PROCESSO DE ACIDENTE DE TRABALHO
DOENÇA PROFISSIONAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
INTERRUPÇÃO
PRAZO
Sumário

I - No direito processual laboral só é permitido o recurso à legislação adjectiva comum em dois casos: a) ou porque a norma de direito adjectivo laboral para ele remete. b) ou porque o direito adjectivo laboral não prevê a situação concreta.
II - Com a doutrina do n. 4 do art. 122 do CPT criou-se, relativamente aos processos por acidente de trabalho e doenças profissionais um regime especial de suspensão, independente, quanto ao prazo e efeitos, do regime adjectivo geral e comum.
III - Nos termos do n. 2 da Base XL da Lei 2127 o instituto de interrupção da instância é incompatível com a natureza dos processos por acidente de trabalho e doença profissional.

Texto Integral

1 - Em 11 de Novembro de 1991, (A), solteiro, empregado de balcão da indústria hoteleira, residente na Rua (K), em Odivelas, veio participar ao Tribunal do Trabalho de Lisboa que, cerca das 02,30 horas do dia 11 de Setembro de 1990, momentos depois de ter saído das instalações da sua entidade patronal, Santos & Nazaré, Limitada, com sede na Av. Fontes Pereira de Melo, n. 35, loja 23, nesta cidade, sob cuja autoridade e direcção esteve a trabalhar até essa hora, arranjou boleia de um jovem, que tinha estado, até essa altura, no Bar da citada firma, e se fazia transportar numa motorizada de 50 cms.3, o qual, por acaso, mora, também, como ele, em Odivelas; ao descer a Calçada de Carriche, quando fazia a curva, o condutor não tomou as devidas precauções, tendo-se despistado pelo que o participante foi projectado no solo, sofrendo fractura exposta do fémur esquerdo, tíbia e peróneo da perna direita e uma lesão do nervo; participado o sinistro à Companhia de Seguros Bonança, pela sua Entidade Patronal, a Seguradora não levantou quaisquer problemas e tratou o sinistrado, devidamente, até fins de Outubro de 1991, tendo, em 25 desse mês escrito à Segurada a carta de fls. 8 destes autos, declinando a sua responsabilidade quanto àquele acidente e suas consequências.
2 - Distribuída a participação ao 5 Juízo 2 Secção daquele Tribunal, e autuado o respectivo processo com o n. 623/91-A.T., ordenou o Ex.mo Delegado do Procurador da República as diligências que entendeu necessárias para o efeito e designou, oportunamente, nos termos do artigo 105 do Cód. Proc. Trab., o dia 25 de Fevereiro de 1991 para exame médico e tentativa de conciliação, esta última, entre o sinistrado, a Seguradora e a Entidade patronal.
Tendo-se frustrado a aludida tentativa de conciliação, em virtude de as presumiveis responsáveis serem de opinião de que o caso dos autos não era acidente de trabalho, o dito Magistrado do Ministério Público fez exarar no respectivo auto o seguinte Despacho:
Nos termos do art. 115 do CPT não se realizando acordo, o Agente do MP deverá colher os elementos necessários para a propositura da acção. Todavia no caso presente, entendemos não se estar perante um acidente de trabalho, designadamente porque se não verifica um risco particular e específico no trajecto do local de trabalho para a sua residência. Assim sendo, não se enquadrando o presente sinistro na previsão legal da base V, n. 2 al. b), da Lei n. 2127, de 3-8-1965, decide-se recusar o patrocínio ao sinistrado, nos termos do art. 9 n. 1, do C. P. Trabalho.
Fica o sinistrado notificado de que pode reclamar deste despacho, no prazo de 15 dias, para o Ex.mo Procurador da República deste Tribunal.
3 - O sinistrado mostra-se notificado deste despacho, no próprio auto de conciliação, ou seja, no dia 25 de Fevereiro de 1991.
