Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
CONSULTA
Sumário
O direito de consulta conferido ao trabalhador implica não só que o procedimento disciplinar seja colocado à sua disposição entre o termo inicial e o termo final do prazo de consulta e de resposta à nota de culpa, mas também que não sejam colocados entraves que tornem a consulta demasiado onerosa ou dispendiosa.
Texto Integral
ACÓRDÃO
RECURSO Nº 382/13.4TTMAI-A.P1 RG 370
RELATOR: ANTÓNIO JOSÉ ASCENSÃO RAMOS 1º ADJUNTO: DES. EDUARDO PETERSEN SILVA 2º ADJUNTO: DES. PAULA MARIA ROBERTO
PARTES: RECORRENTES: B… RECORRIDA: C…, S.A.
◊◊◊
◊◊◊
◊◊◊
Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
◊◊◊
I – RELATÓRIO 1. B…, intentou, ao abrigo do artigo 98º-C, do Código de Processo do Trabalho, em conjugação com o artigo 387º do Código do Trabalho, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra C…, S.A., opondo-se ao seu despedimento ocorrido em 19/06/2013.
◊◊◊
2.
Foi realizada a audiência de partes, tendo-se frustrado a tentativa de conciliação.
◊◊◊
3.
A Ré[1] apresentou o articulado a que alude o artigo 98-J do CPT, alegando que o despedimento da Autora é lícito, uma vez que foi despedida com justa causa uma vez que a trabalhadora violou de forma grave, o dever de: i) respeitar e tratar o empregador, superiores hierárquicos, companheiros de trabalho, com urbanidade e probidade; ii) realizar o trabalho com zelo e diligência; iii) cumprir ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho e iv) velar pela conservação e boa utilização de bens que lhe forem confiados pelo empregador.
Pugna pela regularidade e licitude do despedimento.
◊◊◊
4.
A Autora respondeu ao articulado da Ré, nos termos do artigo 98º-L, nº 3 do CPT, tendo alegado defesa por excepção e por impugnação, além de ter deduzido pedido reconvencional.
Para o que aqui interessa, por excepção invoca a invalidade do processo disciplinar, uma vez que não lhe foi facultada a consulta do processo disciplinar, bem como a inadmissibilidade dos factos alegados pelo Empregador nos arts. 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º (parte final), 45.º, 46.º, 47.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 63.º, 64.º, 67.º, 68.º, 69.º, 70.º e 79.º do seu articulado, que não se encontram vertidos na nota de culpa e a ineficácia dos factos alegados pelo Empregador nos arts. 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 18.º, 23.º, 24.º, 25.º, 44.º, 48.º e 56.º do seu articulado.
◊◊◊
5.
A Ré respondeu pugnando pela improcedência das excepções aduzidas.
◊◊◊
6.
Foi realizada uma audiência prévia que, no que importa ao recurso propriamente dito, se decidiu o seguinte: “DA (IN)VALIDADE DO PROCESSO DISCIPLINAR
Na contestação, a A. pugna pela invalidade do processo disciplinar. Diz que não lhe foi facultada, em termos razoáveis, a consulta do processo disciplinar, o que a impossibilitou de apresentar defesa.
A R. respondeu.
Vejamos.
Nos termos do disposto no art.º 353º, n.º 1 do CT, “No caso em que se verifique algum comportamento suscetível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.”.
“O trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considera relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.” – art.º 355º, n.º 1 do mesmo diploma.
“O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.os 1 ou 2 do artigo 329.º, ou se o respetivo procedimento for inválido.” – art.º 382º, n.º 1 do CT. O procedimento é inválido se, entre outras coisas, não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa – n.º 2, al. c) do mesmo preceito.
É efetivamente verdade que o empregador deve disponibilizar ao trabalhador o processo para consulta. E, se admitimos que não deve facultar o acesso ao processo em termos que tornem a consulta onerosa ou difícil, também é verdade que não é obrigação da entidade patronal disponibilizar o processo no local onde o trabalhador entenda que é mais conveniente consultá-lo.
A questão passa, pois, por saber se a entidade patronal dificultou o acesso ao processo por parte da A.
No caso concreto, a sede da R. está situada em Lisboa. Os instrutores nomeados para o processo, advogados, têm domicílio profissional em Lisboa. Por isso, é normal que o processo disciplinar estivesse em Lisboa e em Lisboa tivesse sido consultado.
