DESPEDIMENTO ILÍCITO
COMPENSAÇÃO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
Sumário

I - Face ao disposto no n.º 1 do artigo 390.º do Código do Trabalho, em caso de despedimento ilícito, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento;
II - Porém, se nesse período, ou em parte desse período, ainda que se mantivesse o contrato de trabalho, por motivo que não lhe é imputável, maxime, por doença, o trabalhador não podia exercer a actividade, tal significa que em relação ao período em causa o não cumprimento da obrigação por parte do trabalhador não é imputável à empregadora, e, por consequência, que esta não deve suportar a sua contraprestação (pagamento da retribuição);
III - Por regra, em cumprimento do disposto no n.º 2, alínea a) do mesmo artigo, nas retribuições intercalares há lugar à dedução dos proporcionais de retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal que o trabalhador recebeu referente ao trabalho prestado no ano de cessação do contrato;
IV - Mas tal dedução não é de operar se na fixação das retribuições intercalares nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, e quanto ao cálculo de férias, subsídio de férias e de Natal, o tribunal não atendeu a tal período por considerar que o trabalhador já tinha recebido os devidos proporcionais.
V - O subsídio de desemprego a entregar à segurança social, nos termos da alínea c), do n.º 2 do artigo referido, tem sobretudo a sua razão de ser na circunstância de se tratar de uma prestação do Estado, substitutiva da retribuição, e que recuperada esta, deve aquele ser devolvido;
VI - Por isso, inexiste fundamento para tal devolução se houver uma causa que exclua o recebimento pelo trabalhador das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare o despedimento ilícito e se relativamente ao mesmo período o trabalhador não recebeu qualquer prestação substitutiva dessa retribuição, que não o subsídio de desemprego.

Texto Integral

Proc. n.º 816/09.2TTVNF.P3
Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) António José Ramos, (2) Eduardo Petersen Silva.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B… (NIF ………, residente na Rua …, n.º …, …, ….-… Vila Nova de Famalicão) veio, em 16-04-2013 e no processo supra identificado, deduzir incidente de liquidação nos termos previstos nos artigos 378.º a 380.º do anterior Código de Processo Civil, “relativamente à parte da sentença condenatória que respeita ao pagamento das retribuições intercalares”, contra C…, S.A. (NIPC ………, com sede na …, n.º …, …, ….-… Vila Nova de Famalicão), pedindo, a final, “com vista a tornar líquida a condenação genérica”, que se condene a Ré no pagamento da importância de € 10.958,96.
Alegou, para o efeito, o seguinte:
- por sentença proferida nos autos e transitada em julgado em 24-01-2013 foi a Ré condenada a pagar-lhe todas as retribuições devidas desde o despedimento (em 30-06-2009) até ao trânsito em julgado dessa decisão (em 24-01-2013), deduzidas as importâncias referidas no n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho.
-tendo em conta que as retribuições devidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença ascendem ao montante global de € 27.389,00 (50 meses x € 547,78), e que a título de subsídio de desemprego recebeu a quantia global de € 16.430,04, a quantia devida àquele título é de € 10.958,96.

A Ré contestou a liquidação, alegando, em síntese:
- as verbas de subsídio de alimentação estão dependentes da prestação do trabalho, não sendo devidas em caso de ausência por doença e por férias e não acrescem aos subsídios de férias e de Natal;
- a ausência por motivo de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença (“baixa médica”) não é remunerada, sendo certo que o Autor esteve nessa situação no período de 26-09-2011 a 21-12-2012;
- foram pagos créditos ao Autor de € 1.459,00 por virtude da cessação do contrato, que devem ser ora deduzidos;
- o Autor foi despedido em 30-06-2009 e a acção apenas foi intentada em 18-12-2009, pelo que deve ser deduzido o valor de € 2.475,00 referente a retribuições desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção (ou seja, entre 01-07-2009 e 18-11-2009);
- deverá também ser deduzido o valor que o Autor recebeu a título de subsídio de desemprego, cujo valor desconhece.
A concluir quantifica o valor devido ao Autor em € 14.914,78, sem prejuízo do acerto a efectuar após a segurança social informar os valores que pagou ao Autor a título de subsídio de desemprego.

Foi fixado valor ao incidente de liquidação, proferido despacho saneador stricto sensu,e indicado o tema de prova.
Entretanto as partes vieram, por acordo, informar os valores da retribuição do Autor no período em litígio, o que tornou dispensável a realização de audiência de julgamento.