Tendo-lhe sido feitos conclusos os autos, em 26 de Março do mesmo ano, o Mmo Juiz nele lavrou o Despacho da mesma data, de fls. 26.
O MP recusou o patrocínio ao sinistrado consoante fls. 25 e notificou-o da possibilidade de reclamação em 15 dias para o seu "imediato superior hierárquio".
Em tal prazo o sinistrado não apresentou qualquer reclamação. Assim e nos termos do disposto nos artigos 122, n. 1 e 9, n. 2 do CPT, tendo já decorrido o prazo de propositura da acção, ordeno o arquivamento dos autos, após satisfação pelo Cofre G. dos T. do auto de fls. 19.
Sem custas (art. 3, 1,f), CCJ e 446 CPCivil). Notifique.
Este despacho foi notificado às partes e ao Ministério Público.
4 - Não se conformando com este despacho, de 26-3-1991, do Mmo Juíz, o Ministério Público veio dele interpor o presente recurso de agravo, em cujas alegações formulou as seguintes CONCLUSÕES:
1 - A instância iniciou-se com o recebimento da participação - art 27, n. 2, do Código de Processo de Trabalho.
2 - Os processos emergentes de acidentes de trabalho correm oficiosamente, dado versarem sobre direitos indisponiveis - art. 27, n. 1, do Cód. Proc. Trabalho, e Bases XL e XLI da Lei n. 2127, de 3-8-65.
3 - O art. 122, do Código de Processo do Trabalho, é aplicável ainda que o sinistrado não seja patrocinado pelo MP.
4 - Sendo o seu n. 4 imperativo, impõe ao Juiz que suspenda a instância, findo o prazo referido no n. 1 ou a sua prorrogação nos termos do n. 2.
5 - O douto despacho recorrido violou expressamente tal preceito, ao mandar arquivar o processo.
Nenhuma das partes contra-alegou e o Ex. mo Representante do Ministério Público junto desta Relação é de parecer que o recurso merece provimento. A fls. 34 e v dos autos, o Mmo Juíz "a quo", ao que parece, segundo o disposto no n. 2 do artigo 78 do Cód. Proc. Trab., manteve "o despacho recorrido nos seus precisos termos, sem necessidade de ulteriores considerações não obstante o expendido pelo MP a fls. 27-29.
5 - Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
A única questão aqui em discussão é a de saber se o Mmo Juiz "a quo", no despacho recorrido, decidiu correctamente, ao mandar arquivar os autos, ou se, pelo contrário, decidiu mal, pois deveria ter decretado a suspensão da instância.
O problema é muito simples e não pode deixar de levar, sem qualquer nota discordante que se conheça - a não ser a do Ex. mo Magistrado recorrido - ao total.
A) Antes, porém, a título de questão prévia, poderia perguntar-se se o Ministério Público terá legitimidade para recorrer, no caso dos autos, uma vez que, sendo, por imperativo legal, patrono oficioso do sinistrado, lhe recusou o patrocínio!
A resposta a esta pergunta é, apesar de tudo!, afirmativa.
Na verdade, segundo o preceituado no artigo 3 da actual L.O.M.P. (Lei n. 47/86, de 15 de Outubro, Lei Orgânica do Ministério Público):
1 - Compete especialmente ao Ministério Público: ... c) Exercer o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de carácter social.
Por outro lado, o artigo 5 da mesma Lei dispõe:
1 - O Ministério Público tem intervenção principal nos processos: ... d) Quando exerce o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de carácter social.
4 - O Ministério Público intervêm nos processos acessoriamente: ... b) Nos demais casos previstos na lei.
Não pode deixar de se considerar que é um dos casos previstos na alinea b) do n. 4 do citado artigo 5 a hipótese contida no artigo 10 do Código de Processo do Trabalho, ao dizer: Constituido mandatário judicial, cessa o patrocínio judiciário que estiver a ser exercido, sem prejuízo da intervenção acessória do Ministério Público.
A recusa do patrocínio está, por sua vez, regulada no artigo 9 daquele Código.
