EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
COMPENSAÇÃO
CRÉDITO LABORAL
Sumário

O despedimento por extinção do posto de trabalho é ilícito quando não se demonstra o pagamento dos créditos salariais vencidos e exigíveis à data da cessação da relação laboral, e quando apenas se demonstra o pagamento da compensação em prestações mensais, cujo vencimento é posterior à data da cessação da relação laboral.

Texto Integral

Processo nº 1200/12.6TTGMR.P1
Apelação

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 364)
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto
Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B…, residente em Guimarães veio intentar a presente acção especial de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento opondo-se ao despedimento promovido em 31.8.2012, por “ C…, Ldª”, com sede na Rua …, freguesia …, Guimarães.
Frustrou-se a tentativa de conciliação na audiência de partes.
A Empregadora, notificada nos termos e para os efeitos previstos na al. a) do nº 4 do art. 98º I, do C.P.Trabalho, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei 295/2009, de 13/10, juntou o articulado a que se refere o nº 1 do art. 98º J, do mesmo Código, no qual pugnou pela licitude do despedimento da trabalhadora, por se verificarem razões para a extinção do seu posto de trabalho e terem sido cumpridas todas as formalidades legais do despedimento. O despedimento em causa já está sujeito à disciplina introduzida pela Lei 23/2012, de 25.6. A compensação foi paga e a Autora não a colocou à disposição da Ré, pelo que se presume, sem que tal presunção tenha sido ilidida, a aceitação do despedimento. Opôs-se ainda à reintegração.
Concluiu pedindo que seja declarado válido e lícito o despedimento em causa nos presentes autos.

Contestou a trabalhadora alegando, no essencial, que o seu despedimento é ilícito, por desde logo não ter sido colocado à sua disposição até ao final do aviso prévio a compensação que lhe era devida, o que só veio a ocorrer posteriormente e já na pendência dos autos, através de pagamentos parcelares e parciais.
Deduziu igualmente pedido reconvencional no qual reclama como consequência da declaração da ilicitude do seu despedimento uma indemnização não inferior a € 2112,00, bem como as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, que ascendem na data de dedução do pedido a € 3520,00;
Pediu ainda:
- a quantia de € 2299,50- de diferenças salariais de 16 de Outubro de 2011 a 31 de Julho de 2012 com base no CCT para a Indústria Vestuário e Calçado;
- € 704,00 do salário do mês de Agosto de 2012;
- € 704, 00 de subsídio de férias vencido em 01/01/2012;
- € 469,33 de remanescente do subsídio de Natal
Concluiu pedindo que seja declarado ilícito o despedimento levado a cabo pela entidade patronal e seja julgado procedente e provado o pedido reconvencional.

Foi proferido despacho saneador tabelar, admitindo o pedido reconvencional, dispensando a selecção da matéria de facto assente e controvertida e fixando à acção o valor de €9.808,83,

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, sendo a final proferido o despacho de fixação da matéria de facto, com a respectiva motivação da convicção do tribunal.

Foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “Julgo a ação procedente por provada nos termos supra expostos e, em consequência:
A) Declaro ilícito o despedimento da trabalhadora promovido pela empregadora;
B) Condeno a empregadora a pagar à trabalhadora a quantia de € 15.407,15 (quinze mil, quatrocentos e sete euros e quinze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, sendo que sobre as retribuições referidas na al. f) supra vencidas após a citação são devidos juros de mora sobre as datas dos respetivos vencimentos, e das retribuições vincendas até integral pagamento.
Custas pela empregadora.
Fixo à ação o valor de €15.407,15”.