Seguidamente, em 10-12-2013, foi proferida sentença que fixou a obrigação da Ré, resultante da condenação quanto a retribuições intercalares a pagar ao Autor, em € 7.358,60.
Na referida sentença consignou-se ainda:
“Se a R. comprovar em 10 dias ter procedido já ao pagamento da retribuição de férias e subsídio de férias relativo ao trabalho prestado em 2012 e a pagar em 2013, tal quantia deverá ser deduzida ao valor de 7.358,60 euros.
Se a R. comprovar em 10 dias ter procedido já ao pagamento do subsídio de natal relativo a 2013, a quantia de 34,00 euros deverá ser deduzida ao valor de 7.358,60 euros”.

Inconformado com a referida decisão, o Autor dela interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações que apresentou formulado as seguintes conclusões:
“A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença de liquidação na parte em que não inclui nas retribuições intercalares o período de 26/09/2011 a 21/12/2012 pelo facto do autor estar incapaz para o trabalho por doença.
B) Entende o Tribunal a quo que no referido período se o autor, ora recorrente, “estava incapaz por doença, não teria podido prestar trabalho à Ré, ainda que esta o tivesse reintegrado ou não o tivesse despedido, pelo que, nesse período se tem que considerar suspenso o dever de pagamento das retribuições intercalares – neste sentido ver Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/11/2011, in www.dgsi.pt -, não sendo aqui relevante saber porque razão a segurança social (apenas a esta competindo tal decisão) numa situação de incapacidade para o trabalho, manteve o trabalhador a auferir subsídio de desemprego ”.
C) Salvo o devido respeito por entendimento diverso, na decisão recorrida, não foram correctamente interpretados e aplicados os preceitos legais atinentes, como se passa a demonstrar.
D) Desde logo, conforme a própria sentença ora recorrida menciona o ora recorrente manteve-se a auferir subsídio de desemprego, pois que lhe foi indeferida a situação de incapacidade por doença.
E) A verdade é que o recorrente naquele período não estava a auferir subsídio de doença, mas sim subsídio de desemprego. Assim sendo, este tem o direito a receber a diferença entre o subsídio desemprego e a retribuição que estaria a auferir se não tivesse sido ilicitamente despedido, conforme salvaguarda o artigo 390º do Código do Trabalho, pois nunca estaríamos perante um “duplo enriquecimento”, pois este nunca auferiu subsídio de doença.
F) Sem prescindir, ainda que estivéssemos perante uma situação de incapacidade para o trabalho por doença e o recorrente estivesse a auferir o subsídio de doença, o que não se concebe e apenas para mero raciocínio teórico se concede, essas quantias não lhe poderiam ser deduzidas do valor a receber pelas retribuições intercalares, como se passa a expor.
G) Decorre do art. 390º do Código do Trabalho que “o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado do tribunal que declare a ilicitude do despedimento”.
H) Dessa quantia, deduzem-se:
“a) As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato de trabalho e que não receberia se não fosse o despedimento”;
b) A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos trinta dias subsequente ao despedimento;
c) o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no nº 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.”
- (artigo 390º, nº 2 do Código do Trabalho).
- Ora, em nenhuma das alíneas acima transcritas consta que devem ser deduzidos, às retribuições intercalares, os períodos de incapacidade por doença.
I) A decisão recorrida deve, pois, ser parcialmente revogada e, em consequência, ser substituída por outra que condene a recorrida no pagamento ao recorrente das retribuições intercalares no período de 26/09/2011 a 21/12/2012.
Dado o exposto e o douto suprimento de V. Ex.ªs, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada parcialmente a douta sentença, na parte em que julga improcedente a acção e, em consequência, ser substituída por outra que condene a recorrida no pagamento ao autor das retribuições intercalares no período de 26/09/2011 a 21/12/2012”.

A Ré respondeu ao recurso do Autor a pugnar pela sua improcedência, e apresentou recurso subordinado, concluindo as alegações apresentadas nos seguintes termos:
“1ª A dedução do valor das retribuições reportada na alínea b) do artº 390º CTrabalho visa penalizar a inércia do trabalhador na propositura da acção e não tem de confundir-se com a dedução prevista na alínea a) do mesmo artigo.
2ª Tratam-se de valores de deduções distintos e autónomos e, nessa medida, a tratar isoladamente, sob pena de reverter contra o empregador a negligência da instauração da acção pelo trabalhador.
3ª Uma coisa é o que se deduz em virtude do que foi pago ao trabalhador na data da cessação do contrato e que ele não receberia se não fosse o despedimento (in casu, proporcionais de férias e correspondente subsídio e proporcionais de subsídio de natal), outra coisa, bem diversa, é a inexistência do direito do trabalhador às retribuições intercalares entre o despedimento e o 30º dia anterior à propositura da acção.
4ª Nos termos do disposto no artº 390º, 2 a) CTrabalho), o valor total de retribuições ilíquidas de 16.891,88€ liquidado pela 1ª instância deveria ter sido deduzido do montante de 247,50€ x 3 (proporcionais de férias, de subsídio de férias e de natal) = 742,50€ e, erradamente, não o foi, com violação daquele normativo. O valor correcto das retribuições ilíquidas é de 16.149,38€.
Por outro lado,
5ª Resulta dos autos que no período que decorreu entre a data de despedimento (30.06.2009) e a data da reintegração do trabalhador (24.01.2013), este auferiu da segurança social, a título de subsídio de desemprego, a quantia de 16.430,40€, que foi pago entre 02.07.2009 e 01.01.2013.
6ª A norma prevista no artº 390º, 2. c) CTrabalho é de interesse público, tem natureza imperativa, não podendo o tribunal deixar de impor ao empregador a reposição à segurança social do valor do subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador, até ao limite do valor liquidado das retribuições intercalares devidas.
7ª Mau grado, a 1ª instância apenas condenou a ré aqui apelante, a entregar à segurança social o montante de 9.533,38€, com violação daquele normativo.
Termos em que deve proceder o recurso subordinado, revogando-se a douta sentença da 1ª instância em conformidade”.

