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RESOLUÇÃO
CONTRATO DE FINANCIAMENTO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário
I – Tendo a apelante resolvido o contrato de financiamento que celebrou com os apelados não tem direito a haver deles ainda uma indemnização pelo interesse contratual positivo, ou seja, pelos lucros cessantes que teve em virtude do contrato não ter sido cumprido, e exigir-lhes, além do mais, o montante das prestações contratuais vencidas e não pagas, como integradoras dessa indemnização. II – Ponderando os interesse em jogo à luz do princípio da boa fé, designadamente o equilíbrio contratual, não se vê qualquer circunstância excepcional que imponha a subsistência do contrato após a sua resolução, e que legitime a indemnização correspondente ao interesse contratual positivo.
Texto Integral
Apelação Processo n.º 311/12.2 TBCNF-B.P1 Tribunal Judicial de Cinfães – secção única Recorrente – B…, SA Recorridos – C… e D…
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Maria do Carmo Domingues
Desemb. José Bernardino de Carvalho
Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)
I – Por apenso à acção executiva comum para pagamento de quantia certa que a B…, SA., com sede em Lisboa, intentou no Tribunal Judicial de Cinfães contra C… e D…, vieram estes deduzir oposição à execução, pedindo a sua absolvição do pedido executivo, declarando-se extinta a execução com as demais consequências legais, assim como a condenação da exequente como litigante de má-fé em multa e indemnização a favor dos executados, em montante nunca inferior a €3.500,00.
Para tanto, alegaram, em síntese, que, com a resolução do contrato celebrado entre as partes, se extinguiu a relação contratual, e ao servir-se da livrança emitida para a garantia de cumprimento do contrato de crédito, entretanto resolvido, a exequente está a litigar de má-fé, tanto mais que a exequente já recebeu dos executados valor superior ao que havia sido acordado pelo contrato celebrado. Os executados alegam que a exequente deu à execução uma livrança depois de decorridos três anos sobre a data de vencimento do título; concluindo que, se nos termos do disposto no art.º 70.º da LULL todas as acções relativas a livranças prescrevem no prazo de três anos, a dívida exequenda se encontrava prescrita.
Finalmente alegam ainda que a exequente preencheu abusivamente a livrança dada à execução.
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A exequente devidamente notificada veio contestar, impugnando o alegado pelos opoentes, terminando pedindo que a oposição à execução seja julgada improcedente, por não provada e, em consequência, a execução prossiga com todas as consequências legais.
Por fim a exequente peticiona ainda que os executados sejam condenados como litigantes de má-fé, no pagamento de uma indemnização no valor de €3.500,00.
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Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se conheceu da invocada inexequibilidade do título executivo, julgando-se improcedente a excepção invocada, e dispensou-se a selecção da matéria de facto e a elaboração da base instrutória.
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Realizou-se o julgamento da matéria de facto, após o que foi proferida a respectiva decisão sem censura das partes.
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Por fim proferiu-se sentença que “julgou totalmente procedente, por totalmente provada, a presente oposição, deduzida pelos executados, C… e D…, contra a exequente B…, SA e, em consequência, julgou extinta a instância executiva. Mais decidiu: a) Decidiu absolver a exequente do pedido de condenação de litigância de má-fé, formulado pelos executados; b) Decidiu absolver os executados do pedido de condenação de litigância de má-fé, formulado pela exequente”.
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Inconformada com tal decisão dela veio a exequente interpor recurso de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue validamente preenchida a livrança dada à execução, porque conforme com a convenção de preenchimento e em consequência ser julgada totalmente improcedente a oposição deduzida pelos executados.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e prolixas conclusões:
1. A Meritíssima Juiz a quo julgou totalmente procedente a oposição à execução, fundamentando a sua decisão com a denominada doutrina clássica que resume o direito de indemnização pela resolução contratual ao interesse contratual negativo, cujos efeitos se equiparam aos previstos para a nulidade ou anulação contratual.
2. Salvo o respeito devido, considera a exequente/apelante que mal andou o Tribunal a quo, não só porque se distancia da recente jurisprudência nacional e do direito comparado, defensores da cumulabilidade da resolução contratual com a indemnização pelo interesse contratual positivo, mas também porque propugna um incorrecto entendimento sobre a referida doutrina clássica.
3. Sobre a factualidade sub juditio incide já a força do caso julgado no que à resolução contratual e à comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais constantes das “condições gerais” do contrato de crédito n.º 572157 concerne (acórdão proferido por este d. Tribunal da Relação do Porto com referência ao processo n.º311/12.2TBCNF do Tribunal Judicial de Cinfães).
4. A exequente/apelante procedeu à resolução contratual baseada nas estipulações contratuais vazadas no contrato de crédito n.º 572157, mormente no previsto na cláusula 7.ª, al. b) das suas condições gerais.
5. Uma vez efectuada a interpelação admonitória para regularização das prestações vencidas e não pagas, considerou a exequente antecipadamente vencidas todas as prestações emergentes do contrato, operando a resolução contratual por incumprimento definitivo.
6. E accionou a livrança subscrita em garantia do bom cumprimento do contrato, preenchendo-a pelo valor correspondente às prestações vencidas e não pagas, portes bancários e respectivos juros de mora, prestações de seguro vencidas e não pagas e respectivos juros de mora, acrescido das prestações antecipadamente vencidas pelo incumprimento definitivo do contrato, das despesas de contencioso e do selo da livrança.
7. O que efectuou em conformidade com a convenção de preenchimento convencionalmente fixada na cláusula 10.ª das condições gerais do contrato sub judice.