Não cremos, por isso, que tenha havido uma atuação da entidade patronal no sentido de dificultar ou tornar onerosa a consulta do processo, por parte da A., ou que fosse sua obrigação disponibilizar o processo à A., para consulta, no seu local de trabalho.
Também no processo penal o arguido tem direito a consultar o processo sem que seja ónus da entidade que, em cada momento o dirige, permitir o seu exame no local onde ao arguido convém.
Improcede, por isso, a arguição da invalidade do processo disciplinar
*
DA (IN)ATENDIBILIDADE DOS FACTOS INVOCADOS NO ARTICULADO DE MOTIVAÇÃO DO DESPEDIMENTO:
Nos artºs 8º a 10º da contestação, a A. defende que são inadmissíveis alguns dos factos alegados pela R. no articulado de motivação do despedimento.
Alega que “(…) o testemunho fabricado pela Empregadora imputado à D.ª D… como tendo tido lugar aos 19/03/2013 – cfr. fls. 7 a 14 do processo disciplinar – só teve lugar após a emissão da Nota de Culpa de fls. 18 a 23 do mesmo procedimento (…) na medida em que o articulado contém matéria, que nem sequer tem a dignidade de factos, existente em tal “depoimento” mas que não se encontra vertida na Nota de Culpa, nomeadamente os referidos arts. 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º (parte final), 45.º, 46.º, 47.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 63.º, 64.º, 67.º, 68.º, 69.º, 70.º e 79.º.”.
Nos termos do disposto no art.º 353º, n.º 1 do Código do Trabalho, “no caso em que se verifique algum comportamento suscetível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado, a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa, com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados”.
Por outro lado, resulta do disposto no art.º 357º, n.º 4 do mesmo diploma legal que, na decisão de despedimento, “(…) não podem ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade”.
Finalmente, e nos termos do art.º 387º, n.º 3 do CT, “na ação de apreciação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador”.
Da análise deste três preceitos legais resulta, pois, que os factos a atender para apurar a existência de justa causa de despedimento têm de reunir três requisitos:
a) constar da nota de culpa (ou referidos na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem ou diminuírem a responsabilidade);
b) constar da decisão punitiva;
c) ser provados pela entidade empregadora na ação de impugnação de despedimento (AC STJ de 22.05.2002, AD, 494.º, 305).
A nota de culpa, na medida em que delimita os factos que podem ser considerados na decisão final e os factos que, depois, podem ser invocados para fundamentar o despedimento, assume um papel principal em todo o processo de despedimento do trabalhador, daí que a lei exija que a mesma contenha uma “… descrição circunstanciada dos factos …” que são imputados ao trabalhador.
Tal como vem sendo entendido pela nossa doutrina e jurisprudência, tal exigência legal radica nas garantias de defesa – inerentes a qualquer processo sancionatório – implicando, necessariamente, o direito de audiência e o direito ao exercício do contraditório por parte do trabalhador: daí que os comportamentos imputados ao trabalhador, suscetíveis de integrar infração disciplinar devam ser descritos com a narração, tão concreta quanto possível, do circunstancialismo de tempo, lugar e modo em que ocorreram, de forma a permitir ao trabalhador o perfeito conhecimento dos factos que lhe são atribuídos, a fim de poder organizar adequadamente a sua defesa.
Assim, se a narração dos factos é incompleta, omitindo o relato de elementos circunstanciais relevantes, de tal modo que não possibilita ao trabalhador ter uma perceção adequada do que lhe é imputado, impedindo-o de convenientemente contrariar a acusação, resulta ofendida a garantia de defesa, cominando a lei, para tais casos, a sanção da nulidade do processo. O mesmo já não sucederá, porém, quando a nota de culpa, apesar de revelar insuficiências quanto ao circunstancialismo da infração, se apresenta em termos de o visado poder compreender os factos nela individualizados.
Por outro lado, e não obstante o estatuído no n.º 3 do artigo 387.º, afigura-se-nos que o tribunal não está impedido de conhecer de factos instrumentais ou circunstanciais não descritos na nota de culpa, ou de factos que mais não sejam do que desenvolvimento ou meras circunstâncias que rodearam a prática de infração, desde que alegados pelas partes.
Analisado o articulado de motivação, a nota de culpa e a decisão do processo disciplinar, afigura-se-nos que não assistirá razão à A., na parte em que refere a existência de factos que não constam da nota de culpa.