Seguidamente foram ambos os recursos admitidos na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Recebidos os autos neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido da improcedência do recurso do recurso do Autor e da total procedência do recurso da Ré.

Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.

II. Questões a decidir
Sendo o âmbito dos recursos delimitados pelas conclusões das respectivas alegações do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso colocam-se à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
1. Do recurso (principal) do Autor:
i) tendo o trabalhador/recorrente após o despedimento que veio a ser declarado ilícito estado em situação de baixa por doença, são ou não devidas retribuições intercalares referentes a tal período;
2. Do recurso (subordinado) da Ré:
i) devem ou não ser deduzidas nas retribuições intercalares os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal pagos referentes ao ano de 2009 (até ao despedimento);
ii) deve ou não ser devolvido à segurança social o subsídio de desemprego atribuído ao Autor no período em que este se encontrou incapaz para o trabalho por doença (de 26-09-2011 a 21-12-2012).

III. Factos
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1 – A acção de impugnação do despedimento colectivo foi intentada em 18/12/2009, sendo a data do despedimento de 30/06/2009.
2 – Aquando da cessação do contrato de trabalho, a R. pagou ao A. os seguintes valores ilíquidos, em Junho de 2009:
- vencimento de 450,00 euros;
- suplemento nocturno de 45,07 euros;
- subsídio de alimentação de 47,50 euros;
- subsídio de férias de 495,00 euros;
- proporcional de vencimento de férias de 247,50 euros;
- proporcional de subsídio de férias de 247,50 euros;
- proporcional de subsídio de natal de 247,50 euros;
- férias não gozadas 221,00 euros.
3 – O A. esteve incapaz para o trabalho por doença de 26/09/2011 a 21/12/2012.
4 – O A. auferiu a título de subsídio de desemprego de 02/07/2009 a 01/11/2011 o valor diário de 13,9 euros, num total de 11.734,80 euros e de 02/11/2011 a 01/01/2013 o valor diário de 11,18 euros, num total de 4.695,60 euros.
5 – O A. auferia em 2009 o vencimento de 450,00 euros a que acrescia 45,76 euros de subsídio nocturno e de 55,00 euros de subsídio de alimentação.
6 – O A. auferia em 2010, de Janeiro a Junho de 2010, o vencimento de 475,00 euros e de Julho a Dezembro a quantia de 480,00 euros, a que acrescia, de Janeiro a Junho, 48,40 euros de subsídio nocturno e de Julho a Dezembro o valor de 48,84 euros a título de subsídio nocturno e, em qualquer dos períodos, 55,00 euros de subsídio de alimentação.
7 – O A. auferia em 2011, de Janeiro a Agosto de 2011, o vencimento de 485,00 euros e de Setembro a Dezembro a quantia de 490,00 euros, a que acrescia, de Janeiro a Agosto, 49,28 euros de subsídio nocturno e de Setembro a Dezembro o valor de 49,72 euros a título de subsídio nocturno e, em qualquer dos períodos, 55,00 euros de subsídio de alimentação.
8 – O A. auferia em 2012 e 2013 o vencimento de 490,00 euros a que acrescia 49,72 euros de subsídio nocturno e de 55,00 euros de subsídio de alimentação.
9 – Por sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Famalicão e posteriormente confirmada quanto à condenação, foi a aqui R. condenada a pagar ao A. as retribuições devidas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, deduzidas as importâncias referidas no n.º 2 do art. 390.º do C. do Trabalho.
10 - A sentença transitou em julgado em 24/01/2013.