8. Ora, nos termos da sentença recorrida, a livrança foi mal preenchida, na medida em que, com a resolução contratual operada pela exequente, apenas é cumulável a indemnização pelo interesse contratual negativo.
9. De acordo com o respeitoso entendimento da M.ª Juiz a quo, a resolução contratual tem os efeitos da anulação: as partes devem ser repristinadas à situação em que estariam caso o contrato não tivesse sido celebrado.
10. No cálculo do quantum indemnizatório considerou a M.ª Juiz a quo as seguintes fracções: prestações vencidas e não pagas no montante de Eur: 3.147,32€; venda da viatura automóvel financiada por Eur: 7.200,00€; despesas de devolução de cheques e juros de mora no montante de Eur: 129,19€; despesas de contencioso no montante de Eur: 1.350,00€; selo da livrança no montante de Eur: 145,26€; despesas administrativas de contencioso no montante de Eur: 837,98€.
11. E conclui que o valor da venda da viatura (Eur: 7.200,00€) permitiu a satisfação da verba correspondente às prestações vencidas e não pagas (Eur: 3.147,32€) e das verbas correspondentes às despesas (Eur: 129,29€ + Eur:1.350,00€ + Eur: 145,26€ + 837,98€), nada mais é devido à exequente!
12. Com o que, respeitosa mas veementemente, se discorda in totum!
Com efeito e por um lado,
13. Além da lei, as próprias estipulações contratuais constituem fonte de obrigações.
14. Ao abrigo da liberdade contratual positivada no art.º 405.º do C. Civ., foi expressamente convencionado o direito da exequente em considerar antecipadamente vencidas as prestações vincendas, por efeito do incumprimento definitivo e consequente resolução contratual.
15. A previsão da "liquidação contratual" em caso de incumprimento definitivo, consta expressamente da al. b) da cláusula 7.ª das condições gerais do contrato.
16. Assim contratualmente fixada a indemnização (vencimento antecipado das demais prestações vincendas), usou a exequente da faculdade de cumulação da resolução contratual com o direito à indemnização, nos termos ressalvados pelo n.º 2 do art.º 801.º e n.º 1 do art.º 802.º, ambos do C. Civ.
17. Tal cláusula contratual está também investida da força de caso julgado, como tal assente para os presentes efeitos.
18. Pelo que, válida e eficazmente foi a livrança preenchida pelo valor correspondente às prestações vencidas e não pagas, juros de mora, prestações antecipadamente vencidas por efeitos do incumprimento definitivo, despesas administrativas e de contencioso e selo da livrança.
Mas se assim não se considerar, sempre se dirá:
19. A Meritíssima Juiz a quo fundamentou a sua decisão com a doutrina clássica que defende que a resolução contratual é apenas cumulável com a indemnização pelo interesse contratual negativo.
20. Como foi doutamente enunciado no Acórdão do Supremo Tribunal Justiça datado de 21.10.2010, proferido in processo 1285/07.7TJVNF.P1.S1, em que foi relator Barreto Nunes., o entendimento sobre os efeitos indemnizatórios da resolução contratual foi sofrendo mutações ao longo dos tempos, quer na doutrina quer na jurisprudência.
21. Depois de Vaz Serra propugnar a cumulabilidade da resolução contratual com a indemnização pelo interesse contratual positivo, foi-se instalando nas vozes da doutrina e nas sentenças dos tribunais entendimento diverso.
22. Até que, a partir de 2008/2009 começou a verificar-se um retorno às origens, motivado também pela experiência do direito comparado (o direito francês, alemão, italiano, austríaco, suíço e o direito dos países da Common Law).
23. Sendo esse o entendimento plasmado na Convenção de Viena sobre Contratos de Venda Internacional de Mercadorias (arts. 45.º, 49.º e 74º), nos Princípios Unidroit sobre Contratos Comerciais Internacionais (art.ºs 7.3.5, n.º 2, e 7.4.2) e nos Princípios de Direito Europeu dos Contratos (art.ºs 9.305, n.º 1 e 9.502), na defesa pelo desenvolvimento do comércio jurídico.
24. No quadrante nacional, assume marco capital a dissertação de doutoramento em ciências jurídico-civilisticas de Paulo Mota Pinto, intitulada de 'Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo', Vols. I e II, Coimbra Editora, Dezembro de 2008.
25. Paulo Mota Pinto vem então defender a cumulabilidade entre a resolução e a indemnização (calculada nos termos do método da diferença).
26. Conforme explana Paulo Mota Pinto (ob. cit., vol. II, pág. 1648), a resolução contratual e o direito de indemnização procuram satisfazer dois quadrantes distintos: "o primeiro, com origem no sinalagma das prestações, permitindo a restituição do prestado; o segundo com fins ressarcitórios, conduzindo ao ressarcimento dos prejuízos (sendo que existe, evidentemente, interferência do primeiro no segundo por com o cumprimento das obrigações de restituição ficar reduzido o dano)" - in Ob. cit, pág.1648.
27. Assim, a "resolução possibilita ao credor afastar as consequências, no plano qualitativo, do inadimplemento, obtendo a restituição da sua contraprestação, sem, porém, pôr o credor perante a alternativa de ter de renunciar ao lucro cessante do contrato – sendo certo, aliás, que as referidas dimensões (o lucro económico do contrato e o interesse na prestação que lhe era devida em espécie) não estavam colocadas em alternativa no programa do contrato não cumprido, antes este proporcionava às partes a satisfação simultânea de ambas (e que é apenas por causa do não cumprimento que tal satisfação é impossibilitada)" - in Ob. cit, pág. 1649.