Por um lado, porque os factos vertidos no articulado de motivação, ou constam expressamente da nota de culpa, ainda que porventura com uma redação ligeiramente diferente, ou se destinam a concretizar e a fazer perceber a razão pela qual, na perspetiva da R., a infração atribuída à A. constitui ou não uma falha importante.
Tem razão a A., quando refere que não está concretizada a alegação vertida nos arts 9º a 11º, 18º, 24º do articulado de motivação. Trata-se de uma alegação que não encerra em si qualquer facto traduzindo antes a conclusão que a entidade patronal retira dos factos concretos que aponta à A.
Tais juízos de valor não poderão, por esse motivo, ser considerados, o mesmo não sucedendo com os demais factos.
*
Pelo exposto, decido:
- considerar inatendível, enquanto facto, a alegação feita nos art.os 9º a 11º, 18º e 24º do articulado e, no mais,
- julgar improcedentes as exceções invocadas pela A. atinentes à invalidade do procedimento disciplinar.”
◊◊◊
7.
Inconformada com esta decisão, dela recorre a Autora/trabalhadora (recurso que subiu em separado e imediatamente), formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
1.ª – A actuação da Empregadora, ora Recorrida, ao responder à solicitação da Trabalhadora, ora Recorrente, com vista à consulta do respectivo processo disciplinar no final do último dia do prazo para apresentar defesa e ao impor-lhe que, para o efeito, tivesse de se deslocar a Lisboa criou entraves irrazoáveis e, por conseguinte, inadmissíveis, no que concerne à possibilidade de consultar o aludido processo disciplinar.
2.ª – A Trabalhadora, ora Recorrente, ficou, por conseguinte, impossibilitada de apresentar a respectiva defesa, o que consubstancia uma manifesta violação do seu direito de defesa e, por via disso, acarreta a invalidade do processo disciplinar (art. 382.º, n.º 2, al. c) do Cód. Trabalho).
3.ª – A matéria alegada nos artigos 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º (parte final), 45.º, 46.º, 47.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 63.º, 64.º, 67.º, 68.º, 69.º, 70.º e 79.º. do articulado de motivação de despedimento da Empregadora, ora Recorrida, não constam da Nota de Culpa enviada à Trabalhadora;
4.ª – A generalidade de tal matéria não consubstancia, sequer, a concretização de factos genéricos e conclusivos que tivessem sido imputados à Trabalhadora, ora Recorrente, em sede de Nota de Culpa.
5.ª – Assim, tal matéria não pode ser atendida, muito menos sindicada pelo Tribunal a quo (art. 357.º, n.º 4, e 387.º, n.º 3, ambos do Cód. Trabalho e art. 98.º-J, n.º 1 do Cód. Processo Trabalho).
6.ª – Ainda que se entenda – o que apenas por dever de patrocínio se concebe – que os “factos” alegados pela Empregadora, ora Recorrida, nos arts. 29.º, 30.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º (parte final), 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 63.º, 67.º, 68.º, 69.º e 70.º do AMD são admissíveis, a verdade é que sempre seriam ineficazes, por não conterem quaisquer factos, ou por aqueles que os contêm não fazerem a respectiva descrição de forma circunstanciada!
7.ª – Por sua vez, a matéria ínsita nos arts. 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 18.º, 23.º, 24.º, 25.º, 44.º, 48.º e 56.º do articulado de motivação de despedimento da Empregadora, ora Recorrida, não se encontra devidamente circunstanciada em termos de tempo, lugar e modo, não passando de imputações vagas e genéricas; aliás, muita dela, abstrações puras.
8.ª – Tal acarreta que os mesmos não podem ser considerados, nem sindicados pelo Tribunal, por ineficácia (arts. 353.º e 382.º, ambos do Cód. Trabalho).
9.ª – A decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos arts. 353.º, 355.º, 357.º, 382.º e 387.º do Cód. Trabalho e o art. 98.º-J do Cód. Processo Trabalho.