Estes os factos dados como provados na 1.ª instância.
Constata-se da documentação junta aos autos, maxime a fls. 808 e 821 que a Segurança Social informou que o Autor apresentou certificados de incapacidade temporária, no período de 26-09-2011 a 21-12-2012, tendo os mesmos sido indeferidos por não constar que nesse período o Autor tivesse vínculo laboral e existir sobreposição de benefício (o Autor se encontrar a receber subsídio de desemprego).
Ora, estando em causa nos autos o pagamento de retribuições intercalares e as deduções previstas no artigo 390.º do Código do Trabalho, entende-se que tal matéria pode assumir relevância à decisão.
Assim, tendo presente o disposto nos artigos 574.º, n.º 2 e 607.º, n.º 4, este ex vi do artigo 663.º, n.º 2, todos do novo Código de Processo Civil, acrescentam-se à matéria de facto, sob o n.ºs 11 e 12, os seguintes factos:
“11 – O Autor apresentou na Segurança Social certificados de incapacidade temporária, no período de 26-09-2011 a 21-12-2012.
12 – A Segurança Social indeferiu o pedido de pagamento de subsídio de doença ao Autor em relação a tal período, com fundamento de nos respectivos serviços não constar que no período em causa o Autor tivesse vínculo laboral e por existir «sobreposição de benefício» (o Autor se encontrar a receber subsídio de desemprego)”.

III. Fundamentação
Delimitadas supra (sob o n.º II) as questões essenciais suscitadas no recurso, é o momento de analisar e decidir, de per si, cada uma delas.

1. Quanto a saber se nas retribuições intercalares é devido o período em que o Autor esteve incapaz para o trabalho, por doença
Na sentença recorrida decidiu-se que tendo o Autor estado incapaz para o trabalho por doença no período de 26-09-2011 a 21-12-2012, não teria podido prestar o trabalho à Ré, ainda que esta o tivesse reintegrado ou não o tivesse despedido, pelo que não é devido em relação a tal período o pagamento de retribuições intercalares.
O Autor discorda de tal entendimento, com dois argumentos essenciais: a) por um lado, durante o período em causa manteve-se a auferir subsídio de desemprego e não de doença, pelo que tem direito a auferir a diferença entre o subsídio de desemprego e a retribuição que estaria a auferir se não tivesse sido ilicitamente despedido; b) por outro lado, ainda que o Autor tivesse recebido subsídio de doença, em conformidade com o disposto no artigo 390.º do Código do Trabalho, teria direito em tal período a receber as retribuições intercalares, sendo que a lei não prevê que os períodos de incapacidade por doença sejam deduzidos àquelas.
Vejamos.

Como resulta dos autos o Autor foi despedido pela Ré em 30-06-2009, intentou a acção de impugnação do despedimento em 18-12-2009 e o despedimento veio a ser declarado ilícito por sentença transitada em julgado em 24-01-2013.
Resulta também dos autos que o Autor esteve incapaz para o trabalho por doença de 26-09-2011 a 21-12-2012.
O artigo 390.º, do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Compensação em caso de despedimento ilícito”, prescreve:
1 – Sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.
2 – Às retribuições referidas no número anterior deduzem-se:
a) As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;
b) A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento;
c) O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social”.
Assim, e desde logo, de acordo com o n.º 1 do referido artigo, o trabalhador tem direito às retribuições intercalares desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento.
Como assinala Joana Vasconcelos (Despedimento ilícito, salários intercalares e deduções, RDES, n.º 1 a 4, 1990, pág. 192), “o pagamento dos salários intercalares pelo empregador reconduz-se (…) à realização, à posteriori, da prestação retributiva a que estava obrigado por efeito do contrato de trabalho e que, indevidamente, não cumpriu durante o espaço de tempo que decorreu entre a cessação irregular de tal contrato e o acto que, decretando a invalidade desta, reafirmou simultaneamente a continuidade, no plano jurídico, do vínculo contratual”.
Ou, como escreve Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Principia, 2012, págs. 437-438), “[a] execução da prestação laboral foi impossibilitada pelo empregador que, ao afastar o trabalhador da empresa, o impediu de prestar o trabalho. Este impedimento, mercê da natureza da prestação em causa, gerou a impossibilidade (definitiva) da prestação, com a consequente exoneração do devedor-trabalhador (…).
Mas a exoneração do trabalhador não significa que ele deixe de ter direito à contraprestação (…). Verifica-se uma situação de impossibilidade imputável ao credor e, como estamos perante um contrato bilateral, segue-se a regra do artigo 795.º do Código Civil, nos termos da qual o credor não fica desobrigado da contraprestação. No fundo, o problema em análise é uma questão de responsabilidade pela contraprestação: tornada a prestação impossível por um ato de iniciativa do credor, não fica este desobrigado de cumprir a sua prestação”.
Assim, tem-se por pacífico o entendimento que conclui tendo o trabalhador ficado impossibilitado de prestar a actividade por facto imputável ao empregador, designadamente por despedimento ilícito, este não fica desobrigado de cumprir a sua prestação, ou seja, de pagar a retribuição.