28. No seguimento da doutrina dissertada pelo Insigne Prof. Paulo Mota Pinto, recentemente trazida à colação nas decisões do Supremo Tribunal de Justiça, entende a exequente que, pela resolução do contratual n.º ……, deverá ser reconhecida a correcção no preenchimento da livrança dada à execução.
29. Nesse conspecto, deverá ser reconhecido à exequente, não só o valor correspondente ao remanescente da quantia mutuada, mas também a diferença consistente no montante que expectava receber não fora o incumprimento definitivo do contrato.
30. Ou seja, no direito de indemnização da exequente, deverá considerar-se incluído o quantum correspondente ao lucro cessante.
31. O que se defende sob a égide da tese do Insigne Paulo Mota Pinto: o credor que tenha sofrido um lucro cessante pode incluir no cômputo da indemnização tal perda, nos termos gerais dos art.ºs 562.º e ss. do C. Civ. (in Ob. cit., pág. 1657).
32. O que também coincide com o entendimento de Almeida e Costa, quando esclarece que, nos termos do disposto no art.º 564.º, n.º 1 do C. Civ., os danos emergentes (incluídos na indemnização) traduzem-se na perda ou na diminuição de valores já existentes no património do lesado, e que os lucros cessantes consistem nos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, acréscimo patrimonial frustrado – in 'Direito das Obrigações', Almedina, 9.ª edição, pág. 546.
33. A fórmula para calcular o quantum indemnizatório decorre dos art.ºs 562.º ("quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação") e n.º 1 do 564.º do C. Civ. ("o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão").
34. Aqui, o evento que despoleta a obrigação de indemnização consiste no incumprimento definitivo, sendo que, caso não tivesse ocorrido o incumprimento definitivo, a exequente receberia, da parte dos executados/apelados, o total de Eur: 40.368,30€.
35. Donde inexistir obstáculo jurídico algum a que no preenchimento quantitativo da livrança se inclua, a título de indemnização pelo interesse positivo, a remuneração correspondente à quantia mutuada.
36. A exequente disponibilizou aos executados/opoentes Eur: 22.940,00€, expectando vir a receber um total de Eur: 40.368,30 €, aqui aditados os encargos administrativos e financeiros com a operação de financiamento, mas também a remuneração da própria quantia mutuada.
37. Pois que, porque se trata de um mútuo oneroso liquidável em prestações, nos termos positivados no art.º 1147.º do C. Civ., constitui obrigação do mutuário a restituição da coisa mutuada com a retribuição do mútuo acordada, repartida por tantas fracções (v.g., prestações) quantas as partes acordarem, como tal definidas ab initio.
38. Tanto mais que, para poder financiar os proponentes mutuários (aqui executados/apelados), teve a própria mutuante (aqui exequente) que se vincular externamente perante terceiros, pedindo também crédito (art.º 514.º do C.P.C., na redacção aplicável).
39. Donde o próprio legislador prever, expressamente, que, no mútuo oneroso, o mutuário terá de pagar os juros por inteiro, caso queira antecipar o cumprimento (art.º 1147.º do C. Civ.).
Destarte, lançando mão da sobredita teoria da diferença, e volvendo à concretude da situação sub juditio,
40. A diferença correspondente à quantia mutuada (Eur: 22.940,00€) e ao montante devido pela remuneração dessa mesma quantia (Eur: 40.368,30€) consubstanciará o lucro cessante.
41. Sendo que, esse lucro cessante, computado em Eur: 17.428,30€, é abrangido pelo interesse contratual positivo passível de indemnização em resultado da resolução contratual.
42. À exequente deve, pois, ser reconhecido o direito a ser integrada nos lucros cessantes, correspondentes a Eur: 17.428,30€, sem prejuízo dos juros de mora à taxa legal de 4% e da dedução a operar por efeitos da venda do veículo automóvel.
Deste modo,
43. Em face do incumprimento definitivo e da resolução contratual, o preenchimento quantitativo da livrança compreenderá sempre a restituição da quantia mutuada que ainda não foi restituída, respectivos juros de mora e despesas conexas, acrescida da indemnização/remuneração respeitante à quantia que ainda não foi restituída e que, nos termos contratados, constitui benefício legitimamente expectável por parte do mutuante (aqui, a Exequente).
Sumulamente:
44. Salvo douto entendimento em sentido diverso, mal andou o Tribunal a quo, na medida em que: primus, não define com correcção o que integra o interesse contratual negativo, obnubilando a quantia já disponibilizada e cuja restituição sempre seria devida ao abrigo da doutrina clássica; secundus, não atende à indemnização contratualmente fixada para a hipótese de incumprimento definitivo, consistente no vencimento antecipado das prestações vincendas, como tal devidas com a resolução contratual; tertius, afasta-se do entendimento jurisprudencial maioritário, nos termos da qual a resolução contratual admite a indemnização pelo interesse contratual positivo, aqui incluídos os lucros cessantes, correspondentes ao benefício que o lesado deixou de obter com o incumprimento definitivo e que, aqui, corresponderia à diferença entre a quantia mutuada e que a quantia que se expectava receber caso não se tivesse verificado o incumprimento definitivo.
45. Ao considerar que a repristinação da exequente ao statu quo ante consiste no mero reembolso das prestações vencidas e não pagas, acrescido das despesas havidas com a resolução, num total de Eur: 5.609,75€, quando o valor mutuado ascendeu a Eur: 22.940,00€ e o valor total do financiamento e encargos foi de Eur: 40.368,30€, nem o denominado interesse contratual negativo salvaguardou!