Inconformada, interpôs a Ré o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões:
a) Na douta sentença proferida nos presentes autos julgou-se procedente a ilicitude do despedimento da trabalhadora por não ter sido colocada à sua disposição até ao final do aviso prévio a compensação que lhe era devida, o que só veio a ocorrer posteriormente através de pagamentos parcelares e parciais, e por, nesses termos, não se poder presumir que esse recebimento consubstancie aceitação do despedimento.
b) A Recorrente não pode conformar-se com tal decisão, que resulta de uma incorrecta apreciação e interpretação da prova produzida e da correspondente aplicação do direito.
c) O tribunal a quo dá como provado que o salário da trabalhadora era de 485,00€ mensais, mas entendeu que a empregadora não pagou à trabalhadora o salário do mês de Agosto de 2012; o Subsidio de férias pelo trabalho prestado em 2011 e o remanescente do subsidio de Natal.
d) Do documento junto com o articulado inicial apresentado pela Recorrente, designado “Recibo de Vencimento”, com data de 31-08-2012, identifica-se um crédito a favor da trabalhadora no valor liquido de 1.222,68€, correspondente ao vencimento do mês de Agosto de 2012 (485,00€); Retribuição Proporcional ao subsidio de Natal (323,33€); Indemnização por Despedimento (215,50€) e Retribuição Proporcional Subsidio de Férias (323,33€), que foi pago em 4 prestações, de 305,67€ cada, nas datas de 03/09/2012; 01710/2012; 05/11/2012 e 30/11/2012.
e) A verba de 215,50€ diz respeito à compensação a título de indemnização por despedimento calculada ao abrigo do disposto no artigo 366º, n.º 1, do Código do Trabalho na redação dada pela Lei de 23/2012, de 25 de Junho, por remissão do art.º 372º do mesmo diploma (20 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade), valor comunicado em 02-08-2012 à trabalhadora pela entidade patronal, com a notificação da “comunicação de despedimento por extinção de posto de trabalho fundamentada”, considerando o vencimento base da recorrida – 485,00€/mês.
f) A trabalhadora não se opôs ou contestou esse valor, que efectivamente recebeu e o fez seu.
g) O tribunal a quo teria decidido bem se desse como provado que a Recorrente pagou “323,33€ a título de Subsidio de Natal; 323,33€ a título de subsidio de férias; e 215,50€ a título de Indemnização (compensação) pelo despedimento” e, posteriormente, na liquidação dos créditos laborais, saber se a trabalhadora teria direito a receber mais do que lhe havia sido pago.
h) Quanto à licitude do despedimento, a esmagadora maioria da jurisprudência tem entendido que a mesma não depende da efectiva e real satisfação da compensação dos créditos vencidos e exigíveis do trabalhador despedido até à data final do aviso prévio (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 2001 (Proc.º n.º 00S124 in www.dgsi.pt); Acórdão do mesmo tribunal de 28 de Junho de 2001 (in CJ, Acs. Do Supremo tribunal de Justiça, II, p. 293); Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 2006/09/20 (processo n.º 4238/2006-4 in www.dgsi.pt; e o de 2006/03/28 (Processo n.º 4826/2006-4, in www.dgsi.pt); acórdão de 28/03/2012 (processo n.º 165/11.6TTVFX.L1-4 in www.dgsi.pt).
i) Entendendo que a expressão “disponibilização” de tais montantes significa o reconhecimento e disposição por parte da entidade patronal de proceder à sua satisfação, e de ao trabalhador ser dada a possibilidade efectiva de os receber, independentemente do concreto pagamento, que poderá ocorrer dentro do prazo legalmente fixado, ou em momento posterior, ou mesmo não se verificar.
j) O que releva é a boa-fé por parte do empregador no sentido de se dispor a pagar e de não obstaculizar ao pagamento e/ou recebimento das importâncias por parte do trabalhador”.
l) Ora, tendo presente esta orientação, bem como as comunicações dirigidas pela empregadora à trabalhadora é seguro afirmar-se que a ora Recorrente pôs à disposição da aqui Recorrida os créditos devidos, os quais foram integralmente pagos e recebidos pela trabalhadora, no valor global de 1.222,85€, e que corresponde na integra aos valores lançados no recibo de vencimento de 31-08-2012, do qual consta o item “Indemnização despedimento” que corresponde integralmente ao valor mencionado na comunicação de 1-8-2012, no valor de 215,50 €.
m) A trabalhadora não devolveu tais quantias à empregadora, por um lado, ou declarou, expressa ou tacitamente, aquando das comunicações efectuadas pela empregadora a dar-lhe conta da decisão de despedi-la, que se opunha aos fundamentos do despedimento, por outro.
n) Nos termos do n.º 5 e 6 do art.º 366º, do CT, “Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação prevista neste artigo.”, podendo tal presunção ser ilidida “desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação pecuniária recebida à disposição do empregador...".
o) Se a intenção da trabalhadora era não aceitar o despedimento, deveria ter devolvido à empregadora, o mais rapidamente possível, a quantia que lhe havia sido paga, mas não o fez, antes pelo contrário, fez suas as quantias recebidas, pelo que tal comportamento tem que ser entendido como aceitação do desemprego, não sendo suficiente para afastar tal presunção o ter intentado a presente acção contra a empregadora.
p) É este o entendimento seguido pelo Tribunal da Relação de Lisboa nos Acórdãos de 21-09-2011 (Processo 4983/07.1TTLSB.L1-4, in www.dgsi.pt) e de 17/3/2010 (relatora Des. Maria João Romba), in www.dgsi.pt,
q) E, ainda, do Acórdão do STJ de 9/12/2010, disponível no mesmo site, ao afirmar que “cabe ao trabalhador demonstrar que o recebimento da compensação não significou, no seu caso específico, aceitação do despedimento, o que pode fazer por qualquer meio probatório legalmente admissível. E, para tanto, não basta a simples declaração do trabalhador no sentido de que questiona a compensação disponibilizada, nem, muito menos, uma ulterior instauração da acção de impugnação do despedimento, sendo, antes, necessário que a declaração repulsiva da compensação, por banda do trabalhador, seja acompanhada de comportamentos com ela compatíveis, não podendo aceitar-se, por regra, que o trabalhador venha a dispor da compensação em seu proveito”.
r) Deveria o tribunal a quo ter decidido pela presunção da aceitação do despedimento por parte da trabalhadora.
s) O tribunal a quo ao julgar o despedimento como ilícito tomou uma decisão errada, não fazendo uma correcta interpretação dos factos e do direito.
TERMOS EM QUE pelo exposto, pelo mérito dos autos e pelo que doutamente será suprido deve à Apelação ser concedido provimento, revogando-se a douta decisão recorrida, julgando-se como não procedente a acção, substituindo-se por outra que julgue licito o despedimento,
designadamente por ter sido posta à disposição da Recorrida a compensação devida pelo despedimento por extinção do posto de trabalho, e de que se presume que a trabalhadora aceitou o despedimento ao fazer suas as quantias pagas pela empregadora, absolvendo-se a Recorrida do pedido (…)”

Contra-alegou a recorrida, pugnando pela manutenção da sentença.
A Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação emitiu parecer no sentido do recurso não merecer provimento, parecer que, notificado, não foi objecto de resposta.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:
1ª) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
2ª) A licitude do despedimento.

III. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância é a seguinte:
1- A trabalhadora foi contratada para trabalhar na empregadora, após a frequência de um estágio profissional e na sequência de uma candidatura através do Centro de Emprego de Guimarães.
2- A trabalhadora frequentou uma ação de formação profissional, no âmbito do seu percurso no Centro de Emprego de Guimarães, em virtude da sua colocação no desemprego, de que foi alvo pela anterior entidade patronal -empresa de calçado.
3- Após o términus desse estágio profissional, em data não concretamente determinada, mas que seguramente terá ocorrido em Outubro de 2011, a trabalhadora foi admitida ao serviço da empregadora, mediante contrato de trabalho verbal e por tempo indeterminado, e desde então, desenvolveu o seu trabalho, sob as ordens, direção e fiscalização desta.
4- Em data que não foi possível apurar, mas que se terá situado no início do ano de 2012, a trabalhadora subscreveu o contrato de trabalho junto a fls. 38 a 42, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5- A trabalhadora auferia como vencimento mensal a quantia de €485,00 (quatrocentos e oitenta e cinco euros), acrescida de subsídio de alimentação.
6- A trabalhadora foi admitida para exercer determinadas funções, entre elas, diariamente dava apoio telefónico às comerciais, analisava as possibilidades do mercado, estabelecia contactos comerciais com os clientes e novos clientes, organizava e etiquetava os produtos para as vendedoras viajantes, visitava os clientes e era responsável pela loja “on line.”
7- A empregadora em 1 de Agosto de 2012, através de carta com aviso de receção, para a residência da Autora, comunicou-lhe que era sua intenção proceder ao seu despedimento, por extinção de posto de trabalho pelo motivo apontados no documento de fls. 27 e 28, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8- No dia 02 de Agosto de 2012, a trabalhadora rececionou essa carta (cfr.. doc. de fls. 29).
9- A trabalhadora não se opôs ou contestou essa comunicação.
10 - No dia 16 de Agosto de 2012, a Ré enviou à Autora a decisão definitiva da extinção do seu posto de trabalho, com efeitos a 31 de Agosto de 2012 – conforme Doc. de fls. 30, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11 - A Empregadora comunicou a comunicação e decisão referidas anteriormente à ACT.
12 - Na decisão final de despedimento a empregadora informou a trabalhadora que só conseguiria liquidar em prestações os créditos laborais, descritos no recibo de vencimento junto a fls. 33, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13 - A empregadora procedeu a pagamentos parcelares à trabalhadora da compensação, nas seguintes datas:
- no dia 03/09/2012- € 305,67;
- no dia 01/10/2012- € 305,67;
- no dia 05/11/2012- € 305,67;
- no dia 30/11/2012- € 305,67;
14 - A trabalhadora não colocou à disposição da empregadora a referida compensação.
15 - A empregadora não pagou à trabalhadora:
- O salário do mês de Agosto de 2012;
- O subsídio de férias pelo trabalho prestado em 2011;
- O remanescente do subsídio de Natal, no valor de € 469,33.
16- A empregadora apresenta uma situação financeira deficitária, por falta de encomendas e por diminuição das vendas.

Por se revelar de interesse para a decisão da causa e visto que os documentos não são factos, altera-se a redacção dos números 7 e 10 supra, aditando-se-lhe o teor dos documentos de fls. 27 e 28, e 30, dados por reproduzidos nesses números, nos seguintes termos:
7. A empregadora em 1 de Agosto de 2012, através de carta com aviso de recepção, para a residência da Autora, comunicou-lhe que era sua intenção proceder ao seu despedimento, por extinção de posto de trabalho pelo motivo apontado no documento de fls. 27 e 28, cujo teor é o seguinte:
(…) comunica (…) a sua intenção de proceder ao despedimento por extinção do posto de trabalho de acordo com o disposto no artº 369º da Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 23/2012 de 25 de Junho, fundamentada nos seguintes motivos, com efeitos a partir do próximo dia 31/08/2012:
- A extinção do posto de trabalho deve-se ao facto de que a empresa nos últimos anos, com particular incidência no último ano, ter registado um significativo decréscimo de vendas, quer à concorrência crescente, quer à procura, a qual tem vindo gradualmente a diminuir, caracterizada pelo desemprego galopante e falta conexa do poder de compra.
Confrontada com esta realidade, a gerência foi obrigada a seguir um rigoroso regime de contenção de preços contra a corrente ditada pelo forte aumento dos custos, medida que, não obstante, se revelou incapaz de travar a retracção do volume de encomendas e por inerência, a quebra das receitas. Os factos atrás relatados acarretaram o inevitável desequilíbrio financeiro da empresa e, por arrastamento, puseram em causa a solvabilidade económica da mesma, tornando necessária de adopção de critérios de redução de custos, designadamente com o pessoal ao seu serviço. Face à situação exposta, a gerência encetou um processo irreversível de extinção de postos de trabalho excedentários adequando a sua capacidade produtiva às actuais condições mercado, sob pena de, a curto prazo, esgotadas as poupanças dos seus sócios, ficar impossibilitada de assegurar o pagamento dos salários dos trabalhadores, de cumprir as suas obrigações fiscais e Segurança Social, assim como, com os fornecedores.
A D. B…, com a categoria profissional de Técnica Comercial/Marketing, não é mais necessária na empresa pelo que o seu posto de trabalho será extinto pelos motivos elencados no parágrafo acima.
Cumpre-se desta forma o disposto no artº 368º da Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro, pelo que se passa a citar:
a) Os motivos indicados não são devidos a uma atuação culposa do empregador.
b) É impossível a subsistência da relação de trabalho.
c) Não se verifica a existência de contratos a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto.
d) Não se aplica o regime previsto par ao despedimento colectivo.
e) Será posta à disposição do trabalhador, na data fim do contrato laboral uma compensação no valor de 215,50€.
2 – Respeita-se o preceituado no nº 2 do artigo 368º da mesma lei, pois não existe ninguém a laborar com a mesma categoria.
A relação de trabalho torna-se praticamente impossível pois, extinto o posto de trabalho, o empregador não dispõe de outro que seja compatível com a categoria do trabalhador.
(…)”
10. No dia 16 de Agosto de 2012, a Ré enviou à Autora a decisão definitiva da extinção do seu posto de trabalho, com efeitos a 31 de Agosto de 2012 – conforme Doc. de fls. 30, do qual consta “(…) De acordo com a comunicação que lhe foi efectuada e tendo em atenção a correspondência envidada por V. Exª, não se opondo ao despedimento nos termos elencados na comunicação referida, vimos por este meio dar cumprimento ao disposto no artigo 371º do Código do Trabalho, juntando cópia da decisão definitiva devidamente fundamentada (em anexo(1)).
O modelo “RP5044” será posteriormente enviado pelo correio, até ao dia 31/08/2012(2).
Relativamente ao estipulado nos termos do nº 4 artigo 371º do Código do Trabalho, como tem conhecimento das dificuldades que a empresa apresenta, os valores a receber serão liquidados da seguinte forma:
- em quatro prestações mensais, vencendo-se a primeira a 01 de Setembro de 2012 e as restantes em igual dia do mês a que disserem respeito, cujo pagamento será efectuado por transferência bancária.
(…)”.

