EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
JUROS MORATÓRIOS
DEPÓSITO
FASE ADMINISTRATIVA
Sumário

I - Existe mora da entidade expropriante quando, depois de proferida a decisão arbitral, não efectua os depósitos previstos no CE/99 (artº 51º).
II - Os juros de mora relativos ao período que decorre entre o 30º dia após a arbitragem e a remessa do processo a Tribunal, incidem sobre o sobre o montante definitivo (actualizado) da indemnização e não apenas sobre o valor depositado pela expropriante (montante arbitrado).

Texto Integral

Proc. nº 4085/08.3TBVNG.P1 - APELAÇÃO

Relator: Caimoto Jácome(1459)
Adjuntos: Macedo Domingues()
Oliveira Abreu()

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1- RELATÓRIO

No processo expropriação litigiosa em que é expropriante EP-Estradas de Portugal, S.A., e expropriados B… e Outros, com os sinais dos autos, foi proferida sentença, na qual se decidiu (dispositivo):
“Pelo exposto, julgo os recursos interpostos pelos expropriados e pela entidade expropriante parcialmente procedentes e provados e, em consequência, fixa–se como valor da indemnização a pagar pela entidade expropriante aos expropriados a quantia de 84617,89 euros, quantia esta a actualizar à data da presente sentença, após o respectivo trânsito, com base no índice de preços de consumidor aplicáveis e fornecidos pelo I. N. E.
Custas a cargo dos expropriados e da entidade expropriante, na proporção do respetivo decaimento/vencimento.”.

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Após trânsito em julgado daquela sentença, a expropriante veio proceder ao depósito a que alude o artº 71º, nº 1, do Código das Expropriações, aprovado pelo DL nº 168/99, de 18/09 (CE/99), e juntar a nota discriminada, justificativa dos cálculos da liquidação de tais montantes.

O expropriado B… impugnou (artº 72º, nº 1, do CE/99) os montantes depositados, afirmando:
“- (…) Ora, tendo os expropriados, na sequência da notificação que ora lhes foi efetuada, ao abrigo do disposto do art. 71 nº 2, de novo vir impugnar o depósito efetuado pelo expropriante com a junção da nota discriminada, justificativa dos cálculos da liquidação, tem toda a legitimidade para que venha agora o depósito de juros moratórios em falta incidir sobre o valor final da indemnização actualizada de acordo com o 24º nº 1 do C.E.
- Assim, sobre o montante de 104.263,85€ deverão acrescer juros moratórios à taxa anual legal de 4% (vide portaria 291/03 de 8 de Abril em vigor desde 1 de maio de 2003) correspondente ao período desde Fevereiro de 2004 até Junho de 2008, ou sejam 1580 dias, a que corresponde o valor de 18.053,35€
- O que vale por dizer: 104.263,85€, ao que acrescem 18.053,35€ de juros, no total de 122.317,20€.
- Subtraindo ao valor ora liquidado (decisão final da indemnização+actualização+juros moratórios) o valor depositado aquando do recurso da arbitragem, de 81.280,OO€, a entidade expropriante deveria ter depositado a importância de 41.037,20€.
- Que não os 20.166,65 que depositou, e objecto desta impugnação.
- Pelo que lhe resta ainda depositar 20.870,55€, o que requer seja ordenado.”.

Notificada, respondeu a expropriante, concluindo:
“(…)Quanto à reclamação dos cálculos da atualização, os expropriados, talvez por lapso, não consideraram o valor cujo levantamento foi autorizado em Nov/2008, de 24.846,00€.
Nesse sentido, promoveu-se o cálculo com base no programa disponível no site do INE, constando-se que o valor a depositar deveria ser de 20.026,86€ e não 20.166,65€, em conformidade com notas de cálculo anexas, havendo assim um excedente depositado de 139,79€, o qual deverá ser restituído à EP, SA.
Atentos os motivos expostos, deve ser indeferido o requerimento apresentado (…)”.