Ora, não pode deixar de se equiparar a situação de recusa de patrocínio, sem reclamação para o superior hierárquico ou com reclamação indeferida, à da constituição de mandatário judicial, sob pena de o Ministério Público, não obstante ter recusado o patrocínio judiciário, ser obrigado a continuar a exercê-lo...
Portanto, ainda que a título acessório, é legítima a intervenção do Ministério Público nestes autos. b) Vejamos, então, a questão fulcral destes autos!
1 - Nos termos do artigo 102 do Cód. Proc. Trab., "o processo inicia-se por uma fase dirigida pelo Ministério Público e terá por base participação do acidente..." (n. 1).
Esta participação é, exactamente, aquela a que se refere o n. 2 do artigo 27, quando afirma que nestas acções (os processos emergentes de acidentes de trabalho) a instância inicia-se com o recebimento da participação.
Como se pode ler em ALBERTO LEITE FERREIRA, in Código de Processo do Trabalho Anotado, págs. 125 e 126:
Dispõe o n. 2 do art. 27 que nos processos por acidente de trabalho e doenças profissionais é o recebimento da participação que marca o início da instância. Os processos desta natureza têm sempre por base uma participação - art. 102 do Código, 14 3 segs. do Decreto n. 360/71 e base XXX, n. 1, da Lei n. 2127.
De harmonia com o preceituado no art. 122, n. 1, daquele primeiro diploma, se as partes não chegarem a acordo ou se o acordo a que tenham chegado não for homologado, e não se verificar a hipótese prevista no art. 118, deve o Ministério Público, no prazo de quinze dias, elaborar e apresentar a petição inicial, ou o requerimento a que se refere a alínea b) do art. 120, dando assim início à fase contenciosa, isto é, à acção propriamente dita.
Todavia, o que marca o início da instância não é a apresentação da petição ou do requerimento referidos no art. 122, n. 1, mas sim a apresentação da participação a que se refere o art. 102.
Com tal orientação pretendeu-se evitar, na medida do possível, o decurso do prazo para o exercício do direito de acção ou caducidade - base XXXVIII, ns. 1 e 2, da Lei n. 2127 - interrompido pelo recebimento na secretaria da participação.
Como se vê, procede a 1 das conclusões do Recorrente.
2 - Por outro lado, os processos emergentes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais têm natureza urgente e correm oficiosamente (art. 27, n. 1, do Código). E por isso correm sem necessidade do impulso das partes.
Como decorre das disposições legais já citadas, do Código de Processo do Trabalho, a instância inicia-se com o recebimento da participação, enquanto a fase contenciosa começa com a petição inicial, ou com o requerimento para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho. Isto representa um desvio, quando ao princípio consagrado no n. 1 do artigo 267 do Cód. Proc. Civil, segundo o qual a instância se inicia com a proposição da acção, considerando-se esta proposta com a entrada da petição respectiva na secretaria do tribunal.
A este respeito pode voltar a citar-se ALBERTO LEITE FERREIRA, ibidem, págs. 470 e 471, dada a sua inegável autoridade:
Dispõe o art. 285 do Cód. Proc. Civil que a instância se interrompe quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento.
Importa saber se esta doutrina é de aplicar também aos processos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, isto é, se o decurso do prazo de um ano e dia sobre a data da notificação do despacho que ordenou a suspensão conduz, por igual modo, à interrupção da instância e, portanto,
à caducidade do direito do sinistrado ou doente ou dos seus beneficiários.
Em direito adjectivo laboral o recurso ao direito adjectivo comum, somente em dois casos será possível: a) ou porque a norma de direito adjectivo laboral para ele remete. b) ou porque o direito adjectivo laboral não prevê a situação concreta.
No primeiro, a observância dos princípios do direito processual civil comum faz-se por força do comando expresso na norma remetente; no segundo, faz-se por força da alínea a) do n. 2 do art 1 do Cód. Proc.
Trabalho.
Se, porém, se atentar na redacção do n. 4 do art. 122 em nota, logo se concluirá que se não verifica nem uma nem outra situação.
Não há, com efeito, no Código de Processo do Trabalho qualquer disposição que expressamente imponha o recurso aos princípios do art. 285 do Cód. Proc.
Civil nem, tão-pouco, se está perante um caso omisso que aquele diploma não tenha previsto.
Os processos por acidente de trabalho e doenças profissionais correm oficiosamente e, por isso, sem necessidade do impulso das partes - art. 27, n. 2.
Como consequência deste seu curso oficioso assim estabelecido, dispôs o legislador no art. 122, n. 4 que:
Findo o prazo referido no n. 1 ou a sua prorrogação nos termos do n. 2, o processo é concluso ao juíz, que considerará suspensa a instância, sem prejuízo de o Ministério Público dever propor a acção logo que para tal tenha reunido os elementos necessários.
Ora se a suspensão da instância não pode afectar o dever que sobre o Ministério Público recai de propor a acção logo que para tal esteja munido dos elementos necessários, de concluir é que, nos processos em causa, a suspensão não está limitada a determinado período temporal. Isto quer dizer, por outras palavras, que qualquer que seja o período de tempo de suspensão, nunca o seu decurso levará à interrupção da instância.
Aliás, o instituto da interrupção da instância é incompatível com a natureza dos processos por acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Com efeito, a base XL da Lei n. 2127, de 3 de Agosto de 1965, estabelece no seu n. 2, a nulidade dos actos e contratos que visem a renúncia dos direitos nela estabelecidos.
Ora os processos por acidentes de trabalho ou doenças profissionais tendem justamente a assegurar a satisfação de tais princípios. O seu objecto é, assim, constituído por direitos indisponíveis. São processos dominados por normas de interese e ordem pública.
Logo, se a paralização do processo por mais de um ano por negligência do sinistrado ou doente ou dos respectivos beneficiários em promover os seus termos ou o de algum incidente do qual dependesse o seu andamento implicasse a interrupção da instância, passariam os interesados a ter ao seu alcance o expediente que facilmente lhes permitiria, contra o princípio proibitivo do n. 2 da base XL da Lei n. 2127, renunciar às indemnizações ou pensões devidas.
Parece, assim, de concluir que, com a doutrina do n. 4 do art. 122 do Cód. Proc. Trabalho se criou, relativamente aos processos por acidente de trabalho e doenças profissionais, um regime especial de suspensão, independente, quanto ao prazo e efeitos, do regime adjectivo geral e comum.
Uma derradeira nota: não se vê qualquer razão válida para o determinado no artigo 122 não se aplicar
às hipóteses em que o sinistrado, ou doente profissional, por o ter pode ver-se CARLOS ALEGRE, in Código de Processo do Trabalho Anotado, 2 ed., 1987, pág.165.
De tudo o que se deixou escrito, fácil é de concluir que o Despacho recorrido mal andou, pois no direito processual laboral só é permitido o recurso à legislação adjectiva comum nos casos não directamente regulados no Código de Processo de Trabalho e, mesmo assim, segundo as regras contidas no seu artigo 1. E no caso dos autos é evidente haver um preceito directamente regulador da hipótese sub-judice: o artigo 122. Não podia, pois, o Mmo Juíz "a quo" mandar arquivar os autos, mas, antes, declarar a instância suspensa!
Violou, assim, a decisão recorrida o disposto no artigo 122 do Código de Processo de Trabalho.
Procedem, assim, por inteiro as restantes conclusões formuladas nas suas alegações, pelo Recorrente.
6 - Nestes termos, decide-se, no Tribunal da Relação de Lisboa, dar provimento ao agravo e revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituido por outro a declarar suspensa a instância, nos termos do n. 4 do artigo 122 do Código de Processo do Trabalho.
Sem custas.
Lisboa, 27 de Janeiro de 1993.