◊◊◊
8. A Ré contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida, assim concluindo: 1) São três os aspectos sobre os quais versam as alegações de recurso da Recorrente, não obstante, tais aspectos não podem ser alvo de recurso, pelo menos não como formulado pela Recorrente. 2) Nota-se que o presente recurso não é enquadrável em qualquer das situações previstas pela lei. Pois que a Recorrente recorre do despacho saneador, em todas as questões objecto de decisão no mesmo, olvidando, contudo, que apenas parte dele – no que concerne à factualidade admitida – é, eventualmente, nesta fase, recorrível. 3) Dir-se-á, inclusive, que a Recorrente lança mão do recurso do despacho saneador, quando deveria somente fazê-lo perante a decisão final. 4) A Recorrida crê, portanto, que a Recorrente está a lançar mão de um expediente de forma abusiva, pretendendo antecipar a decisão de mérito. 5) Sendo que essa decisão de mérito que a Recorrente visa antecipar está directamente relacionada com a decisão sobre a licitude e ilicitude do despedimento. 6) Por outro lado, quanto ao objecto do Recurso, dir-se-á que os Instrutores do processo nomeados pela Recorrida sempre garantiram a consulta do processo pela Recorrente, tendo, ab initio, demonstrado total disponibilidade logo no envio da Nota de Culpa. 7) Acresce ainda, que a Recorrente sempre suportou os custos com quaisquer deslocações feitas, no exercício das suas funções, em território nacional, nomeadamente, para efeitos de presença da Recorrente em ações de formação profissional, ou em situações em que seria necessária a sua deslocação a outras lojas ou à sede da Recorrida, em Lisboa. 8) Com efeito, tal como é do conhecimento da Recorrente, por ser essa a política da Empresa, que caso a Trabalhadora, ora Recorrente, se quisesse deslocar a Lisboa, à sede da C…, para consultar o processo, todas as despesas da deslocação seriam suportadas pela entidade empregadora. Para tal bastaria que a Recorrente depois efectuasse a apresentação dos comprovativos de despesas. 9) Contudo, como acima se demonstrou, se a Recorrente pretendesse consultar o processo disciplinar, de facto, e não apenas, aparentemente, podia tê-lo feito, uma vez que a deslocação a Lisboa, à sede da empresa empregadora ou aos escritórios dos Instrutores nomeados, não acarretaria quaisquer custos para a A., uma vez que a R. os suportaria. 10) Não o tendo feito, apenas porque não quis. 11) Assim, a Nota de Culpa, bem como todo o processo disciplinar que estava à disposição para consulta da Recorrente, continha a descrição circunstanciada dos factos de que a Arguida, ora Recorrente, ia acusada. 12) Mais, a Nota de Culta remetida à Arguida, ora Recorrente, estava bastante completa e perfeitamente detalhada para que a Recorrente pudesse à mesma responder. 13) Assim, Recorrente podia ter deduzido resposta à Nota de Culpa, porquanto a mesma estava elaborada de forma bastante completa. 14) Repare-se que a Nota de Culpa estava devidamente fundamentada e alicerçada nos factos de que a Recorrida tinha conhecimento e que justificavam a decisão de abertura de um processo disciplinar. 15) Nunca, em fase alguma do procedimento disciplinar, foi preterido qualquer direito da Trabalhadora, ora Recorrente. 16) O facto de o Articulado do Empregador estar formulado com maior completude que a Nota de Culpa não colide, de todo, com a função da Nota de Culpa, nos termos do artigo 353.º, n.º1 do CT. 17) Ora, o facto de o Articulado do Empregador esmiuçar os factos descritos na Nota de Culpa em nada colide com a exigência legal prevista no artigo 353.º, n.º1 do CT, apenas se demonstra como necessário em face de um processo judicial. 18) Não podendo a Recorrente almejar que seja determinada a sua ineficácia apenas porque, na sua óptica enviesada e vitimista, não estavam plasmados, tout court, na Nota de Culpa. Porém, como se demonstrou acima, a Nota de Culpa além de bem fundamentada e com a descrição circunstanciada dos factos, pelo que tais factos não deverão ser considerados ineficazes, improcedendo também aqui o pedido da
◊◊◊
9.
O Exº. Sr.º Procurador-Geral Adjunto deu o seu parecer no sentido da rejeição parcial do recurso (questão dos factos não concretizados e não constantes na nota de culpa), uma vez que, por ora, não são susceptíveis de recurso, e da improcedência da parte restantes do recurso.