Apreciando:
1ª questão:
Renovando que as conclusões delimitam o objecto do recurso, não vemos nelas referido qualquer pedido, dirigido ao tribunal de recurso, no sentido de alterar a decisão sobre a matéria de facto. Ainda assim, se considerarmos que as conclusões d) a g) visam tal reapreciação, então a recorrente não deu cumprimento aos ónus previstos no artigo 640º nº 1 do CPC, a saber, não indicou os pontos da matéria de facto que julga incorrectamente decididos nem o sentido em que os mesmos devem ser julgados, ao menos dum modo claro, por referência à numeração da matéria de facto, mas sobretudo não indicou a razão pela qual o tribunal recorrido deveria ter decidido doutro modo, sendo certo que a mera referência a um documento junto com a motivação, posto que se trata duma cópia dum recibo de vencimento que não se mostra assinado pela trabalhadora, e posto que enquanto recibo de vencimento se trata de um documento particular – artigos 362º, 363º nº 1 e 2, 371º, 374º e 376º, todos do Código Civil – considerando ainda a impugnação do artigo 9º da motivação pelo artigo 12º da contestação da trabalhadora, não tem qualquer força probatória.
Nestes termos, mesmo que se entendesse que foi manifestada a intenção de recorrer de facto, sempre o recurso havia nessa parte de ser rejeitado, por incumprimento dos ónus de impugnação, o que se decide, e em última instância sempre seria improcedente.

2ª questão:
Posto que a contestação se baseou no não pagamento da compensação devida pela extinção do posto de trabalho, não está em causa a fundamentação apresentada para o despedimento, razão pela qual entendemos não eliminar oficiosamente a primeira parte do facto nº 16, que é manifestamente conclusiva.

