sancionamento dos tipos de crimes; conexamente com estas desenham-se as penas substitutivas, substituindo, como o nome indica, as principais, cominadas em lugar daquelas, tanto na aplicação judicial, como previsto no art.º 43.º do CP, para a substituição da prisão por multa e 48.º, do CP, quanto à substituição da pena de multa, como ainda na execução da pena de prisão, nestas se incluindo o regime de permanência na habitação (art.º 44.º, do CP), a prisão por dias livres (art.º 45.º, do CP), o regime de semidetenção (art.º 46.º, do CP), a suspensão da execução da pena (art.º 50.º, do CP) e a suspensão com regime de prova (art.º 53.º, do CP) - cfr. Direito Penal Português, III, pág.85, Prof. Germano Marques da Silva. A aptidão reconhecida para tais penas poderem substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas, radica no movimento político-criminal de luta contra a aplicação das penas de prisão de curta duração, a partir do final do séc. XIX, dos escritos de Boneville de Marsangy (em 1864) em França e von Lizt na Alemanha, em 1889. Não são penas acessórias porque estas arrancam de um enquadramento histórico e teleológico que nada tem a ver com as penas de substituição, como porque só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal, cuja eficácia revigoram, coisa bem diferente das penas de substituição, aplicadas e executadas em vez de uma pena principal, que não o são «strito sensu», porque o legislador as não previu nos descritivos do tipo legal. A pena de prisão em alternativa ou sucedânea da multa não paga, não é, seguimos ainda o eminente penalista Prof. Figueiredo Dias, op. cit., § 181, uma pena substitutiva pois não participa da filosofia inspiradora do movimento contra a pena de prisão, e sobretudo contra as penas curtas, a não ser muito remotamente e no sentido de que evita a pena de prisão, por conversão, além de que não é aplicada «em vez» da pena principal, deixando entrever, antes, a natureza de uma mera sanção (penal) de constrangimento, em vista de conferir-se consistência e eficácia à pena de multa. (…) A pena de multa principal, seja ela concebida como pena autónoma ou alternativa à de prisão, «a forma por excelência de previsão da pena pecuniária» ou ainda por via complementar, é pensada em termos estruturalmente pecuniários, em números de dias, com um quantitativo pecuniário diário, entre limites máximos e mínimos, suficientemente afastados entre si, sem deixar de assegurar ao condenado um «nível existencial mínimo», nas palavras de Figueiredo Dias, op. cit., pág., 119, mas ainda representativa de uma censura suficiente do facto e, ao mesmo tempo, uma garantia de validade e eficácia para a comunidade da norma violada, relevando de uma concepção político-criminal distinta da pena de multa de substituição. A consagração de uma pena de prisão sucedânea, em alternativa de 2/3, em caso de multa não paga, é «tão pouco desejável como irrenunciável: sem ela seria a própria pena de multa a sofrer irreparavelmente, enquanto instrumento de actuação preferido da política criminal», sobretudo quando se atribui um âmbito de aplicação tão vasto como o conferido no nosso direito penal, lê-se em Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, §553, do Prof. Figueiredo Dias. E para o alcance do pragmatismo imprescindível da multa principal é indispensável que não se lhe associe uma forma disfarçada de absolvição ou o «Ersatz» (substituição) de uma dispensa ou isenção de pena que se «não tem coragem» de assumir, escreve, ali, aquele penalista eminente. Daí que do seu incumprimento e em coerência sistémica resultem, na prática, consequências jurídicas diferenciadas, estabelecidas na lei penal, que não seria correcto parificá-las, atenta a sua diferente natureza, não se identificando de um ponto de vista dogmático e político-criminal.(…)
Em conclusão, e fazendo uso das palavras do acórdão:
A pena de prisão subsidiária da pena de multa não é uma pena substitutiva, mas antes de uma mera sanção (penal) de constrangimento, em vista de conferir-se consistência e eficácia à pena de multa.
Já assim havia anteriormente decidido o STJ[3]: “Ora, no caso sub judice, a pena aplicada foi uma pena de multa. Apesar de posteriormente convertida em pena de prisão subsidiária reduzida a dois terços, nos termos do disposto no art. 49.º, n.º 1 do CP, tal pena conserva a sua natureza originária de pena de multa, mesmo que tendo sido, como foi, executada, em conformidade com o estatuído no n.º 3 do mesmo normativo”.
Como já assim havia decidido a Relação de Évora no seu Ac. de 20/11/2009[5], em cujo sumário se lê: “A prisão subsidiária da pena de multa, a que se refere o artigo 49.º do Código Penal, não configura uma pena de substituição, visando antes conferir consistência e eficácia à pena de multa e, nessa precisa medida, evitar a prisão”.
Como supra dissemos, subscrevemos na íntegra a transcrita posição jurisprudencial, que se nos afigura irrefutável.
Destarte, tem razão o Ilustre Magistrado Recorrente.
Na verdade, tratando-se, como se trata, a pena de substituição de sanção penal de coação ao pagamento da multa, o prazo prescricional, segundo o disposto no n.º 2 do art.º 122º do C. Penal, “começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena”.
Porque tal prazo, que in casu é de 4 anos, já decorreu, mesmo acrescido do prazo de suspensão da prescrição, o que de todo em todo é pacificamente aceite nos autos, importa declarar prescrita a pena de multa em que o arguido foi condenado ficando, lógica e sequencialmente, sem efeito o despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária até porque, à data da sua prolação, estava já prescrita a pena.
DECISÃO
Termos em que, na procedência do recurso do MP, se declara prescrita a pena de multa em que nos presentes autos foi condenado o arguido B….
Sem tributação.
Porto, 9-04-2014
Francisco Marcolino
Élia São Pedro
______________
[1] Ac. do STJ de 18/09/2013, publicado na I série do DR de 16/10/2013
[2] Realce nosso
[3] Ac de 10/01/2013, processo 218/06.2PEPDL.L3.S1, in www.dgsi.pt
[4] Realce nosso
[5] Ac da RE de 20/11/2009, processo 65/03.3PBBJA.E1, in www.dgsi.pt