◊◊◊
10.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
◊◊◊ ◊◊◊ ◊◊◊
II - QUESTÕES A DECIDIR
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 653º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que as questões a decidir são as seguintes: A) QUESTÃO PRÉVIA:
- ADMISSIBILIDADE DO RECURSO B) INVALIDADE DO PROCESSO DISCIPLINAR:
1 - CONSULTA DO PROCESSO
2- DA (IN)ATENDIBILIDADE DE ALGUNS FACTOS INVOCADOS NO ARTICULADO DE MOTIVAÇÃO
◊◊◊
◊◊◊
◊◊◊
2. 2.1. Questão Prévia:
- ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
A Ré invocou nas suas alegações a inadmissibilidade do recurso, uma vez que, no seu entender, o recurso não é enquadrável em qualquer das situações previstas pela lei. Pois que a Recorrente recorre do despacho saneador, em todas as questões objecto de decisão no mesmo, olvidando, contudo, que apenas parte dele – no que concerne à factualidade admitida – é, eventualmente, nesta fase, recorrível. Assim, a Recorrente lança mão do recurso do despacho saneador, quando deveria somente fazê-lo perante a decisão final.
Também o Exº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que o recurso (questão dos factos não concretizados e não constantes na nota de culpa), deve ser rejeitado, uma vez que, por ora, aquelas questões, não são susceptíveis de recurso.
Vejamos:
O despacho recorrido julgou improcedente a invalidade do procedimento disciplinar e parcialmente improcedente a inatendibilidade de factos constantes do articulado de motivação do despedimento, excepções arguidas pela trabalhadora nos seus articulados. Tal despacho não pôs termo ao processo, tendo sido enunciado o objecto do processo e os temas da prova e designada data para a realização da audiência de julgamento.
O artigo 79.º-A do Código de Processo do Trabalho prevê os casos de admissibilidade de recurso de apelação. Uma vez que a decisão recorrida não pôs fim ao processo excluída está, assim, a hipótese prevista no seu n.º 1.
O nº 2 prevê várias situações em que ainda é admissível recurso de apelação, sendo que, para o que aqui interessa, deveremos trazer à colação a alínea h) do nº 2 do artigo 691º do Código de Processo Civil - na redacção anterior – actualmente constante do art.º 644.º, n.º 1, alínea b) do Novo Código de Processo Civil), por remissão da alínea i), ou seja, despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa.
Com efeito, apesar de não ter terminado o processo, o despacho recorrido pronuncia-se – em parte - sobre o mérito da causa pois julga improcedente um dos fundamentos invocados pela trabalhadora para estribar o seu pedido de declaração de ilicitude do despedimento – a invalidade do procedimento disciplinar (cfr. artigo 382º, nº 2, alíneas a), c) e d) do Código do Trabalho).
No entanto, quanto à parte do recurso relacionado com a questão do articulado motivador extravasar a nota de culpa e de alguns dos factos serem ineficazes, isso não determina a ilicitude do despedimento, automaticamente, mas a simples não atendibilidade dos factos não constantes da nota de culpa. Assim sendo, não há conhecimento de mérito, mas tão só uma decisão de pré-mérito (no sentido de que com a decisão recorrida apenas se admitiram um leque de factos susceptíveis de serem provados), cuja nem é definitiva, já que no que toca aos factos ineficazes, eles podem vir a ser considerados conclusivos na sentença. Ou seja, o Tribunal com a sua decisão ainda não “validou” tal matéria, pois a mesma só poderá ocorrer se, na devida altura, a der como provada. E, nessa altura, nada impede que não se possa considerar a matéria em causa, mesmo que provada, como conclusiva e, portanto, fora do âmbito de valoração.
Por todas estas razões, o recurso, nesta parte não é admissível.
Assim sendo, face à inadmissibilidade não se admite o recurso relacionado com a questão B. 2. - DA (IN)ATENDIBILIDADE DE ALGUNS FACTOS INVOCADOS NO ARTICULADO DE MOTIVAÇÃO
2.2. INVALIDADE DO PROCESSO DISCIPLINAR:CONSULTA DO PROCESSO
Entende a recorrente que o processo disciplinar é inválido por violação do direito de defesa, mais concretamente, por não ter sido facultado à trabalhadora o processo disciplinar.
A decisão recorrida entendeu que tal invalidade não ocorreu, estribando-se na seguinte argumentação:
“É efetivamente verdade que o empregador deve disponibilizar ao trabalhador o processo para consulta. E, se admitimos que não deve facultar o acesso ao processo em termos que tornem a consulta onerosa ou difícil, também é verdade que não é obrigação da entidade patronal disponibilizar o processo no local onde o trabalhador entenda que é mais conveniente consultá-lo.