Pelo que,
46. A sentença recorrida viola os art.ºs 405.º, 562.º e 564.º, todos do Código Civil.
47. A procedência do presente recurso é, pois, manifesta.
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Os apelados juntaram aos autos as suas contra-alegações onde pugnam pela confirmação da decisão recorrida.
II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos: A) Corre termos, por apenso, acção executiva para pagamento de quantia certa, com o valor de €25.532,89 (vinte e cinco mil, quinhentos e trinta e dois euros e oitenta e nove cêntimos), proposta no dia 27 de Setembro de 2012 pela exequente contra os executados; execução essa fundada em “Livrança”, tendo sido alegado no respectivo requerimento executivo que: “- A exequente é dona e legítima portadora de uma Livrança, no valor de Eur: 29.051,32€, emitida em 09.09.2009 e com vencimento em 30.09.2009 (cfr. doc.1). - Contrato de crédito 572157, celebrado entre as partes a 02 de Agosto de 2006. - Deixaram os ora executados de cumprir com as obrigações que sobre si impendiam, nomeadamente o pagamento das rendas mensais acordadas. - O título não foi integralmente pago na data do seu vencimento, nem posteriormente, não obstante as diligências efectuadas nesse sentido pela Exequente. - Apenas foi efectuado um pagamento parcial posterior, aos 01.02.2010, no montante de Eur: 6.362,02€. - As livranças, mesmo prescritas, são títulos executivos nos termos do artigo 46.º, alínea c), do Código de Processo Civil, porquanto são “documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”. B) A livrança referida em A) foi entregue para garantia do contrato de crédito n.º 572157, celebrado entre os executados e a exequente, em 2 de Agosto de 2006, sendo que, em conformidade com o aí acordado: o «Montante do Crédito» foi de €22.940,00 (vinte e dois mil, novecentos e quarenta euros) e o «Total do Financiamento» foi de €40.368,30 (quarenta mil, trezentos e sessenta e oito euros e trinta cêntimos). C) Os executados deram de «Entrada Inicial», nos termos acordados, a quantia de €3.560,00 (três mil, quinhentos e sessenta euros). D) De entre as 84 prestações acordadas, os executados efectuaram o pagamento de 25 prestações, no montante de €477,27 (quatrocentos e setenta e sete euros e vinte e sete cêntimos) cada uma, num total de €11.931,75 (onze mil, novecentos e trinta e um euros e setenta e cinco cêntimos). E) Em 2 de Setembro de 2009, a exequente instaurou procedimento cautelar com vista à apreensão do veículo objecto do contrato referido em B), que correu termos sob o processo n.º32/10.2TBCNF-A deste Tribunal, sendo que a viatura veio a ser efectivamente apreendida. F) O contrato referido em B) foi declarado judicialmente resolvido, por acórdão transitado em julgado proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 13.09.2012. G) Aquando da celebração do contrato para aquisição da viatura, o vendedor transmitiu aos executados que, para ser facilitado o negócio, convinha que estes assinassem a livrança que é dada à presente execução, que ficaria na posse da exequente. H) A livrança estava por preencher, nela não constando qualquer valor, data de emissão ou vencimento ou quaisquer outros dizeres. I) Os executados confiaram que a livrança seria um documento que iria facilitar o negócio, mas que não os vincularia em quaisquer outras obrigações para além daquelas que acordaram com a exequente. J) Aquando da celebração do contrato para aquisição da viatura, não foi indicada qualquer data de emissão ou vencimento. K) A livrança foi preenchida após ter sido assinada pelos executados em branco e já depois do contrato ter sido resolvido pela Exequente. L) Aos executados foram comunicadas e informadas as cláusulas contratuais constantes do contrato referido em B). M) A exequente procedeu ao preenchimento da livrança com os seguintes valores: - Prestações vencidas e não pagas: €3.147,32; - Portes e juros de mora: €8,14; - Prestações de seguro vencidas e não pagas e juros de mora: €57,38; - Despesas de devolução de cheques e juros de mora: €129,19; - Prestações vencidas antecipadamente pelo incumprimento do contrato: €25.571,99; - Despesas de contencioso: €1.350,00; - Selo da livrança: €145,26; - Dedução de pagamento parcial efectuado pelos executados: €1.357,96. N) A exequente comunicou aos executados o preenchimento da livrança através de carta datada de 09.09.2009. O) A livrança dada à execução foi preenchida em conformidade com a «Convenção de Preenchimento» do contrato referido em B), aí constando que: «10.ª- Convenção de Preenchimento: O cliente e, se aplicável, o(s) respectivo(s) Avalista(s) autoriza(m) a B… a preencher, caso exista, qualquer livrança ou outro documento ou garantia por si subscrito/avalizado e não integralmente preenchido, designadamente no que se refere à data de vencimento, no local de pagamento e aos valores até ao limite das responsabilidades assumidas pelo(s) Cliente(s)/Avalista(s) perante a B… por força do presente contrato, em dívida na data do vencimento, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem dos títulos. A B… apenas poderá preencher o título de crédito referido na presente cláusula desde que se verifique o incumprimento definitivo do Cliente.». P) Em 01.02.2010, ocorreu a venda da viatura pelo valor de €7.200,00 (sete mil e duzentos euros) em leilão da especialidade tendo sido esta a melhor proposta apresentada para o efeito. Q) Ao valor da viatura foram deduzidas as despesas de reboque e armazenamento da viatura, bem como as despesas administrativas de contencioso, num total de €837,98 (oitocentos e trinta e sete euros e noventa e oito cêntimos).