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Conclusos os autos (18/09/2013), foi proferida a seguinte decisão judicial (artº 72º, nº 3, do CE/99):
“Impugnação deduzida pelo expropriado:
Conforme se alcança do teor de todo o processado, a indemnização devida pelos juros moratórios não engloba apenas o valor intempestivo do depósito da arbitragem, antes, também, o valor final da justa indemnização pelos atrasos tão somente imputáveis à entidade expropriante pelo andamento do procedimento administrativo.
Assim sendo, e pelo exposto, julga-se procedente e provada a impugnação deduzida e, em consequência, notifica-se a entidade expropriante para proceder ao depósito do restante em falta, no montante de 20870,55 euros.”.
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Inconformada, a expropriante apelou daquela decisão, tendo, na sua alegação, concluído:
1- A decisão final conheceu dos recursos interpostos, fixou o valor da justa indemnização e transitou em julgado. O expropriante procedeu ao depósito da actualização, não tendo os expropriados contestado o cálculo da atualização do valor da indemnização: juros não se confundem com atualização de indemnização.
2- A coberto de uma reclamação alegadamente apresentada ao abrigo do n.º 1 do artigo 72.º do CE/99, os expropriados vêm reclamar, em exclusivo, o pagamento de juros de mora, ao qual o Dign.º julgador concedeu provimento por meio da decisão agora em recurso, ou seja vêm reclamar um pagamento que nada tem a ver com o que naquele dispositivo se pretende acautelar, o que foi deferido.
3- No n.º 1 do mencionado artigo 72.º diz-se ”No prazo de 30 a contar da notificação prevista no n.º 2 do artigo anterior, o expropriado e demais interessados podem impugnar os montantes depositados, …” O mesmo é dizer que, a reclamação que pode ser apresentada a coberto deste dispositivo legal respeita aos montantes depositados na sequência de uma decisão final, transitada em julgado, sobre o valor da indemnização. Os expropriados não contestam os cálculos da nota justificativa que foi apresentada pelo expropriante, limitando-se a aproveitar o prazo legal que dispunham para este efeito para reclamar coisa distinta: juros pelo atraso na condução do procedimento administrativo.
4- É o incidente de impugnação suscitado, meio processual impróprio para o objectivo pretendido, e por isso nunca o mesmo poderia ter sido decidido favoravelmente. Sempre se impunha que o tribunal a quo tivesse conhecido desde logo da inapropriedade do meio e da consequente extemporaneidade do pedido formulado.
5- Estando em causa a responsabilidade do expropriante pelos alegados atrasos, a decisão em apreço é uma decisão condenatória, sendo que só pode haver lugar a condenação no pagamento de juros moratórios quando se prove que houve mora (atraso culposo) geradora de danos violadores de direitos tutelados pelo Direito. Vai nesse sentido a norma contida no artigo 42.º do CE/99, a qual claramente se refere a atrasos imputáveis ao expropriante. Acontece que nos presentes autos, a decisão recorrida apenas conheceu dos factos e nunca da culpa do expropriante na sua produção, a qual ilegalmente se assumiu como presuntiva.
6- O artigo 42.º do CE não determina ipso facto o pagamento dos juros pelos atrasos, mas tão somente pelos atrasos imputáveis ao expropriante. Tal como nos Art.º 71.º e 72.º do mesmo diploma legislativo se estabelece o regime de cálculo dos juros moratórios nos termos da lei geral, nomeadamente após verificação dos pressupostos da responsabilidade do expropriante pelos danos provocados pelo atraso no pagamento, entre os quais se encontram a culpa e o dano, que não podem ser apreciados nem reconhecidos judicialmente sem que se aprecie dos seus fundamentos.
7- Ao alegado lesado competia não só invocar os atrasos, como também e sobretudo a prova da culpa do expropriante nesses atrasos. E para que o julgador pudesse decidir pela condenação ao pagamento de juros de mora teria de julgar verificados não só os factos, como fez o tribunal recorrido, mas também a ilicitude e a culpa do expropriante na produção desses factos.
8- Conforme se referiu supra, não se trata de nenhuma situação em que a condenação em juros de mora possa ser ordenada oficiosamente, como o seria eventualmente a de actualização do valor final indemnizatório. No caso da actualização, o pedido mantém-se inalterado: ordena-se ao pagamento do mesmo valor, sobre o qual incidiu uma condenação judicial, o qual apenas é corrigido dos factores de desvalorização associados ao período temporal entretanto transcorrido. Os juros de mora têm necessariamente na sua origem uma actuação culposa de outrem, geradora de danos, compreendendo-se, como tal, que não possa ser ordenada, sem que se verifiquem os requisitos da responsabilidade civil.