Como bem se assinala na sentença recorrida, tendo o despedimento ocorrido em 31 de Agosto de 2012, o quadro legislativo aplicável é o do Código do Trabalho na versão da Lei 7/2009 com as alterações da Lei 23/2012, que entrou em vigor em 1 de Agosto de 2012. Simplesmente, como resulta da conjugação da matéria de facto com os preceitos legais aplicáveis, no caso concreto, tendo o contrato de trabalho sido celebrado em data não concretamente apurada mas situada seguramente em Outubro de 2011 e ocorrendo o despedimento antes de Outubro de 2012, a disciplina que regula este concreto despedimento, na matéria da compensação a pagar, é igual à da versão original da Lei 7/2009. É o que resulta do artigo 6º da Lei 23/2012: “1 — Em caso de cessação de contrato de trabalho celebrado antes de 1 de novembro de 2011, a compensação prevista no artigo 366.º do Código do Trabalho, na redação conferida pela presente lei, é calculada do seguinte modo:
a) Em relação ao período de duração do contrato até 31 de outubro de 2012, o montante da compensação corresponde a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade;
(…)
c) O montante total da compensação não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
(…).
Dispõe o artigo 368º nº 5 do Código do Trabalho que “O despedimento por extinção do posto de trabalho só pode ter lugar desde que, até ao termo do prazo de aviso prévio, seja posta à disposição do trabalhador a compensação devida, bem como os créditos vencidos e os exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho”. O prazo de aviso prévio é um prazo que, com referência à antiguidade do trabalhador, tem de ser observado entre a prolação da decisão de despedimento e a produção dos seus efeitos, concretamente, a cessação da relação laboral. De novo, o artigo 371º nº 4 vem referir que “O pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho deve ser efectuado até ao termo do prazo de aviso prévio”.
Na versão primitiva (Lei 7/2009) o artigo 363º nº 5 respondia à última questão que a recorrente coloca neste recurso: - a ratio não é a do legislador admitir que é fundamento da extinção de posto de trabalho a má situação económica e financeira da empresa e de acordo com isto só fazer sentido não obrigar o empregador a ainda a agravar mais com o pagamento imediato das compensações. Essa relação foi prevista pelo legislador para os casos de insolvência e de recuperação de empresas, como se vê do nº 5 citado, mas não em geral, precisamente porque o fundamento não é só a má situação económica e financeira(3) mas a conjugação desta com a necessidade e adequação da medida de despedimento – contabilizando-se a eliminação do custo do trabalho, que, em segurança e estabilidade é maior que o custo da indemnização a pagar ao trabalhador, e ponderando-se a sua potencialidade para assegurar a restauração do equilíbrio económico e financeiro. A alteração do preceito não compromete este raciocínio, porque o legislador organizou outro modo de responsabilização pelo pagamento.
O que é verdadeiramente claro é que a contrapartida da possibilidade de eliminação da segurança de emprego, ou mais latamente, a contrapartida da perda de emprego é a possibilidade de recomposição da vida profissional que o legislador entendeu que ficava garantida com o pagamento, até ao momento em que a cessação da relação laboral se dá, da compensação e de todos os créditos devidos. No pensamento legislativo pretendeu-se uma resolução definitiva, no momento em que o despedimento opera, das relações entre o empregador e o trabalhador, possibilitando ao primeiro continuar a desenvolver a sua actividade, adaptando-se ao mercado, e possibilitando ao segundo reapresentar-se de imediato no mercado de emprego, possibilidade que o legislador pensou, além do mercado, como elemento indispensável à recomposição da paz social.
Por essa razão, é indevido o pensamento de que a origem da possibilidade legal de despedimentos colectivos ou por extinção do posto de trabalho radique unicamente na satisfação imediata do interesse do empregador, bastando-se o legislador em assegurar que o trabalhador pode contar com a boa intenção do empregador em pagar-lhe num qualquer momento, ou até em não lhe pagar, mas ter manifestado boa intenção de o fazer. Se assim fosse teríamos, num primeiro momento, a submersão dos tribunais em processos destinados a operacionalizar a boa intenção, e num segundo momento, perante a sua impotência face a tal submersão, o recurso, pelos trabalhadores, a outras formas de luta menos pacíficas. O legislador, cuja inteligência se presume, de resto, em direito, não estava alheio a estas possibilidades.
Resulta da matéria de facto provada que:
“12 - Na decisão final de despedimento a empregadora informou a trabalhadora que só conseguiria liquidar em prestações os créditos laborais, descritos no recibo de vencimento junto a fls. 33, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13 - A empregadora procedeu a pagamentos parcelares à trabalhadora da compensação, nas seguintes datas:
- no dia 03/09/2012- € 305,67;
- no dia 01/10/2012- € 305,67;
- no dia 05/11/2012- € 305,67;
- no dia 30/11/2012- € 305,67;
14 - A trabalhadora não colocou à disposição da empregadora a referida compensação.
15 - A empregadora não pagou à trabalhadora:
- O salário do mês de Agosto de 2012;
- O subsídio de férias pelo trabalho prestado em 2011;
- O remanescente do subsídio de Natal, no valor de € 469,33”.
O que consta do nº 12, no cotejo com o nº 15, não é portanto que os créditos constantes do recibo de fls. 33 tenham sido pagos até à data de cessação da relação laboral (termo do aviso prévio) em 31 de Agosto de 2012, mas sim que a compensação foi objecto dos pagamentos referidos no nº 13, ou seja, pagamentos parcelares em datas posteriores à da cessação da relação laboral.