A questão coloca-se, porém, nas situações em que mesmo que não tivesse existido o acto imputável ao empregador – seja porque não tinha havido despedimento ilícito, seja porque tinha reintegrado o trabalhador –, o trabalhador não exerceria a actividade por se encontrar incapaz para o trabalho por motivo de doença, como se verificou no caso em apreciação, em que o trabalhador esteve nessa situação de baixa médica no período de 26-09-2011 a 21-12-2012.
Na situação em causa, por força do que prescreve o n.º 1 do artigo 795.º do Código Civil, o credor/empregador fica desobrigado da contraprestação.
Assim, se o trabalhador não tivesse sido despedido, tudo se passaria como se ele estivesse ao serviço efectivo da empregadora; mas então, naquele período de 26-09-2011 a 21-12-2012, não podia exercer a actividade, por doença, pelo que não havia lugar ao pagamento de retribuição [cfr. artigos 248.º, n.º 1, 249.º, n.ºs 1 e 2, alínea d) e 295.º, n.º 1, do Código do Trabalho], estando, inclusive, o contrato de trabalho suspenso [cfr. artigo 296.º, n.º 1, do Código do Trabalho].
Daí que, como decorrência lógica, não pode afirmar-se que o não cumprimento da obrigação por parte do trabalhador foi devido a acto imputável à empregadora (sendo certo que também não resulta dos autos que a doença tenha sido provocada pelo despedimento efectuado pela Ré), e, por consequência, que esta deverá suportar a sua contraprestação.
De resto, este entendimento mostra-se conforme ao expresso nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 06-03-2002 (Proc. n.º 337/02) e de 22-05-2002 (Processo n.º 1659/01), disponíveis em www.dgsi.pt), encontrando-se este último referido pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, bem como pelo acórdão deste tribunal de 14-11-2011 (Proc. n.º 398/10.2TTVNF.P1, disponível em www.dgsi.pt) também referido nos autos.
Nesta sequência, encontrando-se o Autor incapaz para o trabalho no período em causa e não podendo exercer a actividade, é quanto basta para concluir que ficou a Ré desobrigada do pagamento das retribuição, pelo que, tendo presente o disposto no citado n.º 1 do artigo 390.º do Código do Trabalho, nesse período não são devidas retribuições intercalares.
Improcedem, por consequência, as conclusões das alegações de recurso do Autor, pelo que é de confirmar, nesta parte, a sentença recorrida.

2. Quanto a saber se nas retribuições intercalares deve ser deduzido os proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal pagos pela Ré ao Autor referentes ao ano de 2009 (até ao despedimento)
A Ré sustenta a este propósito que os valores que pagou a tal respeito (no montante de € 247,50 cada) não seriam pagos ao trabalhador se não fosse o despedimento e, por isso, nos termos previstos na alínea a) do artigo 390.º, tais valores devem ser deduzidos nas retribuições intercalares devidas.
Analisemos a questão.