A questão passa, pois, por saber se a entidade patronal dificultou o acesso ao processo por parte da A.
No caso concreto, a sede da R. está situada em Lisboa. Os instrutores nomeados para o processo, advogados, têm domicílio profissional em Lisboa. Por isso, é normal que o processo disciplinar estivesse em Lisboa e em Lisboa tivesse sido consultado.
Não cremos, por isso, que tenha havido uma atuação da entidade patronal no sentido de dificultar ou tornar onerosa a consulta do processo, por parte da A., ou que fosse sua obrigação disponibilizar o processo à A., para consulta, no seu local de trabalho.
Também no processo penal o arguido tem direito a consultar o processo sem que seja ónus da entidade que, em cada momento o dirige, permitir o seu exame no local onde ao arguido convém.”
Vejamos:
Nos termos do artigo 355º do CT, após ter sido notificado da nota de culpa, o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considera relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.
“O procedimento disciplinar laboral, apesar de instruído por uma das partes directamente interessadas (o empregador), deve respeitar o formalismo próprio, por sujeito ao princípio do contraditório.
O direito de defesa é um direito fundamental, constitucionalmente consagrado, que envolve não só o direito de consulta, como também a garantia de resposta à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos e indicando meios de prova pertinente para o esclarecimento da verdade”[2].
Qual o significado do conteúdo da expressão “consultar o processo”, incluída no corpo do artigo 355.º do CT?
“O direito a consultar o processo já estava consagrado no artigo 10.º, n.º 4 do DL n.º 64-A/89, de 27.02, revogado pela Lei n.º 99/2003, de 27.08, que aprovou o Código do Trabalho de 2003.
E era entendimento consensual que essa consulta, pelo trabalhador acusado, compreendia o acesso não só ao processo propriamente dito (e que nesta fase é constituído apenas pela nota de culpa, comunicação de intenção de despedimento e eventual comunicação de suspensão de funções), como também ao processo prévio de inquérito.
E a jurisprudência considerava que só havia verdadeira consulta se o processo disciplinar estivesse completo, incluindo os depoimentos escritos, pois, a simples falta de redução a escrito dos depoimentos das testemunhas determinava, só por si, a nulidade do processo disciplinar.
Continuando actual, este entender sobre a consulta do processo assenta na ideia da defesa do trabalhador ser um acto da maior relevância processual, que pode ter graves repercussões na manutenção do vínculo contratual, e, como tal, não se vêem razões para limitar ou impedir a consulta de todos os elementos em que se funda a nota de culpa.”[3]
Certo é que este direito se consulta do processo por parte do trabalhador necessariamente impõe que a entidade empregadora coloque à disposição do trabalhador entre o termo inicial e o termo final do prazo de consulta e de resposta à nota de culpa, o respectivo processo, mas também que não torne essa mesma consulta demasiado onerosa ou dispendiosa de forma a obstaculizá-la[4].
Haverá, pois, de distinguir entre impossibilidade ou excessiva onerosidade do trabalhador em consultar o processo e a mera dificuldade, de ordem económica, de o fazer.
No caso em apreço, a sede da Ré está situada em Lisboa. Os instrutores nomeados para o processo, advogados, têm domicílio profissional em Lisboa. Por lado, a trabalhadora tem residência na Maia.
A questão da impossibilidade ou excessiva onerosidade do trabalhador em consultar o processo e a mera dificuldade, de ordem económica, o fazer, depende da prova dos factos que integram estes conceitos.
Objectivamente entre a Maia e Lisboa distam algumas centenas de quilómetros, por isso há que indagar se a deslocação da Autora comportava para ela, ou não, uma excessiva onerosidade.
Ora, no caso em apreço, entre outros, a recorrida – entidade empregadora – no seu articulado de resposta refere o seguinte:
“22º
A este respeito refira-se que estando o processo disciplinar organizado nos escritórios dos Senhores Instrutores, a sua disponibilização numa loja da R. iria comprometer seriamente a integridade do próprio processo.
23º.
Por outro lado, não conseguia a R. garantir as condições de segurança e acima de tudo a necessária confidencialidade que estes processos devem revestir.
24º.
Na verdade, a R. consciente da sensibilidade inerente a um processo que está em investigação, garante a maior confidencialidade do mesmo, de modo a que enquanto decorrem as diligências instrutórias e, na medida do possível, inclusivamente após a decisão, de modo a minimizar o impacto que um processo pode ter na imagem dos trabalhadores envolvidos.
25º.
E, diga-se, ainda que esse sigilo aproveita mais à A. que por essa forma não vê a sua conduta laboral devassada por qualquer outro trabalhador.
26º.
A este respeito, deve ainda dizer-se que a R. sempre suportou os custos com quaisquer deslocações feitas, no exercício das suas funções, em território nacional, nomeadamente, para efeitos de presença da A. em ações de formação profissional, ou em situações em que seria necessária a sua deslocação a outras lojas ou à sede da R., em Lisboa.
27º.
Com efeito, a A. bem sabe e não pode de boa-fé desconhecer, por ser essa a política da Empresa, que caso a Trabalhadora, ora A., se quisesse deslocar a Lisboa, à sede da C…, para consultar o processo, todas as despesas da deslocação seriam suportadas pela entidade empregadora.
28º.
Bastando para isso, apenas e como alertado no referido despacho de 14 de maio de 2013, fazer “marcação prévia” da consulta do processo e da sua deslocação.
29º.
As despesas com a deslocação seriam suportadas mediante apresentação dos comprovativos de despesas, o que não foi feito.”
Estes factos revestem importância para aquilatar, segundo as várias soluções plausíveis, se no caso em apreço, se verificou uma impossibilidade ou uma excessiva onerosidade da trabalhadora em consultar o processo.
Todavia, os mesmos necessitam de produção de prova, pelo que, salvo o devido respeito, é prematuro decidir-se, como se decidiu, pela inexistência de violação do direito de defesa, mais concretamente, por não ter sido facultado à trabalhadora o processo disciplinar.
Haverá, assim, que revogar, nesta parte, a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que relegue para final o conhecimento desta excepção.
◊◊◊
4. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
As custas do recurso ficam (½) a cargo da Autora/recorrente e a restante a cargo da parte vencida a final [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
◊◊◊
◊◊◊
◊◊◊
IV DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:
a) Não admitir o recurso interposto por B…, relativo à da (in)atendibilidade de alguns factos invocados no articulado de motivação;
b) Revogar o despacho recorrido que julgou improcedente a excepção de invalidade do processo disciplinar (por pretensa violação do direito do trabalhador a consultar o processo disciplinar), o qual deve ser substituído por outro que relegue para ulterior fase o seu conhecimento.
c) Condenar a recorrente no pagamento (½) das custas do recurso, ficando a restante parte a cargo da parte vencida a final [artigo 527º, nºs 1 e 2, do código de processo civil].
◊◊◊
Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7 do actual CPC.
◊◊◊
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 131º nº 5 do Código de Processo Civil).
Porto, 12 de Maio de 2014
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
_______________
[1] Iremos chamar “Ré” à entidade patronal e “Autor” ao trabalhador. Isto porque o legislador nos normativos em que regulou a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, não chama “autor” ao trabalhador, nem “ Ré” à entidade patronal. Na verdade, podemos constatar pela análise dos vários normativos que o legislador dispensou a utilização dos termos “autor” e “ré”, utilizando as expressões “trabalhador “e “empregador” (artigos 98ºF, 98º-G, 98ºH, 98º-I, 98º-J, 98º-L, 98º-N do CPT). A única referência que constatamos em que o legislador apelida o trabalhador de “autor” é no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13 de Outubro, que aprovou as alterações ao actual CPT, ao referir que “A recusa, pela secretaria, de recebimento do formulário apresentado pelo autor é sempre passível de reclamação nos termos do Código de Processo Civil (CPC).”
[2] Cfr. Acórdão desta Secção Social de 20/12/2004, Processo nº 0415125, in www.dgsi.pt.
[3] Acórdão citado na nota anterior.
[4] Cfr. Paula Quintas e Hélder Quintas, Código do Trabalho Anotado e Comentado, 2ª edição, Almedina, pp 831 e ss.
______________ SUMÁRIO – a que alude o artigo 663, nº 7 do CPC.
O direito de consulta conferido ao trabalhador implica não só que o procedimento disciplinar seja colocado à sua disposição entre o termo inicial e o termo final do prazo de consulta e de resposta à nota de culpa, mas também que não sejam colocados entraves que tornem a consulta demasiado onerosa ou dispendiosa.