III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do N.C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Sendo que ao presente recurso já é aplicável o regime processual no NCPC, por a decisão em crise ter sido proferida depois de 1 de Setembro de 2013.
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Ora, visto o teor das alegações da apelante são questões a decidir nos autos:
1.ª- Da resolução do contrato e suas consequências.
2.ª – Do preenchimento da livrança dada á execução.
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A apelante/exequente deu à execução nos autos de que estes são um apenso uma livrança no valor de €29.051,32, e como consta do requerimento executivo, aí alegou que essa livrança lhe foi entregue pelos executados, ora apelados, para garantia do contrato de crédito n.º572157, celebrado a 2.08.2006, no montante de €22.940,00, sendo que o total do financiamento foi de€40.368,30.
O referido financiamento destinou-se à aquisição de uma viatura automóvel pelos ora apelados, e aquando da celebração do contrato, os apelados deram uma “Entrada Inicial”, nos termos acordados, de €3.560,00, ficando de liquidar o restante financiamento em 84 prestações mensais, no montante de €477,27, cada uma. Nessa mesma ocasião os apelados entregaram à apelante/exequente uma livrança, por si assinada, mas em branco, ou seja, dela nada mais constava do que as suas assinaturas.
Do contrato de financiamento em referência consta, como cláusula 10.ª, - “Convenção de Preenchimento” o seguinte:
“O cliente e, se aplicável, o(s) respectivo(s) Avalista(s) autoriza(m) a B… a preencher, caso exista, qualquer livrança ou outro documento ou garantia por si subscrito/avalizado e não integralmente preenchido, designadamente no que se refere à data de vencimento, no local de pagamento e aos valores até ao limite das responsabilidades assumidas pelo(s) Cliente(s)/Avalista(s) perante a B… por força do presente contrato, em dívida na data do vencimento, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem dos títulos. A B… apenas poderá preencher o título de crédito referido na presente cláusula desde que se verifique o incumprimento definitivo do Cliente.”.
Ora, os apelados apenas efectuaram o pagamento de 25 prestações, num montante total de €11.931,75.
No âmbito do procedimento cautelar com vista à apreensão do veículo objecto do contrato, instaurado pela ora apelante em 2.09.2009, o mesmo veio a ser efectivamente apreendido e entregue àquela. Consequentemente, em 1.02.2010, a referida viatura foi vendida pelo valor de €7.200,00, ao qual têm de ser deduzidas as despesas de reboque e armazenamento do veículo, bem como as despesas administrativas de contencioso, num total de €837,98.
Por acórdão desta Relação de 13.09.2012, o referido contrato de financiamento foi declarado judicialmente resolvido, como era vontade da ora apelante.
Posteriormente, a apelante/exequente veio a preencher a livrança acima referida, nela apondo como datas de emissão e de vencimento, respectivamente, 9.09.2009 e 30.09.2009, e como valor €29.051,32, correspondente à soma de:
- prestações vencidas e não pagas - €3.147,32;
- portes e juros de mora - €8,14;
- prestações de seguro vencidas e não pagas e juros de mora - €57,38;
- despesas de devolução de cheques e juros de mora - €129,19;
- prestações vencidas antecipadamente pelo incumprimento do contrato - €25.571,99;
- despesas de contencioso - €1.350,00;
- selo da livrança - €145,26;
- dedução de pagamento parcial efectuado pelos executados - €1.357,96.
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1.ªquestão-Da resolução do contrato e suas consequências.
Diz a apelante que no caso, perante a falta de pagamento sucessiva das prestações que se iam vencendo, procedeu à interpelação admonitória dos executados/apelados para procederam à regularização dos valores vencidos e em dívida, dentro de prazo razoavelmente fixado, sob pena de se considerar como definitivamente incumprido o contrato, operando-se dessa forma a resolução contratual, com as consequências legal e contratualmente fixadas. Designadamente, considerar-se-iam antecipadamente vencidas todas as prestações emergentes do contrato e proceder-se-ia ao accionamento de todas as garantias convencionadas.
Não tendo os executados regularizado a dívida, o contrato foi válida e eficazmente resolvido, pelo que ficaram os executados/apelados devedores do valor correspondente às prestações vendidas e não pagas, portes bancários e respectivos juros de mora, prestações de seguro vencidas e não pagas e respectivos juros de mora, acrescido das prestações antecipadamente vencidas pelo incumprimento definitivo do contrato, das despesas de contencioso e do selo da livrança. E foi nessa medida que a livrança dada á execução foi preenchida.
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A sentença recorrida decidiu julgar a presente oposição à execução totalmente procedente, tendo para o efeito consignado que: “No caso em apreço, não vemos qualquer circunstância excepcional que imponha a subsistência contratual, mesmo após a sua resolução, nem a indemnização correspondente ao interesse contratual positivo.
De facto, as prestações em falta são superiores às que foram pagas, não podendo a Exequente exigir mais do que as despesas relacionadas com a devolução de cheques e respectivos juros de mora (€129,19), as despesas de contencioso (€1.350,00) e o selo da livrança (€145,26), despesas administrativas de contencioso (€837,98), e respectivos juros de mora.