Como decorre da citada alínea a) do artigo 390.º, do Código do Trabalho, às retribuições intercalares devem ser deduzidas as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento.
Por isso, independentemente da interpretação mais restritiva ou mais ampla da norma [por exemplo Leal Amado (Contrato de Trabalho, 2.ª Edição, Coimbra Editora, passim a págs. 419 a 423) sustenta uma interpretação restritiva, enquanto Pedro Romano Martinez (Código do Trabalho Anotado, 2013, 9.ª Edição, Almedina, págs. 817-817) defende uma interpretação ampla da norma], o que aqui importa considerar é que com a mesma se visa impedir que exista um enriquecimento sem causa do trabalhador, na medida em que se assim não fosse ele poderia receber “duas vezes”: uma por virtude da cessação do contrato e, posteriormente, com a declaração de ilicitude do contrato, em que este retomava os seus efeitos, interrompidos mercê da acção ilícita do empregador, viria a receber as contrapartidas como se o contrato tivesse estado em vigor, através das retribuições intercalares.
Como escreve Pedro Furtado Martins (obra citada, pág. 445), na norma em análise incluem-se as “(…) quantias pagas por causa da cessação, que são devidas em qualquer situação de extinção da relação laboral, e que possam também ser cobertas, no todo ou em parte, pelos salários intercalares.
É o caso do subsídio de Natal liquidado no ano em que o despedimento foi declarado [artigo 263.º, n.º 1, b), ou da retribuição e do subsídio de férias pagos na mesma ocasião, quer por férias vencidas no ano da cessação, quer por férias vincendas [artigo 245.º, 1]”.
Pois bem: no caso, como resulta da matéria de facto (n.º 2), aquando da cessação do contrato, ao Autor foi paga, além do mais, a quantia de € 247,50 a título de proporcional de retribuição de férias, igual quantia a título de proporcional de subsídio de férias e ainda igual quantia a título de proporcional de subsídio de Natal.
As duas primeiras quantias foram pagas por força do que dispõe o artigo 245.º, n.º 1 alínea b), do Código do Trabalho – cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição de férias e respectivo subsídio proporcional ao tempo de serviço prestado no ano da cessação – e a última das quantias por força do disposto no artigo 263.º, n.º 2, alínea b), do mesmo compêndio legal – o valor do subsídio de Natal é proporcional ao tempo de serviço prestado no ano de cessação do contrato.
Assim, numa análise meramente teórica, considerando que as referidas quantias não teriam sido pagas se não tivesse sido declarada a cessação do contrato de trabalho por virtude do despedimento, teriam as mesmas que ser deduzidas nas retribuições intercalares.
Contudo, no caso concreto, face ao que se afirmou na sentença recorrida e aos consequentes cálculos ali efectuados, não se entende que assim seja.
Com efeito, na sentença recorrida escreveu-se sobre a retribuição de férias e subsídio de férias de 2009:
“Quanto à retribuições de férias e subsídio de férias pelo trabalho prestado em 2009, e que se venceriam em 01/01/2010, há que considerar que o A. recebeu, aquando da cessação do contrato de trabalho, a quantia de 247,50 euros x 2, ou seja, 495,00 euros.
Contudo, estes valores não terão que ser deduzidos, pois que o Tribunal irá considerar apenas que, a título de retribuições intercalares são devidas quantias relativas aos períodos posteriores a 17/11/2009.
Falta pagar estes valores proporcionalmente ao trabalho que teria prestado desde 18/11/2009, ou seja, proporcional a 44 dias, num total de 63,09 euros (523,40 euros, pois que o valor era pago antes do período de férias de 2010 x 44 : 365) x 2 = 126,18 euros”.
Ou seja, nas consequências da ilicitude do despedimento e no que à retribuição de férias e subsídio de férias de 2009, o tribunal a quo não levou em conta o trabalho prestado até 30 de Junho de 2009 porque o Autor já tinha recebido os proporcionais de férias e subsídio de férias: por isso, apenas considerou 44 dias (desde 18-11-2009 até final do ano); caso, no cálculo da retribuição de férias e subsídio de férias, o tribunal considerasse também o trabalho prestado até ao despedimento (30 de Junho de 2009) não atenderia apenas aos 44 dias mas a esses dias mais os 6 meses do ano, o que redundaria, a final, na soma entre o valor que o tribunal condenou e aquele que foi paga aquando da cessação do contrato a título de proporcionais de férias e de subsídio de férias.
Deste modo, e dito de outra forma: as férias e subsídio de férias referente ao trabalho prestado em 2009, e até ao despedimento, teriam que ser pagas por uma via (como proporcionais, aquando da cessação do contrato) ou por outra (por virtude do despedimento, em que o contrato retomou os seus efeitos); como a Ré já tinha pago tais quantias a título de proporcionais, o tribunal, numa perspectiva eminentemente prática, entendeu não condenar no pagamento de tais quantias por virtude do despedimento, dado o recebimento já obtido pelo Autor, embora sob outro enquadramento legal.
Seria um acto manifestamente inútil no apuramento das quantias a liquidar mandar deduzir os proporcionais de férias e subsídio de férias que foram pagos ao Autor aquando da cessação, para depois, por virtude do retomar do contrato, vir a condenar a Ré no pagamento das férias e subsídio de férias devidos em relação àquele mesmo período de tempo.
E o mesmo se passa com o subsídio de Natal: no cálculo deste subsídio a 1.ª instância apenas atendeu a 44 dias (de 18-11-2009 em diante), uma vez que o Autor já tinha recebido em relação ao período até 30 de Junho de 2009.
Assim, embora por virtude da regra geral que decorre do disposto na alínea a) do artigo 390.º, do Código do Trabalho – que determina que às retribuições intercalares sejam deduzidas as importâncias que o trabalhador auferiu com a cessação do contrato se não fosse o despedimento – houvesse lugar à dedução dos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal do ano de cessação do contrato, no caso, tendo em conta o concreto circunstancialismo já descrito, não há lugar a essa dedução, sob pena de ilegítimo locupletamento da Ré à custa do Autor, na medida em que este deixaria de auferir qualquer retribuição por férias, subsídio de férias e de Natal quanto ao trabalho que prestou no 1.º semestre de 2009.
Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