9- À mora da entidade expropriante são naturalmente aplicáveis, devidamente adaptados os art. 804.º a 806.º do C.C.; é, desde logo, determinante que exista ilicitude no retardamento do pagamento da indemnização: prescreve o n.º 2 do Art.º 804.º do C.C. que o devedor se constitui em mora, quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido.
10- Tratando-se, como se trata, de actos independentes, terá de aferir-se da responsabilidade pela sua produção individual e independentemente também. São actos isolados dentro do mesmo procedimento administrativo.
11- Nos termos do artº 51º, nº 1, a entidade expropriante tem de remeter o processo ao tribunal no prazo de 30 dias a contar do recebimento da decisão arbitral e, se não respeitar esse prazo, tem de depositar juros moratórios correspondentes ao período de atraso conjuntamente com a quantia fixada no acórdão arbitral.
12- Assim sendo, como é, se os juros fossem devidos, segundo o disposto no artigo 51.º n.º1 do CE/99, os juros seriam sempre calculados sobre o montante da arbitragem e não sobre o montante final, ainda não conhecido.
13- O mesmo é dizer que, não obstante não se aceite que seja o expropriante condenado pelos atrasos, desde logo porque não foi feita uma análise criteriosa de cada um dos atos praticados e não foi devidamente fundamentada a decisão, a verdade é que mesmo que mesmo que os atrasos sejam imputados ao expropriante, sendo os juros depositados conjuntamente com a decisão arbitral, então têm de ser calculados tendo por base este valor e não o da decisão final.
14- Pelo que a serem devidos juros de mora, o seu montante será de 14.198,38 € e não 20.870,55€.
Termos em que se requer seja o presente recurso julgado procedente por provado e em consequência revogada a decisão recorrida que julgou favoravelmente a impugnação apresentada e ordenou o depósito do montante reclamado pelos expropriados a título de juros de mora.

Não houve resposta à alegação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 2, do C.P.Civil (actualmente arts. 635º, nº 4, e 640º, nºs 1 e 2).

2.1- OS FACTOS E O DIREITO

A matéria de facto a considerar é a descrita no relatório, sendo de ter, ainda, em conta que:
- O EP-Estradas de Portugal, S.A., requereu a expropriação litigiosa urgente, por utilidade pública, da parcela de terreno nº .., com a área de 269 m2, correspondente ao prédio situado na …, …, V. N. de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 2978º, confrontando do Norte com …, do Sul com C…, S.A., do Nascente com parte restante do prédio e do Poente com EN nº …, pertencente aos expropriados.
- Por decisão de fls. 104, foi adjudicada a propriedade da aludida parcela à entidade expropriante.
- A DUP foi objecto de despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas de 11/11/2002, publicado no D. R. nº 282 – II Série, Suplemento de 06/12/2002.
- A decisão arbitral é de Janeiro de 2004.
- O processo de expropriação foi remetido a Tribunal, pela expropriante, em 27/Junho/2008, por avocação judicial requerida pelos expropriados, em 21/04/2008.
- A entidade expropriante, aquando do recurso da decisão arbitral, depositou, em 21/08/2008 (fls. 103), a quantia de € 81.280,00, correspondente ao montante arbitrado (valor da indemnização).
- O expropriado B…, invocando o disposto no artº 51º, nº 1, do CE/99, requereu, em 22/07/2008 (fls. 79), o depósito dos juros moratórios correspondentes ao atraso na remessa do processo pela expropriante.
- Por despacho de 05/02/2009, foi, além do mais, decidido:
“Nos termos do disposto no art. 52º, n.º 3, do C. das Expr., atribui-se aos expropriados a quantia de 24846,00 euros, sobre a qual se verifica acordo, retendo-se a quantia necessária ao asseguramento das custas prováveis, conforme cálculo efectuado.”.
- Esse despacho foi notificado aos expropriados por carta de 09/02/2009 (“Assunto: Pagamento da indemnização de parcela expopriada
Fica deste modo V. Exª notificado, relativamente ao processo supra identificado, para no prazo de 10 dias fornecer a este Tribunal o NIB do expropriado B…, a fim de lhe ser emitida uma nota de depósito autónomo da quantia de € 18.102,00.
Este pagamento parcial da indemnização da parcela expropriada resulta do montante em que existe acordo de € 24.846,00 - € 3.744,00 (para garantia de custas) - € 3.000,00 (de preparo para despesas da sua responsabilidade)”.
- Em 8/9/2009, os expropriados foram notificados do seguinte:
“Assunto: Emissão de nota
Fica deste modo V. Exª notificado, relativamente ao processo supra identificado, de que nesta mesma data foi emitida e aprovada uma nota de depósito autónomo do montante de € 18.102,00 a favor dos expropriados B… e mulher relativa ao montante sobre o qual existe acordo, deduzidas que foram as custas prováveis e bem assim 1/2 do montante do preparo para despesas.
Oportunamente o IGFIJ efectuará a transferência daquele montante para o NIB ………………….”.
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Como se sabe, o processo de expropriação litigiosa desdobra-se em duas fases distintas:
- Uma fase administrativa, promovida pela entidade expropriante, que se inicia com a DUP (artº 13º, do CE/99) e termina com a remessa dos autos a tribunal (artº 51º, nº 1). Nesta fase, pode, todavia, haver intervenção judicial em determinadas situações (cfr. os artºs 42º, nº 2, 54º e 55º e seguintes);
- Uma fase judicial, na qual a entidade expropriante assume a posição de parte, em igualdade de armas com o expropriado, que se inicia com a sentença de adjudicação da propriedade e posse àquela entidade (artº 51º, nº 5).
Estatui o artº 51º, nº 1, do CE/99:
“A entidade expropriante remete o processo de expropriação ao tribunal da comarca da situação do bem expropriado ou da sua maior extensão no prazo de trinta dias, a contar do recebimento da decisão arbitral, acompanhado de certidões actualizadas das descrições e inscrições em vigor dos prédios na conservatória do registo predial competente e das respectivas inscrições matriciais, ou de que os mesmos estão omissos, bem como da guia de depósito à ordem do tribunal do montante arbitrado ou, se for o caso, da parte em que este exceda a quantia depositada nos termos da alínea b) do nº 1 ou do nº 5 do artigo 20º; se não for respeitado o prazo fixado, a entidade expropriante deposita, também, juros moratórios correspondentes ao período de atraso, calculados nos termos do nº 2 do artigo 70º, e sem prejuízo do disposto nos artigos 71º e 72º”.
Estabelece o nº 4, do mesmo preceito, que:
“Se os depósitos a que se referem os números anteriores não forem efectuados nos prazos previstos, é aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 71.º”.
Dispõe o artº 70º, nº 1, do CE/99, que “Os expropriados e demais interessados têm o direito de ser indemnizados pelos atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento expropriativo ou na realização de qualquer depósito no processo litigioso.”. No nº 2, do normativo indicado, preceitua-se no sentido de que “Os juros moratórios incidem sobre o montante definitivo da indemnização ou sobre o montante dos depósitos, conforme o caso, e a taxa respectiva é a fixada nos termos do artigo 559.º do Código Civil.”.
Este normativo regula a mora decorrente dos atrasos do processo expropriativo imputáveis à entidade expropriante e ainda a resultante da não efectivação atempada dos depósitos no processo litigioso.
Como se ajuizou nos acórdãos desta Relação, de 16/11/2006 e 27/05/2008 (acessíveis em www.dgsi.pt) “Foi tendo em conta a distinção entre expropriação e processo expropriativo, bem como as fases distintas que este comporta, que o artº 70º, nº 1 consignou a obrigação do pagamento de juros moratórios em duas situações: a) atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento expropriativo; b) atrasos imputáveis à entidade expropriante na realização de qualquer depósito no processo litigioso.
Na primeira parte daquele normativo quiseram-se cominar quaisquer atrasos imputáveis à entidade expropriante na fase administrativa do processo expropriativo, ou seja, desde a DUP até à remessa dos autos a Tribunal.
O que faz sentido, pois que todos os actos praticados naquela fase (com excepção dos que a lei atribui expressamente ao juiz) são promovidos pela entidade expropriante, sendo sobre ela que impende a obrigação de cumprir os prazos previstos na lei.
E já não faria sentido na fase judicial, em que a entidade expropriante deixa de ter a direcção do processo (que passa para o juiz), assumindo a qualidade de parte: quaisquer atrasos em que incorra nesta fase são regulados pelas disposições processuais civis, em igualdade de armas com o expropriado. Por isso, nesta fase, a entidade expropriante apenas se constitui em mora se se atrasar na efectivação dos depósitos. A inserção sistemática do artº 70º também nos leva a concluir que se pretendeu cominar com a mora todos os atrasos da entidade expropriante no processo expropriativo, uma vez que o normativo surge no Título V, sob a epígrafe “Pagamento das Indemnizações”, e não em qualquer um dos Títulos anteriores que regulam as diversas fases do processo administrativo.
Ao contrário do que se diz no despacho recorrido, a remessa do processo a tribunal após a notificação do acórdão arbitral não é a única obrigação da entidade expropriante. Até àquele momento e desde a DUP, várias outras obrigações impendem sobre a entidade expropriante, tais como, propor ao expropriado a expropriação amigável, promover a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam e a constituição da arbitragem (artºs 35º, nº 1, 21º, nº 1 e artº 42º, nº 1), etc. – para cujo cumprimento a lei estabelece prazos. O que sucede é que se entendeu legislar expressamente sobre o caso de atraso da entidade expropriante na remessa dos autos a tribunal.
Nos termos do artº 51º, nº 1, a entidade expropriante tem de remeter o processo ao tribunal no prazo de 30 dias a contar do recebimento da decisão arbitral e, se não respeitar esse prazo, tem de depositar juros moratórios correspondentes ao período de atraso conjuntamente com a quantia fixada no acórdão arbitral. A remessa dos autos a tribunal ainda é um acto do processo expropriativo da responsabilidade da entidade expropriante. Como tal, já cabe na previsão da norma do artº 70º, nº 1.”.
O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 12/07/01 (DR nº 248, I, de 25/10/2001, publicado em www.dgsi.pt., fixou jurisprudência no sentido de que:
“Em processo de expropriação por utilidade pública, havendo recurso da arbitragem e não tendo esta procedido à actualização do valor inicial, o valor fixado na decisão final é actualizado até à notificação do despacho que autorize o levantamento de uma parcela do depósito. Daí em diante a actualização incidirá sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado. Tendo havido actualização na arbitragem, só há lugar à actualização, desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até à decisão final sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado”.
Atendendo ao efeito ou resultado, existem três formas de não cumprimento: a falta de cumprimento ou incumprimento definitivo, a mora ou atraso no cumprimento e o cumprimento defeituoso.
A mora consiste no atraso ou retardamento no cumprimento da obrigação exigível nos termos da lei substantiva, sendo que na obrigação pecuniária corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (arts. 804º, 805º e 806º, do CC).
Saliente-se que os juros moratórios são devidos não desde o trânsito da decisão, mas a partir do 11.º dia a contar da notificação a que alude o artigo 71º, nº 1, CE/99, pois só então se inicia a mora.
Pese embora, no caso em apreço, não seja muito relevante, importa observar que não se previa (explicitamente), no CE/99, na redacção anterior à dada pela Leis nºs 67-A/2007, de 31/12, e 56/2008, de 04/09 (artº 20º, nº 7), a obrigação do pagamento de juros moratórios ao expropriado por eventuais atrasos imputáveis à entidade expropriante na realização de qualquer depósito na fase administrativa do processo expropriativo (v.g. o referido nos arts. 10º, nº 4, e 20º, nº 1, al. b)), mas apenas pelos atrasos no andamento do procedimento expropriativo (arts. 21º, nº 1, 35º e 38º e seguintes, do CE/99).
Relativamente ao estatuído nos arts. 20º, nº 7, 51º, nº 1, e 70º, do CE/99, defende o Sr. Cons. Salvador da Costa (“Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores anotados e comentados”, 2010, pág. 417), que “considerando o disposto no artigo 342º, nº 2 do Código Civil, esta indemnização, derivada de omissões processuais, tem por presumido o dano, nos termos do nº 2 deste artigo, cabendo à entidade beneficiária da expropriação a prova de que o referido atraso lhe não é imputável”.
Refira-se, a propósito da questão da aplicação, ou não, de juros moratórios em análise, no regime anterior à alteração do Código das Expropriações, ocorrida em 2008, a jurisprudência e doutrina indicados no acórdão desta Relação, de 10/12/2013, acessível em www.dgsi.pt. Neste acórdão, sustenta-se o entendimento, que se nos afigura ser duvidoso, de que “A quantia a que se refere o artº 10º nº4 CExp serve, somente, para garantir a responsabilidade da entidade expropriante pelo pagamento da expropriação; porque o respectivo montante não pode ser levantado pelo expropriado, nenhum dano se origina para este; daí que, na redacção originária do Código das Expropriações de 99, não houvesse lugar ao pagamento de juros, a cargo da expropriante, pelo atraso no depósito de tal quantia, na fase administrativa do processo. A Lei nº 56/2008 de 4 de Setembro, que alterou a redacção do nº 7 do artº 20º CExp, determinando o pagamento de juros moratórios pelo atraso no depósito a efectuar na fase administrativa, não constitui lei interpretativa” (ver os acórdãos desta Relação, em sentido contrário, citados no aresto).
De todo o modo, sublinhe-se que não se compreenderia, a nosso ver, como é que, numa fase negociatória, a eventual proposta do montante indemnizatório, feita pela expropriante ao expropriado, sem aceitação ou qualquer contraproposta deste, vinculasse aquela, constituindo-a em mora.
Por outro lado, já tem de aceitar-se a existência de mora da entidade expropriante quando, depois de proferida a decisão arbitral, não efectua os depósitos previstos no CE/99 (artº 51º).
Com efeito, nesta última situação verifica-se a responsabilidade civil e a consequente obrigação de indemnização, que pressupõe o facto (danoso) objectivo do não cumprimento (cumprimento tardio, imputável à expropriante) por parte da expropriante, a ilicitude (desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado), o prejuízo sofrido pelo credor (expropriado) e o nexo de causalidade entre aquele facto e o prejuízo - arts. 762º, n.º 1, 798º e 799º, do CC, e A. Varela, Das Obrigações em geral, 7ª ed., vol. II, pág. 94, M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 483 e segs., e I. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 331 e segs.).
Ponderou-se, a propósito, com manifesta pertinência, no acórdão desta Relação, de 05/07/2012 (acessível em www.dgsi.pt), citado pelos apelados, que “(…) Mas, como vem sendo entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, o artº 51º, nº 1 contém um comando dirigido directamente à entidade expropriante e estabelece uma presunção de culpa desta entidade no atraso da remessa dos autos. Presunção de tal maneira forte que a entidade expropriante tem de depositar logo os juros de mora conjuntamente com o depósito da quantia arbitrada, sem dependência de requerimento do expropriado ou de notificação do tribunal.
Por isso, a falta do depósito dos juros pode ser conhecida oficiosamente pelo juiz que, aliás, nem sequer pode adjudicar a propriedade do bem expropriado à entidade expropriante sem que o depósito se mostre comprovado nos autos (cfr. o nº 5 do artº 51º).
O estabelecimento de uma presunção tão forte tem a ver com o facto de, entre o recebimento pela entidade expropriante do acórdão arbitral e a remessa dos autos a tribunal, não terem de ser praticados quaisquer actos, a não ser as diligências necessárias à efectivação do depósito.
Por isso, a falta do depósito dos juros pode ser conhecida oficiosamente pelo juiz que, aliás, nem sequer pode adjudicar a propriedade do bem expropriado à entidade expropriante sem que o depósito se mostre comprovado nos autos (cfr. o nº 5 do artº 51º).
O estabelecimento de uma presunção tão forte tem a ver com o facto de, entre o recebimento pela entidade expropriante do acórdão arbitral e a remessa dos autos a tribunal, não terem de ser praticados quaisquer actos, a não ser as diligências necessárias à efectivação do depósito. E para estas já a lei concede à entidade expropriante o prazo de 30 dias, pelo que dificilmente esta terá justificação para atrasar a remessa dos autos.
Como se afirma no acórdão deste Tribunal de 16.09.04, www.dgsi.pt., com referência ao depósito da indemnização final, ter de efectuar contas de actualização e necessidade de providenciar pelo cabimento da verba com vista à efectivação dos depósitos, são realidades que manifestamente devem ceder perante a imposição legal do pagamento tempestivo.
Por maioria de razão, este entendimento aplica-se ao depósito do montante fixado no acórdão arbitral, em que nem sequer há que fazer contas de actualização.
E, podendo suceder que o atraso não seja imputável à entidade expropriante, cabe-lhe então alegar e provar factos tendentes a elidir a presunção de culpa que sobre ela impede (artº 344º, nº 1 do Código Civil)(…).”.
Feitas estas considerações de natureza normativa, doutrinal e jurisprudencial, reportemo-nos ao objecto do recurso.
Importa considerar os seguintes montantes:
- Valor da justa indemnização fixado na sentença: € 84.617,89, a actualizar nos termos já descritos.
- Valor depositado pela expropriante em 21/08/2008: € 81.280,00.
- Valor atribuído pela Srª juíza (artº 52º, nº 3, do CE/99) aos expropriados, em 05/02/2009: € 24.846,00.
Como vimos, sustentam os expropriados, na sua impugnação (artº 72º, nº 1, do CE/99) que a entidade expropriante deveria ter depositado a importância de € 41.037,20 e não apenas os € 20.166,65 que depositou.
O que se discute é o cálculo da actualização do valor da justa indemnização fixado na sentença e o montante dos juros moratórios previstos no nº 1, do artº 51º, do CE/99, relativos ao período entre Fevereiro de 2004 e Julho de 2008.
Recorde-se, desde logo, que o expropriado B…, invocando o disposto no mencionado normativo, requereu, em 22/07/2008 (fls. 79), o depósito dos juros moratórios correspondentes ao atraso na remessa do processo pela expropriante.
Ora, também se entende, tal como sustentado no referido acórdão de 05/07/2012, que “(…) se tenha por afastada a necessidade de o depósito de tais juros moratórios ser peticionada pelos expropriados e, menos ainda, que estes devam alegar e provar que o atraso em causa se deva a conduta da entidade expropriante, porque, na realidade, os expropriados só depois de proferido o despacho de adjudicação da propriedade à entidade expropriante é que são notificados deste e, bem assim, da decisão arbitral e de todos os elementos apresentados pelos árbitros, com a indicação do montante depositado - cfr. artº 51º, nº 5 -, pelo que se encontram numa situação de impossibilidade de verificar se a entidade expropriante procedeu aos depósitos determinados por lei e, consequentemente, de alegar e provar qualquer atraso (cujo conhecimento não têm) e, bem assim, formular pedido correspondente (juros moratórios tendo em conta o período de atraso)”. Acresce que “tendo os expropriados, na sequência da notificação que lhes foi efectuada ao abrigo do disposto no artº 71º, nº 2, impugnado o depósito efectuado pela expropriante com a junção da nota discriminada, justificativa dos cálculos da liquidação, requerendo o pagamento dos juros moratórios pelos atrasos verificados na fase administrativa da expropriação, a reclamação do pagamento desses juros é tempestiva e não se encontra coberta pelo caso julgado, o qual apenas ocorreria se tivesse sido decidido no processo de expropriação não serem devidos, o que não resulta dos autos nem vem invocado pela expropriante.”.
Como já salientado, cabia à entidade beneficiária da expropriação a prova de que o referido atraso lhe não é imputável, prova que a recorrente não satisfez.
Deste modo, verificam-se os mencionados pressupostos (ilicitude, culpa, dano e consequente nexo causal) da responsabilidade civil da expropriante no concernente à indemnização correspondente aos juros de mora devidos pelo não cumprimento do prazo estabelecido no artº 51º, nº 1, do CE/99.
Conclui, por outro lado, a recorrente que se os juros fossem devidos, de acordo com aquele normativo, seriam sempre calculados sobre o montante da arbitragem e não sobre o montante final, ainda não conhecido, ou seja, mesmo que os atrasos sejam imputados ao expropriante, sendo os juros depositados conjuntamente com a decisão arbitral, então têm de ser calculados tendo por base este valor e não o da decisão final.
Por isso, conclui que, a serem devidos juros de mora, o seu montante será de € 14.198,38 e não € 20.870,55.
Pois bem.
Seguramente que, à data (21/08/2008) do depósito do valor da indemnização fixada no acórdão arbitral, efectuado pela expropriante, o montante dos juros teria de ser calculado com base na quantia depositada, ou seja, ainda não definitivamente actualizada (para mais ou para menos).
Porém, mesmo que a expropriante tivesse depositado os juros então devidos, e, realce-se, não o fez, isso não significa que, uma vez efectuada a actualização definitiva, desde a DUP, a apelante não esteja obrigada a pagar os juros de mora correspondentes ao período do atraso (de Fevereiro de 2004 a Julho de 2008) calculados sobre o montante actualizado (definitivo), quando, obviamente, fosse superior ao fixado pelos árbitros.
Com efeito, no artº 51º, nº 1, parte final, remete-se para o preceituado no nº 2, do artº 70º, do CE/99, no sentido de que “Os juros moratórios incidem sobre o montante definitivo da indemnização ou sobre o montante dos depósitos, conforme o caso”.
Como, no caso em apreço, os juros de mora decorrem de “atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento expropriativo (…)” – nº 1, do artº 70º - terão de incidir sobre o montante definitivo da indemnização.
Analisados os cálculos da actualização da indemnização apresentados nos autos pela expropriante/recorrente, a fls. 262 (reportado a 03/01/2013) e fls. 273 (reportado a 15/04/2013) bem como a nota justificativa junta pela apelante a fls. 272 verso, relativa ao cálculo dos juros de mora (15/02/2004 a 27/06/2008), constata-se que esses cálculos, tal como o efectuado pelos expropriados na sua impugnação, de fls. 265-269, não observam, integralmente, os princípios, normativos e jurisprudência (designadamente o aludido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ, de 12/07/01) que se deixaram indicados.
Com efeito, no tocante à actualização, a recorrente considerou, incorrectamente, a data da notificação do despacho que autorizou o levantamento de uma fracção do valor depositado (Novembro de 2008).
Como vimos, o despacho que, nos termos do disposto no art. 52º, nº 3, do CE/99, atribuiu aos expropriados a quantia de € 24.846,00, sobre a qual se verificava acordo, é de 05/02/2009, tendo sido notificado aos expropriados por carta de 09/02/2009.
Assim, no cálculo actualizador da indemnização deve atender-se àquela data da efectiva notificação dos expropriados (desde a data da DUP).
No que concerne aos juros de mora relativos ao período de 15/02/2004 a 27/06/2008, deve considerar-se que incidem sobre o sobre o montante definitivo (actualizado) da indemnização e não apenas sobre o valor depositado pela expropriante (€ 81.280,00).
Por sua vez, os expropriados, na sua impugnação, não atentaram ao decidido no referido Acórdão Uniformizador.
Procede, assim, em parte, o concluído na alegação do recurso da expropriante.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra a ordenar que a expropriante deposite os montantes em dívida e juntar ao processo a nota discriminada, justificativa dos cálculos da liquidação de tais montantes, em conformidade com o expendido neste acórdão.
Custas pela apelante e apelados, na proporção do decaimento.
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Anexa-se o sumário.

Porto, 05/05/2014
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
Oliveira Abreu
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SUMÁRIO (ARTº 713º, nº 7, do CPC, actual artº 663º, nº 7):
I- Existe mora da entidade expropriante quando, depois de proferida a decisão arbitral, não efectua os depósitos previstos no CE/99 (artº 51º).
II- Os juros de mora relativos ao período que decorre entre o 30º dia após a arbitragem e a remessa do processo a Tribunal, incidem sobre o sobre o montante definitivo (actualizado) da indemnização e não apenas sobre o valor depositado pela expropriante (montante arbitrado).