Note-se que, porém, que tais despesas se encontram pagas pelo valor da venda do veículo em causa nestes autos (€7.500,00), e o mesmo se diga relativamente à contraprestação que a Exequente teria direito a receber, a Exequente alegou e provou que as prestações vencidas e não pagas pelos Executados, e respectivos juros de mora, se cifram em €3.147,32 (três mil, cento e quarenta e sete euros e trinta e dois cêntimos). O produto da venda é suficiente para cobrir aquelas despesas e este último valor.
Nada mais tem, a Exequente, a receber dos Executados”.
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Vejamos.
Como se sabe, a resolução do contrato, que consiste na extinção, retroactiva, da relação contratual por declaração unilateral de um dos contraentes, e é permitida quer pela lei, quer pelo contrato, se tal for estipulado. A resolução pode realizar-se por acordo, através de declaração à contraparte, ou judicialmente. Sendo que a resolução terá de ser feita judicialmente sempre que a declaração de resolução não seja aceite pela outra parte, estando condicionada a uma situação de inadimplência, onde o fundamento legal mais comum é o incumprimento contratual da outra parte, cfr. art.º 801.º n.º 2 do C.Civil.
No dizer de Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol, II, pág. 238, aresolução do contrato “consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado”
Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidadeou anulabilidade do negócio jurídico, cfr. art.º 433.º do C.Civil. Sendo que segundo Castro Mendes, in “Teoria Geral do Direito Civil”, II, pág 440 “a nulidade impede a produção de efeitos e a anulação faz cessar a produção de efeitos jurídicos”.
A nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, cfr. art.º 289.º, n.º1, do C.Civil. A resolução, geralmente, também tem efeito retroactivo, mas nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas,excepto se entre estas e a causa de resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas, cfr. art.º 434.º, n.ºs 1 e 2 do C.Civil.
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Alega a apelante que no caso dos autos, operada a resolução do contrato de financiamento que celebrou com os executados/apelados e porque contratualmente - al. b) da cláusula 7.ª das condições gerais do contrato - estava estabelecido o seu direito a considerar antecipadamente vencidas todas as prestações emergentes do contrato – ou seja, a fixação contratual de uma indemnização – cumulou o seu direito de resolução contratual com o direito à indemnização, nos termos do n.º 2 do art. 801º e n.º 1 do art. 802º, ambos do C.Civil.
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E assim vem a exequente/apelante peticionar o pagamento de uma indemnização a que se arroga com direito, correspondente, além do mais, ao montante de todas as prestações contratualmente previstas e não pagas.
Ora, segundo o Prof. Almeida Costa, in ”Direito das Obrigações”, pág. 548“A indemnização pelo dano positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido. Reconduz-se, assim, aos prejuízos que decorrem do não cumprimento definitivo do contrato ou do seu cumprimento tardio ou defeituoso. Ao passo que a indemnização do dano negativo tende a repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato, ou mesmo iniciadas as negociações com vista à respectiva conclusão”.
Conclui-se assim que a exequente peticiona uma indemnização pelo dano positivo que diz ter sofrido em consequência do incumprimento dos executados/apelados e não obstante ter, entretanto, resolvido o contrato.
Em princípio, tendo a exequente optado pela resolução do contratoque implica a destruição da relação contratual, a exequente não teria direito a indemnização pelo dano positivo ou respeitante ao interesse contratual positivo.
Tal decorre da denominada posição clássica, para a qual a resolução implica a destruição da relação contratual, embora a nossa lei a preveja, no que respeita aos efeitos, cfr. art.º 432.º e segs. do C.Civil, mitigada, pelo que em caso de cumulação da indemnização com a resolução, os danos a ressarcirsão os inerentes ao interesse contratual negativo, ou seja, os danos in contrahendo, ou de confiança,aqueles que se não verificariam se não se houvesse celebrado o contrato, isto é a indemnização que visa colocar o credor cumpridor na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato.
Esta posição clássica é maioritária e mesmo predominante na nossa jurisprudência e doutrina, cfr. Acs. do STJ de 22.01.2008, 22.04.2008, 23.10.2008, 12.03.2013, 12.02.2009, 15.12.2011 e 24.01.2012, todos in www.dgsi.pt e Pires e Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. II, pág.58; Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, pág.109; Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, pág. 1045; Calvão da Silva, in “Responsabilidade Civil do Produtor”, pág, 248 e in “Compra e Venda de Coisas Defeituosas: conformidade e segurança”, pág. 26 e 36; Pedro Romano Martinez, in “Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada”, pág. 349 e Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, vol. II, pág. 267.
Todavia, parte da nossa doutrina e jurisprudência vêm hoje a já admitir a possibilidade de cumulação da resolução contratual, prevista no art.º 801.º n.º2 do C.Civil, com indemnização pelo interesse contratual positivo, tratando-se de admitir a indemnizabilidade de todos os danos sofridos pelo credor, malgrado ter resolvido o contrato, enquanto danos resultantes do incumprimento definitivo, causados pela contraparte pelo facto de ter inviabilizado a prestação, danos esses, compreendidos na previsão do art.º 562.º C.Civil.
Esta posição tende a ver a resolução contratual também como reintegradora dos interesses em jogo, cfr. Ribeiro de Faria, in “Direito das Obrigações”, vol. II, pág. 434, admitindo, no caso de resolução contratual, o preenchimento da indemnização com, ou também com, os chamados danos positivos, ou de cumprimento, isto é, aquela indemnização destinada a colocar o contraente cumpridor na situação em que se encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido.