Assim, manifestamente, e nem sequer estando em causa que os créditos referidos no nº 15 não fossem devidos, a compensação não foi posta à disposição da trabalhadora até ao termo do aviso prévio e no mesmo prazo não lhe foram disponibilizados os créditos salariais vencidos e exigíveis por força da cessação da relação laboral, pelo que não foi cumprido o disposto nos citados artigos 368º nº 5 e 371º nº 4 ambos do Código do Trabalho, e assim a ilicitude do despedimento decorre do disposto no artigo 384º al. d) e 366º, ex-vi do artigo 372º, todos do Código do Trabalho.
Intervém a recorrente citando a seu favor uma série de doutos acórdãos, dos quais resulta a consagração jurisprudencial de que a disposição não é o mesmo que pagamento, e que portanto basta disponibilizar independentemente da data em que o pagamento vier a ocorrer.
Na verdade, lê-se no Ac. da Relação de Lisboa de 28.3.2012: “4.4.2. De acordo com o disposto no artigo 384.º do Código do Trabalho, é ilícito o despedimento por extinção do posto de trabalho se efectuado sem que tenha sido posta à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação devida e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho.
Versando sobre este aspecto do regime do despedimento colectivo – à luz do qual foi traçado o regime do despedimento por extinção do posto de trabalho, aspecto que se mantém, no seu essencial, desde o Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) –, a jurisprudência tem considerado que a legalidade do despedimento não passa pela efectiva e real satisfação da compensação e dos créditos do trabalhador despedido até à estrita data em que finda o prazo de aviso prévio e cessa o contrato, mas tão só pela “disponibilização” desses montantes, entendida esta como o reconhecimento e disposição do empregador de proceder à sua satisfação até tal data, a que corresponde a efectiva possibilidade de serem recebidos pelo trabalhador despedido.
Segundo é dito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 2001 (Proc. nº 00S124, in www.dgsi.pt)
“Importa, contudo, reter que a sujeição da legalidade do despedimento colectivo, na parte que agora nos interessa, não passa pela efectiva e real satisfação dos créditos do trabalhador despedido, mas tão só pela disponibilidade dos montantes - veja-se o preâmbulo do DL 64-A/89 - entendida esta como uma verdadeira possibilidade de serem recebidos pelo trabalhador despedido, e a que corresponde, pela entidade patronal um reconhecimento, e uma disposição de proceder à sua satisfação, independentemente do concreto pagamento, que poderá ocorrer dentro do prazo legalmente fixado, ou em momento posterior, ou mesmo não se verificar, por inúmeras razões, que não se cuidam aqui de analisar, mas sem que de tal resulte a ilicitude do despedimento efectuado”.
A este aresto seguiu-se o Acórdão do mesmo tribunal de 28 de Junho de 2001 (in CJ, Acs. do Supremo Tribunal de Justiça, II, p. 293) que, lançando mão do Preâmbulo da LCCT, realçou que a lei não faz sujeitar a legalidade do despedimento à efectiva e real satisfação dos créditos do trabalhador despedido, mas tão só “à disponibilização dos montantes, entendida esta como uma verdadeira possibilidade de serem recebidos pelo trabalhador, correspondendo, na esfera da empregadora, a um reconhecimento e uma disposição de proceder à sua satisfação”, foi ainda mais longe, afirmando que a própria falta de pagamento não inquina de ilicitude o despedimento se não estiver demonstrada no processo uma indisponibilização e/ou recusa por parte da ré quanto ao pagamento das quantias.
Na sequência deste arestos, sedimentou-se nesta Relação o entendimento de que o que releva, neste particular aspecto, é o reconhecimento, e a vontade, do empregador de pagar, ao trabalhador abrangido pelo despedimento colectivo, a compensação e os restantes créditos legalmente previstos, pondo-os à disposição do trabalhador, por forma a que este tenha possibilidade de os receber, independentemente de este recebimento poder vir a ocorrer em momento posterior ao termo do prazo do aviso prévio, não acarretando este facto a ilicitude do despedimento.
Ou dizendo de outro modo, que releva é a boa-fé por parte do empregador no sentido de se dispor a pagar e de não obstaculizar ao pagamento e/ou o recebimento das importâncias por parte do trabalhador – vide os Acórdãos da Relação de Lisboa de 2006.09.20 (Processo n.º 4238/2006-4, in www.dgsi.pt) e de 2006.03.28 (Processo n.º 4826/2006-4, in www.dgsi.pt).
Lançando mão da palavra deste último acórdão[3], cabe salientar o seguinte:
“Quanto ao que se deva entender por “pôr à disposição” é indiscutível que não se trata de pagamento e parece não haver grandes dúvidas quanto ao seu significado, embora se encontrem na doutrina e na jurisprudência, diferentes formulações a esse respeito. Assim, enquanto para Monteiro Fernandes, se trata de uma “oferta” de pagamento[4], para Bernardo Lobo Xavier é “menos que um pagamento e diferente de uma oferta de pagamento (...), bastando que o empregador torne o recebimento dependente de um acto simples do trabalhador (...), como, por exemplo, a passagem pela tesouraria ou pelos serviços administrativos da empresa ...”[5].
Seja como for, a lei não faz depender a legalidade do despedimento colectivo da efectiva e real satisfação dos créditos do trabalhador despedido, mas tão só da “disponibilização” dos respectivos montantes, entendida esta como uma verdadeira possibilidade de serem recebidos pelo trabalhador, correspondendo, na esfera da empregadora, a um reconhecimento e uma disposição de proceder à sua satisfação, independentemente do concreto pagamento que poderá mesmo não se verificar por inúmeras razões, daí não resultando a ilicitude do despedimento[6].
A “disponibilização” constitui, portanto, um acto diferente do pagamento e, feita aquela pela entidade patronal, este poderá não ocorrer por variados motivos, designadamente por não aceitação ou recusa de recebimento por parte dos trabalhadores.”