3. Quanto a saber se o subsídio de desemprego atribuído ao Autor no período em que este se encontrou incapaz para o trabalho por doença (de 26-09-2011 a 21-12-2012) deve ser entregue pela empregadora à Segurança Social
A recorrente sustenta tal conclusão, no que tem o apoio do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, ancorando-se para tanto no facto de ao trabalhador ter sido pago subsídio de desemprego entre 02-07-2009 e 01-01-2013 e no disposto na alínea c), do artigo 390.º do Código do Trabalho.
Recorde-se que nos termos da alínea c) referida, nas retribuições intercalares deve ser deduzido o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período entre o despedimento e o trânsito em julgado da decisão que declarou o mesmo ilícito.
Escreve Maria do Rosário Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª edição, Almedina, pág. 960), que a dedução “(…) justifica-se plenamente, não só para não premiar um trabalhador desocupado relativamente a um trabalhador que voltou a trabalhar, mas, sobretudo, porque o subsídio de desemprego é uma prestação do Estado, substitutiva da retribuição; assim, recuperada esta, deve aquele ser devolvido”.
Em idêntico sentido se pronuncia a jurisprudência, que conclui que a dedução do subsídio de desemprego é matéria de conhecimento oficioso, pois trata-se de uma prestação do Estado, substitutiva da retribuição, que, uma vez recuperada, tem de ser devolvida à Segurança Social, não redundando por isso num qualquer benefício para o empregador (vide, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2012, Recurso n.º 154/06.2TTMTS-C.P1.S1 - 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt).
A conclusão em causa não parece merecer discordância das partes, tanto mais que o tribunal determinou a dedução do subsídio de desemprego recebido pelo Autor no montante de € 9.533,38 (sendo 44 dias de 2009, 365 dias de 2010, 268 dias de 2011, 10 dias de 2012 e 1 dia de 2013), que não vem questionado.
A divergência das partes circunscreve-se a saber se o subsídio de desemprego que o Autor recebeu no período em que esteve incapaz para o trabalho por doença – de 26-09-2011 a 21-12-2012 –, deve também ser entregue à Segurança Social.
Numa análise meramente perfunctória dir-se-ia, tendo em conta a referida alínea c) do artigo 390.º do Código do Trabalho, que tal devolução teria que se verificar.
Contudo, à semelhança do que se deixou explanado a propósito da questão anterior, também aqui, tendo em conta o concreto circunstancialismo, entendemos que não há lugar a essa devolução.
Expliquemos porquê.
Como já se deixou afirmado supra (vide n.º II, 1.), no período controvertido encontrando-se o Autor incapaz para o trabalho por doença, e não podendo exercer a actividade, o contrato de trabalho encontrava-se suspenso, tendo a Ré ficado desobrigada do pagamento das retribuição, pelo que, tendo presente o disposto no citado n.º 1 do artigo 390.º do Código do Trabalho, nesse período não eram devidas retribuições intercalares.
Assim, e desde logo, não se verifica o fundamento principal que determina a devolução do subsídio de desemprego: tratar-se de uma prestação do Estado, substitutiva da retribuição e que, por isso, logo que esta seja recuperada, deve o subsídio ser devolvido.
Em tal situação, ao Autor seria devido o correspondente subsídio de doença.
Porém, não cabendo aqui e agora apreciar se devida ou indevidamente, o certo é que a segurança social, no entendimento de que por virtude do despedimento ocorrido o Autor não mantinha relação laboral e que já se encontrava a receber subsídio desemprego, manteve o pagamento deste e não lhe pagou subsídio de doença: poder-se-á dizer que a segurança social fez de certo modo equivaler o fundamento para a atribuição do subsídio de doença à atribuição e pagamento de subsídio de desemprego que vinha efectuando.
Ora, determinar a devolução de tal subsídio redundaria, em termos práticos, em que no período em causa o trabalhador não auferiria qualquer retribuição ou subsídio:
- não auferiria a retribuição pois, como se analisou e se decidiu, encontrando-se o contrato de trabalho suspenso por virtude da incapacidade por doença, a Ré não tinha que pagar aquela;
- não receberia subsídio de doença, porquanto não obstante se encontrar em situação de incapacidade, a segurança social entendeu que nessa altura já não existia relação laboral e que o trabalhador já estava a receber subsídio de desemprego;
- e o subsídio de desemprego que tinha recebido teria que ser devolvido à segurança social por o despedimento ter sido declarado ilícito e o trabalhador ter direito às retribuições intercalares, a que seria deduzido tal subsídio.
Tal situação configuraria uma manifesta injustiça para o trabalhador, pois, por motivo que não lhe é imputável, se veria desprovido no período em causa de qualquer rendimento ou subsídio.