Admite-se assim que o efectivo prejuízo causado pelo incumprimento definitivo deverá ser reparado, contemplando o interesse contratual positivo, quando o postule a tutela dos interesses de reintegração em jogo no caso, e isto, à luz e ponderação do princípio da boa-fée na medida em que for adequado à função e ao equilíbrio nos efeitos da liquidação resolutiva das prestações contratuais, cfr. Ac. do STJ de 12.03.2013, in www.dgsi.pt.
Caracterizando devidamente esta posição, pode ler-se no Ac. do STJ de 12.02.2009, in www.dgsi.pt, o que se transcreve: “Não podemos, porém, ignorar a corrente que recusa esta construção, admitindo, no caso de resolução contratual, o preenchimento indemnizatório com, ou também com, os danos positivos.
Já sustentada por Vaz Serra (BMJ 47,40), foi detalhadamente defendida, entre outros, por Batista Machado (Pressupostos da Resolução por Incumprimento, 175), Romano Martinez (Da Cessação do Contrato, 208) e Ana Prata (Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratual, 479). Brandão Proença admite uma flexibilização da jurisprudência com admissão da indemnização pelos danos positivos “quando assim for exigido pelos interesses em presença” (A Resolução do Contrato no Direito Civil, 199) e Galvão Teles afirma que se concebe todavia “que o julgador, além dos danos negativos, atenda também aos positivos se, no caso concreto, essa solução se afigurar mais equitativa segundo as circunstâncias.” (Direito das Obrigações, 7.ª ed., 463, nota de pé de página).
Prende-se a questão, a nosso ver, com a conceptualização da figura da resolução contratual. Se vista apenas como destruidora da relação contratual, a tese clássica é irrecusável. Se vista também como reintegradora dos interesses em jogo, a abertura ao ressarcimento pelos danos positivos impõe-se, em certos casos (Cfr Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações II, 434). À partida, a nossa lei encara-a apenas no primeiro sentido, distinguindo, nos artigos 432.º e seguintes do Código Civil, a figura, dos seus efeitos. Logo nestes, todavia está uma destruição contratual mitigada. Remete-se para o regime da nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico que encerra algumas excepções à senda destrutiva prevista, à cabeça, na lei (cfr os artigos 289.º e seguintes).
Depois, no próprio regime dos efeitos, a lei refere que a retroactividade não opera, além do mais, se contrariar a “vontade das partes” ou “finalidade da resolução”, estabelecendo mesmo um regime próprio quanto aos contratos de execução continuada ou periódica. Retiramos, então, daqui a falência da primeira das premissas da tese clássica, qual seja a da destruição da relação contratual. Em muitos casos, esta relação, ainda que atingida, continua a ter-se como subsistente, produzindo efeitos próprios da subsistência.
Sendo assim, está aberto o caminho à abertura da indemnização pelos danos positivos. Se, por exemplo, a lei refere que, por regra, nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, desenha uma situação em que, claramente, se justifica que, em certos casos, a indemnização possa consistir na efectivação das prestações em falta. Principalmente, quando falta uma pequena parte das prestações, o interesse contratual negativo surge-nos obnubilado face à tutela do dano positivo. Este corresponderá à composição justa do litígio contratual, quer a contraparte tenha optado, quer não pela resolução contratual.
Mas, não podemos perder de vista que estes são casos de excepção, sob pena de vir a perder relevância uma figura como a resolução que a lei tem como proeminente em toda a relação contratual. Se se considerasse que o que resolve o contrato tem sempre direito a indemnização correspondente ao interesse que tinha com o cumprimento deste, estaríamos a, em termos práticos, ignorar tal figura no que a uma das partes respeita, gerando um desequilíbrio entre as partes inadmissível, ou usando a expressão de Menezes Leitão (ob. e loc. citados) transformando “o contrato de sinalagmático em unilateral, uma vez que determinaria uma sua liquidação num só sentido.”
Há, pois, que ponderar os interesses em jogo no caso concreto e, perante eles, conceder ou denegar o caminho, particularmente estreito, da indemnização pelo interesse contratual positivo. Nesta ponderação, tem, a nosso ver, uma palavra a dizer o princípio de boa-fé. Deve ele ser tido em conta na liquidação do negócio jurídico em caso de nulidade ou anulabilidade (cfr Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, 659 e os Acs deste Tribunal de 30.10.1997 (BMJ 470, 565) e de 25.1.2007 (este no referido sítio da Internet) e para estas figuras remete o artigo 433.º do referido código”.
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No caso em apreço nos autos, e contrariamente ao alegado pela apelante, a decisão de 1.ª instância não seguiu acriticamente a supra referida posição clássica, pois que vendo a sentença recorrida, nela se ponderou as duas posições que hoje se nos apresentam na jurisprudência e doutrina, tendo, por fim concluído que: - “No caso em apreço, não vemos qualquer circunstância excepcional que imponha a subsistência contratual, mesmo após a sua resolução, nem a indemnização correspondente ao interesse contratual positivo. De facto, as prestações em falta são superiores às que foram pagas, não podendo a Exequente exigir mais do que as despesas relacionadas com a devolução de cheques e respectivos juros de mora (€129,19), as despesas de contencioso (€1.350,00) e o selo da livrança (€145,26), despesas administrativas de contencioso (€837,98), e respectivos juros de mora.”
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Entende a apelante que, no caso em análise, tem direito a cumular a resolução do contrato de financiamento que celebrou com os executados/apelados e haver deles ainda uma indemnização pelo interesse contratual positivo, ou seja, pelos lucros cessantes que teve em virtude do contrato não ter sido cumprido, exigindo-lhes consequentemente, além do mais, o montante das prestações contratuais vencidas e não pagas, ou seja, 59 prestações contratuais, como integradoras da indemnização pelo chamado interesse contratual positivo ou pelos danos positivos ou de cumprimento. E isto porque, tendo os executados/apelados entrado em incumprimento quanto ao pagamento das prestações acordadas, foram pela exequente avisados de que se não regularizassem a situação, dentro de um prazo razoável, esta consideraria o contrato como definitivamente incumprido, operando-se dessa forma a resolução do contrato, com as consequências legal e contratualmente fixadas, designadamente, considerar-se-iam antecipadamente vencidas todas as prestações emergentes prevista no contrato e procederia ao accionamento das garantias convencionadas.
Ora, poderemos entender que excepcionalmente poderia dar-se razão à apelante, não fosse a ponderação dos interesses em jogo à luz do princípio da boa-fé. E assim, se por hipótese se atribuísse à apelante a título de indemnização o montante igual a 59 das 84 prestações contratuais, vencidas e não pagas, no montante total de €28.719,31, sendo certo que por via do contrato a mesma disponibilizou aos executados/apelados a quantia de €22.940,00, sendo o total do financiamento e encargos de €40.368,30, tendo os executados/apelados pago à exequente, por via desse contrato a quantia total de €15.491,75 e, tendo ficado sem o veículo automóvel o qual ainda rendeu à apelante a quantia líquida de €7.362,02, estar-se-ia a desequilibrar manifestamente a relação contratual a seu favor, onerando a contraparte que ficou sem o bem com uma indemnização de valor superior ao do financiamento concedido, sendo que deste montante, aliás, já está a apelante inteirada pelo valor dos pagamento efectuados acrescido do valor líquido do veículo, e mesmo superior ao do total de financiamento e encargos.
Em resumo, era muito mais oneroso para os executados/apelantes a situação pretendida pela apelante do que se tivessem cumprido pontualmente o contrato. E assim verifica-se um manifesto desequilíbrio contratual que ofende os ditames da boa-fé.
Logo, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida quando nega à apelante a peticionada indemnização pelo interesse contratual positivo, ou pelos danos positivos ou de cumprimento, concedendo-lhe apenas direito a haver dos executados/apelados a indemnização respeitante ao interesse contratual negativo, ou seja, à indemnização daqueles danos que a apelante não teria se não tivesse contratado com os executados.
Improcedem as respectivas conclusões da apelante.
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2.ªquestão – Do preenchimento da livrança exequenda.
Como se viu acima a apelante preencheu a livrança que lhe foi entregue pelos executados/apelados para garantia do cumprimento do contrato de financiamento em causa nos autos, aponde-lhe as datas de emissão e de vencimento e o valor de €€29.051,32, correspondente à soma de:
- prestações vencidas e não pagas - €3.147,32;
- portes e juros de mora - €8,14;
- prestações de seguro vencidas e não pagas e juros de mora - €57,38;
- despesas de devolução de cheques e juros de mora - €129,19;
- prestações vencidas antecipadamente pelo incumprimento do contrato - €25.571,99;
- despesas de contencioso - €1.350,00;
- selo da livrança - €145,26;
- dedução de pagamento parcial efectuado pelos executados - €1.357,96.
Vieram os executados/apelados defender, por via da presente oposição à execução, que a livrança exequenda foi abusivamente preenchida pela ora apelante, pois dela consta um valor que não lhe é devido.
Ora, na sequência do que acima deixamos consignado, é manifesto que a apelante não tem direito a exigir aos executados/apelados o pagamento de quaisquer prestações vencidas e não pagas, mesmo que antecipadamente vencidas por força do incumprimento contratual daqueles, nem tem direito a haver deles quaisquer outros montantes que não tenham a ver com as despesas que a exequente/apelante não teria feito se não tivesse com eles contratado. O que equivale a dizer que apenas pode exigir o pagamento das despesas derivadas da devolução de cheques e respectivos juros de mora (€129,19), as despesas de contencioso (€1.350,00) e o selo da livrança (€145,26), despesas administrativas de contencioso (€837,98), e respectivos juros de mora, no total de € 2.462,43.
Finalmente, o montante das prestações vencidas e não pagas à data da resolução do contrato têm o valor de €3.147,32, ora considerando o valor líquido da vendo do veículo automóvel que reverteu para a apelante de €7.362,02, constatamos que este último cobre o valor daqueles prestações e das despesas que a exequente/apelante fez e que não teria feito se não tivesse contratado com os executados/apelados.
Destarte, e como se concluiu em 1.ª instância, nada mais tem a apelante a haver dos executados/apelados em consequência da resolução do contrato de financiamento que com eles celebrou.
Improcedem as derradeiras conclusões da apelante.
Sumário – I – Tendo a apelante resolvido o contrato de financiamento que celebrou com os apelados não tem direito a haver deles ainda uma indemnização pelo interesse contratual positivo, ou seja, pelos lucros cessantes que teve em virtude do contrato não ter sido cumprido, e exigir-lhes, além do mais, o montante das prestações contratuais vencidas e não pagas, como integradoras dessa indemnização.
II – Ponderando os interesse em jogo à luz do princípio da boa fé, designadamente o equilíbrio contratual, não se vê qualquer circunstância excepcional que imponha a subsistência do contrato após a sua resolução, e que legitime a indemnização correspondente ao interesse contratual positivo.
IV – Pelo exposto, decide-se julgar a presente apelação improcedente e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Porto, 2014.04.29
Anabela Dias da Silva
Maria do Carmo Domingues
José Carvalho