Não se vê motivo para divergir desta orientação que, aqui, se subscreve.
4.4.3. Ora, tendo presente o enunciado quadro normativo, o modo como o mesmo tem sido perspectivado pela jurisprudência e os concretos factos que nestes autos nos é dado apreciar, podemos adiantar que, efectivamente, é de considerar ter a R. ora recorrida colocado à disposição do recorrente, até ao dia 31 de Dezembro de 2010, os aludidos compensação e créditos, em valor cuja correcção não foi posta em causa no recurso.
Com efeito, logo no dia 27 de Outubro de 2010 na missiva que enviou ao A. ora recorrente a comunicar-lhe a decisão de extinguir o posto de trabalho que o mesmo ocupava, com produção de efeitos em 31 de Dezembro de 2010, a R. foi expressa em afirmar que “até ao termo do prazo de aviso prévio, serão liquidadas, através de transferência bancária a efectuar para a conta bancária de V. Exa., n.º PT ..., com data-valor de 31 de Dezembro de 2010, as quantias ilíquidas” que a seguir discrimina e que coincidem exactamente com os valores que vieram a ser pagos ao A. e este devolveu na carta por si remetida à R. em 5 de Janeiro (vide 3.1. e 3.2. e o documento junto com o articulado motivador a fls. 85-99).
Interpretada esta declaração do empregador, de acordo com a teoria objectivista da impressão do destinatário consagrada no artigo 236.º, n.º 1 do Código Civil, cremos que com a mesma a R. exterioriza a sua vontade no sentido de liquidar ao trabalhador os referenciados valores até 31 de Dezembro de 2010, data esta em que veio a operar a cessação do contrato e que inicialmente a R. indica, em conformidade com o texto legal, ser o “termo do prazo de aviso prévio”.
A corroborar a expressa intenção da R. de colocar à disposição do recorrente os valores em causa até tal data, e tendo a mesma em consideração, está a circunstância de a R. ter emitido os recibos respectivos exactamente com a data de 31 de Dezembro de 2010 e de ter computado para o efeito de cálculo de todos os montantes a receber – quer da compensação, quer dos créditos emergentes da cessação do contrato – o período decorrido até essa mesma data (vide 3.3. a 3.5. e os documentos juntos com o articulado motivador a fls. 112 e 113, igualmente atendidos na douta sentença recorrida).
Finalmente, não pode deixar de se ter presente o circunstancialismo que rodeou a cessação do contrato e a própria atitude do A. ora recorrente que emerge da matéria de facto provada, ao protelar para uns dias após a efectiva cessação das relações contratuais estabelecidas, a prática de actos que o fim destas naturalmente exigia.
Com efeito, ficou provado que na comunicação entregue a 27 de Outubro de 2010 (referida em 3.1. e 3.2.) foi ainda exigido ao A. que a 31 de Dezembro de 2010 devolvesse o cartão da garagem e o cartão de acesso às instalações da R. que lhe foram atribuídos ao abrigo do contrato de trabalho celebrado (vide 3.7.).
E ficou provado, também, que o A. só veio a entregar tais instrumentos de trabalho em anexo à missiva datada de 5 de Janeiro de 2011, recebida pela R. a 6 de Janeiro de 2011, com a qual juntava já o cheque de uma conta por si titulada, emitido a favor da R. e datado de 2011-01-05, no valor de € 11.036,00, invocando que junta tal cheque, “correspondente ao montante exacto que foi creditado na minha conta a título de compensação pelo referido despedimento” (vide 3.8. e 3.9. e o documento de fls. 114, junto com o articulado motivador).
Neste contexto, tendo em consideração que o dia 31 de Dezembro de 2010 foi uma sexta feira, que no dia 5 de Janeiro o ora recorrente estava já a devolver à R. a importância transferida pela recorrida – que, necessariamente, fora anteriormente creditada na sua conta, no curto hiato temporal que decorreu entre um dia e o outro –, entendemos ser patente a boa fé da R. no sentido da disponibilização ao A., por ocasião da cessação do contrato, dos montantes relativos à compensação e aos créditos vencidos e então exigíveis.
Acresce que, na carta de 5 de Janeiro o ora recorrente se limita a invocar que não aceita o despedimento por considerar que “é ilícito e injustificado”, nada dizendo quanto a não terem sido os valores em causa postos à sua disposição, ou a terem-no sido depois do tempo devido.
Resulta, pois, dos factos provados que a R. se disponibilizou desde Outubro de 2010 a pagar em 2012.12.31 ao ora recorrente os valores em causa, calculados até tal data, e que veio a proceder efectivamente a tal pagamento, sendo creditado o correspondente valor na conta bancária do A. anteriormente à devolução por este da compensação, devolução que ocorreu em 2011.01.05, escassos dias após 2010.12.31 e com um fim de semana de permeio, no concreto condicionalismo já referenciado e ponderado, acompanhada de actos do A. que, ele próprio, devia ter praticado até à data da cessação do contrato e que protelou até data ulterior à da própria recepção daqueles valores.
Assim, e tendo ainda em consideração que o Código do Trabalho de 2009, embora não deixando de relevar a circunstância de ser posta à disposição do trabalhador a compensação devida como determinante da ilicitude do despedimento [384.º alínea d)], deixou de enumerar este factor como um requisito do despedimento por extinção do posto de trabalho [cfr. os artigos 403.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 e 368.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009], entendemos que a R. ora recorrida demonstrou nestes autos, como era seu ónus, ter colocado à disposição do trabalhador ora recorrente, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação a que se refere o artigo 366.º por remissão do artigo 372.º e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho” (fim de citação).

Com o maior respeito pela jurisprudência mencionada, não concordamos.
Começando pelo fim, o Código de 2009 não deixa de considerar que a disponibilização da compensação é um requisito do despedimento, apenas sistematizou doutra forma o preceito – a alínea d) passou a constar do nº 5, mas a epígrafe do correspondente preceito mantém-se. De resto, o artigo 371º nº 4 refere expressamente “pagamento” e não “colocação à disposição”.
Por outro lado, compreende-se que a jurisprudência, perante casos particulares em que ferisse o sentimento de justiça considerar ilícito o despedimento por um atraso no pagamento da compensação, tenha feito apelo à expressão “disposição” e tenha, acompanhada pela doutrina, elaborado a distinção entre pôr à disposição e pagar. É o caso do próprio acórdão que citamos, em que a cessação da relação laboral se deu em 31 de Dezembro e o pagamento em 4 de Janeiro, para mais tendo de considerar-se que era necessário que a trabalhadora tomasse algumas atitudes que não tomou contemporaneamente à cessação da relação laboral.
Mas destes casos particulares não se pode extravasar para uma regra geral em que apenas interessa pôr à disposição, e este pôr à disposição se vai sucessivamente interpretando até se resumir a uma simples declaração, uma declaração de boas intenções, e admitindo-se mesmo que nenhum pagamento venha a ser feito. Apesar de o parecer, cremos que não é isto que a mencionada jurisprudência diz. São ressalvadas as circunstâncias em que o não pagamento pode ocorrer. Não se diz que pode não pagar, diz-se que em certas circunstâncias pode até nem vir a ocorrer o pagamento, seja porque o trabalhador não toma a atitude necessária para o receber, seja, naturalmente, porque entretanto o empregador já não tem como pagar. Mas estas são situações particulares que não permitem lançar uma regra geral de que ao legislador é indiferente que não se pague.
Pelo contrário. Aliás, a referência na jurisprudência citada ao preâmbulo do DL 64-A/89 é apenas à menção da escolha da palavra disposição em vez de pagamento. Se se ler esse preâmbulo, percebe-se que o legislador, antevendo o mercado europeu, antecipadamente vai chamando empregadores e trabalhadores ao melhor esforço para integração nesse mercado, obviamente com atenção à concorrência que nele se vai desenvolver. Daí que o legislador tenha resolvido acabar com dispositivos rigidificantes, visando a flexibilização do trabalho, sem prejuízo da observância do princípio constitucional da segurança no emprego. O próprio parágrafo em que o legislador, no preâmbulo, se refere à disposição da compensação como condição de licitude do despedimento, inicia-se com o argumento de que a nova disciplina da cessação do contrato se faz sempre com salvaguarda das garantias substantivas e processuais dos trabalhadores, antecipando-o dum outro em que refere crer que o funcionamento do mercado é condição de existência de segurança e estabilidade do emprego. Apesar deste argumentário sobre o mercado, cremos não ser possível passar sobre a afirmação expressa de que se salvaguardam as garantias substantivas e processuais, e uma dessas é definida pelo legislador como sendo a colocação à disposição da compensação e créditos salariais.
Ora, há-de perguntar-se, como é que as garantias substantivas e processuais se consideram salvaguardadas, quando se aceita como condição de licitude do despedimento a simples declaração do empregador de pagar, e a ela, sem mais, se lhe atribui o qualificativo de boa intenção? Teríamos então de concluir que a palavra do empregador tem um inequívoco valor de bondade, o que de todo em todo não está afirmado no preambulo – porque a bondade do mercado, afirmada pelo legislador, não é sinónimo de que as declarações de todo e qualquer empregador são verdadeiras e bem intencionadas.
As normas jurídicas são gerais e abstractas e o legislador, quando as define, não se esquece disso nem se esquece que a aplicação ao caso concreto é feita, em casos litigiosos, pelo tribunal – aliás, é o próprio preambulo que assinala a judicialização da resolução do conflito – e essa aplicação depende dos factos concretos. Por isso, o que venha a ser decidido num processo, em função do caso concreto, não permite a extrapolação para uma norma (de ordem judiciária) abstracta.
É nos pormenores provados do caso concreto que se revela se se pode afirmar a boa intenção do empregador e a irrelevância da descoincidência do pagamento com a colocação à disposição.
Por outro lado, e numa discordância mais substancial com uma tese que contemplasse com beneplácito a irrelevância da contemporaneidade da colocação à disposição e do pagamento, sempre voltaríamos a dizer que também para alcançar a possibilidade de livre trânsito dos trabalhadores por inúmeros empregos que o mercado disponibilizava, segundo a previsão de 1989, não bastaria o reforço da protecção social do desemprego, mas interessava sobremaneira que as questões entre trabalhadores e empregadores ficassem definitivamente resolvidas, e que os trabalhadores pudessem “ir à sua vida”, passe a expressão, esquecendo – por não terem mais necessidade de se lembrar – a relação anterior e munidos da compensação que, ela também ao lado da protecção social, foi prevista pelo legislador como modo de possibilitar a reinserção do trabalhador noutro emprego. E voltamos a dizer que o legislador não ignora que não pode deixar os trabalhadores sem qualquer protecção, sob pena de forte ruptura da ordem social em que o próprio mercado assenta.
Por isso, e em conclusão, não aceitamos o argumento da recorrente sobre a irrelevância do não pagamento e sobre a suficiência da mera declaração de colocação à disposição.
Nem, pelas razões já aduzidas, entendemos ser possível desconsiderar o disposto no artigo 371º nº 4 e permitir o pagamento da compensação em prestações, todas aliás pagas além do prazo legal. Será possível sim, se o trabalhador nisso expressamente acordar – e disso, no caso dos autos, não há qualquer facto provado.
Finalmente, se não está provado o pagamento de todos os créditos salariais devidos, também pouco importa que a compensação tenha sido paga e não tenha sido devolvida, porque a condição de ilicitude do despedimento já proceda da falta de pagamento daqueles créditos.
Ainda que assim não fosse, era preciso afirmar – e nós não o fazemos – a regra de que o pagamento da compensação pode ser feito em qualquer altura, muito para lá do prazo legalmente previsto, para avançar depois com a presunção de aceitação do despedimento. Aliás, mais um argumento para afirmar que o que é relevante é o pagamento e o pagamento tempestivo, no prazo legal – ou se se preferir, como diz a jurisprudência contrária, a disponibilização com a correspondente possibilidade de a efectivar por parte do trabalhador, ou seja, não apenas uma intenção, uma declaração, mas uma actuação que coloca, do ponto de vista prático, os meios económicos pertinentes na ordem jurídica do trabalhador, no domínio em que ele, do ponto de vista jurídico, pode aceder a esses meios, pode dispor deles – é que a presunção de aceitação não pode existir sem esse pagamento, pois não se pode devolver o que não foi recebido.

Termos em que, não estando demonstrado o pagamento dos créditos salariais vencidos e exigíveis à data da cessação da relação laboral, e estando apenas demonstrado o pagamento da compensação por extinção do posto de trabalho em prestações mensais, cujo início é posterior à data da cessação da relação laboral, se afirma a ilicitude do despedimento, na conformidade dos preceitos legais acima mencionados. Termos em que improcede o recurso.
Tendo nele decaído, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 12.5.2014
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
Fernanda Soares
______________
(1) Aliás, não junto com a motivação.
(2) Esta menção está manuscrita, encontrando-se riscado a parte dactilografada que se refere ao simultâneo envio do modelo em causa”.
(3) Nos casos em que é esse o fundamento, esquecendo agora os demais motivos legalmente previstos.
_______________
Sumário a que se refere o artigo 663º, nº 7 do actual CPC:
O despedimento por extinção do posto de trabalho é ilícito quando não se demonstra o pagamento dos créditos salariais vencidos e exigíveis à data da cessação da relação laboral, e quando apenas se demonstra o pagamento da compensação em prestações mensais, cujo vencimento é posterior à data da cessação da relação laboral.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).