Como é consabido, em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa: assim, haverá que atender ao enunciado linguístico da norma, por representar o ponto de partida da actividade interpretativa, na medida em que esta deve procurar reconstituir, a partir dele, o pensamento legislativo (n.º 1) – tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada –, sendo que o texto da norma exerce também a função de um limite, porquanto não pode ser considerado entre os seus possíveis sentidos aquele pensamento que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2 do mesmo artigo).
Para a correcta fixação do sentido e alcance da norma, há-de, igualmente, presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º).
No ensinamento de Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 16.ª Reimpressão, Almedina, 2007, pág. 189), o texto da norma “exerce uma terceira função: a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas”; por isso, “só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo”.
Visando a aplicação prática do direito, “a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica”, por isso que o jurista “há-de ter sempre diante dos olhos o fim da lei, o resultado que quer alcançar na sua actuação prática; a lei é um ordenamento de protecção que entende satisfazer certas necessidades, e deve interpretar-se no sentido que melhor corresponda a estas necessidades, e portanto em toda a plenitude que assegure tal tutela” (Francisco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, traduzido por Manuel de Andrade e publicado com o Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis, deste autor, 3.ª Edição, Colecção Stvdivm, Arménio Amado – Editor, Sucessor, pág. 130).

Como se disse, o subsídio de desemprego mais não representa que uma prestação do Estado, substitutiva da retribuição e que, por isso, logo que esta é recuperada, deve o subsídio ser devolvido.
Mas se essa retribuição não é recuperada, por o contrato de trabalho se encontrar suspenso e, portanto, não é devido o pagamento da retribuição pelo empregador, deixa de ter fundamento a devolução do subsídio de desemprego.
Por isso, por uma razão de justiça, e tendo em conta o que dispõem os n.ºs 1 e 2, alínea c), do artigo 390.º do Código do Trabalho, só deverá haver lugar à devolução do subsídio de desemprego se não houver causa não imputável ao trabalhador que exclua o recebimento pelo mesmo das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare o despedimento ilícito, ou se relativamente ao mesmo período recebeu qualquer prestação substitutiva dessa retribuição, que não o subsídio de desemprego.
No caso em apreciação, como se analisou, no período em que esteve com incapacidade para o trabalho por motivo de doença, o trabalhador, por motivo que não lhe é imputável, não só não recebeu a retribuição, como também não recebeu subsídio de doença.
Entende-se, por isso, e em consonância com o que se deixou expresso, que não há fundamento para a devolução do subsídio de desemprego referente a tal período.
Improcedem, consequentemente, também nesta parte as conclusões das alegações de recurso da Ré.

Assim, em conclusão, tendo presente o disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
i) face ao disposto no n.º 1 do artigo 390.º do Código do Trabalho, em caso de despedimento ilícito, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento;
ii) porém, se nesse período, ou em parte desse período, ainda que se mantivesse o contrato de trabalho, por motivo que não lhe é imputável, maxime, por doença, o trabalhador não podia exercer a actividade, tal significa que em relação ao período em causa o não cumprimento da obrigação por parte do trabalhador não é imputável à empregadora, e, por consequência, que esta não deve suportar a sua contraprestação (pagamento da retribuição);
iii) por regra, em cumprimento do disposto no n.º 2, alínea a) do mesmo artigo, nas retribuições intercalares há lugar à dedução dos proporcionais de retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal que o trabalhador recebeu referente ao trabalho prestado no ano de cessação do contrato;
iv) mas tal dedução não é de operar se na fixação das retribuições intercalares nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, e quanto ao cálculo de férias, subsídio de férias e de Natal, o tribunal não atendeu a tal período por considerar que o trabalhador já tinha recebido os devidos proporcionais.
v) o subsídio de desemprego a entregar à segurança social, nos termos da alínea c), do n.º 2 do artigo referido, tem sobretudo a sua razão de ser na circunstância de se tratar de uma prestação do Estado, substitutiva da retribuição, e que recuperada esta, deve aquele ser devolvido;
vi) por isso, inexiste fundamento para tal devolução se houver uma causa que exclua o recebimento pelo trabalhador das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare o despedimento ilícito e se relativamente ao mesmo período o trabalhador não recebeu qualquer prestação substitutiva dessa retribuição, que não o subsídio de desemprego.

Vencidos nos respectivos recursos, cada um dos recorrentes deverá suportar o pagamento das custas do recurso que interpôs (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto por B…, bem como ao recurso subordinado interposto por C…, S.A., e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas de cada um dos recursos pelo respectivo recorrente.

Porto, 19 de Maio de 2014
João Luís Nunes
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva